Sempre é bom ser otimista, sem ser ingênuo, claro. Eu particularmente gosto de ser cético, mas reconheço que os otimistas sempre levam vantagens ao ver o lado bom das coisas invariavelmente.
Um livro interessante, ideias inteligentes (ou seja, como "fitted to this blog").
Paulo Roberto de Almeida
RESENHA
Razões para ser otimista
Por Renato Lima
Opinião e Notícia, 22/02/201
Originalmente publicado em Ordem Livre, 21/02/2011
Convido o leitor a apreciar a narrativa feita por Matt Ridley no livro 'The rational optimistic'.
Aquecimento global, miséria nos países em desenvolvimento, terrorismo, fim do petróleo... É quase certo que o jornal de hoje tenha falado de algum assunto como esses, sempre com teor catastrófico e previsões negativas. São tantas notícias ruins que é fácil achar que a humanidade está entrando numa rota de colapso e que as coisas vão piorar. Não faltam livros nem artigos que preveem o fim do mundo ou de boa parte dele. Mas será que essa é a narrativa que faz mais sentido? Não teríamos razão para sermos otimistas, de forma crítica e racional, mas ainda assim otimistas?
Convido o leitor a deixar o lado hiena Hardy de lado (aquela que dizia “Oh vida, oh céus, eu sei que não vai dar certo”) e apreciar a narrativa feita por Matt Ridley no livro “The rational optimistic” (2010), que será lançado no Brasil pela Editora Record no segundo semestre deste ano. O leitor pode já ter lido outros livros de Ridley, como o “O que nos faz humanos: genes, natureza e experiência” (2004). Ele é um escritor de ciência, que em sua mais recente obra aplica conceitos econômicos para explicar o desenvolvimento humano (desde os nossos ancestrais evolutivos) até os dias de hoje. Uma obra ambiciosa no escopo e instigante na análise.
Talvez porque notícia que vende é notícia ruim, o lado positivo da experiência humana é menos falado. Quando se adiciona a experiência humana pós-revolução industrial, menos ainda (ah que saudade dos tempos da caverna, parecem suspirar alguns!). Mas, como observado por Adam Smith, a divisão do trabalho permitiu ganhos de produtividade. Cooperamos com milhares de pessoas que não nos conhecem, mas que mesmo assim se beneficiam (um milionésimo que seja) do nosso trabalho, e o mesmo acontece conosco, que recebemos uma minúscula fração do trabalho alheio, na forma de todos os produtos que consumimos diariamente. E fazemos isso às vezes mesmo sem pagar, como é o caso dos softwares livres ou da Wikipedia.
Essas trocas de conhecimento na economia podem ser comparadas com o sexo para a biologia. Como diz Ridley, ideias fazem sexo, se reproduzem e geram empreendimentos novos. Dessa forma o conhecimento de cada indivíduo pode encontrar outro pedaço de conhecimento de outro indivíduo e gerar coisas impensadas. Junte a ideia do meio de transporte por charrete, coloque um motor e temos os primeiros carros. A ideia de troca de informações pela internet e sua rede de amigos e temos o Facebook. E esse sexo de ideias não enfrenta as limitações físicas ou biológicas do praticado pelos animais. Não existe perigo de super população de ideias, ou exaustão de criatividade. Nem toda nova ideia é boa – a junção de terroristas e aviões, por exemplo, era melhor ter sido evitada – mas por qual razão devemos achar que as ideias ruins vão prevalecer sobre as boas, sempre e em todo lugar?
A autossuficiência, seja uma família rural que produz tudo o que consome ou um país fechado com um mínimo de trocas com o exterior, como a Coreia do Norte, é ruim. Não apenas dificulta a troca de produtos com o exterior, mas impede a participação nesse empreendimento coletivo de troca de ideias, o que permite a inovação. O Brasil, quando teve a sua reserva de mercado para informática e leis de similares nacionais, é outro exemplo do atraso provocado pelas políticas autárquicas. Problema não totalmente sanado, veja a dificuldade que foi levar o iPad para o País.
A narrativa de Ridley pode também ser lida pela inspiração de Alexis de Tocqueville (lá vou eu propor um sexo das ideias desses dois autores). Tocqueville escreveu um belo livro a partir de observações de viagem aos Estados Unidos (“Democracia na América”) e a obra vale por um tratado da vida em sociedade democrática. Via o francês na terra americana uma sociedade que brotava de baixo para cima, sem o peso da aristocracia europeia e outras tradições que poderiam retardar as mudanças que aconteciam nos Estados Unidos do século XIX. Tocqueville analisava a experiência americana dentro de uma narrativa da conquista da igualdade de condições entre os povos. A origem do indivíduo e a profissão dos seus pais foram perdendo a importância ao longo dos anos. A cooperação voluntária, que ele via como traço da sociedade democrática americana, é hoje global na internet. Qualquer software de código aberto se beneficia de sugestões e correções feitas por usuários, a Wikipedia é feita por usuários, o Facebook deve tudo a sua enorme rede de usuários.
Não chegamos até aqui de forma consensual, claro. Muitos – principalmente intelectuais – não gostam desse tipo de sociedade. Sociedade de consumo, do espetáculo, da falsa consciência... são vários os nomes para dizer que tudo está ruim e vai piorar, que a classe média é alienada e os ricos não se preocupam com a alta cultura. Essa nostalgia de supostos tempos de ouro é também respondida por Tocqueville. Lembrava ele de que na sociedade democrática e de cooperação voluntária é possível não ter o esplendor da aristocracia, mas existiria menos miséria. A nação como um todo pode ser menos brilhante, menos gloriosa, mas a maioria dos seus cidadãos vai poder gozar de maior prosperidade.
E essa prosperidade pode ter efeitos inicialmente imprevistos, como o fim de catástrofes anunciadas. Desde o reverendo Malthus que a “bomba populacional” é pregada como um problema global. Várias gerações defenderam limites à procriação ou esterilização forçada – que em alguns casos foram adotados por governos tão diferentes como Índia, China, Suécia ou Dinamarca, seja por medo de aumento da população seja por crenças eugênicas. Mas o que se observa atualmente? Que quanto mais próspero um país fica, menor é a taxa de crescimento populacional. Em quase todos os continentes e culturas as pessoas estão vivendo mais e tendo menos filhos. E uma coisa está associada à outra. Com uma menor mortalidade infantil, as famílias podem planejar terem menos filhos. Criar filhos, mesmo para populações pobres, deixa de ser uma loteria em que não se sabe quantos vão sobreviver para uma escolha pensada de de ter menos filhos e investir mais em educação e saúde para cada um. Como lembra Ridley citando Ron Bailey, a liberdade econômica cria uma mão invisível de controle populacional. “Quanto mais prósperas e livres as pessoas se tornam, mais a taxa de natalidade se estabiliza em duas crianças por mulher sem nenhuma necessidade de coerção. Agora, isso é ou não é uma boa notícia?”, pergunta-se Ridley.
A solução pela via da liberdade não é só eficaz como igualitária. E se aplica para vários outros problemas. Afinal, de ideias diferentes surgem novas soluções.
Renato Lima é jornalista e apresentador do “Café Colombo – o seu programa de livros e idéias”, da Universitária FM, Recife (www.cafecolombo.com.br).
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