Julia Duailibi e Valmar
Hupsel Filho
O Estado de S.
Paulo, 22 Oct 2013
Decreto assinado pela
presidente Dilma Rousseff em 7 de outubro atropela o Supremo Tribunal Federal
(STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de Contas da União
(TCU) ao beneficiar uma entidade sob intervenção da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) e que está na órbita de influência política do PT.
O ato presidencial dispensa a
Geap Autogestão em Saúde, uma fundação de direito privado, de participar de
licitação para vender planos de saúde para servidores da União. Com isso, a
entidade não precisará concorrer com operadoras do setor privado para
participar de um mercado potencial de 3 milhões de usuários e que movimenta
cerca de R$ 10 bilhões por ano, de acordo com integrantes do setor.
Bastará que o órgão público
interessado em contratá-la firme convênio por meio do Ministério do
Planejamento, conforme o decreto publicado no Diário Oficial da União. A medida
abre espaço para concentrar na Geap o atendimento ao funcionalismo público,
hoje pulverizado entre 34 operadoras. No dia 8 de outubro, no mesmo dia da
publicação do decreto presidencial, a Geap registrou em cartório o novo
estatuto, em que confirma ser uma fundação de direito privado. A União, pelo
estatuto, é a patrocinadora da entidade.
Apesar de ter recebido
repasses do governo federal de mais de R$ 1,9 bilhão nos últimos 10 anos, a
entidade é considerada uma caixa-preta porque não presta contas ao TCU.
Em março, a ANS decretou
intervenção da Geap em razão dos resultados negativos que vinha apresentando -
dívida de cerca de R$ 260 milhões.
A Geap é uma entidade de
autogestão em Saúde criada pelos próprios servidores para atuar originalmente
em apenas quatro órgãos públicos: os ministérios da Previdência e da Saúde, a
Empresa de Tecnologia e Informação da Previdência Social (Dataprev) e o
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A entidade, no entanto, firmou
convênios sem licitação com cerca de outros 80 órgãos (hoje diz atender 99,
segundo informa em seu site), e atende mais de 600 mil servidores.
Os acordos foram alvo de
questionamentos na Justiça. Em 2004, o TCU analisou a questão e disse que a lei
só permitia aos patrocinadores originais da Geap (Previdência, Saúde, Dataprev
e INSS) contratá-la sem licitação - os convênios com outros órgãos não poderiam
nem ser renovados. Em 2006, a Procuradoria-Geral da República deu respaldo à
tese do TCU ao afirmar que não era "admissível o enquadramento do acordo
firmado entre a Geap e os órgãos e entidades da administração pública, exceto
seus patrocinadores". Em março deste ano, o STF negou pedido feito por 18
associações de servidores que questionavam decisão e respaldou o TCU.
Na visão do TCU, da PGR e do
Supremo, a Geap é uma entidade de direito privado e, por isso, só lhe é
permitido fazer convênios com seus patrocinadores originais. A relação com
qualquer outro órgão, portanto, é caracterizado como "prestação de serviço
para terceiros" e deveria ser objeto de licitação.
Manobra. O decreto de Dilma
permite que a Geap firme convênios com o Planejamento, pasta que gere a folha
de pagamento do funcionalismo. Na prática, abre-se a possibilidade para que a
Geap firme convênios com todos os servidores da União, sem licitação e sem
qualquer prestação de contas dos repasses recebidos. Ao tornar a União sua
patrocinadora, a Geap tenta driblar as restrições jurídicas à extensão de
convênios com toda a Esplanada.
O deputado Augusto Carvalho
(SDD-DF) disse que formulará um decreto legislativo para sustar os efeitos do
decreto presidencial. "É inconstitucional, uma aberração, uma
afronta." Carvalho pretende também solicitar ao Supremo que torne pública
a decisão sobre o tema. "Até hoje não foi publicado o acórdão", disse
o deputado.
Relator de uma proposta de
Fiscalização e controle na Comissão de Defesa do Consumidor para investigar
convênios da Geap, o deputado Antonio Reguffe (PDT-DF) disse que se surpreendeu
com o decreto. "Uma vez que a Geap foi considerada pela Justiça como uma
empresa privada, deveria haver uma licitação para que fosse escolhida a empresa
que melhor atendesse o interesse público ou o governo teria que criar uma
empresa estatal para tocar o plano de seus servidores. Agora, quem vai
fiscalizar isso, se o TCU se julga incapaz de fiscalizar porque considera uma
empresa privada?", declarou.
A Geap teve como dirigentes
quadros do PT e está sob a influência do partido - os ministérios
patrocinadores indicavam seus dirigentes.
A nova diretoria da Geap foi
definida na última sexta-feira, mas os nomes dos seis conselheiros não foram
divulgados nem pela ANS nem pelo Ministério do Planejamento.
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Caio Junqueira
O Estado de S. Paulo, 22 Oct 2013
O Palácio do Planalto firmou
dois contratos avaliados em R$ 6,4 milhões para realizar pesquisas de opinião
pública que se estenderão até as vésperas da campanha eleitoral de 2014.
Celebrados com o Ibope Inteligência e Virtú Análise na sequência das manifestações
de junho, os contratos, que preveem sigilo indefinido dos temas, perguntas e
resultados das pesquisas, são os primeiros dessa natureza celebrados pela
Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) na gestão Dilma Rousseff após
a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Em sua cláusula segunda,
inciso 10, os contratos dizem que os institutos de pesquisa deverão manter
"irrestrito e total sigilo" sobre os "assuntos de
interesse" do governo. O Estado solicitou o conteúdo das pesquisas já
realizadas com base na Lei de Acesso. A Secom, no entanto, rejeitou o pedido. O
sigilo contraria entendimento do próprio órgão federal responsável pela
transparência, a Controladoria-Geral da União (CGU). Segundo o ouvidor-geral da
União, José Eduardo Romão, todas as informações que constam das pesquisas
deveriam ser divulgadas imediatamente e o sigilo contratual não afasta o
princípio da publicidade. "A informação é pública, mesmo que o contrato
estabeleça que a informação é sigilosa. A CGU já entendeu em casos anteriores
semelhantes que esse sigilo não afasta a aplicação da Lei de Acesso à
Informação. No momento em que a empresa repassa a informação para órgão
público, essa informação torna-se pública."
O procurador do Ministério
Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico, também
critica a falta de transparência. "É um procedimento perigoso. Pelo
princípio da publicidade, tudo é público. Essas informações só podem ser
sigilosas se a lei especificar a preservação do sigilo, o que não é o caso. Os
documentos quando sigilosos são regulados por lei. Todos têm de entender que
isso envolve dinheiro público."
A Secom informa que as
pesquisas serão divulgadas três meses após o governo recebê-las. Esse prazo,
porém, além de não constar do contrato, não vai ser cumprido na primeira leva
de pesquisas porque a Secom definiu que apresentará os resultados apenas em
dezembro. Além de serem os primeiros contratos de pesquisa realizados após a
LAI, são os primeiros sob a égide de uma nova legislação de 2010, decorrente da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, que obrigou, dentre
outros pontos, o governo a firmar acordos específicos para pesquisas de opinião
sobre serviços públicos. Antes, as agências de comunicação responsáveis pelas
campanhas de publicidade também realizavam as pesquisas, em um contrato que
abrangia os dois serviços.
Tarefas. O Ibope Inteligência ficou responsável pelas
pesquisas quantitativas e telefônicas, ao valor de R$ 4,6 milhões. O Virtú
Análise, contratada por R$ 1,8 milhão, cuida das pesquisas qualitativas. Em
ambos os casos, o período das pesquisas se encerra a poucos dias do início da
campanha eleitoral de 2014. O contrato da Virtú Análise foi fechado no dia 1 de
julho deste ano e se encerra em 1 de julho de 2014. O do Ibope foi firmado em
27 de junho e também terminam um ano depois. A campanha eleitoral começa no dia
6 de julho de 2014.
O presidente da ONG
Transparência Brasil, Cláudio Abramo, afirma que o modelo adotado pela Secom
pode ser aproveitado para fins eleitorais. "São contratos que parecem ser
muito vulneráveis. O formato abre possibilidade de que pesquisas realizadas às
vésperas da eleição possam ser utilizadas durante a campanha. Além disso, a
data do término do contrato, em junho de 2014, é muito conveniente para que as
informações adentrem a campanha com exclusividade para apenas uma
candidatura", diz.
Para o ministro José Jorge,
do TCU, conforme se aproxima o período eleitoral "tudo é olhado pela
opinião pública como se tivesse esse viés". "Por isso é bom evitar
procedimentos como esse."
Os dois institutos disseram
que cláusulas de sigilo são comuns nesses tipos de contrato.
Presidenciáveis. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos
(PSB), provável candidato a presidente, foi questionado, via assessoria, sobre
as pesquisas de opinião contratadas por sua gestão, os valores gastos e os
temas abordados, mas não respondeu. Outro provável candidato, o senador Aécio
Neves (PSDB-MG), também foi questionado, por meio da assessoria do PSDB, sobre
o valor dos contratos de seu partido com institutos de pesquisa. Também não
houve resposta.
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Diário de Pernambuco
22 Oct 2013
O maior programa de
transferência de renda do Brasil, às vésperas de completar 10 anos, atende
55.253 estrangeiros que residem no país. Há gente de pelo menos 86 nações de
todos os continentes do mundo recebendo Bolsa-Família. A diversidade aponta
tanto beneficiários de países muito pobres, como Honduras, Congo e Nicarágua
quanto atendidos nascidos em locais desenvolvidos. Há 13 suíços, 181
estadunidenses e dois canadenses. O maior número de estrangeiros que recebem a
ajuda do governo federal brasileiro, entretanto, é do Paraguai (1.339).
Mas só 10% do total de 55.253
estrangeiros beneficiários do Bolsa-Família declararam o país de origem. Os
vizinhos, ao lado de portugueses e japoneses, são os mais frequentes com tal
informação disponível. Depois do Paraguai, vem Bolívia (721), Portugal (426),
Argentina (336), Uruguai (319), Japão (292) e Peru (200). Há também originários
de nações marcadas por conflitos, como Líbia, Kuwait e Irã. Secretário Nacional
de Renda de Cidadania, Luís Henrique Paiva explica que o programa é aberto a
qualquer estrangeiro que se enquadre nos critérios, desde que esteja legalmente
no país.
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Gabriel Castro e Hugo
Marques
Veja, 21 Oct 2013
O Programa Minha Casa, Minha
Vida é uma das principais apostas eleitorais da presidente Dilma Rousseff para
2014, dada a escassez de grandes realizações que possam cativar o eleitor e
garantir um segundo mandato à petista. O governo aposta tanto na divulgação do
programa que, em 2013, despejou uma quantidade desproporcional de recursos
apenas para fazer propaganda dele.
Dados cedidos pela Caixa
Econômica Federal a pedido do líder da minoria na Câmara, Nilson Leitão
(PSDB-MT), mostram a repentina elevação de gastos com publicidade: em 2011,
foram 261 000 reais. No ano seguinte, 1,7 milhão. Em 2013, até o fim de julho,
a Caixa já havia destinado 15,7 milhões de reais para divulgar o programa.
Mesmo que o banco público não gaste mais um real até o fim do ano para
propagandear o programa habitacional, o valor significará um aumento de 823% na
comparação com todos os gastos de 2012 – e de 5.900% em relação a 2011.
A Caixa não apresenta uma
explicação clara sobre a elevação de gastos. Diz que, no montante, estão ações
de esclarecimento aos participantes do programa. "A campanha teve como
objetivo de prestar, de forma transparente, orientações aos beneficiários que
estavam recebendo as chaves de imóveis do MCMV – tais como a conservação e
manutenção da moradia, condições de instalação do sistema elétrico e
hidráulico, economia de água e energia, dentre outros pontos importantes",
informa nota emitida pela assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal ao
site de VEJA. Mas o que se viu nos últimos meses foi uma profusão de peças de
publicidade para atrair novos participantes para o programa, estreladas pela
atriz Camila Pitanga e a apresentadora Regina Casé. A Caixa, aliás, não revela
o preço pago a elas: diz que o cachê é uma informação "estratégica".
Somando os governos Lula e
Dilma, 1,3 milhão de pessoas obtiveram a casa própria por meio do programa, de
um total de 2,9 milhões de adesões. A meta é atingir 3,4 milhões de contratos
no fim de 2014.
O deputado Nilson Leitão
agora vai pedir à Caixa que esclareça se o aumento nos gastos com publicidade
foi acompanhado de um crescimento proporcional nos empreendimentos do programa.
A pergunta é meramente retórica, já que a resposta será evidentemente negativa.
"É um gasto apenas promocional para o governo; não muda em nada a vida do
cidadão", queixa-se o parlamentar.
A elevação dos gastos com
publicidade do Minha Casa, Minha Vida ocorre no momento em que a inadimplência
disparou: entre as famílias com renda mensal de até 1 600 reais, o índice chega
a 20% – número dez vezes maior que a média dos financiamentos imobiliários no
país.
Cifras – Os gastos gerais do
governo com publicidade também subiram. Levantamento feito pela ONG Contas
Abertas a pedido do site de VEJA mostra que os valores empenhados chegaram a
177,7 milhões de reais neste ano, comparados com 173 milhões de reais no ano
passado inteiro. O cálculo leva em conta dados do Orçamento e exclui as
estatais, como a própria Caixa.
O aumento ocorre acompanhado
de uma nítida mudança na estratégia de comunicação da presidente Dilma
Rousseff, já de olho nas eleições de 2014. Dilma abriu uma página no Facebook e
passou a usar o Twitter diariamente, além de priorizar eventos que possam garantir
exposição positiva nos meios de comunicação.
José Matias-Pereira,
professor de administração pública da Universidade de Brasília, diz que somente
a cobrança da sociedade pode impedir abusos com o uso de verbas públicas para
promoção eleitoral. "Nós temos que assumir uma postura mais proativa e
agressiva, no bom sentido, para cobrar resultados dos governantes, e não
publicidade. Quanto pior o desempenho de um governante, maior a tendência dele
de gastar o dinheiro com publicidade", diz. Ele também critica a mistura
entre público e privado: "O eleitor está sendo chamado para pagar uma
conta que, na verdade, tem por trás dela interesses políticos, de grupo e
pessoais".
Há outra explicação relevante
para a elevação dos gastos já em 2013: pela lei, o governo só pode gastar com
publicidade em ano eleitoral aquilo que já havia gasto no ano anterior. Esticar
a corda já em 2013 é garantir a possibilidade de gastos maiores no ano que vem.
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