O poder que determina, em última instância, o que é legal ou não no país, o que é constitucional, deixou de exercer o seu poder: tornou-se caudatário de outro poder, que atua segundo os interesses de sua corporação. Mas, se pensarmos bem, o STF também é uma corporação, não é mesmo?
Triste. Mas, não se preocupem: ainda vem coisa pior pela frente.
Preparem-se para mais uma degradação moral de todas as instâncias republicanas.
Criminosos confirmados vão ficar livres da cadeia, comprovando mais uma vez que o crime compensa, para quem tem dinheiro e amigos poderosos.
Paulo Roberto de Almeida
Quem cassa mandatos?
Luiz Garcia
O Globo, 13/08/2013
Numa curiosa decisão, o Supremo Tribunal Federal mandou para a cadeia um senador da República — mas não acrescentou uma penalidade aparentemente óbvia: a perda do mandato.
Ou alguém pode imaginar o senador Ivo Cassol participando da votação de projetos de lei do fundo de sua cela? Os ministros do STF não se esqueceram de declarar que o réu, considerado culpado de ter fraudado 12 licitações de obras de uma prefeitura de Rondônia, deve perder o seu mandato no Congresso. Mas jogaram a bola para os senadores: caberá aos colegas de Cassol no Congresso a decisão.
É uma atitude peculiar: pelo menos em tese, poderemos ter um presidiário participando de decisões legislativas importantes para o país. A não ser que o Senado — como todo mundo espera — casse o seu mandato. Um observador leigo pode achar estranho que não seja obrigatório e automático que um membro do Legislativo perca o mandato ao ser condenado, em instância definitiva, por algum crime. No caso de Cassol, um delito sério, inteiramente incompatível com o exercício de um mandato de senador da República.
O mais curioso nessa triste história é o fato de que contraria um precedente recente. No caso do mensalão, o STF decidiu que tinha o poder de cassar os mandatos dos deputados considerados culpados. Desta vez, os votos de dois novos ministros e mais quatro veteranos determinaram que a perda de mandato depende de decisão do Congresso.
Para qualquer leigo, essa transferência de decisão parece pelo menos estranha: temos o mais alto tribunal do país abrindo mão do direito — melhor dizendo, da obrigação — de decidir processos em última instância. Pior que isso, transferindo a decisão para o Legislativo, que votará a sorte de um seu companheiro de plenário. Inevitavelmente, a decisão jurídica será substituída pela decisão política. E que pode ser contrária aos votos do STF.
Há, no caso, uma aparente — mas, devemos ter certeza disso, certamente não deliberada — abdicação de poder. Que, vamos confiar — e também rezar — será neutralizada por uma votação inteligente no Congresso.
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