sábado, 10 de julho de 2010

Dependência Diplomática e Interesse Nacional - Paulo R. Almeida (2007)

De vez em quando descubro algum trabalho inédito, "escondido" em meus arquivos, como esse trabalho de 2007, por exemplo, jamais divulgado, totalmente inédito, e que pelas caracteristicas proprias de intemporalidade pode ser tranquilamente divulgado hoje.

A Dependência Diplomática e os Interesses Nacionais
Notas esparsas
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 18.09.2007)

A interdependência econômica é um fato irrecorrível do mundo contemporâneo. Mesmo nos momentos de maior abertura econômica internacional, correspondendo aos “anos dourados” do capitalismo triunfante da belle époque – grosso modo, entre o último quinto do século XIX e os três primeiros lustros do século XX – o mundo nunca foi tão interdependente como agora.
Havia, obviamente, naquela época, mais liberdade do que hoje: para a circulação de capitais, de pessoas e de investimentos diretos, mas o comércio de bens era essencialmente um intercâmbio entre bens finais, correspondendo à centralização e à verticalização da produção.
Atualmente, o comércio se faz basicamente dentro dos mesmos ramos industriais, em grande medida intra-firmas, e se concentra nos bens intermediários, ou partes e acessórios que serão assemblados em locais por vezes muito diferentes daqueles que produziram os componentes, sendo que as atividades de design, marketing e controle das operações se fazem nas sedes das empresas, onde muito provavelmente o produto físico final jamais é visto ou manipulado. Ele será, se tanto, objeto de contabilidade empresarial.
Isto significa, essencialmente, que o mundo se tornou quase tão plano quanto possível, pelo menos ao nível dos processos produtivos e das operações dos grandes conglomerados multinacionais. Infelizmente, talvez, para as pretensões de Tom Friedman, o mundo não é plano no que se refere a normas, regulamentos, políticas setoriais e sobretudo para a plena circulação dos fatores de produção que poderiam se disseminar com muito maior rapidez, fossem as fronteiras realmente livres – um borderless state, como pretendia Kenichi Omahe – e as regras de comércio internacional aplicáveis de maneira uniforme pela maioria dos países.
Enquanto economistas sensatos são entusiasticamente a favor de sempre maior liberalização comercial, políticos ditos “sensatos” insistem nas velhas receitas protecionistas. Ainda assim, o protecionismo tornou-se basicamente setorial nos países desenvolvidos – tocando a agricultura e algumas velhas indústrias com alguma sensibilidade empregadora. Nos países em desenvolvimento, ele é bem mais disseminado, cobrindo inclusive as ditas políticas setoriais, supostamente favoráveis ao “desenvolvimento nacional”.
O fato é que as melhores políticas setoriais são aquelas de caráter universal e horizontal, cobrindo basicamente educação, capacitação técnico profissional da mão-de-obra e investimentos em ciência e tecnologia e infra-estrutura, de modo amplo (inclusive os marcos legais responsáveis por um bom ambiente de negócios). Os países que mais prosperaram, nas últimas décadas (ou mais), são aqueles que asseguraram, ao mesmo tempo e de forma sólida, a manutenção dos seguintes requerimentos:
1) estabilidade macroeconômica
2) microeconomia competitiva
3) instituições de governança market-friendly
4) alta qualidade dos recursos humanos
5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros

Ainda no terreno da interdependência econômica, existe uma nítida correlação entre o coeficiente de abertura externa – isto é, comércio exterior total sobre o PIB – e os níveis de renda e riqueza de um país. Com a possível exceção dos EUA – que apresentam pequeno coeficiente, mas apenas porque seu mercado interno é imenso, sendo ainda assim um país tremendamente aberto ao comércio internacional – e do Japão – aqui por estrito nacionalismo econômico, o que atua em seu detrimento, mas que ainda assim constitui uma economia basicamente voltada para a competição externa baseada na qualidade –, todos os países mais prósperos do mundo apresentam alto grau de abertura externa.
O Brasil se situa, infelizmente, em menos da metade da média mundial e tem ainda um longo caminho no sentido de construir a sua interdependência econômica, o que deve ser assegurado, essencialmente, por empresas nacionais internacionalizadas.

Portanto, quanto mais o Brasil for interdependente das trocas internacionais, menos dependente ele será das alterações dos mercados internacionais. Ser interdependente garante, de fato, a independência nacional.
Este fator é verdadeiro inclusive no plano financeiro. Tivesse o Brasil um fluxo de comércio internacional – em ambos os sentidos – que representasse o triplo dos níveis atuais, ele não necessitaria acumular um volume tão alto de reservas internacionais -- mais de um ano de importações, quando os economistas recomendam três meses em média –, o que representa altos custos em termos fiscais. Um alto fluxo, contínuo, de pagamentos de fatores é a melhor garantia que um país pode ter em caso de crises, juntamente com um comércio diversificado, tanto em sua composição quanto na cobertura geográfica.

No plano político, o Brasil deveria manter um diálogo de alto nível com os principais parceiros dos seus intercâmbios comerciais, de serviços, financeiros e monetários, que são, obviamente, as potências econômicas mundiais. A busca de arranjos ad hoc com países em desenvolvimento perpetua políticas defensivas, restritivas, protecionistas e basicamente estatizantes, quando o que se persegue é um setor privado vibrante e dinâmico, capaz de dialogar de igual para igual com as grandes empresas mundiais. Os esquemas negociadores que pretendem juntar os “países em desenvolvimento” em torno de plataformas comuns são essencialmente self-defeating e equivocados, pois que reduzindo os interesses nacionais do país a um conjunto muito modesto de interesses setoriais – geralmente concentrados em produtos de menor elasticidade-renda e de crescimento vegetativo no plano do comércio internacional – quando o interesse do país se encontra na diversificação da sua produção de manufaturados, os de maior dinamismo nesse comércio.
Grupos como o G-77, G-20 ou o grupo dos sul-americanos são contraditórios por sua própria natureza. Grandes países, com pretensões a uma política externa verdadeiramente independente, não amarram seus interesses exclusivamente a um grupo específico, e sim mantêm uma estratégia multifacética, feita de táticas diferentes para cada questão objeto de negociação. Exemplos disso são a China e a índia, que acompanham o Brasil no G-20, mas não deixam de se inserir em outros grupos também, por vezes de interesse diverso e até contraditório com o G-20, mantendo absoluta independência de ação, sem qualquer concessão a uma pretensa “solidariedade entre países em desenvolvimento”. Isto é uma ilusão profunda da política externa brasileira, que vem prejudicando os interesses dos seus setores produtivos mais dinâmicos.

Em uma palavra: o interesse nacional não se defende com posições principistas, sobretudo ideologicamente motivadas e eivadas de preconceitos contra os países desenvolvidos, mas sim com posições pragmáticas que contempla, basicamente, as estratégias de crescimento das próprias empresas baseadas no território nacional – nacionais ou estrangeiras – e não a de políticas ditas “nacionais”, ilusoriamente classificadas como de “desenvolvimento”, quando elas respondem unicamente aos desejos de burocratas governamentais.

Uma palavra retorna de forma recorrente em certos discursos políticos para justificar algumas políticas equivocadas no plano econômico externo: a de “soberania”. Pretende-se, como se diz, favorecer a inserção econômica internacional do Brasil, com a “preservação da soberania nacional” (sem mencionar que, ao mesmo tempo, se impulsiona a integração regional de forma exacerbada e até irracional, o que é uma alienação de soberania evidente, e portanto totalmente contraditória com aquele primeiro objetivo).
Descartando o fato de que soberania não se defende retoricamente e sim na prática, cabe registrar que a melhor defesa da soberania nacional está no fortalecimento da base econômica nacional, o que só se obtém através de uma internacionalização ativa da economia nacional, por mais contraditório que isso possa parecer. Soberania são empresas nacionais capazes de competir globalmente, não um Estado “extrator” de todas as energias nacionais por uma taxação exagerada e uma regulação intrusiva que impede as empresas de se concentrar naquilo que elas devem fazer prioritariamente: competir em todos os mercados, nacionais e internacionais.

Seria preciso libertar a diplomacia da “dependência” anacrônica de idéias requentadas de outras épocas, como um cepalianismo démodé, um nacionalismo velhusco, e um protecionismo visceral. Uma diplomacia ideologicamente dependente é a melhor garantia de que o Brasil vai continuar arrastando-se penosamente em direção à modernidade, impulsionado, certo, por empresários dinâmicos, mas que precisam competir com uma bola de ferro amarrada aos pés, representada por políticas setoriais ultrapassadas e inadequadas aos nossos tempos de globalização.
Por fim, seria preciso libertar o Brasil, também, da dependência de programas grandiosos, e em grande medida retóricos, de integração continental, como a chamada Unasul – de inspiração chavista – e fazê-lo concentrar-se em projetos pragmáticos favorecendo a liberalização comercial recíproca no continente. Seria preciso, igualmente, superar a dependência estrita de grandes acordos multilaterais - que são bem mais difíceis de serem concretizados – e adotar uma estratégia múltipla de acordos talvez mais limitados, mas de ganhos concretos em mercados setoriais.
Colocar todas as suas cartas em uma única cesta nunca foi a melhor tática, em qualquer terreno que se pense. Quanto mais liberdade dispuser o país, e isso implica, em primeiro lugar, em liberdade “mental” para conceber novas políticas, menos dependente diplomaticamente será o Brasil.

18.09.2007

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