Tivemos oito anos de atrasos "normais", quero dizer entre 50 minutos e 1h30 de postergação de qualquer coisa: reuniões, visitas, encontros, salamaleques, beija-mão, tudo, absolutamente tudo começava com uma hora, ou mais, de atraso.
Ouvi histórias de americanos e europeus que queriam ir embora, cansados de chá de cadeira ou de espera em posições sem cadeira mesmo.
Claro, isso para quem respeita horários, pois na região a coisa era mais "flexível", digamos assim. Eu ficava imaginando quando certo país fosse admitido no Mercosul de quantas horas seriam os atrasos: se já eram normalmente de 2 horas para começar qualquer coisa, com certo líder eloquente a coisa poderia se arrastar para 3 ou 4 horas. Seria o caos, sem falar no cansaço dos pobres diplomatas que preparavam tudo no horário, e depois tinham de disputar três ou quatro partidas de gamão, para aguardar os ilustres participantes do augusto conclave...
Parece que agora mudou, e para melhor...
Vai ser menos cansativo, para dizer o mínimo...
Paulo Roberto de Almeida
A diplomacia do pin
Clara Becker
Revista Piauí, edição 56, maio 2011
O dia em que o Itamaraty competiu em pontualidade com o cerimonial do casamento de William e Kate em Westminster
As instruções do cerimonial à Turma Embaixador Paulo Nogueira Batista, 2009–2011, eram claras. Traje escuro para os homens; passeio para as mulheres. No último dia 20 de abril, os condecorados e seus familiares deveriam chegar ao Palácio Itamaraty a partir das 11 horas e dirigir-se diretamente ao subsolo. Lá, seriam submetidos a uma triagem cromática: os portadores de pins laranja teriam assentos reservados na parte superior do Auditório Wladimir Murtinho; os portadores de pins azuis teriam direito apenas a acompanhar a cerimônia através de telões na Sala San Tiago Dantas.
A turma dos 109 novos diplomatas que se formou naquela quarta-feira representa um naco de 8% do serviço exterior brasileiro. Ela faz parte das chamadas “turmas de 100” – também alcunhadas de “overbooking”, “coração de mãe” e “101 dálmatas”. Foram instituídas cinco anos atrás para povoar a expansão geográfica da política externa do presidente Lula e já somam 500 servidores, o equivalente a um terço de todos os diplomatas brasileiros em atividade. Até 2005, formavam-se em média apenas trinta diplomatas ao ano.
A embaixadora Maria de Lujan Caputo Winkler, chefe do cerimonial do Itamaraty, coordenou o evento deste ano com um cronograma digno dos Windsor e um caleidoscópio de pins.
Como cada formando tinha direito a três convidados – um pin laranja e dois azuis –, instaurou-se um cenário de conflito, pondo à prova a habilidade diplomática dos formandos. A quem entregar o pin laranja? Quem teria direito ao território fronteiriço aos formandos, mais próximo à presidenta? Os dias que antecederam à formatura foram de negociações intensas, nem sempre se chegando a um acordo. Houve quem se inspirasse na partilha da África europeia, que resolveu a divisão territorial usando uma régua, e distribuísse os pins com a frieza do acaso, desconsiderando vínculos sanguíneos. Outros, à la Israel–Palestina, não conseguiram evitar a escalada para o impasse e contaram com a sorte de familiares ausentes de outros colegas para conseguir que sogra e nora se sentassem lado a lado.
“São muitas pessoas, por isso elaboramos esse sistema complexo de pins para identificá-las”, explicou a embaixadora. “A confecção deles foi solicitada à Presidência. Cada cor dá acesso a um lugar.” Os pins verdes do pessoal de apoio, e os cinza da chefia, eram os únicos de acesso irrestrito. Os formandos ganharam pins pretos. As autoridades e professores tinham pins brancos com faixa laranja e podiam circular pelo subsolo, parte inferior do auditório e 3º andar. Os pins vermelhos e brancos, que participavam da cerimônia de Imposição de Insígnias e Medalhas da Ordem do Rio Branco, só tinham acesso ao térreo e mezanino.
O script do cerimonial determinava:
Às 11h58, a senhora presidenta da República, o vice-presidente da República, o ministro de Estado das Relações Exteriores, o secretário-geral das Relações Exteriores, bem como o diretor-geral do Instituto Rio Branco entrarão no auditório e tomarão seus lugares à mesa. Às 12h00, a senhora presidenta da República declarará aberta a sessão.
Os veteranos da casa, lembrando-se do atraso de quase duas horas de Luiz Inácio Lula da Silva na formatura do ano passado, leram o horário quebrado do roteiro com curiosidade antropológica. Como se sabe, a meia horinha de atraso faz parte do DNA brasileiro, e remonta a Pedro Álvares Cabral, que descobriu o Brasil com 30 minutos de atraso.
Segundo o cronograma, os familiares deveriam ocupar seus lugares treze minutos antes da chegada da presidenta no auditório. Às 11h50, em meio ao irrefreável afã da plateia em fotografar tudo e todos, a voz do locutor anunciou: “Senhoras e senhores, queiram ocupar seus lugares. Em poucos minutos daremos início à cerimônia. Roga-se a todos que desliguem seus celulares.” Nos cinco minutos seguintes, o pedido foi reiterado mais duas vezes. Na segunda, os “poucos minutos” foram substituídos por “instantes”. Na terceira, os “instantes” se transformaram em “poucos instantes” e o burburinho diminuiu. E não é que às 11h58 em ponto a presidenta Dilma Rousseff adentrou o salão? Sua pontualidade ofuscou os tantos discursos sobre política externa que se seguiram. Foi o grande assunto da tarde.
Seguiu-se a cerimônia da entrega de medalhas a quatro formandos (dois primeiros colocados no concurso de ingresso, e dois no curso de formação do Instituto Rio Branco). Segundo o protocolo, eles deveriam cumprimentar a presidenta da República, o vice-presidente da República e o ministro de Estado com um aperto de mão. Os demais integrantes da mesa devem ser saudados com leve aceno de cabeça. Todos seguiram o manual, menos Dilma, que sapecou um beijo em Natasha Pinheiro Agostini, única mulher entre os medalhistas de 2011.
De resto, tudo ocorreu como previsto no informe do cerimonial: Às 13h00, após anúncio do locutor, familiares e professores devem subir pela escada ao fundo do auditório, e, depois, pela escada em caracol e pela escada azul, até o 3º andar, para participarem da recepção-buffet.
Nos tempos das turmas de trinta, os formandos almoçavam à mesa com o chefe da nação e eram servidos à francesa. A alocação de lugares seguia o critério de antiguidade, com os primeiros colocados sentados mais perto do chefe da nação.
Já nas “turmas de 100”, os formandos contentam-se com uma foto oficial, na qual os melhores colocados têm direito à maior proximidade com o dono do poder. “Numeramos o estrado já com a colocação de cada um para não haver confusão na hora. Só chamamos a presidenta quando todos estão a postos”, explicou a chefe do cerimonial.
Por fim, formandos e familiares foram alimentados com as diversas opções da recepção-buffet. No evento deste ano, a tapioca, o risoto de queijo brie com pera, a moqueca capixaba com farofa de banana e a galinha-d’angola com purê de cará foram servidos em cumbucas que permitiam aos presentes comer em pé. A música da banda Acordes de Roboré, menos controversa do que o acordo homônimode 1958 entre Brasil e Bolívia, pareceu agradar a todos.
Dilma preferiu almoçar no apartamento privativo reservado ao chanceler, no térreo. O espaço com sala de estar e quarto – para o caso de o ministro não ter tido tempo de descansar entre viagens – é usado para receber autoridades nos almoços e jantares.
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