Por uma fronda empresarial brasileira
Paulo Fernando Pinheiro Machado
Paulo Roberto de Almeida
As
grandes transformações, para melhor, na vida política e econômica dos países
que lograram alcançar altos patamares de prosperidade material e de bem estar
social sempre resultaram de revoltas das elites contra uma situação de opressão
por parte de soberanos despóticos; eles exageraram na extração da riqueza
criada pelas classes produtoras: agricultores, industriais e simples
trabalhadores. Assim foi a revolta dos barões ingleses, da qual resultou a
Magna Carta, limitando a criação de tributos sobre os súditos, o que foi
confirmado pela Revolução Gloriosa de 1688; assim foi, também, com a revolução
dos colonos da Nova Inglaterra contra os novos impostos criados pelo rei
inglês. Episódios semelhantes ocorreram em diversas fase da vida política da
França, quando as elites, ou o “Terceiro Estado”, resolveram enfrentar o rei
numa “fronda aristocrática”, quando este pretendia arrancar parte da riqueza e
do patrimônio de nobres e altos funcionários para financiar suas guerras; em
situações mais agudas, o próprio povo tomou a frente dos levantes.
Todas
essas revoltas convergiram para o estabelecimento de sistemas políticos
responsáveis, criando aquilo que em inglês se chama accountability, a responsabilização dos dirigentes no tocante os
recursos provenientes da comunidade. O poder do Estado é limitado pela
representação popular, havendo prestação de contas das receitas obtidas a
partir das riquezas criadas pelas classes produtoras. Este foi o caminho
seguido – por meio de reformas pacíficas ou, eventualmente, em processos
revolucionários, com algumas cabeças rolando junto – por todos aqueles países
que, finalmente, se tornaram prósperos, com sistemas políticos estáveis e
responsáveis ante a cidadania.
O
que podemos dizer da situação das classes produtoras no Brasil atual? A vida de
um empresário no Brasil hoje é uma verdadeira câmara de horrores. Primeiro ele
tem de arcar com o que possivelmente seja a carga tributária mais alta do
mundo. Somados todos os tributos que recaem sobre a pessoa jurídica, a carga é,
em média, de 68% sobre o rendimento, contra, por exemplo, 52% na Suécia, modelo
de Estado de bem-estar. Esses números não refletem toda a realidade. No Brasil,
ao contrário da Suécia, o empresário – como a população, de modo geral – tem ainda
de comprar, no mercado, todos os serviços que o Estado, por incompetência, não
consegue lhe prover, como segurança, saúde, educação e transporte. Se essa
cobrança duplicada for levada em conta, a carga tributária no Brasil
atinge níveis criminais.
Além
disso, o empresário opera em um ambiente regulatório francamente hostil. Apenas
com a burocracia fiscal, o empresário brasileiro gasta 2.600 horas por ano,
contra 175 horas nos países da OCDE e 380 na média da América Latina. Isso
equivale a aproximadamente três meses e meio, 24 horas por dia. Ou seja, é
impossível para o empresário lidar sozinho com isso, obrigando-o a ter contadores
e advogados em tempo integral, apenas para lidar com o Fisco. Tente-se
vislumbrar, então, o custo para cada um deles ao lidar com a burocracia estatal
como um todo: na prática, incomensurável.
Não fosse apenas
isso, o empresário brasileiro encontra-se alijado das cadeias internacionais de
comercialização, com acesso restrito à tecnologia e capital humano, que são as
chaves para a inovação. A decadência do ensino no Brasil está levando a um
sucateamento do setor privado, que somente poderá ser revertido com
investimento em educação e abertura ao exterior. Exatamente o oposto do caminho
seguido pelo atual governo. País fechado é país condenado ao atraso absoluto e
relativo nos circuitos cada vez mais integrados da produção global.
Todos os
empresários, mesmo aqueles que circunstancialmente se beneficiam de favores,
subsídios ou proteção dados pelo Estado, sabem que o Brasil está gradualmente
condenado à perda de competitividade internacional; ele já foi levado a uma
situação de isolamento das cadeias produtivas mundiais e está sendo arrastado
para longe do grupo de economias mais dinâmicas da economia mundial, com
políticas macroeconômicas e setoriais que o levam de volta ao passado, em lugar
de apontar para o futuro. Como nos exemplos históricos precedentes, perspectivas
de melhoria só se concretizarão quando as classes produtoras se unirem no
objetivo comum de conter a voracidade do Estado e de lutar por um regime
político e um sistema de organização econômica que beneficie realmente as
classes produtoras, as únicas que criam as riquezas que vêm sendo dilapidadas
pelo ogro famélico em que se converteu o Estado brasileiro.
Está na hora
de o Brasil também ter a sua revolta dos “barões”, uma fronda empresarial que
corrija os aspectos mais deletérios do atual modelo de desenvolvimento e crie
um ambiente saudável para o crescimento econômico e a prosperidade de todos os
cidadãos. Ninguém mais aceita ser um súdito espoliado por um Estado perdulário.
Como sabem os próprios empresários, são eles mesmos que financiam o Estado e o
atual sistema político, seja pela via direta dos impostos, seja pela via
indireta, nem sempre transparente, das contribuições partidárias.
Que tal
começar restringindo essa via àqueles comprometidos com a melhoria do ambiente
de negócios? Que tal denegar aos estatizantes os recursos que eles buscam pela
pressão pouco discreta ou até pela ameaça? Parafraseando uma velha frase, os
empresários não têm nada a perder, a não ser seus grilhões.
Paulo Fernando Pinheiro Machado, sociólogo e
diplomata, é autor do blog “No Bico da Chaleira”
(nobicodachaleira.wordpress.com); Paulo Roberto de Almeida, professor e
diplomata, é autor de vários livros de diplomacia econômica e de relações
econômicas internacionais (www.pralmeida.org).
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