Para que o Conselho, então? Ou então, por que pagar jetons, se eles fazem mal o seu trabalho analítico?
Talvez todo o assunto tenha sido conduzido deliberadamente para ter aqueles desenvolvimentos, o que uma investigação séria poderia eventualmente revelar...
Paulo Roberto de Almeida
G1, 21/03/2014
Integrantes do Conselho de Administração da Petrobras na época da aprovação da compra da refinaria de Pasadena, na Califórnia (EUA), em 2006, disseram ao G1 que não examinaram os detalhes do contrato e que a operação foi aprovada com base na apresentação e na defesa feitas pelos administradores da estatal, além de avaliações técnicas e recomendação de uma consultoria independente. Os membros do conselho afirmaram ainda que não é papel dos conselheiros analisar toda a documentação referente a cada assunto debatido no colegiado.
"Conselheiro não é o administrador. Não há por que ficar examinando detalhes de um contrato de aquisição. Supostamente, a empresa tem advogados que fazem isso", disse ao G1 o presidente do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, Cláudio Luiz da Silva Haddad, que integrou o conselho da Petrobras até março de 2006. "A gente achou que seria um bom negócio para a Petrobras", completou.
A compra da refinaria de Pasadena é alvo de investigações do Tribunal de Contas da União (TCU), da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) por suspeita de superfaturamento.
A aquisição de 50% da refinaria, por US$ 360 milhões, foi aprovada pelo conselho da estatal em fevereiro de 2006. Posteriormente, a Petrobras foi obrigada a comprar 100% da unidade, antes compartilhada com uma empresa belga, a Astra Oil. Ao final, o negócio custou à Petrobras US$ 1,18 bilhão.
A presidente da República, Dilma Rousseff, afirmou na quarta-feira (19), por meio de nota à imprensa, que se baseou em um parecer "falho" quando votou favoravelmente à compra dos primeiros 50% da refinaria. Na época, Dilma era ministra da Casa Civil e presidente do conselho da Petrobras.
Segundo ela, o documento apresentado pela área internacional da estatal omitia cláusulas que, "se conhecidas, seguramente não seriam aprovadas pelo conselho".
Cláusulas 'desconhecidas'
Três integrantes do conselho da Petrobras que participaram da reunião que aprovou o negócio disseram ao G1 que não tinham conhecimentos das cláusulas contratuais Put Option e Marlim, citadas na nota da Presidência, ou que não se lembram de que elas tenham sido comentadas.
A primeira estabelecia a obrigação de comprar 100% da refinaria em caso de desentendimento entre os sócios. A segunda garantia à belga Astra Oil um lucro de 6,9% ao ano, mesmo que as condições de mercado fossem adversas.
Na quinta-feira (20), o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli afirmou que a
cláusula Put Option é comum em aquisições de empresas.
"Se teve, realmente, não me lembro. Procurei até ver se eu tinha a apresentação do 'management' nessa reunião, mas não achei, porque era tudo papel na época", disse o presidente do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, Cláudio Luiz da Silva Haddad.
Aprovação por unanimidade
Da mesma forma, o general da reserva Gleuber Vieira, ex-comandante do Exército que se desligou do conselho também em 2006, disse ao G1 que não teve conhecimento destas cláusulas.
"Não recordo detalhes, mas essas cláusulas devem ter vindo depois, na hora da negociação para a compra. Eu, pelo menos, não tomei conhecimento", afirmou o ex-conselheiro.
"Não me recordo se no momento (da compra) houve algum questionamento, mas é sintomático o fato de ter sido aprovado por unanimidade. Os estudos feitos pela diretoria, apresentados ao conselho, foram sólidos. Agora, se eles tinham fundamento ou não, são outros 500", acrescentou Vieira.
Outro conselheiro da Petrobras, que ao contrário dos demais ainda continua no cargo, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter também afirmou que não tinha conhecimento das cláusulas. "O Conselho de Administração da Petrobras baseou-se em avaliações técnicas de consultorias com reconhecida experiência internacional, cujos pareceres apontavam para a validade e a oportunidade do negócio, considerando as boas perspectivas de mercado para os anos seguintes. Entretanto, a crise global de 2008 alterou drasticamente o potencial de crescimento do mercado nos anos subsequentes", disse Johannpeter em nota.
O empresário acrescentou ainda que, assim que teve conhecimento das cláusulas contratuais, posicionou-se a favor da desistência do negócio, assim como os demais membros do conselho. Ele não mencionou quando isso ocorreu.
Segundo a Presidência da República, os membros do conselho da Petrobras só tomaram conhecimento das cláusulas em questão em 2008, quando a diretoria executiva apresentou a proposta de compra das ações da sócia, decorrente da aplicação da cláusula Put Option, o que levou o conselho a não aprovar a compra do restante da refinaria e entrar com processo arbitral contra a sócia belga.
No entanto, a Petrobras perdeu o litígio na Câmara Internacional de Arbitragem de Nova York e em Cortes Superiores do Texas. A compra das ações da Astra Oil foi ratificada em 2012.
Citibank recomendou, diz conselheiro
Cláudio Haddad afirmou se recordar que, na reunião ocorrida há oito anos, a aprovação do negócio foi precedida por uma apresentação da diretoria da Petrobras e contou também com um parecer do banco americano Citibank, contratado para dar seu parecer sobre a transação.
"Eu me lembro que teve uma 'fairness opinion' [recomendação de uma instituição financeira], que foi do Citibank, que comparou preços, recomendou e mostrou que estava perfeitamente dentro, até abaixo dos preços praticados na época", disse Haddad. "Como o investimento fazia sentido, o preço estava ok, não havia por que o conselho não aprovar [a compra]."
Procurado pelo G1 e questionado sobre as justificativas para a recomendação do negócio e se o banco tinha conhecimento das cláusulas Put Option e Marlim, o Citi Brasil informou que "não comentará o assunto".
Haddad e Vieira explicaram que houve uma defesa do negócio por parte da diretoria da Petrobras, mas disseram não ter certeza se o então diretor internacional, Nestor Ceveró, responsável pelo resumo executivo que embasou a decisão do conselho, estava presente.
Detalhes da reunião
Os conselheiros ouvidos pelo G1 afirmam ter pouca lembrança dos detalhes da reunião que aprovou a compra da refinaria. Eles disseram, porém, ser praxe a aprovação de negócios com base apenas nas informações apresentadas pelos administradores da empresa.
"Eu não tenho nenhuma lembrança concreta sobre o fato porque, em cada reunião, e eram umas oito [pautas] por ano mais ou menos, havia pauta de oito, dez a 12 assuntos. O que eu lembro vagamente é que foi feito um estudo pela diretoria da Petrobras, apresentado perante o conselho, que apontou uma série de vantagens, que eram superiores às possíveis desvantagens, e que aconselhavam a compra que era oportuna naquele momento", disse o general Vieira. "E não cabe ao Conselho de Administração refazer os estudos, senão seria preciso criar uma nova cúpula de Petrobras para fazer os estudos", continuou.
Segundo Haddad, diante de tantos investimentos da Petrobras, o negócio de US$ 360 milhões não chamou tanta atenção. "Não é uma coisa irrisória, evidentemente, mas, comparado a outros investimentos discutidos em outras reuniões da Petrobras, isso também não era nada que chamasse grande atenção em termos de valor", afirmou.
Haddad informou que nem se lembrava mais direito do assunto e que, após o tema ganhar os noticiários, foi atrás da pauta da reunião para se recordar melhor do episódio. "Houve vários outros tópicos antes desse [compra da refinaria]. A pauta daquele dia tinha seis itens. Normalmente, as reuniões começavam entre 9h, 10h, e iam no mínimo até 14h, 15h", recordou.
Justificativa para compra
Os conselheiros afirmaram que, na época, a compra da refinaria em Pasadena fazia sentido. "O Brasil estava com deficiência de petróleo leve, estava importando para gerar derivados, e tinha excesso de petróleo pesado. E estava com uma diferença, porque o leve era bem mais caro que o pesado, o que estava prejudicando a empresa", explicou Haddad.
"A Petrobras estava tendo prejuízo em função disso. Então, durante várias reuniões, foi discutido o que fazer. Aí veio a alternativa: como você não constrói uma refinaria em um espaço curto de tempo, [optou-se por] adquirir uma refinaria no exterior. Então, já havia essa decisão estratégica, que fazia todo o sentido para a empresa", acrescentou.
Questionado sobre qual seria sua posição se tivesse conhecimento das polêmicas cláusulas na ocasião, o presidente do Insper não foi categórico como a presidente Dilma. "Não sei. Essa é uma pergunta muito hipotética, teria que estar lá examinando, discutindo. Não dá para dizer necessariamente nem que eu aprovaria nem que não aprovaria, porque teria que estar lá naquela situação, vendo as cláusulas, vendo exatamente o que elas representavam e qual era o risco da Petrobras", afirmou Haddad.
Segundo ele, há várias razões que podem transformar um investimento em um mau negócio, como gestão e condições de mercado, e que cláusulas contratuais não são os únicos fatores determinantes na avaliação de um acordo. "Eu sempre usei o melhor juízo e minha consciência. Agora, as condições mudam: o investimento que é aprovado em 2006, sei lá, cinco anos depois pode se tornar excelente ou pode se provar um limão. São coisas que acontecem."
O general Vieira também não quis dar uma posição definitiva. "Você vai me desculpar, mas eu não raciocino no condicional", disse. Ele afirma, porém, ser favorável a uma investigação sobre a atuação dos executivos da Petrobras no negócio. "Esse problema que estão levantando me leva a pensar se os dados que me foram apresentados eram verdadeiros, reais, ou se eram enganosos. É uma dúvida", afirmou.
Sobre a possibilidade de abertura de uma CPI para investigar o caso, o general diz apoiar a apuração das condições e "realidade das negociações dentro da Petrobras", mas afirmou que é preciso "separar o que é interesse real de apurar os fatos e o que tem de apenas fundamento político".
Os demais integrantes do conselho da Petrobras que aprovaram a compra da refinaria não quiseram falar sobre o assunto ou não foram localizados pelo G1. Em 2006, o colegiado reunia ainda o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci Filho; o ex-ministro e atual governador da Bahia, Jaques Wagner; e o ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra. Como representantes dos acionistas privados, eram membros o empresário Arthur Antonio Sendas (falecido em 2008) e Fabio Colletti Barbosa, ex-presidente do Banco Real e do Santander Brasil e atual presidente-executivo da Abril S.A.
Colaboraram Fábio Amato e Lilian Quaino
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