Sem querer parafrasear Michel Foucault (a quem considero, aliás, um grande enrolador de palavras), permito-me aqui dar o devido destaque a dois comentários postados a proposito do numero 2 desta série sobre a politica nuclear do Irã.
O tema é conhecido, e não preciso explicar, para quem acompanha a atualidade.
Já o tema do debate é muito simples: trata-se de saber se o que foi assinado em Teheran pelos chanceleres da Turquia, do Brasil e do Irã era um acordo formal, ou uma simples declaração.
Vocês escolhem o que querem. Eu fico com a realidade das coisas...
Paulo Roberto de Almeida
1) José Marcos deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Politica Nuclear do Iran (2): uma simples declarac...":
PALAVRAS SÃO PALAVRAS NADA MAIS QUE PALAVRAS
Prezado professor Paulo Roberto de Almeida,
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 – ratificada 40 anos depois no Brasil - define no artigo 2º, parágrafo 1º, que tratado “significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. Consultando o livro “Direito Internacional Público” de Nguyen Quoc Dinh et alii, os autores afirmam que ao dispor “que o termo “tratado” refere-se a um acordo internacional qualquer que seja sua denominação particular, a Convenção confirma a existência de uma pluralidade de denominações equivalentes” (Nguyen Quoc Dinh, pág 123). Rezek, no livro que citei no primeiro comentário, define tratado como “todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos.” A partir dessas definições amplas de tratados, pode-se dizer que a tal “declaração tripartite” é um acordo internacional e, por conseguinte, um tratado. Ressalte-se, contudo, que há outras definições mais específicas para “declarações”, “acordos” e “tratados”, como as que o senhor forneceu. Tais definições, porém, não constam na Convenção de Viena de 1969. É importante deixar claro que não há uma classificação terminológica definitiva, com aceitação universal. O uso reiterado de algumas nomenclaturas acaba sendo o fator primordial da aplicabilidade de uma expressão em relação a outra. Em resumo, trata-se de um problema de definição. Partindo de definições diferentes, chega-se a conclusões diferentes também. Não vejo motivo, porém, para censurar o ministro Celso Amorim por usar indistintamente os termos “declaração” e “acordo”.
PS. Para quem quiser consultar, o livro que citei é: “Direito Internacional Público” de Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
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2) paulo araújo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Politica Nuclear do Iran (2): uma simples declarac...":
Sobre diferenças entre as palavras e as coisas.
Minhas dúvidas estão esclarecidas pelo comentário do Paulo Roberto Almeida. Isto é, há sim uma distinção entre Acordo e Declaração. Ficou mais claro ainda que não foi por acaso que os países escolheram a estrutura formal (Declaração) mais adequada para colocar no papel a intenção explícita do governo iraniano em abrir uma negociação de troca dos 1200 quilos de urânio sob condição determinadas condições.
O problema na Declaração está, portanto, localizado nas intenções não explicitadas pelos iranianos no documento.
Olhada à luz dos fatos que a antecederam, a Declaração conjunta contempla somente um dos aspectos da negociação que a AIEA a bastante tempo tentava levar adiante com os aiatolás. Para a AIEA, a troca de urânio era somente a contrapartida com a qual a agência se compromissava sob a condição do Irã cumprir o acordo de salvaguardas (inspeções livres e não ocultamente de atividades de pesquisa nuclear e produção de urânio enriquecido) com a AIEA, previstos no TNP.
Olhada à luz dos fatos que a antecederam, estamos diante de uma situação que beira o nonsense: o governo brasileiro gestiona diplomaticamente a favor de um novo acordo para fazer o Irã cumprir os antigos acordos do TNP.
Se não estou enganado, quem recomendou que o CS da ONU imponha sanções ao Irã foi a AIEA, após o governo iraniano ter dado várias demonstrações de fato de que não pretende submeter-se ao controle da AIEA, o que está previsto no TNP.
Enfim, os próprio iranianos encarregaram-se de esclarecer as intenções não explicitadas na Declaração com as reiteradas manifestações de que não haveria qualquer relação entre o documento que explicita as condições da troca de urânio e a continuidade do programa de enriquecimento à margem ou acima das salvaguardas previstas no TNP:
"There is no relation between the swap deal and our enrichment activities ... We will continue our 20 percent uranium enrichment work," (Ali Akbar Salehi, chefe da agência atômica iraniana).
"We are not planning on stopping our legal right to enrich uranium," Iran's Foreign Ministry spokesman Ramin Mehmanparast told CNN by telephone.
É da lógica elementar a dedução de que o Irã possui mais urânio do que a quantidade que se propõe trocar. Os 1200 quilos de urânio enriquecido apresentados para troca eram uma quantidade estimada há 8 meses. Difícil acreditar que desde então os aiatolás mandaram parar o enriquecimento. Se você fosse um deles, mandaria parar?
Em poucas palavras, jogaram no lixo toda a retórica pacifista e conciliatória doas atuais chefes do Itamaraty. Em minha opinião, foram essas declarações dadas à imprensa as parteiras da resposta imediata dos países do 5+1.
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Por enquanto ficamos por aqui, numa história que promete se arrastar como uma novela da Globo (esta com consequências provavelmente mais trágicas).
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