O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Brasil-China. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Brasil-China. Mostrar todas as postagens

domingo, 12 de março de 2023

O Brasil e a China: até onde vai a relação estratégica? (artigos para a revista Crusoé) - Paulo Roberto de Almeida

 O Brasil e a China: até onde vai a relação estratégica? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Artigo publicado na revista Crusoé (3/03/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/edicoes/253/o-encanto-de-lula-pelo-duvidoso-modelo-chines/).

  

A sedução precoce pelo “modelo” chinês de crescimento

Em janeiro de 2002, pela primeira vez, o então presidente de honra do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, visitou oficialmente a China, a convite do governo chinês e do Partido Comunista da China, tendo sido recebido com todas as honras devidas a um prometedor futuro chefe de Estado. Sua comitiva, integrada por futuros ministros e personagens importantes de seu governo, um ano adiante – José Dirceu, então presidente nacional do partido; Jorge Viana, governador do Acre; Antonio Palocci, prefeito de Ribeirão Preto; deputados federais Paulo Delgado (MG) e Jaques Wagner (BA) –, foi recebida por Wei Jianxing, um dos principais dirigentes do Bureau Político Permanente do Comitê Central do PCC, em audiência calorosa no Grande Palácio do Povo, em Beijing.

De volta ao Brasil, publicou um artigo num dos veículos do PT, no qual exaltava o modelo econômico chinês, mas no qual cometia, igualmente, uma série de equívocos conceituais e factuais, os quais parece ter mantido mesmo passadas duas décadas dessa viagem inaugural de várias outras, ao longo dos anos. Ele dizia, por exemplo, que o gigante asiático tinha ¼ da população do planeta, mas apenas 7% das terras agricultáveis do planeta, e que ainda assim conseguia “produzir o suficiente para alimentar esse mundo de gente”. Primeiro erro, pois que a China não apenas já era um dos principais países importadores de alimentos, assim como de quaisquer outras matérias primas para abastecer seu já gigantesco sistema manufatureiro, voltado basicamente para exportações baratas em direção dos países desenvolvidos. O Brasil, justamente, já era um dos grandes exportadores de alimento e de vários produtos primários para a China, dela importando um oceano de manufaturados de baixo custo e de qualidade razoável.

Lula se surpreendeu com as altas taxas de crescimento da China, ignorando que países que partem de níveis muito baixos de desenvolvimento econômico e social – como ainda era o caso da China, recém-admitida na OMC, depois de 14 anos negociando sua adesão ao Gatt – tendem a apresentar taxas vigorosas de crescimento, mas que normalmente declinam a partir de certo estágio nos progressos alcançados. Ele também dizia, no seu terceiro erro, que a China tinha “diminuído significativamente a desigualdade social.” Ora, a China já era, e continua sendo, justamente o país campeão na progressão negativa do seu coeficiente de Gini, saindo dos modestos patamares de um país socialista miserável, para índices próximos ao do Brasil, à medida em que avançou na construção do seu “capitalismo com características chinesas”.

Baseado num relatório do Banco Mundial, Lula também afirmou que “a China foi nos últimos anos o principal país responsável pela diminuição da pobreza no mundo.” Totalmente correto, mas isso quem disse foi o Banco Mundial, não o PT, que continuava afirmando, junto com os neófitos do Fórum Social Mundial, muitos deles petistas, que a globalização só consegue produzir miséria e desigualdade. Ora, se tem uma coisa que a China de Deng Xiaping conseguiu fazer foi aderir entusiasticamente à globalização capitalista, coisa que os economistas do PT sempre olharam com extrema desconfiança. Ainda assim, Lula afirmou que a China fazia isso “modo autônomo e soberano”, sem que o FMI impusesse os “seus modelos econômicos”. Quarto erro, portanto, pois se tem alguma coisa que o FMI não faz é impor um determinado modelo econômico, contentando-se com implementar programas de ajuda econômica a países (inclusive socialistas) que incorrem em sérios desequilíbrios de balanço de pagamentos, como ocorria com o Brasil naquela época.

Numa das mais controvertidas afirmações de seu artigo, Lula escreveu: “Os chineses nos explicam que estão praticando o que chamam de socialismo de mercado. A impressão que dá é que eles estão aprendendo a ganhar dinheiro com os capitalistas, para gastá-lo como socialistas.” Tanta ingenuidade não chega a ser propriamente um erro, mas traduz um dos mais persistentes vieses econômicos da concepção fundamental dos petistas sobre o papel do Estado no desenvolvimento de um país: a China justamente cresceu e se desenvolveu à medida em que mais e mais atividades produtivas saíam das mãos tortas das empresas estatais para serem entregues ao setor privado, que atualmente já responde por mais de 2/3 do PIB chinês. 

Outra ingenuidade transparece numa afirmação seguinte, segundo a qual a China participa da globalização, mas “não abre mão do planejamento, da definição de prioridades”, acrescentando que ela “não permite que o mercado decida em nome da sociedade.” Como se os países dotados de Estados organizados – entre eles todos os membros da OCDE e o próprio Brasil – não tivessem, igualmente, governos planejadores, estabelecendo prioridades para o investimento público. Partindo de patamares modestos, a China hoje apresenta o maior volume de investimentos saído diretamente do setor privado, mas o seu Estado precocemente weberiano – pelos mandarins, atualmente funcionários do PCC – sempre dirigiu os grandes investimentos públicos em infraestrutura e comunicações, como qualquer outro país racional.

 

A visita em grande pompa do presidente-trabalhador ao Oriente

Pano rápido: vamos passar à primeira viagem oficial de Lula, já como presidente, dois anos depois. Em seus discursos, na própria China e de volta ao Brasil, o presidente exagerou na retórica e passou a vender coisas que só existiam em sua cabeça. Em primeiro lugar, ele voltou a repetir uma de suas obsessões diplomáticas, mais constantes: a tal de “aliança estratégica” com o gigante asiático, aproveitando para dizer que “muita gente no mundo está torcendo para que essa aliança não dê certo”; era evidente a cutucada nos Estados Unidos, um atavismo em suas perorações, que só pode ser uma necessidade psicológica. Fui buscar o que pudesse justificar tal argumento de “aliança estratégica” no comunicado bilateral liberado no curso da própria visita e confesso a frustração: não há nada ali que possa dar respaldo a essa “aliança estratégica”, salvo a dupla repetição da expressão “parceria estratégica”, muito usada para descrever protocolarmente as relações do Brasil com outros países, como a Argentina, a Alemanha, a França, os próprios Estados Unidos, logo em seguida com a Índia e por aí vai.

De estratégico mesmo, eu encontrei no comunicado duas frases que a China exigiu e o Brasil cumpriu. Na primeira, o Brasil “concordou com a postura chinesa de que Taiwan e Tibete são partes inseparáveis do território chinês e manifestou seu repúdio a quaisquer ações e palavras unilaterais que visem a promover movimentos separatistas”. Na outra frase, a China agradeceu ao Brasil “pelo seu apoio na Comissão [hoje Conselho] de Direitos Humanos em Genebra”, isto é, o apoio diplomático da delegação brasileira para que não se examine de modo algum a situação dos direitos humanos na China, como se ela pairasse acima dos outros como um exemplo de tratamento aos nacionais nesse terreno. 

Num de seus gestos mais ousados, em sua primeira e triunfal visita, Lula sugeriu que o Mercosul e a China firmassem um acordo de livre comércio, assim como acatou a sugestão dos dirigentes chineses no sentido de acatar, na OMC, o status de economia de mercado para a China. Nas duas posturas, e já de volta ao Brasil, Lula defrontou-se com a veemente oposição da CNI, da FIESP, e da maioria das associações setoriais a ambas propostas, e nunca mais se ouviu o presidente repetindo suas ousadias. Mas essa viagem pioneira não dispensou uma outra contrariedade aos interesses do Brasil, que foi o embargo chinês a carregamentos de soja brasileira que supostamente continham, misturadas, soja natural e variedades geneticamente modificadas, nada que os animais chineses não pudessem consumir, mas um gesto provavelmente destinado a rebaixar o preço do produto, que naquela altura já atingia níveis históricos na bolsa de commodities de Chicago. 

 

O ideograma do BRICS na agenda estratégica da China

Lula foi a China algumas outras vezes, em visitas bilaterais ou no quadro do BRIC, que a China fez questão de aumentar para BRICS, com a incorporação da África do Sul, um país que não se enquadrava minimamente nos critérios originais do grupo, mas que convinha à China, já empenhada numa nova “conquista da África” para atender a imensa necessidade de matérias primas de suas insaciáveis indústrias. Ela continua procedendo da mesma forma, buscando “engordar” o BRICS com vários outros candidatos em desenvolvimento, como forma de administrar uma espécie de anti-OCDE, com países dispostos a sustentar sua grande estratégia de parcerias alinhadas numa frente contra as potências “hegemônicas” do Ocidente. 

Ao transformar a antiga proposta de um economista de um banco de investimentos – que estava pensando unicamente numa boa carteira de oportunidades de retornos financeiros suculentos, em quatro grandes economias em desenvolvimento – em um foro diplomático, os “planejadores diplomáticos” do PT certamente não imaginaram que as duas poderosas autocracias do planeta, Rússia e China, poderiam usar o BRIC-BRICS para os seus próprios interesses nacionais, o que se revelou agora, e de forma especialmente dramática, a partir da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia, da qual Xi Jinping é bem mais “solidário” do que o foi Bolsonaro e, talvez, doravante, venha a ser Lula. Joe Biden tentou convencê-lo do contrário, ao que Lula desconversou, naquela velha cantilena de que a sua “guerra era contra a pobreza”, tendo recebido zero apoio para a sua proposta estapafúrdia de um “clube da paz”, com “países não envolvidos no conflito” (sic, três vezes). 

Em sua próxima visita à China, Lula não deve voltar a sugerir o tal acordo de livre comércio entre o Mercosul e o gigante asiático – que já é, na prática, o principal parceiro de todos os membros do bloco do Cone Sul, em comércio ou investimentos –, nem ousará sequer mencionar aquela outra ideia maluca da “moeda comum”, que o chanceler russo, Lavrov, e as lideranças sul-africanas querem incluir na agenda da próxima cúpula do BRICS. Ele certamente voltará a saudar entusiasticamente a “parceria estratégica” – que os chineses realmente têm em alta conta – e proporá que ela se estenda a outros campos que não apenas o lançamento de satélites de sensoriamento remoto por foguetes chineses. Não sabemos se Lula mantém as mesmas ilusões atualmente como aquelas exibidas em suas duas primeiras visitas à China. Em todo caso, a visita, e o restabelecimento de boas e intensas relações, de todos os tipos – mas provavelmente não em direitos humanos e democracia, como pretende Biden –, corresponde aos mais altos interesses do Brasil, desde que não condicionadas a apoios indiretos aos estritos interesses nacionais, e estratégicos, da China, na sua postura de “rivalidade imperial” com os Estados Unidos. 

“O oriente é vermelho”, poderão repetir os mais apegados à bandeira do PT, como se os atuais mandarins chineses, selecionados exclusivamente com base em suas capacidades administrativas (e não mais no marxismo embolorado de certos petistas), estivessem minimamente preocupados com ideologia, no novo “Grande Salto para a Frente” que eles estão decididos a empreender no caminho de serem reconhecidos como a versão 2.0 do outrora fabuloso Império do Meio. Desde as navegações portuguesas do século XV, o fascínio de Catai continua a seduzir o “extremo Ocidente” que veio a ser o Brasil.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4326, 20 fevereiro 2023, 5 p.

 

 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Brasil-China Ensaios 2002-2021, de Anna Jaguaribe (CEBRI)

 26/01/2022: 


 O CEBRI lança hoje o livro Brasil-China Ensaios 2002-2021, de Anna Jaguaribe, com o apoio da Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG), do Banco BOCOM BBM e de Marcelo Vieira. A publicação traz artigos inéditos da socióloga pioneira nos estudos sobre a China e aborda temas como as relações diplomáticas entre China e Brasil, a presença chinesa no multilateralismo, a projeção internacional do país e suas consequências geopolíticas, o desenvolvimento chinês e a modernização de Pequim.

O projeto gráfico é assinado por Mariana Jaguaribe, sobrinha de Anna, e as fotos, muitas inéditas, compartilhadas pela irmã Cláudia Jaguaribe, retratam momentos especiais de sua trajetória.
 
Anna Jaguaribe contribuiu de forma inestimável com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Foi membro do Conselho Curador, desde 2017 e estruturou o Núcleo Ásia e o Grupo de Análise sobre China. Seu legado é mais uma vez celebrado com a publicação deste livro.
 
Acesse a versão digital do livro aqui.

ARTIGOS
2002

032
 China modern: The city
as a battleground for identities

2010

054
 Visões de futuro:
A China e os seus desafios,

elementos do debate atual

2011

084
 Brasil e China na
reorganização das relações

econômicas internacionais:

Desafios e oportunidades

2013

104
 On state capacities
2014

120
 Políticas de inovação,
cruzando caminhos: Os casos

de Brasil e China

2015

142
 Estratégias de
governança no século XXI:

Observações sobre os novos

desafios da China

2016
166
 Desafios da economia
chinesa hoje

2018

174
 Characteristics and
direction of China’s global

investment drive

NOTAS SOBRE A

CONTEMPORANEIDADE

2019

210
 Brasil e China no
contexto da urbanização

2020

216
 Geopolitics and the
economics of innovation:

Different strategies

2021

222 Geopolitics and the rise
of China

228
 Reform and opening of
China’s financial system

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Itamaraty diz em carta que reação da China a Eduardo foi ofensiva e desrespeitosa - Ricardo Della Coletta (FSP)

A manchete não está conforme à realidade: não é o Itamaraty que diz isso ou aquilo; é o chanceler acidental que apenas repete o que lhe foi ditado pelo aloprado 03, e que só pode contar com a aprovação do aloprado 00. Três aloprados...

Paulo Roberto de Almeida

Itamaraty diz em carta que reação da China a Eduardo foi ofensiva e desrespeitosa

Ministério comandado por Ernesto Araújo responde a mensagem da missão diplomática chinesa

Ricardo Della Coletta | 

Folha de S. Paulo, 26/11/2020, 15h11

BRASÍLIA - O Itamaraty repreendeu a embaixada da China pelas críticas contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e disse, em ofício, que a resposta da missão diplomática ao parlamentar traz conteúdo "ofensivo e desrespeitoso".

"Não é apropriado aos agentes diplomáticos da República Popular da China no Brasil tratarem dos assuntos da relação Brasil-China através das redes sociais. Os canais diplomáticos estão abertos e devem ser utilizados", disse o ministério das Relações Exteriores, em carta enviada aos representantes do governo chinês no Brasil na quarta-feira (25).

"O tratamento de temas de interesse comum por parte de agentes diplomáticos da República Popular da China no Brasil através das redes sociais não é construtivo, cria fricções completamente desnecessárias e apenas serve aos interesses daqueles que porventura não desejem promover as boas relações entre o Brasil e a China. O tom e conteúdo ofensivo e desrespeitoso da referida 'Declaração' prejudica a imagem da China junto á opinião pública brasileira", segue a mensagem da chancelaria brasileira.

A correspondência foi revelada pela rede CNN Brasil.

Com a carta, o Itamaraty responde à manifestação dos chineses contra uma publicação de Eduardo —filho de Jair Bolsonaro (sem partido) e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara— que associou o governo de Pequim à espionagem de dados. O deputado destacou em suas redes sociais na noite de segunda (23) que o Brasil endossou iniciativa dos Estados Unidos para manter a segurança da tecnologia 5G "sem espionagem da China".

"O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”, escreveu.

"Isso ocorre com repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China”, completou o deputado.

No dia seguinte, o parlamentar apagou a postagem. Ainda assim, a embaixada chinesa no Brasil respondeu e defendeu que Eduardo e outros críticos do país asiático deveriam abandonar a retórica da extrema direita norte-americana, para evitar "consequências negativas".

A embaixada disse que o deputado acusou a China de fazer espionagem cibernética e ressaltou que ele defendeu iniciativa que discrimina a tecnologia 5G chinesa. "Tais declarações infundadas não são condignas com o cargo de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados", afirmou a representação diplomática.

Na correspondência à embaixada, o Itamaraty classificou de "altamente inadequado" que a missão diplomática "se pronuncie sobre as relações do Brasil com terceiros países, tendo presente que a Embaixada do Brasil em Pequim não se pronuncia sobre as relações da República Popular da China com terceiros países".

A chancelaria brasileira também disse aos chineses que o governo toma decisões soberanas sobre temas de interesse estratégico do Brasil. "O respeito mútuos às respectiva soberanias é fundamental par as ótimas relações que temos desenvolvido", conclui a carta.

Depois da publicação de Eduardo nas redes sociais, a embaixada da China enviou uma reclamação ao Itamaraty. Esse primeiro documento não foi tornado público, mas o fato de a missão diplomática ter publicado uma declaração posterior gerou incômodo na equipe do ministro Ernesto Araújo.

Não é a primeira vez que Eduardo protagoniza um choque com a embaixada chinesa em Brasília. Em março, Eduardo comparou a pandemia do coronavírus ao acidente nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia, em 1986. As autoridades, à época submetidas a Moscou, ocultaram a dimensão dos danos e adotaram medidas de emergência que custaram milhares de vidas.

A associação feita pelo parlamentar em março gerou duras críticas do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/11/em-carta-itamaraty-repreende-embaixada-da-china-por-resposta-a-eduardo-bolsonaro.shtml  



sexta-feira, 24 de abril de 2020

O casamento inevitável entre Brasil e China no agronegócio - Marcos Jank (Valor)

O casamento inevitável entre Brasil e China no agronegócio

Jornal “Valor Econômico”, Suplemento Eu & Fim de Semana, 24/04/2020.

Marcos Sawaya Jank*

Ao atacar os chineses com falácias e teorias conspiratórias, o país pode alvejar um dos setores centrais para a saída da recessão que se apresenta.

“Para cruzar um rio, é preciso sentir cada pedra” - Deng Xiaoping

O magnífico ensaio “O que o Brasil quer da China?” de Philip Yang, publicado no Valor, mostra com precisão e incrível profundidade porque em apenas quatro décadas a China deslanchou, enquanto o Brasil manteve um crescimento pífio. Na sequência, Rubens RicuperoTiago CavalcantiRoberto Giannetti e Marcos Caramuru trouxeram diferentes facetas que complementam a explicação sobre o desenvolvimento desigual dos dois países.

O Brasil se tornou globalmente competitivo em agricultura e alimentos em boa parte graças à demanda chinesa. Se o Brasil não sabe bem o que quer da China, o setor privado do agronegócio entende perfeitamente que o seu futuro está umbilicalmente ligado ao gigante asiático.

Essa relação tem grande importância num momento em que figuras importantes do Executivo e do Legislativo brasileiro, em vez de se esforçarem para reduzir os efeitos econômicos e viróticos da pandemia, optam por criar um pandemônio desnecessário com a China. Ao atacarem a China com falácias e teorias conspiratórias, essas pessoas podem estar alvejando um dos setores mais centrais para que o país saia da recessão que se avizinha.

Brasil e China estão entre os quatro maiores produtores e exportadores mundiais de produtos agropecuários e alimentos. China e Hong Kong ocupam, juntos, a primeira posição no ranking das importações mundiais do agronegócio. São, também, o destino principal das nossas exportações neste setor (US$ 34 bilhões ao ano, ou 33% do total exportado), com um volume de exportações quatro vezes superior ao dirigido para os Estados Unidos.

O Brasil é o principal fornecedor de produtos agroalimentares para a China, respondendo por quase 20% das importações daquele país. A China responderá por um quarto do aumento do consumo de proteínas animais do mundo até 2030. Por isso, não é para menos que a China se tornou uma das principais fontes de investimento estrangeiro no agronegócio brasileiro.

A recente guerra comercial levou a China a elevar as suas tarifas de importação sobre produtos americanos. Em 2018/19 houve ainda a eclosão de uma terrível epidemia de peste suína africana, que dizimou quase metade do rebanho suíno chinês. Tais fatores fizeram com que as exportações brasileiras de algodão e carnes avícolas e bovinas disparassem, tornando o Brasil o principal supridor da China nesses produtos, além de liderar as exportações de soja em grãos.

O fato é que uma parcela significativa da oferta brasileira de produtos agropecuários e alimentos está “casada” com a demanda chinesa, sendo que não há cônjuge alternativo no mercado. Trata-se de um “casamento inevitável”, queiramos ou não, e ainda mais em tempos de Coronavirus, que desestabilizou o abastecimento doméstico chinês.

Para ficar bem claro aos sinofóbicos: os Estados Unidos não são alternativa de casamento para o agro brasileiro, mas sim um “noivo” concorrente e poderoso, turbinado por subsídios na veia de quase US$ 50 bilhões, se somarmos os dois pacotes de apoio que os agricultores americanos receberam para compensar a guerra comercial e a crise da Covid-19.

É interessante notar que o Brasil e a China reformaram profundamente os seus setores de agricultura e alimentos a partir dos anos 1970. Deng Xiaoping liderou o maior movimento de migração da história, no qual cerca de 300 milhões de chineses deixaram o campo para atender a imensa demanda de mão-de-obra da sua indústria manufatureira, que se integrava às cadeias globais de valor.

Esse movimento do governo chinês permitiu a modernização de parte da agricultura chinesa, com destaque para os setores de frutas, legumes e verduras e, mais recentemente, a explosão da chamada Agricultura 5.0, com seus drones, estufas, tecnologias digitais etc. Ao mesmo tempo, a China identifica a impossibilidade de atingir a autossuficiência em alguns setores e abre, de forma pontual e pragmática, o seu mercado doméstico para importações de grãos de soja, celulose, algodão e carnes.

Em paralelo, os anos 1970 no Brasil marcam o início do movimento de “tropicalização da agricultura” em direção aos cerrados do centro-oeste. Do lado da tecnologia, vieram novas variedades, correção de solos, plantio direto, duas safras no mesmo ano agrícola e o incrível fenômeno da integração lavoura-pecuária. Do lado das pessoas, uma nova geração de agricultores jovens, dinâmicos, motivados e tomadores de risco migra para as novas fronteiras com ganhos de gestão, escala e sustentabilidade.

Esses dois movimentos sacramentam o casamento entre o Brasil e a China no agronegócio, que prosperou a despeito das falhas de infraestrutura do primeiro e das dificuldades de acesso aos mercados do segundo. Trata-se de um movimento que se origina da demanda exponencial chinesa por alimentos e da alta produtividade alcançada pela tecnologia agrícola tropical. Definitivamente, ela não nasce de “visão estratégica” dos governos e da sua capacidade de planejamento.

Neste momento um novo desafio se apresenta para os dois países: o risco das zoonoses e seus impactos na qualidade e sanidade dos alimentos. Nos últimos 30 anos nos acostumamos a qualificar o aquecimento global, a desigualdade e o desemprego como os maiores problemas da humanidade. Não nos demos conta de que um inimigo invisível, que esteve sempre à espreita, ganhou enorme musculatura com a globalização: as pandemias originadas de zoonoses.

A Covid-19 não foi a primeira, e tampouco será a última epidemia que vem de animais domésticos e silvestres. Antes dela tivemos Aids, Ebola, Sars, Mers, gripe aviária e gripe suína. Nenhuma, porém, com capacidade de frear bruscamente a economia mundial.

Se a mudança do clima prometia matar paulatinamente o ser humano pela sua inação em relação ao planeta, a Covid-19 chega, sem aviso, para matar pessoas em hospitais despreparados para lidar com pandemias e na depressão causada pela parada da economia.

Estou convencido que segurança do alimento pode ser um dos principais itens de cooperação Brasil-China, países que sempre estiveram entre os líderes da produção, do consumo e do comércio de proteínas de origem animal e vegetal no mundo.

Comércio e investimentos dominam a pauta Brasil-China. Contudo, outros temas vêm ganhando importância na agenda bilateral do agronegócio, como por exemplo inovação, infraestrutura e sustentabilidade. A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) e a China Agricultural University (CAU), classificadas entre as cinco melhores escolas de agricultura do mundo, lançarão em junho o livro “China-Brazil partnership in agriculture and food security”, uma obra que reúne artigos de duas dezenas de especialistas chineses e brasileiros sobre os temas apontados neste artigo.

Para finalizar, precisamos reconhecer que no casamento Brasil-China os noivos sempre serão muito diferentes. A China tem uma homogeneidade socioeconômica e cultural milenar, construída em torno da ética do confucionismo, que gerou um governo único e estável. O Brasil tem uma imensa diversidade étnica e cultural e órgãos de governo fragmentados e desorganizados, onde a insegurança jurídica torna até o passado incerto.

A China tem uma visão estratégica de longo prazo sobre o seu futuro, tendo realizado investimentos coletivos em educação e infraestrutura. O Brasil não consegue olhar além das emergências de curto prazo, campo que, no entanto, demonstramos uma combinação única de criatividade, improvisação e resiliência.

No campo comercial a China promoveu as suas exportações injetando doses cavalares de competitividade e inovação na sua indústria. Já o Brasil optou por proteger a sua indústria e substituir importações, isolando-se das cadeias globais de valor, exceto no agronegócio.

Finalizo afirmando que as relações Brasil-China no agronegócio sobreviveram apesar das visões preconcebidas e ideológicas dos sucessivos governos. Lula e Dilma privilegiaram a África e os países bolivarianos. Bolsonaro quer privilegiar o mundo rico ocidental, e principalmente os Estados Unidos.

Enquanto isso, seguimos ignorando que o mundo voltou a ser asiacêntrico, e particularmente sinocêntrico, do ponto de vista demográfico, econômico e de segurança alimentar. A relação Brasil-China no agronegócio não foi planejada ou construída. Mas se tornou um fato inexorável. E não adianta lutar contra os fatos. É melhor aceitá-los com objetividade e estratégia, como fazem os chineses, há milênios.

A frase de Deng Xiaoping que abre esse texto ilustra a essência do pragmatismo chinês. De nada serve alimentar ataques insanos a uma potência global que quer se aliar ao Brasil para garantir a sua segurança alimentar. De nada serve atacar pessoas que estão construindo as nossas pontes com o mundo, como a Ministra da Agricultura Tereza Cristina.

A resposta para a pergunta “o que a agricultura brasileira quer da China” é simples: queremos construir confiança e cooperação para atravessarmos juntos o rio turbulento da segurança alimentar, sem posições apriorísticas ou ideológicas.

(*) Marcos Sawaya Jank é professor de agronegócio global do Insper e titular da Cátedra Luiz de Queiroz da Esalq-USP.

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Relacoes Brasil-China: Perspectiva Historica - Eric Vanden Bussche, 20/08, 15hs, Itamaraty

A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) têm o prazer de convidar para a palestra-debate “Relações Brasil-China: Uma Abordagem Histórica”, a ser proferida pelo Dr. Eric Vanden Bussche, professor da Sam Houston State University (Texas, EUA); co-autor de Baxi Yu Zhongguo: Shijie Zhizu Biandongzhong de shuangfang guanxi (Brasil e China: Relações Bilaterais numa Ordem Mundial em Tranformação) e co-organizador deCritical Han Studies: The History Representation, and Identity of China’s Majority. A palestra será feita no Auditório Paulo Nogueira Batista, no Anexo II do Itamaraty, no dia 20 de agosto, às 15h00.


Relações Brasil-China: Perspectiva Histórica
A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) convidam para a palestra "Relações Brasil-China: Perspectiva Histórica", com Eric Vanden Bussche, em 20/08 às 15h00 no auditório Paulo Nogueira Batista. 

Possivelmente o maior especialista brasileiro em história chinesa, Eric Vanden Bussche é professor na Universidade Sam Houston, EUA. Fez doutorado em Stanford sobre negociação da fronteira China-Myanmar, um mestrado na Universidade de Pequim e outro em Columbia, e é graduado em história pela USP: www.shsu.edu/academics/history/faculty/eric-vanden-bussche-phd
As inscrições podem ser feitas aqui: www.funag.gov.br/sisev

Eric Vanden Bussche é doutor em história da China pela Universidade Stanford e professor da Sam Houston State University nos EUA. Lecionou durante vários anos na Universidade Stanford, onde recebeu um prêmio por sua disciplina “The Making of Nationalism in China” (2010). Foi também professor visitante da Universidade de Pequim (2006-07) e pesquisador visitante do Instituto de História Moderna da Academia Sinica em Taipé, Taiwan (2010-11).  
Eric Vanden Bussche realiza pesquisas nas áreas de história moderna e contemporânea da China, história das relações Brasil-China e império britânicona Ásia. Ele é co-autor de Baxi Yu Zhongguo: Shijie Zhixu Biandongzhong de shuangfang guanxi (Brasil e China: Relações Bilaterais numa Ordem Mundial em Tranformação; Shijie Zhishi Press, 2001)e co-organizador da obra Critical Han Studies: The History Representation, and Identity of China’s Majority(University of California Press, 2012). Seu livro sobre a delimitação da fronteira entre a China e Myanmar será lançado em breve.

Books by Eric Vanden Bussche

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Agricultura: China subsidia mais do que EUA e UE; quais são nossos aliados no Brics e no G-20 comercial?

Pois é: eu sempre achei o tal de G-20 comercial, gloriosamente apresentado pelos promotores da tal de diplomacia "ativa e altiva", um tremendo grupo esquizofrênico, ao juntar exportadores agrícolas competivos e não subvencionistas, a outros países importadores, protecionistas, subvencionistas e desejosos de preservar tal condição, como a China e a Índia, por exemplo.
Ou seja, o Brasil patrocinava um grupo que continha países "aliados" que faziam o exato contrário do que ele pregava, e tinha que fazer malabarismos em suas posições diplomáticas para acomodar os interesses desses sócios anti-sócios. Essa era a diplomacia dos velhos tempos, talvez ainda seja...
Vamos ver como ficamos daqui para a frente...
Paulo Roberto de Almeida

Pouca ambição na OMC

Editorial O Estado de S.Paulo, 9 Fevereiro 2015 

A constatação de que a China já concede mais subsídios para seus agricultores do que os Estados Unidos e a Europa - invariavelmente apontados pelos países produtores como os responsáveis pelas maiores distorções no comércio mundial de alimentos - torna mais remota a possibilidade de o governo brasileiro conseguir impor sua agenda durante o esforço da Organização Mundial do Comércio (OMC) para concluir, ainda neste ano, a Rodada Doha de liberalização comercial que se arrasta desde 2001.
O governo brasileiro não aceita uma negociação no âmbito da OMC que não tenha como foco a liberalização do comércio de produtos agrícolas. Países industrializados que subsidiam pesadamente a produção local têm resistido a essa discussão. A política agrícola do governo de Pequim, caracterizada por subsídios crescentes, indica que a China se juntará a esses países para tentar reduzir os limites de uma eventual negociação sobre o tema conduzida pela OMC.
Como mostrou o Estado (4/2), levantamento realizado por um grupo liderado pelos governos da Austrália, Chile, Canadá, Paraguai e Uruguai - preocupados com o efeito dos subsídios sobre os preços internacionais e sobre a competitividade de cada país produtor - constatou que a China distribuiu a seus agricultores subsídios no valor de US$ 15,3 bilhões por ano, valor superior ao distribuído pelos governos europeus (US$ 12,6 bilhões) e americano (US$ 12,1 bilhões).
São cifras bem menores do que as apuradas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, mas igualmente mostram como a China vem puxando o aumento mundial de subsídios. Em sua defesa, o governo de Pequim alega que o estímulo à atividade agrícola é essencial para assegurar o abastecimento doméstico e evitar o êxodo do campo para as cidades.
Numa manobra para dividir os países em desenvolvimento, entre os quais estão os mais interessados na liberalização do comércio agrícola, o governo americano quer excluir dessa classificação países como China, Brasil e Índia. Isso porque quanto mais economicamente avançado for classificado um país, mais concessões deverá fazer nas negociações - ou seja, tem de cortar mais fortemente barreiras tarifárias ou subsídios. Se a nova classificação for adotada, o Brasil ganhará menos numa eventual liberalização do comércio agrícola.
Nas negociações na OMC sobre agricultura, a China já deixou claro que o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não passa de uma sigla engenhosa. Seus interesses nesse campo em nada se assemelham aos do governo brasileiro. Grande importadora de alimentos, a China se mostra muito pouco disposta a fazer concessões nessa área. Ao contrário, pretende não só manter os atuais subsídios, como até ampliá-los ou criar novas medidas de proteção à produção local. O governo de Pequim considera que já fez mais concessões do que deveria ter feito.
Apesar das dificuldades cada vez maiores para fazer avançar essa discussão no sentido que pretende, o governo da presidente Dilma Rousseff mantém a ideia fixa de condicionar qualquer avanço nas negociações da Rodada Doha à abertura do comércio agrícola.
Temendo que a nova iniciativa da direção da OMC - à frente da qual está o brasileiro Roberto Azevêdo - de aceleração das negociações da Rodada Doha se concentre no comércio de bens industriais e de serviços, o governo brasileiro já manifestou sua contrariedade.
"Nós certamente não aceitaremos um jogo de faz de conta na OMC em que, por falta de ambição ou ausência de vontade política, se abandone o objetivo de ampliar o acesso a mercados para a agricultura", disse ao jornal Valor o subsecretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, embaixador Ênio Cordeiro.
O governo do PT boicotou a criação da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca), que abriria mercados para os nossos produtos industrializados. Ao fugir novamente da discussão sobre o comércio desses bens, parece contentar-se em fazer do Brasil um exportador de produtos primários.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Brasil-China: frustracoes de uma relacao desigual - Christopher Dembik

Brésil: l'encombrant ami chinois


Christopher Dembik

La Tribune, 3/07/2014



La Chine s'est engouffrée dans la brèche laissée par les Etats-Unis au Brésil, à base d'investissements massifs et d'accords commerciaux. Mais la volonté d'indépendance brésilienne pourrait être plus forte que leur partenariat...
La réduction depuis le milieu des années 80 de l'influence américaine en Amérique latine a ouvert de nouvelles perspectives à de nombreux pays, y compris la Chine. En l'espace de deux décennies, elle s'est imposée comme le partenaire incontournable duBrésil, du Venezuela ou encore de l'Equateur. Avec, à chaque fois, des déconvenues  notables des deux côtés.
Datant de plus de 50 ans, les liens entre la Chine et le Brésil n'ont débouché sur une intensification des échanges commerciaux qu'au début des années 90 lorsque les idéologies des deux pays ont commencé à  converger.
Un ami incontournable
L'ouverture progressive de la Chine à l'économie de marché s'est notamment traduite par une hausse du  commerce avec le Brésil et même un boom à partir de 2004 suite à la visite du président Hu Jintao. Une seule donnée suffit à comprendre l'ampleur du phénomène : de 2003 à 2009, les échanges ont été multipliés par six. La Chine est devenue ainsi le premier partenaire commercial du Brésil, devant les partenaires historiques que sont les Etats-Unis et l'Argentine.
Délaissé par Washington, l'ancien pré-carré qu'était l'Amérique latine est devenu la nouvelle terre de mission de Pékin. Sans surprise, en raison de ses significatives réserves pétrolières et de ses millions d'hectares de terres fertiles à haute productivité, le Brésil a été une cible de choix pour l'ogre chinois qui cherche à réduire sa dépendance au maximum en diversifiant ses sources d'approvisionnement.
Ainsi, ce sont près de 13 milliards de dollars d'IDE chinois par an* qui sont déversés au Brésil, à 92% par des entreprises contrôlées par l'Etat chinois, et en direction massivement du secteur des matières premières.
L'amorce d'une intensification des relations commerciales à partir des années 90 a été saluée des deux côtés. La Chine espérait ainsi s'implanter durablement au Brésil et se projeter dans les pays limitrophes afin de trouver les ressources nécessaires pour alimenter une croissance proche des deux chiffres tandis que le Brésil escomptait que les investissements chinois servent à réduire la pauvreté et à améliorer les infrastructures, l'un des principaux points noirs du pays qui limite toujours ses perspectives de développement.
Un pays difficile à appréhender
Bien mal leur en a pris. La relation entre la Chine et le Brésil repose sur de nombreux malentendus qui ont, inévitablement, alimenté les frustrations. La Chine n'a jamais vraiment réussi à comprendre la manière de faire brésilienne, le fameux jeitinho brasileiro (voir épisode n°2 : "Investir au Brésil, oui. Mais sous conditions" ), et a été rapidement échaudée par le ralentissement de la croissance brésilienne. Le BRIC certainement le plus prometteur il y a encore quelques années s'est révélé être un pays qu'on peine à appréhender complètement.
Du côté brésilien, la désillusion est encore plus grande. Le pari chinois n'a pas fondamentalement changé la structure des flux commerciaux et n'a pas permis de générer les milliards nécessaires pour de nouvelles infrastructures. Aucun cercle vertueux économique n'a résulté des investissements chinois qui sont concentrés dans l'exploitation des matières premières, avec de faibles retours pour le pays. Au contraire, des effets pervers sont apparus.
Le Brésil contraint au protectionnisme
Le plus sensible est certainement la «désindustrialisation précoce» du pays, c'est-à-dire l'essor, en grande partie à cause de la Chine, de la demande en matières premières ce qui a conduit les investisseurs, dans leur ensemble, à se détourner des produits manufacturés.
Résultat: la participation du secteur industriel dans le PIB est tombée proche de ses niveaux du milieu des années 50, avant le processus de modernisation entamé par le président Juscelino Kubitschek. Afin de mettre un arrêt à l'hémorragie, le gouvernement brésilien a été contraint de prendre des mesures protectionnistes, notamment pour limiter l'acquisition de terres par les compagnies étrangères.
Mais, l'intérêt économique chinois pour le pays s'est aussi traduit par l'accentuation des flux migratoires en provenance de l'Empire du Milieu puisque, comme à leur habitude, les entreprises chinoises implantées au Brésil ont préféré faire venir leur main d'oeuvre de Chine plutôt que de recourir à la main d'oeuvre locale, hors cas des quotas obligatoires prévus par la législation brésilienne. Ce qui, dans des zones comme Sao Paulo qui concentre plus de la moitié des immigrants chinois du pays, conduit à de fortes tensions sociales. De fait, à maints égards, les liens tissés entre la Chine et le Brésil reflètent peu d'aspects positifs et ressemblent plus à une relation Nord - Sud qu'à une coopération Sud-Sud.
Une relation à reconstruire
Toutefois, au regard des volumes importants des échanges, la Chine et le Brésil ne peuvent pas faire l'un sans l'autre. S'il fallait désigner le partenaire le plus dépendant, ce serait sans l'ombre d'un doute le Brésil. Mais on aurait tort de croire que la Chine va pouvoir se passer dans les années à venir du grenier agricole brésilien ou sera en mesure de tirer un trait sur le minerai de fer et les gisements de pétrole en profondeur du géant sud-américain. Le pays est bien trop important dans la stratégie économique chinoise. La relation est donc à repenser.
Ce ne sera pas facile. Historiquement, le Brésil a toujours entretenu des échanges déséquilibrés avec ses principaux partenaires. Sa volonté de s'émanciper de l'influence des Etats-Unis a conduit à une nouvelle dépendance avec la Chine, ce qui relève surtout un problème de modèle économique qui n'a jamais été complètement résolu, y compris pendant le miracle économique des années 60 -70. Il est fort peu probable, qu'en dépit de l'urgence, Dilma Rousseff s'attaque à cet épineux défi.
Quel géant prendra le relais ?
De son côté, la Chine tente péniblement de ne plus voir uniquement dans le Brésil un pays où s'approvisionner mais aussi essaie de prendre en considération les opportunités que peut offrir le marché intérieur brésilien et sa classe moyenne représentant plus de 50% de la population.
Le chemin sera toutefois long avant un rééquilibrage réel et il y a fort à parier qu'après les Etats-Unis et la Chine, un autre géant viendra prendre le relais tant l'hypothèse d'une refonte durable du modèle de croissance brésilien à moyen terme semble improbable.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Ilusoes brasileiras sobre a China - Sean Burges

Uma nova abordagem nas relações Brasil-China

Sean W. Burges
O Estado de São Paulo, 05 de dezembro de 2012

Como vários outros países do mundo, o Brasil tenta, a duras penas, fazer frente às exportações chinesas. O Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) organizou sua quarta conferência anual em São Paulo com o intuito de formular respostas a esse desafio. Algumas histórias interessantes foram relatadas, mas não muitas novas ideias foram apresentadas. O mais preocupante, porém, é que pareceu haver pouco reconhecimento dos sutis sinais de alerta de que a China vem manobrando o Brasil para uma posição subordinada, transformando-o num Estado vassalo.
O embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang, usou uma mistura de recados oblíquos e antigas estratégias imperiais para sublinhar discretamente as posições relativas de poder dos dois países e os limites às aspirações brasileiras quanto à relação bilateral. Jinzhang falou deliberadamente em mandarim, não no português que esperaríamos de um embaixador num importante global player como o Brasil. Para ser generoso, é possível que seu português - uma língua que se sabe de difícil domínio para os chineses - não estivesse à altura de apresentação pública tão importante. Então por que não usar uma segunda língua comum, como o inglês, que é o idioma internacional dos negócios e da diplomacia? A mensagem era clara: vocês têm de vir até nós e se adaptar aos nossos modos e prioridades.
Pequenas alusões ao fato de que o ator predominante na relação bilateral é a China foram acompanhadas de advertências sutis aos industriais brasileiros que se queixam das importações chinesas e pedem a Brasília a adoção de mais medidas protecionistas. Jinzhang contou a história de um vilarejo chinês que, como o Brasil, era uma comunidade predominantemente agrária. Com muito trabalho e inovação, o vilarejo transformou-se numa potência industrial e agora contribui com pouco mais de 2% das exportações chinesas. Ainda que transmitida com gentileza, a lição às lideranças empresariais brasileiras foi muito simples: não reduziremos o ritmo de nossas exportações, cabe a vocês inovar e competir conosco. Mais arrepiante para a liderança do agronegócio do Brasil, Jinzhang também observou que a principal meta do novo governo em Pequim é garantir a segurança alimentar e o objetivo último, neste caso, é a autossuficiência.
Um aspecto implícito no discurso de encerramento proferido pelo presidente da CEBC, o embaixador Sergio Amaral, foi uma réplica ao desafio chinês. Infelizmente, a proposta de Amaral, que sugeriu revigorar as iniciativas de integração econômica da América Latina a fim de criar um mercado interno mais amplo e estabelecer um patamar comum de tarifas altas para excluir produtos chineses, é uma ideia antiga que não deu certo. Mais ainda, a proposta é um delírio que ignora por completo que Chile, Peru, Colômbia e México se reuniram para formar a Aliança do Pacífico justamente com a ideia de se voltarem para o oeste e olhar para a China, e não a leste, para o Brasil.
O interessante é que a história de Jingzhang sobre a cidadezinha agrícola chinesa que se transformou graças à inovação aponta um passo adiante para o Brasil, que envolva uma direção muito diversa para sua política externa e maiores, mas produtivas, alterações no pensamento empresarial do País. Há duas diretrizes concretas de ação.
Em primeiro lugar, o Brasil precisa aumentar sua taxa de inovação. O programa Ciência sem Fronteiras ajudará, mas não basta. Lições da experiência chinesa devem ser acrescentadas à receita. A industrialização na China apoiou-se em sucessivas ondas de investimento direto estrangeiro (IDE), que traziam tecnologia e novos processos - as empresas chinesas engajaram-se num amplo processo de colaboração internacional para estimular a inovação. Graças ao Ciência sem Fronteiras as universidades brasileiras já começam a experimentar algo semelhante por meio de um relacionamento ativo com universidades dos EUA, do Reino Unido, do Canadá, da Europa e até com a instituição a que pertenço, a Universidade Nacional da Austrália. As empresas devem seguir essa trilha e procurar parceiros dinâmicos, com os quais novos mercados, produtos e processos possam ser explorados e desenvolvidos. O governo brasileiro poderia contribuir ativamente para isso com programas criativos em instituições como o BNDES ou novas linhas de financiamento do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal.
Em segundo lugar, o Brasil precisa adotar nova abordagem para lidar com a China. Uma opção que não funcionará é a rota que potências intermediárias como Austrália e Canadá usam há muito tempo para administrar as relações bilaterais com os EUA. Não há comunhão de interesses para tornar isso viável com o Bric China. Em vez disso, dever-se-ia dar atenção a uma estratégia sofisticada de "equilíbrio" envolvendo uma parceria com Austrália e Canadá. Por que esses dois países? Ambos são relativamente pequenos e cortejam ativamente o Brasil, o que os torna administráveis. Mais importante ainda, para o impacto disso nas percepções chinesas, é que eles são outros dois grandes exportadores de minerais e alimentos para a China. Com Austrália, Brasil e Canadá - um novo grupo de países ABC - operando de forma independente, a China pode adotar uma estratégia do tipo "dividir para conquistar". O resultado é que as tarifas chinesas deixam entrar matérias-primas de forma mais barata, mas deixam de fora produtos de maior valor agregado em seu mercado. Isso faz dos países ABC celeiros para os consumidores chineses. A ação coletiva pode ser uma maneira de reverter esse processo e forçar concessões de Pequim.
A China será, sem dúvida, um dos principais parceiros econômicos do Brasil até o resto deste século. O perigo é que, se depender de desgastados modelos de integração e de uma abordagem excessivamente individualista no relacionamento com Pequim, o Brasil será rapidamente empurrado de volta a uma posição periférica e passará a funcionar como pouco mais que uma despensa da China.

SEAN W. BURGES, CANADENSE - É PESQUISADOR SÊNIOR DO CENTRO NACIONAL DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS DA UNIVERSIDADE NACIONAL DA AUSTRÁLIA.

sábado, 27 de outubro de 2012

China-Brasil: conferencia do centro empresarial


4ª Conferencia Internacional do CEBC


A emergência da China, econômica antes, política em seguida, é um dos fatos mais relevantes da cena global ao início do novo século. Ela já é o principal parceiro econômico e primeiro investidor no Brasil.
A nova potência desperta admiração e, ao mesmo tempo, apreensão. Suscita, sobretudo, muitas indagações. As suas taxas de crescimento são sustentáveis? As exportações continuarão a crescer em ritmo acelerado? A transição política e econômica em curso levarão a uma mudança de rota ou apenas a alguns ajustamentos? As novas lideranças políticas terão as condições para lidar com os efeitos de uma crise econômica global e com as manifestações sociais ao nível local e no ambiente de trabalho? Para onde caminha o já denso intercâmbio bilateral entre o Brasil e a China?
Estas e muitas outras questões relevantes serão debatidas por ocasião da 4a Conferência Internacional Brasil-China, com um grupo seleto de renomados especialistas e de altos dirigentes das mais importantes companhias, tanto brasileiras, quanto chinesas. Sempre dentro de uma ótica empresarial e do fortalecimento do relacionamento bilateral.

Além de altas autoridades, os palestrantes já confirmados incluem:
·         Claudio Frischtak, Consultor do Conselho Empresarial Brasil-China
·         David Kelly, Diretor de Pesquisas do China Policy e Professor da Universidade de Pequim
·         Frederico Curado, Presidente e CEO da Embraer
·         José Antonio do Prado Fay, Presidente da BRF Brasil Foods
·         Kerry Brown, Diretor Executivo do China Studies Center da Universidade de Sidney
·         Luo Xiaopeng, Associado Sênior do Carnegie Endowment for International Peace e Consultor da China Policy
·         Mauricio Mesquita, Economista-Chefe do Setor de Comércio e Integração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
·         Murilo Ferreira, Presidente da Vale
·         Nicholas Lardy, Membro Sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional
·         Veni Shone, Presidente da Huawei no Brasil

Teremos uma grande satisfação em contar com a sua presença e ativa participação neste importante evento sobre BRASIL – CHINA EM UM MUNDO EM TRANSIÇÃO, organizado pelo Conselho Empresarial Brasil – China, a realizar-se no dia 21 de novembro próximo, no Hotel Renaissance, Alameda Santos 2233, em São Paulo.
As inscrições e o programa do evento estão disponíveis no site www.cebc.org.br/brasilchinaemtransicao
A Secretaria Executiva do CEBC estará à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais que se façam necessários, pelo telefone (21) 3212-4350 ou pelo e-mail: conferencia@cebc.org.br.

Embaixador Sergio Amaral
Presidente
Conselho Empresarial Brasil-China

Julia Dias Leite
Secretária Executiva
Conselho Empresarial Brasil-China

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Brasil-China, a parceria estrategica - livro de Henrique Altemani de Oliveira

Um livro a ser lido, anotado, analisado, comentado, refletido...
Paulo Roberto de Almeida 



O Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI tem a satisfação de anunciar  a publicação do livro
Brasil e China: Cooperação Sul-Sul e parceria estratégica
de Henrique Altemani de Oliveira, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP e da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e conselheiro da Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI. 
O livro sai pela Coleção Relações Internacionais da Editora Fino Traço, apoiada pelo Centro de Estudos sobre o Pacífico e pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília

Brasil e China compreendem que seus objetivos de desenvolvimento entram em choque com os objetivos dos diferentes países, desenvolvidos ou não, promovendo, ao longo do tempo, diversas alternativas estratégicas para atingí-los. Uma dessas alternativas corresponde ao que está sendo denominado de parceria estratégica. 
Nenhum dos dois abandonou ou relativizou seu objetivo básico de desenvolvimento, nem buscou implementar um modelo que fosse comum. A parceria estratégica decorreu do consenso de que cada um tem e mantém seus interesses próprios, mas que alguns desses são de proveito comum. Desse modo, a parceria é um meio para se atingir uma coordenação, uma cooperação maior nos assuntos em questão, para a geração de melhores condições de desenvolvimento.
O presente livro procura, assim, realçar temas considerados fundamentais para uma melhor compreensão das bases do relacionamento sino-brasileiro, de seu atual status e de elementos necessários para a projeção de sua continuidade.

Acesse aqui a apresentação e a introdução deste livro.
Este livro pode ser adquirido nas melhores livrarias, ou diretamente no site da Editora Fino Traço – clique aqui para comprá-lo.