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domingo, 28 de agosto de 2011

Miopia diplomatica brasileira - Denis Rosenfield

Miopia ideológica na diplomacia
Denis Lerrer Rosenfield
Diário do Comércio, 25 Agosto 2011

A diplomacia brasileira causa constrangimento. Após a posse da presidente Dilma, alguns sinais foram dados de que haveria, nessa área, uma mudança de rumo. Sinalizações de vários tipos se fizeram presentes, dentre as quais a defesa dos direitos humanos no Irã, em particular no que diz respeito às mulheres. O contraste parecia se afirmar em relação ao governo anterior. Lula chegou a afirmar que os críticos do regime dos aiotolás, que morriam nas ruas e eram torturados nas prisões, eram nada mais do que torcedores de um time que tinha perdido o jogo, no caso, o das eleições presidenciais naquele país. Maior troça em relação à democracia e aos direitos humanos era impossível.

Embora a esfera das relações exteriores não seja algo que comova ou interesse particularmente aos cidadãos brasileiros, para os quais ela surge como algo longínquo que não interfere em suas vidas, ela tem um sentido interior. A diplomacia do governo Lula foi uma diplomacia petista, naquilo que esse partido tem de mais atrasado.
Nela, imperam os velhos cacoetes da esquerda, como a luta antiimperialista, a solidariedade com o "terceiro mundo", as relações Sul/Sul, o alinhamento com o socialismo bolivariano, a simpatia participativa com os regimes de esquerda e assim por diante. Isso significa, na prática, o apoio aos ditadores mais sanguinários e o desprezo ativo pelos direitos humanos. Sinal manifesto disto, para trazermos a questão à sua atualidade, é o tratamento "amigo" dado a ditadores como Assad na Síria e Kadafi na Líbia.

Aliás, digno de nota é o fato de a família Kadafi estar cogitando como lugar de exílio a Venezuela de Chávez, o símbolo do "socialismo do século 21". Aqui no Brasil, tivemos as condições vergonhosas de asilo ao terrorista Cesare Battisti, também em nome de uma solidariedade de esquerda. Os países ditos de esquerda estão recebendo como lugar de refúgio – e de impunidade – a escória internacional.

No entanto, apesar das sinalizações de mudança do novo governo, nada parece estar mudando, como se um passo adiante tivesse se traduzido por dois atrás.

A repressão na Síria de Assad se torna cada vez mais sanguinária com o assassinato sistemático dos contestadores e, de forma mais geral, da população civil. Cidades que se mostram contestatórias são submetidas ao ataque dos tanques, dos foguetes e, em alguns casos, de bombardeios navais.

Em um estilo melífluo, o ditador Assad diz reconhecer as oposições, promete tornar o sistema partidário plural, assevera que suas tropas foram atacadas, enquanto emprega sistematicamente a violência contra os seus opositores. A imprensa livre é sufocada e os correspondentes estrangeiros estão proibidos de entrar no país, de modo que uma cobertura jornalística isenta se torna impossível.

As moções de repúdio de vários países se sucedem enquanto o Brasil envia uma missão diplomática ao país que termina dando credibilidade às palavras do ditador. O País, literalmente, fez um papelão, algo que foi, inclusive, utilizado internamente, como se o Brasil fosse avalista do regime. Nosso país só mereceu descrédito.

Agora, não consegue se desvencilhar da sombra de Kadafi e de Lula. A Líbia está praticamente toda controlada pelas forças rebeldes. O QG do ditador já está sob controle da oposição. O Conselho Nacional de Transição tornou-se, nesses últimos meses, o interlocutor de vários países, sendo reconhecido como o novo governo.

Observe-se que estamos diante de um processo que já dura seis meses, tendo, portanto, havido tempo para que o governo brasileiro refletisse com maior vagar sobre o que lá estava acontecendo. Aliás, no início do conflito, o embaixador brasileiro chegou a declarar que a situação era muito favorável a Kadafi, com o povo contente. Os opositores seriam meros descontentes de algumas poucas tribos rivais, que só controlavam e só poderiam controlar algumas poucas cidades rebeles. Maior erro de avaliação é impossível.

A diplomacia brasileira, que procura ganhar credibilidade internacional, postulando mesmo uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, está francamente a reboque da situação, perdendo importância e prestígio. Ainda agora, hesita em reconhecer o CNT como o verdadeiro representante do povo líbio. Ao mesmo tempo, procura assegurar os interesses das empresas brasileiras que lá atuam. A ingenuidade é total. A quem o CNT assegurará os melhores contratos? Aos que os apoiaram ou aos que se recusaram a tal?

Até a China, que procurava se manter neutra no conflito, já dá sinais de mudança de posição, ciente de que a correlação de forças mudou completamente. Sai em busca da recuperação do tempo perdido. A diplomacia brasileira nem isto consegue fazer.

Há erros de avaliação militar e política. No erro de avaliação militar, destaque-se o fato de o Itamaraty não ter conseguido prever o desfecho dos combates, como se estivesse apostando seja na resistência de Kadafi, seja em sua capacidade de recuperação. O território sob controle do ditador encolhia a olhos vistos, até para os desconhecedores de assuntos militares.

No erro de avaliação política, note-se a inabilidade diplomática, onde o Brasil não se fez interlocutor de ninguém, nem sendo levado a sério. O Itamaraty, historicamente, sempre foi reconhecido por sua competência. Sob Lula, tornou-se cada vez mais ideológico, como se devesse tomar partido na ótica de seu partido. A diplomacia ficou literalmente partida.

O fato de o Brasil estar sendo convidado para participar pela França de uma conferência internacional só mostra a influência francesa e o seu interesse em adular o Brasil, cuja diplomacia ficou suspensa no ar. Certamente deve ter pesado na decisão francesa o seu interesse em vender os aviões Rafalle ao Brasil. Ajuda "amiga"!

O que estamos presenciando é uma continuidade diplomática do novo governo em relação ao anterior, mostrando-se incapaz de rever suas posições. Há uma notável dificuldade de afastamento dos antigos "amigos" e "companheiros", como Assad e Kadafi. A miopia ideológica continua operando.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRS

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