Na verdade, tanto os industriais brasileiros quanto o editorialista do Estadão se enganam quanto às fontes reais de ameaças à indústria brasileira. Elas não estão na China, cujas milhares de empresas privadas competem duramente nos mercados globais como é o seu dever "normal", de empresas competitivas e desejosas de fazer lucro, quaisquer que sejam os mercados.
A principal ameaça está mesmo aqui dentro do Brasil, e ela se chama Estado brasileiro, mais especificamente alta tributação, irracionalidade fiscal, péssima e cara infra-estrutura (comunicações, transportes, energia), ambiente deplorável de negócios, com muita burocracia, corrupção e tudo o mais que pudermos pensar como externalidades negativas que afetam o empresário brasileiro.
Geralmente se costuma apontar para inimigos externos -- no caso a China -- ou disfuncionalidades de política econômica -- que também existem -- mas por uma vez caberia olhar para as verdadeiras causas.
Se a presidente tiver a pretensão de voltar da China com promessas de "comércio mais equilibrado", como diz esse editorialista, isso apenas indica que ela não entendeu nada de como funcionam os negócios atualmente: não é o Estado chinês que está invadindo o mercado brasileiro com seus produtos baratos e ele não pode, e não deve, fazer nada contra as empresas privadas chinesas que aqui competem. É o Estado brasileiro que inviabiliza, de fato destrói, a competitividade das empresas brasileiras.
Não precisa ir para a China para descobrir isso. Eu já sei disso antecipadamente.
Mas minha "opinião" -- na verdade uma simples constatação -- não vale nada, obviamente...
Paulo Roberto de Almeida
A real ameaça chinesa
Editorial - O Estado de S.Paulo
09 de abril de 2011
Se, para alguns setores produtivos, falar em desindustrialização ainda soa como exagero, para outros, a suspensão da produção em razão da incapacidade de competir com fornecedores estrangeiros deixou de ser simples ameaça. Em alguns segmentos da indústria, mais de 80% das empresas deixaram de fabricar e se tornaram importadoras, pois tudo o que vendem aqui é comprado lá fora. É mais barato importar, sobretudo produtos fabricados na China, do que continuar produzindo.
É rápido o avanço dos produtos importados no mercado brasileiro. Provêm do exterior de 20% a 25% dos bens acabados, matérias-primas e produtos intermediários consumidos no País. Em 2010, o Brasil foi o país que mais aumentou as importações. Em volume, as importações cresceram mais do que as exportações, mas, mesmo assim, o País registrou um saldo comercial expressivo por causa dos preços recordes dos produtos agrícolas e dos minérios.
Um país exportador tem sido fonte de problemas crescentes para o setor industrial brasileiro - a China. Ela tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil. A corrente de comércio entre os dois países alcançou US$ 55 bilhões em 2010, tendo o Brasil conseguido um saldo de US$ 5 bilhões, graças às exportações de US$ 30 bilhões, asseguradas pela demanda chinesa continuamente crescente de bens primários e do alto preço desses itens.
Mesmo assim, a entrada de produtos industrializados chineses no mercado brasileiro aumenta velozmente, tornando feroz a competição aqui dentro. Para algumas empresas, a disputa já provoca grandes estragos. Reportagem do jornal Valor, publicada terça-feira, deixa claro que, em alguns segmentos, como válvulas industriais, elevadores e ferramentas, as empresas deixaram de produzir e passaram a importar, o que as levou a reduzir o número de empregados.
Em alguns casos, como o de válvulas padronizadas e de baixo valor agregado, o preço do produto chinês colocado no Brasil é 60% menor do que o do similar brasileiro. "Com essa diferença de preços, as empresas brasileiras não conseguem concorrer", diz o industrial Pedro Lucio, presidente da câmara setorial de válvulas industriais da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
O problema é o mesmo para os fabricantes de ferramentas simples, como martelos, chaves de fenda e alicates. Nesses casos, o produto chinês é de 50% a 70% mais barato do que o brasileiro. Há três anos, os produtos importados correspondiam a 10% do mercado; hoje, já são quase um terço, e a maioria vem da China.
São conhecidas as principais causas da perda de competitividade do produto brasileiro diante do chinês. A taxa de juros no Brasil é uma das mais altas do mundo, e na China ela é negativa. Aqui, a carga tributária é de cerca de 40%, e na China, de 20%. Enquanto o real alcança seu valor mais alto em vários anos em relação ao dólar, a moeda chinesa, o yuan, é mantida artificialmente desvalorizada em relação à americana, o que torna ainda mais competitivos os produtos chineses. O Brasil procura observar com rigor todas as regras internacionais de comércio, mas a China muitas vezes as burla. E a infraestrutura brasileira voltada para as exportações é muito menos eficiente do que a chinesa.
Outra grande diferença na forma como cada um dos dois países conduz o relacionamento bilateral é que a China sempre soube o que quer do Brasil, como sabe o que quer de outros fornecedores e clientes, dos quais depende para assegurar o suprimento dos bens de que necessita para sustentar seu crescimento e o mercado para seus produtos. O governo brasileiro, ao contrário, manteve, até recentemente, uma visão ingênua a respeito desse relacionamento, considerando a China um parceiro estratégico que merecia até o reconhecimento, feito pelo ex-presidente Lula, como economia de mercado, o que lhe facilitaria ainda mais acesso aos mercados de outros países. Com a visita que fará à China a partir de segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff, que não parece endossar essa visão ingênua, terá oportunidade para negociar com o parceiro asiático as bases de um relacionamento comercial mais equilibrado.
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