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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 22 de novembro de 2009

1530) Mercosul: análise prospectiva (muito breve...)

Respostas a estudante necessitando terminar sua monografia de fim de curso (sempre me chegam consultas desse tipo, e eu ainda não abri uma consultoria paga, administrada por algum capitalista sequioso de lucros, pois fico respondendo graciosamente...).
Alerta aos incautos: respondi sonolento, entre milhares de outras ocupações, e não posso responder, eu mesmo, pela fiabilidade e consistência das respostas, pois são ideias, opinioes e argumentos pessoais, sem o cuidado de uma pesquisa mais extensa ou uma elaboração mais extensa e profunda.

Análise prospectiva do MERCOSUL: Limites e possibilidades
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas por estudante de RI, de SP.

1) Como a entrada da Venezuela pode afetar o Mercosul no futuro?
O Mercosul possui poucas regras, dotadas de alguma ambiguidade, sobre a adesão ou aceitação de novos membros. O assunto está regulado no Tratado de Assunção e em algumas poucas decisões do Conselho de Mercosul, todas elas requerendo a aceitação plena de seus principais instrumentos e mecanismos constitutivos para que o ingresso de um novo membro se concretize.
O que diz o Tratado de Assunção sobre a adesão de novos membros? O capítulo IV, em seu artigo 20, relativo à adesão é muito simples: “O presente Tratado estará aberto á adesão, mediante negociação, dos demais países membros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicitações poderão ser examinadas pelos Estados Partes depois de cinco anos de vigência deste Tratado. Não obstante, poderão ser consideradas antes do referido prazo as solicitações apresentadas por países membros da Associação Latino-Americana de Integração que não façam parte de esquemas de integração subregional ou de uma associação extra-regional. A aprovação das solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados Partes.”
Algumas decisões do Conselho condicionam esse ingresso à aceitação de todos os instrumentos constitutivos do Mercosul – inclusive do Protocolo de Ushuaia, relativo à cláusula democrática no Mercosul – e suas principais normas de liberalização e de ordenamento comercial, entre elas a Tarifa Externa Comum, que constitui o dispositivo essencial de uma união aduaneira, o que o Mercosul pretende ser. As regras são algo vagas, mas existem, e a Venezuela, ou qualquer outro candidato ao ingresso no bloco, deveria fazer o seu dever de casa, antes de poder ingressar no Mercosul.
Uma simples observação da realidade, com base em fatos objetivos e em declarações do próprio presidente da Veneuzeula, Hugo Chávez, confirma que a Venezuela não se encontra preparada, nem está sendo preparada, para ingressar no Mercosul, com base unicamente nos dispositivos de caráter econômico-comercial e não necessariamente aplicando o Protocolo de Ushuaia sobre vigência da democracia, que na verdade se aplica apenas às rupturas democráticas – ou seja, golpe de Estado e eventos do gênero – não a derrocadas plebiscitárias do regime democrático no país.
O presidente Chávez declarou publicamente, no momento em que decidia incorporar a Venezuela ao bloco, que achava este muito conservador ou liberal, e que pretendia transformá-lo em algo mais próximo de seus ideais, que como sobejamente conhecido é algo chamado “socialismo do século 21”. Em todo caso, ele não parece comprometido a cumprir os requisitos da liberalização comercial dentro do bloco e o da aceitação da TEC para fora do bloco, o que inviabiliza, ipso facto, o ingresso pleno da Venezuela no Mercosul.
Indo direto ao ponto, se pode dizer que o ingresso da Venezuela, nessas condições – de não cumprimento efetivo de clausulas fundamentais constantes de seus instrumentos constitutivos – pode fragilizar a arquitetura institucional do Mercosul, fazê-lo perder credibilidade política – do ponto do respeito a regras de caráter legal – e inviabilizar o seu funcionamento futuro enquanto união aduaneira e projeto de mercado comum. É óbvio que um mercado comum, ou mesmo uma simples união aduaneira, requer a pela liberalização interna dos fluxos comerciais de bens e serviços e a aceitação, para fins externos, das regras de política comercial acordadas pelo bloco, das quais a TEC é a mais importante. Se a Venezuela não cumpre esses requisitos mínimos parece evidente que seu ingresso no Mercosul só pode ser feito em detrimento de sua estrutura jurídica, seus compromissos políticos e de sua respeitabilidade internacional.
Em uma palavra: ou a Venezuela aceita o Mercosul como ele é, e cumpre suas normas, ou o Mercosul deixará de funcionar como um bloco homogêneo como pretende ser. O que está em causa, portanto, é a própria sobrevivência do Mercosul.

2) Quais são as possibilidades do bloco nos próximos 15 anos?
Elas são incertas, na medida em que ele não avançou praticamente nada, no essencial, os últimos dez anos. De fato, desde 1999, o Mercosul não conseguiu consolidar e aprofundar a liberalização comercial interna, e parece inclusive ter retrocedido nesse aspecto, ou seja, se tornou mais protecionista mesmo no comércio recíproco. Para não me estender mais sobre especulações sem base factual, remeto a meus artigos já publicados:
(a) “Mercosul e América do Sul na visão estratégica brasileira: revisão histórica e perspectivas para o futuro”, revista Asteriskos (Corunha; IGESIP, vol. 4, ns. 7-8, 2009, p. 155-185; ISSN: 1886-5860; disponível no site pessoal);
(b) “A integração na América do Sul em perspectiva histórica: um balanço”, Espaço da Sophia (Tomazina – PR, ISSN: 1981-318X, Ano 2, n. 23, p. 1-17, fevereiro de 2009; edição eletrônica);
(c) “Evolução histórica do regionalismo econômico e político da América do Sul: Um balanço das experiências realizadas”, Cena Internacional (ano 10, n. 2, p. 72-97; ISSN: 1982-3347);
(d) “Sete teses impertinentes sobre o Mercosul”, Via Política (22.04.2007).
(e) “Uma pesquisa sobre o Mercosul: sua possível evolução até 2011 e 2021”, Espaço Acadêmico (ano 7, nr. 79; ISSN: 1519-6186; dezembro 2007).
(f) “O Brasil e o processo de formação de blocos econômicos: conceito e história, com aplicação aos casos do Mercosul e da Alca”, in Eduardo Biacchi Gomes e Tarcísio Hardman Reis (orgs.), Globalização e o Comércio Internacional no Direito da Integração (São Paulo: Editora Aduaneiras, 2005; p. 17-38).
(g) “Políticas de Integração Regional no Governo Lula”, Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB (Brasília, v. 2, n. 1, p. 20-54, jan/jun. 2005).

3) Uma unificação monetária faz sentido, a longo prazo?
Todo e qualquer projeto de unificação monetária só faz sentido se no quadro de um mercado comum unificado, ou seja, um espaço econômico perfeitamente integrado no interior do qual não faz mais sentido preservar moedas nacionais independentes ou soberanas, se todos os fatores de produção e todos os bens e serviços circulam livremente no interior dessa jurisdição unificada. Ou seja, a moeda comum não existe por si mesma, mas sim é o sustentá-lo de um mercado comum, como ocorre no interior das nações soberanas.
Aplicado ao caso do Mercosul, isso significa que se, e quando, o Mercosul for um mercado verdadeiramente unificada, fará todo sentido pensar-se na adoção de uma moeda comum, desde, é claro, que todas as demais políticas econômicas (macroeconômicas, como a fiscal, a monetária e a cambial; e setoriais, como a industria, a agrícola e, sobretudo, a comercial) estiverem harmonizadas entre si, forem convergentes – ou pelo menos não divergentes – e responderem a uma verdadeira coordenação de posições e medidas tomadas pelas autoridades nacionais. Aliás, a adoção de uma moeda comum exige esse coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, a harmonização de diversas outras políticas e a criação de um instituto monetário, prelúdio a um banco central unificado, ou único, do bloco em questão.
Olhando-se a realidade das coisas, percebe-se que o Mercosul está ainda muito longe desses requisitos básicos e mínimos para o estabelecimento de uma moeda comum, ou sequer para começar-se a pensar nessa unificação. Pode ser que no longo prazo essa situação mude, mas no curto e no médio prazo eu não vejo nenhuma possibilidade de que isso possa acontecer e, portanto, nem vale a pena especular sobre o assunto neste momento.

Brasília, 20 de outubro de 2009

Complemento de perguntas e respostas em 09.11.2009

4) O senhor acredita que os acordos UE - MERCOSUL sao realmente viáveis para o Mercosul, ou não passam de acordos que visam apenas vantagens aos países europeus?
PRA: Não se trata de acreditar ou não, mas de simples constatação de fatos objetivos: todo e qualquer acordo entre a UE e o Mercosul só será finalizado se, e quando, ambos os blocos se declararem satisfeitos quanto aos resultados alcançados. A despeito da retórica integracionista, sabemos quanto tem sido difícil chegar a um resultado amplamente satisfatório, tantos são os obstáculos a um acordo minimamente equilibrado entre as duas partes. Grosso modo, a UE possui diversas sensibilidades – vale dizer restrições – na área agrícola e o Mercosul outras tantas nas áreas industrial, de investimentos, de serviços e de propriedade intelectual (denominações de origem).
Ou seja, se os europeus reduzirem seus ímpetos protecionistas na área agrícola talvez o Mercosul concede liberalização maior na área industrial, mas os imponderáveis e os obstáculos, dos dois lados, são muito grandes.

5) E a UNASUL? Em sua opinião, aparece como uma ajuda na forma de bloco politico regional para o MERCOSUL, ou pode, futuramente ser uma ameaça para o bloco econômico em questao?
PRA: Não creio que a Unasul seja uma ameaça ao Brasil ou ao Mercosul, tanto porque o Brasil vinha impulsionando o projeto da Unasul (pelo menos no seu formato da Casa, criada em dezembro de 2004). A Unasul nasceu, em princípio, para ocupar o lugar da IIRSA, que tinha sido criada em 2000 para encaminhar projetos de integração física na região. Até agora nada foi feito, mais por dificuldades burocráticas nos países da região do que por incompetência das burocracias nacionais (embora não se possa excluir essa hipótese também).
Se e quando a Unasul começar a funcionar de verdade, pode ser que ela constitua um poderoso elemento auxiliar, de natureza política, ao Mercosul. Mas não devemos esquecer que as políticas e projetos de integração dos países da região conhecem notáveis divergências na atualidade, à raiz de uma visão própria mantida pelos ditos bolivarianos, países dotados de uma visão profundamente estatizante do processo de integração, numa conjuntura em que os Estados dispõem de poucos recursos para tais projetos, e que o setor privado deveria ser extensa e intensamente mobilizado para tanto.

Paulo Roberto de Almeida

Um comentário:

Laura disse...

Prezado Paulo Almeida, estou fazendo meu mestrado na Universidade de Montréal. Escrevo uma comparação sobre a proteção da propriedade intelectual nos países do Mercosul e em outros países/blocos econômicos. Tenho tentado ter acesso a um protocolo do mercosul ("protolo de princípios e regras básicas em matéria de Propriedade Intelectual"), mas sem sucesso. O Sr. tem algum conhecimento de onde posso conseguir esse documento ou, pelo menos, sabe alguma coisa sobre o seu conteúdo. Realmente acredito ser de suma importância para a minha pesquisa e acredito que a falta de análise do mesmo tornaria qualquer desenvolvimento sobre o assunto incompleto e,talvez, irrelevante.
Grata, desde já, Laura Lessa Gaudie Ley (lauralgley@gmail.com).