Inacreditáveis argentinos: mesmo os mais lúcidos, e os mais bem informados, não conseguem se libertar desse fantasma que assombra o país há mais de 60 anos, e que simplesmente não quer morrer de vez.
A despeito que ele não significa mais nada, atualmente, nem do ponto de vista econômico, nem político, a referência peronista continua a pautar a mediocridade política da vida argentina, atrasando o país e arrastando-o ao passado.
O fato de que esse jornalista, que parece razoável, ter de escrever um artigo inteiro confirmando que o peronismo permanece a referência incontornável da política argentina é a confissão de que o país não tem salvação, e que os argentinos exibem uma espécie de doença mental que os impede de superar o cadáver putrefato do homem que foi e continua a ser o principal responsável pelo formidável retrocesso que a Argentina vem sofrendo nos últimos 80 anos, pelo menos...
Inacreditável...
Paulo Roberto de Almeida
Peronismo
ainda é o eixo da política argentina
Movimento político criado por Juan Domingo Perón
governou durante 23 dos últimos 30 anos e ainda domina a política nacional
Fabián Bosoer, especial para O Estado de S.Paulo, 13/10/2013
A Argentina é um país imprevisível. Ou muito previsível, dependendo do
ajuste da distância da lente e da definição da imagem. Pode ir do
neoliberalismo mais anárquico ao neopopulismo mais protecionista; das quedas
mais abruptas às recuperações mais aceleradas; escandalizar o mundo e cansar os
vizinhos com seus comportamentos ou proporcionar-lhes exemplos de valentia,
solidariedade e talento.
Como é possível ser uma coisa e outra ao mesmo tempo, violentando o
princípio aristotélico da lógica? O que a Argentina tem de singular que os
outros países não têm? A resposta fácil, há mais de 60 anos, é o
"peronismo", movimento político ao redor do qual gira a vida política
do país desde 1945, que governou durante 23 dos últimos 30 anos, desde a
recuperação da democracia, em 1983, com as mais diversas estratégias e equipes
de governo. Como disse há alguns anos o ex-ministro do Interior e veterano
dirigente, Carlos Corach, "o peronismo é a maneira que tem a Argentina de
enfrentar os desafios de cada década".
Nos anos 40, foram Perón e Eva Perón, o "coronel dos
trabalhadores" e "a defensora dos humildes". Nos anos 60 e 70,
foi uma geração de classe média que ascendeu com as bandeiras da libertação
nacional e sucumbiu ao fragor da luta armada e à repressão militar. Nos anos
90, um caudilho de uma província do Norte, Carlos Menem, que colocou o país na
globalização neoliberal quando ela começou a se expandir. Nos anos 2000, foi um
casal também originário de uma província, mas do Sul, que levantou o país
quando a globalização neoliberal deixou um rastro de economias quebradas e de
massas excluídas.
No entanto, se perguntarmos se a Argentina só pode ser governada pelo
peronismo, a resposta será: provavelmente - se tomarmos como referência o que
ocorreu no passado. Desde 1983, apenas um presidente não peronista, Raúl
Alfonsín, conseguiu conduzir o país - com sobressaltos - e teve de antecipar a
conclusão do seu mandato para entregar ao peronista Menem o bastão de mando e a
faixa presidencial, em 1989. A outra alternativa, dez anos mais tarde, de Menem
ao radical Fernando De la Rúa, resultou frustrante, pois este último teve de
renunciar ao final de dois anos em meio diante de uma grave crise econômica e
do marasmo político, em fins de 2001.
Desde então, o peronismo explodiu e continua em seu lugar, é o partido
do governo e um sistema político em si mesmo, inclusive com sua oposição. A
década de Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner (2003-2013)
representa "o peronismo do nosso tempo", como acaba de lembrar o
Partido Justicialista, controlado pela Frente Para a Vitória (FPV, dos
kirchneristas).
Os que querem suceder a Cristina, em 2015, são também peronistas: o
governador Daniel Scioli, que é o delfim da presidente, embora com autonomia e
com um ideário próprio, o prefeito Sergio Massa, surgido de suas fileiras e
hoje favorito nas pesquisas, que se apresenta como "renovador"; e
algum outro governador, como José Manuel De La Sota. Somente se sofrerem um
desgaste na espécie de prévia aberta, talvez algum presidenciável não peronista
tenha uma chance - como, por exemplo, o socialista Hermes Binner ou o
conservador Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires.
No entanto, o passado não costuma ser o único critério - nem mesmo o
principal - para se prever o futuro na Argentina, acostumada a surpreender em
sua crônica reiteração dos ciclos. Uma resposta mais precisa à indagação
inicial seria: não é só o peronismo que pode governar o país, mas, sem ele, não
é possível fazê-lo.
É JORNALISTA E COLUNISTA DO 'CLARÍN'
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