sábado, 19 de junho de 2010

O governo censura... o governo (vai entender...)

A menos que seja o Governo (com G maiúsculo) censurando o governo (com g minúsculo). Ou o contrário. Ou apenas uma trapalhada. Ou uma distração. Ou um ataque repentino, e inesperado, de sinceridade. Ou apenas algum funcionário desatento que achou que podia publicar certas análises técnicas que, por acaso, não tinham ainda passado pelos filtros políticos (implacáveis?) de altos (ou autos?) companheiros encarregados da correção política e da justeza ideológica dos dados apresentados. Vai ver que os dados não eram bem aqueles, ou se recusavam a se enquadrar nos moldes triunfalistas do ministério da propaganda. Ou nossos bravos tecnocratas tinham esquecido de combinar seus dados com os russos (no caso, os dados do outro lado). Ou não fizeram antes o ajuste metodológico que os colegas argentinos estão fazendo nas suas estatísticas.
Enfim, são muitas as hipóteses, e eu não saberia dizer qual é a válida.
O governo (ou Governo?) certamente terá a sua, e assim poderemos dispor, nos próximos dias, de informações completas, verossímeis e sobretudo fiáveis.
Por enquanto, infelizmente, já não temos mais os dados à disposição para consultar.
Tentei várias vezes no site do Ministério do Planejamento, mas até mesmo a explicação para o desaparecimento dos dados tinha desaparecido. Que coisa!
Não seja por isso, transcrevo abaixo duas matérias que tem a ver com:

O caso misterioso dos dados governamentais desaparecidos

Como, por dificuldades de internet, estando num país em que esse acesso é limitado e por vezes muito difícil, não tive acesso aos originais, transcrevo a informação a partir das matérias publicadas no blog do jornalista Reinaldo Azevedo, que faz seus próprios comentários a respeito do assunto, sem que eu necessariamente endosse seus argumentos. Limito-me a transcrever informações. No final, tenho minha própria contribuição ao assunto, na parte que me interessa.
Paulo Roberto de Almeida

Um governo que não anda na educação, na reforma agrária, na infraestrutura… E é o próprio governo quem diz

Reportagem de Ribamar Oliveira, no Valor Econômico de hoje (19.06.2010), dá o que pensar. Parece haver ao menos um grupo lúcido no Ministério do Planejamento, que acredita que o país ainda não atingiu o nirvana. Leiam:

Em portal na internet, o Ministério do Planejamento, resgastando sua função de planejamento e avaliação da gestão, apresenta, pela primeira vez, avaliações críticas das diversas políticas públicas em execução pelo governo federal, junto com um conjunto abrangente de informações sobre temas econômicos, sociais e de infra-estrutura. Entre outras críticas, o portal diz que a política de reforma agrária do governo Luiz Inácio Lula da Silva não alterou a estrutura fundiária do país e nem assegurou, aos assentamentos, assistência técnica, qualificação, infraestrutura, crédito e educação. Afirma que, em futuro próximo, a produção de biodiesel não será economicamente viável e contesta a proposta de reconstrução de uma indústria nacional de defesa voltada para o mercado interno, prevista na Estratégia Nacional de Defesa. A situação é dramática também para a área da Educação, onde os problemas permanecem inalterados, com mudanças imperceptíveis.

O “Portal do Planejamento” levou um ano e meio para ser desenvolvido pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), do Ministério do Planejamento, e possui cerca de três mil páginas, abordando 53 temas. Além de destacar o insucesso da política agrária, o texto do portal informa que essa área do governo está, desde 2007, sem plano de voo e sem metas. O diagnóstico, feito pelo Ministério do Planejamento, afirma que a qualidade dos assentamentos é “muito baixa”.

O Planejamento diz que, apesar dos esforços feitos pelo governo por meio de programas como o Pronera e o Crédito-Instalação, além de ações do programa de Desenvolvimento Sustentável de Projetos de Assentamento, a qualidade de vida das populações assentadas “permanece muitas vezes a mesma que era antes” de elas terem sido assentadas. Outra crítica feita é a de que os programas oficiais não conseguiram elevar a renda dos agricultores mais frágeis, hoje beneficiários de políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família.

Na reflexão sobre a política agrícola, o portal diz que o modelo brasileiro se, por um lado, gerou um agronegócio eficiente e produtivo, por outro contribuiu para criar grande concentração de renda e riqueza que, aliada às restrições impostas pela legislação trabalhista ao meio rural, estimularam o fluxo migratório de trabalhadores para os centros urbanos. Segundo a avaliação, além da concentração de terras, “há no setor agropecuário uma concentração de dívidas”. O problema do endividamento, acrescenta, “permanece sem solução”.

Na avaliação da SPI, embora o Ministério da Agricultura tenha várias iniciativas voltadas para a sustentabilidade ambiental e o BNDES disponibilize linhas de financiamento específicas para a recuperação de áreas degradadas e melhor aproveitamento do solo e da água, “não foi possível identificar como essas iniciativas são monitoradas nem quais são os seus efetivos resultados”. O texto diz que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ainda não definiu uma política de curto ou médio prazo para a formação de um estoque estratégico e regulador de produtos agrícolas.

No setor de infraestrutura, os textos do portal oficial criticam, principalmente, a falta de gestão integrada sobre os diferentes temas. Um exemplo é a falta de articulação entre os ministérios de Minas e Energia, Transportes e Meio Ambiente no uso das bacias hidrográficas.

Ganhou destaque, no trabalho do Planejamento, o capítulo da Educação. Não são registrados avanços significativos nesta área, repetindo-se agora, com pouca nuance, os problemas identificados em 2003. Também ontem, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que reúne empresários e governo, a Educação foi tema central, com indicações de que deve merecer das autoridades investimentos prioritários. A educação básica sofre dos mesmos males que sofria em 2003: dificuldades de acesso, notadamente à educação infantil (creches) e ao ensino médio, baixa qualidade da educação oferecida, alta repetência, ainda uma evasão elevada, além de recrudescimento do antigo problema de defasagem idade-série.

Está baixa a frequência a creches, pois, até os 3 anos, apenas 18,1% das crianças as frequentam. No ensino fundamental, onde a escolaridade é quase universal, a ampla cobertura ainda convive com problemas de evasão (6,9%) e repetência (20,1%). No ensino médio, a frequência líquida está em 50,4%, ou seja, apenas a metade dos jovens na faixa etária apropriada estão na escola.

Os técnicos e gestores do Planejamento deixam claro, no seu amplo estudo, que é baixa a qualidade da educação em todos os níveis, os que concluem os cursos não têm o domínio dos conteúdos e as comparações com indicadores internacionais mostram deficiências graves no Brasil.

O analfabetismo funcional, entre jovens e adultos, está em 21% na PNAD de 2008, uma redução pequena com relação à PNAD de 2003, que era de 24,8%. O número absoluto de analfabetos reduziu-se, no mesmo período, de 14,8 para 14,2 milhões, o que aponta a manutenção do problema.

No capítulo sobre Defesa, embora, em sua conclusão, a análise sobre a Estratégia nacional de Defesa afirme ser “positiva” a tentativa de “mudança de paradigma” nas Forças Armadas e no ministério do setor, com maior controle civil, o documento traz uma crítica severa ao classificar de “altamente custosa” a exigência de dinheiro e pessoal prevista pelos responsáveis pelos planos militares do governo Lula. O documento prevê o possível fracasso, por erro de planejamento e falta de verbas públicas, da política de reconstrução da indústria de defesa. Critica também a criação do serviço militar obrigatório que, segundo os analistas do Planejamento, deveriam ter sido discutidas com a sociedade.

Procurado pelo Valor, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse, por meio da assessoria, que não tomou conhecimento antecipado de todo o conteúdo do portal. O ministério sustenta que o objetivo do portal não é fazer críticas, mas instrumentalizar o debate das políticas públicas. (Colaboraram Rosângela Bittar, Sergio Leo, Cristiano Romero e Danilo Fariello)

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GOVERNO LULA CENSURA PORTAL NA INTERNET QUE TRAZIAM DADOS DO PAÍS REAL, NÃO DAQUELE VENDIDO PELA PROPAGANDA

O decálogo de problemas que segue abaixo poderia se um roteiro utilizado pelos candidatos de oposição José Serra (PSDB) ou Marina Silva (PV). Mas não é — ou NÃO ERA. Ribamar Oliveira, do jornal Valor Econômico, colheu essas avaliações num portal oficial, do próprio governo (ver post de ontem). Antes que prossiga, uma síntese:

1 - a política de reforma agrária do governo Lula não alterou a estrutura fundiária do país nem assegurou aos assentamentos assistência técnica, qualificação, infra-estrutura, crédito e educação;
2 - a qualidade dos assentamentos é baixa;
3 - os programas oficiais não elevam a renda dos agricultores, que ficam dependendo do Bolsa Família;
4 - imposições da legislação trabalhista no campo acabam provocando fluxo migratório para as cidades;
5 - a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ainda não definiu uma política de curto ou médio prazo para a formação de um estoque estratégico e regulador de produtos agrícolas.
6 - em futuro próximo, a produção de biodiesel não será economicamente viável;
7 - a reconstrução de uma indústria nacional de defesa voltada para o mercado interno, prevista na Estratégia Nacional de Defesa, não se justifica;
8 - a educação brasileira avançou muito pouco e apresenta os mesmos índices de 2003 em várias áreas:
9 - é baixa a qualidade da educação em todos os níveis; os que concluem os cursos não têm o domínio dos conteúdos, e as comparações com indicadores internacionais mostram deficiências graves no Brasil;
10 - O analfabetismo funcional, entre jovens e adultos, está em 21% na PNAD de 2008, uma redução pequena com relação à PNAD de 2003, que era de 24,8%. O número absoluto de analfabetos reduziu-se, no mesmo período, de 14,8 para 14,2 milhões, o que aponta a manutenção do problema.

Essas informações todas estavam no “Portal do Planejamento”, criado pela Secretaria de Planejamento e Investimento Estratégico (SPI), tarefa que durou um ano e meio. E QUE SUMIU EM UM DIA. Bastaram uma ordem e um clique. É isto mesmo: o ministro Paulo Bernardo (Planejamento) mandou tirar o site do ar. Eram cerca de 3 mil páginas abordando 52 temas.

Bernardo justificou assim a censura em entrevista à rádio CBN:
Vários ministros me ligaram para dizer: ‘Olha, estão fazendo críticas às políticas desenvolvidas pelo meu ministério, mas nós não fomos chamados a discutir’. Ficamos numa posição um pouco delicada de explicar que aquilo não era posição fechada do Planejamento; são técnicos fazendo debate.”

Entendo… o ministro convocou uma reunião para segunda-feira com os responsáveis pelo Portal:
Me parece que um site para discutir políticas de governo deve ter um nível de acesso para quem é gestor, outro para quem é jornalista e outro para o público em geral”.
Deixe-me adivinhar como seria essa gradação e o produto oferecido a cada um:
- ao gestor, a verdade;
- ao jornalista, uma quase verdade;
- ao público, o de sempre…

Vamos compreender
É evidente que nenhum governo gosta de ser criticado pelo… próprio governo. Não me atrevo a dizer que este ou aquele não agiriam assim. Aliás, acho curioso que um portal dessa importância vá ao ar sem o conhecimento do chefe da pasta. A questão aí não é matéria de gosto, não.

O que o portal revela é que existem dois Brasis: aquele real, conhecido pelos técnicos do governo, que veio a público por um breve instante, e o outro, o de propaganda, este de novas auroras permanentemente anunciadas pelo governo, ancorado numa verba bilionária de propaganda.

Como se nota, Paulo Bernardo acha que é preciso trabalhar com “níveis” de acesso, como se aqueles informações não fossem dados sobre políticas públicas, mas matéria de “segurança nacional”. Informações relevantes, pois, para orientar tais políticas passariam a ser privilégio de uma espécie de casta.

Nunca antes na história destepaiz!!!

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Permito-me, ao final, destacar esta parte, um assunto que foi objeto de dois trabalhos meus, em que eu afirmava exatamente isso:

No capítulo sobre Defesa, embora, em sua conclusão, a análise sobre a Estratégia Nacional de Defesa afirme ser “positiva” a tentativa de “mudança de paradigma” nas Forças Armadas e no ministério do setor, com maior controle civil, o documento traz uma crítica severa ao classificar de “altamente custosa” a exigência de dinheiro e pessoal prevista pelos responsáveis pelos planos militares do governo Lula. O documento prevê o possível fracasso, por erro de planejamento e falta de verbas públicas, da política de reconstrução da indústria de defesa. Critica também a criação do serviço militar obrigatório que, segundo os analistas do Planejamento, deveriam ter sido discutidas com a sociedade.

Meus trabalhos vão citados aqui para quem desejar lê-los na íntegra:

895. “Estratégia Nacional de Defesa: comentários dissidentes”, Mundorama (14.03.2009; link: http://mundorama.net/2009/03/14/estrategia-nacional-de-defesa-comentarios-dissidentes-por-paulo-roberto-de-almeida/). Via Política (23.03.2009; link: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view.php?id_diplomatizando=92). Relação de Originais n. 1984.

972. “A Arte de NÃO Fazer a Guerra: novos comentários à Estratégia Nacional de Defesa”, Mundorama (1.06.2010; link: http://mundorama.net/2010/06/01/a-arte-de-nao-fazer-a-guerra-novos-comentarios-a-estrategia-nacional-de-defesa-por-paulo-roberto-de-almeida/comment-page-1/#comment-1677). Relação de Originais n. 2066.

No primeiro texto eu escrevia que o "problema [da END] ao tratar do planejamento, produção e utilização de “bens” de defesa, quaisquer que sejam eles, (...) [é] que o elemento básico de ‘edifício securitário e dissuasório’ passou a ser o da autonomia absoluta, quaisquer que sejam os custos explícitos e implícitos – ou seja, o custo-oportunidade, em linguagem econômica – dessas opções fundamentais da estratégia ‘nacional’ de defesa...".
Eu também escrevia, no texto publicado em março de 2009, que "o documento em si [ou seja, a END] não foi feito por economistas, não recebeu uma análise de algum ‘espírito econômico’, nem pretende prestar contas de seus custos econômicos para o país e a sociedade. Simplificando ao extremo – mesmo sob o risco de ver o documento transformado em caricatura dele mesmo – eu diria que o documento é completamente anti-econômico, não apenas por propor uma estratégia grandiosa, inalcançável no plano dos recursos disponíveis, mas sobretudo por propor um caminho de realização dessa estratégia que não leva em conta o princípio básico da escassez de recursos..."
Eu acrescentava que a END não podia ser implementada: "Para que isso ocorra, seria provavelmente necessário mais do que um PIB inteiro – sem que um valor preciso possa ser de fato estimado – para que toda a imensa ambição da END seja integralmente implementada."
Dizia mais adiante: "A outra grande deficiência do documento é o fato de que, mesmo sendo a END hipoteticamente implementável – supondo-se que existissem meios infinitos e nenhum constrangimento orçamentário – ela não teria os efeitos que seus propositores pretendem, ou apenas teria ‘certos’ efeitos, característicos, precisamente, de sua concepção fundamental: soberanista, nacionalista, autonomista no mais alto grau, ignorando não apenas a interdependência econômica contemporânea, como também os propósitos maiores da política externa brasileira, seja em sua dimensão regional, seja em seus objetivos multilaterais e internacionais."
Eu terminava esse primeiro texto com uma espécie de gozação: "uma outra END é possível".

No segundo texto, bem mais extenso, eu dizia que "a END, a despeito de seu nome e de seus nobres objetivos, não é bem uma estratégia e tampouco se destina, em sua conformação atual, à defesa do país. Ela é, no máximo, nacional, aqui com toda a ênfase desejada por seus formuladores e à exclusão de suas outras características mais esdrúxulas...".
Acrecentava em seguida: "Se ela não é nem uma estratégia e muito menos de defesa, ela deveria ser, ao menos, um documento minimamente racional, em torno do qual poderiam ser articulados idéias e argumentos favoráveis e desfavoráveis ao seu espírito e objetivos."

Bem, creio que os interessados poderão ler minhas observações nos links já indicados.
Tenho um outro trabalho, mais recente, que trata apenas de um aspecto da END, mas que ainda está em revisão para ser apresentado:
2151. “A Estratégia Nacional de Defesa e a União das Nações Sul-Americanas: uma integração ilusória, uma dispersão de esforços”, Shanghai, 10 junho 2010, 13 p. Paper a ser apresentado no IV ENABED; 19 e 21 de julho de 2010, UnB; Seção Temática 5: A Comunidade Sul-Americana na Área dos Estudos Estratégicos.
Quando estiver pronto, terei prazer em divulgar...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 19.06.2010)

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