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quarta-feira, 3 de agosto de 2011
India e China: necessidade de reformas estruturais
Asiáticos do Bric batem no muro
Jaswant Singh
Valor Econômico, 03/08/2011
As credenciais democráticas da Índia não impressionaram Francis Fukuyama - que há 20 anos profetizou o "fim da história" - como catalisadoras para o crescimento econômico do país. Fukuyama vê "ingovernabilidade e política de clientelismo" em excesso na Índia - defeitos que estão em contraste gritante com o sistema político da China, mais ágil, embora não necessariamente mais limpo.
A realidade é, no entanto, um pouco diferente. Os governos locais da China vêm acumulando montanhas de dívidas para financiar sua grande onda de obras, o que traz sérias preocupações quanto a possíveis moratórias. O próprio primeiro-ministro do país, Wen Jiabao, admite a necessidade urgente de resolver o crescimento desigual do país e pede que se encontrem meios de "compartilhar a prosperidade de maneira justa" e, dessa forma, reduzir as diferenças cada vez maiores entre "ricos e pobres, cidades e campo".
O economista Nouriel Roubini previu que a economia da China deverá desacelerar-se entre 2013 e 2015, momento em que seus investimentos em ativos fixos, de quase 50% do Produto Interno Bruto (PIB) exigirão retornos monetários e sociais. Até agora, diz Roubini, o crescimento baseado nas exportações dependeu de "produzir coisas que o resto do mundo quer, a um preço que nenhum outro país pode igualar", como consequência da mão de obra barata e das economias de escala. Essa vantagem de custo vem diminuindo rapidamente.
A Índia também enfrenta várias dificuldades, mas de natureza diferente. Por exemplo, os investimentos no exterior por empresas indianas apresentam forte alta. Alguns acreditam que isso é um desenvolvimento natural de uma potência em ascensão, mas alguns críticos veem o investimento no exterior como reflexo da falta de oportunidades em casa.
Taxas de juros em alta, inflação elevada e graves impasses políticos, em meio a uma série de escândalos de corrupção no governo, vêm obstruindo os investimentos domésticos e externos na Índia e, portanto, desacelerando o crescimento da economia para um patamar abaixo de seu potencial. Os problemas econômicos são agravados pelo ambiente regulador imprevisível, infraestrutura inadequada e um setor agrícola vagaroso e dependente das monções.
Tanto Índia como China precisam de um novo compromisso de reformas estruturais para sustentar seu crescimento econômico. Os trabalhadores dos dois países querem padrão de vida melhor, o que nem o sistema político rigoroso da China pode ignorar.
Claramente, a turbulência econômica agita duas das maiores economias da Ásia, os gigantes do grupo conhecido como Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). Vejamos a inflação. Em 6 de julho, o Banco do Povo da China elevou sua taxa referencial de juros pela primeira vez desde outubro de 2010. Isso gerou apreensão quanto ao mercado de imóveis e medo de que governos locais possam ficar inadimplentes em parte de suas dívidas, que chegam a US$ 1,65 trilhão.
Na Índia, o fracasso do governo em conter a alta dos preços, promover reformas econômicas estruturais vigorosas, atrair investimentos externos diretos, levar adiante projetos de infraestrutura, administrar os gastos e evitar a falta de crédito sinalizam os grandes desafios pela frente. Além disso, a continuidade no impasse entre governo e oposição enfraqueceu a efetividade política, corroendo as perspectivas de crescimento da Índia.
De fato, o principal desafio da Índia continua sendo político. Com os preços dos alimentos em forte alta, os pobres são os mais atingidos, o que provoca pobreza, desigualdade e ressentimento ainda maiores. O mesmo vale, contudo, para a China: protestos contra a inflação abalam os dois países, decorrentes principalmente da alta dos alimentos, fontes de energia e matérias-primas. A comida representa cerca de 30% dos gastos das famílias na China e em torno a 45% na Índia.
O medo agora nos dois países é de que choques inflacionários possam tornar-se espirais ascendentes que se autoalimentem. Como alerta o Fundo Monetário Internacional (FMI), "o núcleo da inflação - excluindo commodities - subiu de 2% para 3,75%, sugerindo que a inflação está se ampliando".
Um motivo para a alta dos preços indianos é que a expansão da infraestrutura continua lenta. O progresso em estradas, ferrovias e projetos de energia - que poderiam evitar a deterioração de alimentos e outras commodities é essencial para estabilizar os preços.
A China, por sua vez, se encontra em uma conjuntura crítica. O governo mudará em 2012 - em um momento de aumento na desigualdade de renda e de falta de consenso no Partido sobre como interrompê-lo. Tendo em vista que menos de 9% dos membros do Partido Comunista são realmente "trabalhadores" hoje em dia, os líderes do regime devem estar ainda mais incomodados com a crescente iniquidade. Sem reformas políticas sérias, no entanto, a desigualdade de renda aumentará, com o "capitalismo de compadres" fincando raízes mais profundas.
Tanto Índia como China precisam de um novo compromisso de reformas estruturais para sustentar seu crescimento econômico. A mão de obra barata e gestão monetária não serão suficientes. A credibilidade que os dois governos ganharam após evitarem o pior da crise financeira de 2008 começa a desgastar-se. À medida que crescem os receios inflacionários nos gigantes do Bric, as dúvidas quanto à mudança do centro de gravidade da economia mundial começam a ganhar força.
O que os dois países precisam são de correções de curto prazo e mudanças estruturais de longo prazo. A China precisa preparar-se para uma economia cujo desempenho não dependerá das exportações e dos baixos salários domésticos. A Índia precisa encontrar outros motores de modernização econômica além de novas tecnologias da informação (mesmo que estas sejam bem-vindas). Os trabalhadores nos dois países agora querem padrão de vida melhor - exigência que nem o sistema político de controle rigoroso da China pode ignorar.
A Índia, por sua vez, precisa abrir sua economia ainda mais, para aproveitar o crescimento da população, que continua alto, e as mudanças em andamento na estrutura da economia mundial. Precisa assumir o compromisso de alimentar sua população - e, portanto, alcançar seu objetivo declarado de uma "Segunda Revolução Verde" na agricultura.
A China e Índia valeram-se de modelos políticos muito diferentes para alcançar suas ambiciosas metas de expansão do PIB. Ainda assim, com o amadurecimento de suas economias, ambas precisam adotar mudanças estruturais - e lidar com os desafios de reformas políticas que já deveriam ter sido feitas.
Jaswant Singh foi ministro das Finanças, Relações Externas e Defesa na Índia. Copyright: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
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