Pego emprestado título de um livro de Bernard Shaw para esta coluna. A frase é perfeita para descrever o atual frenesi em torno da dualidade “crescimento-desigualdade”.
Duas investidas recentes acirram o debate. A primeira é o Índice de Progresso Social (IPS), que busca aferir o desenvolvimento relativo dos países sem utilizar o referencial do PIB. A segunda, a acalorada recepção ao “Capital no Século 21″, de Thomas Piketty.
A repercussão de ambos é multiplicada, na Europa e nos EUA, pelos traumas não curados da Grande Recessão – sobretudo as elevadas taxas de desemprego.
Tanto o IPS quanto o “Capital” de Piketty apontam para a prevalência do investimento social “para além do crescimento da economia”. Convidam a retomar a questão da moralidade do capitalismo. Repisam (sobretudo em Piketty) a desproporção nas remunerações a capital e trabalho como principal obstáculo ao bem-estar social.
Para países como o Brasil, o grande desafio é encontrar seu próprio modelo de capitalismo competitivo que o permita pagar o preço da civilização
De acordo com esses apontamentos, a desigualdade, mal maior do capitalismo, poderia remediar-se com maior carga tributária e mais investimentos “no social”.
Sem entrar demais nos altos e baixos do IPS ou de Piketty, minha percepção é que ambos devem interessar mais a países avançados do que a nações em desenvolvimento. É papo para ricos.
Dos países que ocupam as 20 primeiras posições do IPS (em que supostamente o PIB não conta), todos apresentam renda per capita anual superior a US$ 30 mil. Ainda assim, mesmo para os que já se desgarraram da armadilha da renda média, como sustentar amplo acesso a educação e saúde pública sem crescimento ao longo do tempo?
Nesse contexto, o atual debate sobre desigualdade reflete, de ponta-cabeça, a binária consideração de “crescimento” ou “austeridade” como alternativas para países em crise de dívida soberana, caso da Europa mediterrânea em 2011.
Há mérito na crítica à inércia patrimonialista no Ocidente. As soluções tributário-distributivistas apontadas por Piketty, contudo, não tratam de questão–importante o suficiente para os ricos – e absolutamente essencial para países em desenvolvimento. Que padrão de economia política adotar para, ao final do dia, gerar excedentes que custeiem os trampolins sociais?
Decepciona, em Piketty, não ver referência a “empreendedorismo”, “competitividade”, “start-ups”, “papel da inovação”, ou à “destruição criativa” de Schumpeter.
A principal tensão do mundo contemporâneo não advém do conflito distributivo entre capital e trabalho. O cabo de guerra é entre empreendedores e burocratas, seja na forma da grossa camada de gestores cujo intuito é a autopreservação ou nas inúmeras esferas estatais que esclerosam o dinamismo econômico.
Para países como o Brasil, o grande desafio é encontrar seu próprio modelo de capitalismo competitivo que o permita pagar o preço da civilização.
Deixemos para amanhã manuais de instalação de um “Welfare State 2.0″, como o IPS ou o tijolo de Piketty. Concentremo-nos, agora, nas lições de Acemoglu e Robinson em “Por que as Nações Fracassam”.
Fonte: Folha de S.Paulo, 16/05/2014.
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