Um amigo me envia este artigo sobre a indústria dos quilombos, fabricados artificialmente para não se sabe que finalidades políticas, econômicas ou sociais. Certamente não estão sendo inventados para melhorar o Brasil, mas talvez sim a vida de certos companheiros...
Paulo Roberto de Almeida
Sobre Quilombo e caviar
Roque Callage Neto, Doutor em Ciências Sociais pela UNB
Recentemente, o presidente da Fundação Palmares brindou
o público com um artigo no jornal Zero Hora do Rio Grande do Sul, intitulado
“Quilombo e caviar”, no qual traçava analogia entre ambos. Sugerindo ser a
apreciação cultural sobre quilombo uma refinada iguaria e preciosidade como o
caviar, lamentava o que chamava de ignorância que cerca o assunto.
A analogia não
poderia ser mais feliz, contribuindo para demarcar perfeitamente como devem ser
a análise e debate sobre tão relevante
tema. Para que os brasileiros possamos todos apreciar e respeitar a memória da africanidade de resistência à escravidão de nossos irmãos
negros, é preciso porém atentar que quilombos necessariamente são raros e poucos
– pois correspondem a um período
passado, do qual restaram como remanescentes. .Por isto mesmo apreciados como
preciosidade no espaço nacional.
Entretanto , não é isto o que tem ocorrido, porque
vulgarizam-se declarações de autodefinição, multiplicando-se em progressão
geométrica a partir do decreto lei 4.887/2003 na presidência Lula da Silva, que
pretendeu regulamentar o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitorias da Constituição de 1988. Dando às comunidades a prerrogativa da
autodefinição como remanescentes de quilombos, e sempre usando critérios
ambíguos e abstratos, considera terras ocupadas pelos remanescentes as
“utilizadas para garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural”.
E ainda aponta que para medição das
terras, serão levadas em conta os “critérios de territorialidade apontados pela
comunidade”.
Para ampliar ainda mais a insegurança jurídica e a
incerteza conceitual que predominam na questão, antropólogos afoitos ou mesmo militantes da causa,
declararam em documentos que a noção de quilombo deve ser “móvel” ou em
deslocamento, sofrendo ressignificação
ou ressemantização, pois ela não deve ficar “congelada” no tempo. Crtiticaram a
noção colonial do jurista Perdigão Malheiros ou do Conselho Ultramarino, que
consolidavam uma visão de quilombos como negros fugidos em arranchamento ou não
em números definidos, sendo mais do que cinco. Assim, quilombo deveria ser uma
visão dinâmica que se estenderia no tempo, para atingir situação contemporânea
de uma resistência sempre presente.
Ledo engano.
Para entendimento preliminar deve-se dizer, desde logo,
que quilombo não é uma abstração inerente a cada sujeito social particular, ou
auto identificação suposta a cada grupo que assim o deseje segundo suas
reminiscências específicas. Mas uma organização social com características de
cidadania civil, perfeitamente identificável por sua rebeldia contra a ordem
colonial e monárquica nos séculos XVIII
e XIX; formada por comunidades majoritariamente africanas (incluindo outros
participantes), com hierarquia politica e estabilidade e permanência mínima no
território.Visava abrigar fugitivos, construindo esboço de uma ordem política
republicana, ou seja, conflagrando-se à ordem política existente. Não pode
haver quilombo sem esta representação diferenciada sobre a ordem então
existente – a ordem imperial monárquica ou ordem colonial e inclusive esta é
sua auto-definição sociológica, tipificada pela antropologia jurídica.. Não
tratamos aqui das diversas conotações que quilombo possa ter na terminologia
ancestral africana, mas sim da que teve no território colonial e imperial
brasileiro. É desta que os Constituintes de 1988 trataram.
Seja qual fôr o tamanho e a proporção do quilombo,
estaremos diante de uma organização social com direitos civis diferentes dos
súditos da Coroa portuguesa ou brasileira , hierarquizados politicamente por
obediência a chefes constituidos de forma precocemente republicana. Foram
variados no Brasil, e os quilombos de Minas Gerais chegaram a ter ampla
constituição territorial, lideranças consentidas ou legitimadas pelos
liderados, comercio ativo entre suas subdivisões territoriais, fluxo constante
de produtos, abastecimento, grande divisão e
especialização de trabalho, especialização doméstica e vários ofícios.
Quilombolas, são, portanto, os representantes desta comunidade, e não têm
qualquer conotação étnica, mas sim representam uma identidade civil de várias etnias africanas.Mais bem caracterizando
uma etnia social compósita, antes que se viesse a formar a vasta macro-etnia de
afro-brasileiros.
A partir da
abolição mas principalmente da República, não há o menor sentido falar-se em
“quilombos” , e por isto mesmo, exemplarmente os Constituintes de 88, no Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias escreveram que .."aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos".
Os negros
ex-escravos se tornarão após camponeses em comunidades rurais, proletários
urbanos, artesãos, serviçais ou peregrinarão pelas cidades buscando ocupações. Por
certo, este período representará uma das mais injustas páginas da história
brasileira, onde as terras, principalmente terras públicas, foram negadas a
quem certamente deveria nelas trabalhar.Mas o que realmente ocorre, é a
formação de mocambos, cortiços, favelas, nunca de quilombos. Estes não existem
mais, apenas, bem acentuaram os Constituintes de 88, como remanescentes.
Por isto mesmo, são raros e poucos, merecendo a analogia
com o caviar, feita pelo presidente da Fundação Palmares. E são raridades que
nos convocam à seriedade, , cuidado, apreciação e até reverência.Um País que se
quer uma potência social e econômica certamente deseja um futuro onde esta
lembrança ocorra mais como metáfora do que como realidade de injustiça.
Entretanto, a
justiça deve ser feita sem cometer outra.
Nos últimos anos, a partir do decreto já citado, que
equivocamente franqueou a auto-atribuição do imaginário mítico como regra
fundamental para caracterização e delimitação
de quilombos, proliferaram pedidos de reconhecimento em todo o Pais. Um surto
de novos quilombolas se estabeleceu de norte a sul. Enquanto de 1995 a 2002,
haviam sido identificados 743 quilombos , a partir de 2003 até 2009, depois do
decreto 4887, este numero passou para 3.524, sendo que 1.342 foram certificados pela Fundação Palmares. Até
2011, o total de certificações atingiu 1.711. A certificação é o passo inicial
para a ação do Incra e a eventual desapropriação.
Se o movimento quilombola acusava o governo anterior de lentidão em
fazer justiça, o posterior passou a ser geométrico, certificando quilombos em
toda a parte. A partir do decreto 98/2007, houve alguma sobriedade, e a
Fundação Palmares passou a exigir maiores procedimentos ao que era simples
reconhecimento completo de auto-definição. Mesmo assim, os movimentos sociais
continuam a pressionar por reivindicações duvidosas, que não resistem a laudos
criteriosos de contestação à sua demanda. Simplesmente, camponeses rurais não
são quilombolas, e agricultores negros tampouco o são, faltando o essencial: sua
definição civil e sua organização hierárquica básica que os caracterizaram como
descendentes do periodo em questão como contestadores à
ordem existente.
O passo posterior normalmente requerido é o do laudo
antropológico e o relatório técnico,
quando então estas comunidades podem vir a ser em tituladas. A titulação é
coletiva, criando uma propriedade comunista do solo com usufruto, algo que já
está sendo contestado pelos próprios
beneficiários. Todas as experiências mundiais de comunização da agricultura
fracassaram pela falta de produtividade e ambição individual em produzir, e
basta-se verificar o que ocorreu nos kolkhozes
soviéticos para se ter certeza na inevitabilidade deste fracasso. Se os
ancestrais quilombolas a praticavam na ordem monárquica , nada indica que os
contemporâneos a desejem.
É justamente toda
esta concepção de fazer justiça que está congelada, contrariando o que dizem
alguns antropólogos, até reunidos em associações profissionais. Laudos se
apressam a justificar reivindicação de amplas áreas para supostos quilombolas
com argumentos de que as comunidades precisam reproduzir seu histórico modo de
vida . Mesmo que se admitisse suposta
hereditariedade quilombola em várias regiões reivindicadas, pesquisas
demonstram que netos e bisnetos de quilombolas não têm o menor interesse em
trabalhar na terra como seus antepassados e muito menos de viver em territórios negros fechados. Mas sim em
usufruirem da vida urbana , de estudarem e terem bom emprego moderno.Não têm o
menor vínculo com suposto ritual mítico que os unificaria a uma causa
quilombola, mas sim, uma interação constante com suas familias miscigenadas,
ativos na brasilidade de suas vidas republicanas nas cidades e em seus projetos
de classe média .Consideram-se sim, afro-ibero-europeus-brasileiros
e mantém estas conquistas étnicas como patrimônio, desejando desenvolvê-las. Para
eles, a identidade civil de quilombola
não é relevante. Não estão congelados no tempo e não querem ser
congelados por antropólogos que lhes prometem o apartheid social.
Estes antropólogos,
influenciados por teorias antropológicas internacionais que visualizam o
conflito permanente como forma de uma consciência diacrítica (diferenciadora) da identidade, subscrevem documentos de apoio
à segregação étnica e à constituição de territórios racialmente homogêneos.
Isto acaba revivendo a noção antropogeográfica de “espaço vital”, surgida com
Friedrich Ratzel e que levou ao nacional-socialismo. Não há o menor sentido em
aplicar políticas de identidade sobre territórios fechados, denominados como
“quilombolas”, expulsando agricultores familiares brancos ou miscigenados,
incluindo familias mistas brancas e negras - todas convivendo há mais de um
século em aceitação recíproca.E há muitos casos assim..
A política
quilombola terá que necessariamente passar por profunda revisão. A melhor forma de homenagear os sobreviventes
culturais de um passado de injustiça que se quer eliminar para o futuro ,
mantendo-o somente como metáfora
simbólica em patrimônio cultural não congelado, é expor este patrimônio à
convivência diária multicultural com vizinhos bem contemporâneos de nossa
civilização brasileira em construção.Titulando a quem mereça, mas sem
desapropriações absurdas e fantasiosas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário