Parecia uma cena copiada de Bananas, a clássica comédia de Woody Allen, filmada em 1971, sobre golpes e revoluções na América Latina, em que o autor interpreta um impagável Fidel Castro. O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, surge em rede nacional de TV para anunciar, em meio a um patriótico discurso comemorativo de uma batalha travada há 200 anos no norte do país, a expulsão de três diplomatas americanos. Ele os acusa de "fazerem ações (sic) para sabotar o sistema de eletricidade" nacional. E apela para o velho mote: "Yankees, go home!".
Na Venezuela chavista, diferentemente da máxima de Marx de que a história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa, a história oficial é uma sequência interminável de farsas. Em março, pouco antes de comunicar a morte do caudilho a quem havia sucedido ainda em vida, Maduro mandou expulsar dois adidos militares dos Estados Unidos, sob a acusação de urdir "planos desestabilizadores". Na semana passada, deixou de participar da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, alegando riscos à sua "integridade física".
O trio inclui a principal enviada de Washington a Caracas, a encarregada de negócios Kelly Keiderling. Desde 2010, as respectivas representações estão sem embaixadores, embora os EUA sejam o maior comprador do petróleo venezuelano. Antes de se ir, a diplomata tomou a incomum iniciativa de convocar uma entrevista para responder à delirante versão de que ela e seus dois colegas haviam instigado atos de sabotagem contra o sistema elétrico venezuelano, além de repassar fundos à oposição, tendo em vista as eleições municipais de 7 de dezembro próximo no país.
O governo americano reagiu conforme o protocolo. Repeliu a invencionice contra os seus representantes e expulsou igual número de diplomatas venezuelanos. Com isso, esfumam-se as irrealistas expectativas de que a morte de Chávez pudesse levar a uma distensão das relações bilaterais, depois de 14 anos de ataques do bolivariano ao "maldito império del dólar", com o qual nunca deixou de fazer negócios.
Mas, como sempre, tudo vale na tentativa de jogar areia nos olhos do povo e impedir que o partido do regime se saia mal no pleito que se aproxima - e que Maduro considera um referendo sobre a sua gestão. Ela tem sido um completo desastre. Nada, rigorosamente nada, melhorou para os venezuelanos desde a eleição encharcada de fraudes do antigo vice de Chávez, em abril último. A rigor, quase tudo piorou. Segundo o Banco Central da Venezuela, o desabastecimento subiu para 20%, puxado pelos bens de consumo cotidiano - do leite ao papel higiênico. A inflação é da ordem de 40%, a mais alta da América Latina.
No paralelo, o dólar vale 42 bolívares, ante 6,3 no oficial. O volume das reservas em moeda forte desceu ao menor nível em nove anos, amputando a capacidade do país de importar gêneros de primeira necessidade, pagando em dólar. A criminalidade, a corrupção e os apagões seguem o seu curso habitual. Assim também as farsas. Maduro fala em adotar "medidas especiais" contra os meios de comunicação que estimulariam a corrida aos supermercados ao abordar a crise de escassez no país.
Seria um caso típico da proverbial profecia que se cumpre por si mesma, não fosse por um detalhe que desmancha a teoria conspiratória da "guerra psicológica contra a segurança alimentar do povo", no dizer de Maduro. Vários periódicos, sobretudo no interior, tiveram a circulação suspensa ou simplesmente fecharam por falta de tinta e papel de impressão. "O governo acusa os empresários privados de provocar desabastecimento", protestou o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, o uruguaio Claudio Paolillo. "Mas omite a falta de insumos para a publicação de jornais, sendo o único responsável por permitir sua importação." Maduro quer evitar a todo custo que o desabastecimento se torne tema da campanha eleitoral, constata o sociólogo venezuelano Luis Vicente León. "Por isso, ameaça a imprensa com a censura ou a autocensura."
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