Outra ironia involuntária?
É avançando assim que a gente tropeça no dólar...
Paulo Roberto de Almeida
Matérias de imprensa de 16/07/2014 sobre a criação de Banco e de Fundo dos Brics em Fortaleza
Brasil perde disputa e banco do Brics terá
presidente indiano e sede na China
LISANDRA PARAGUASSU, JOÃO VILLAVERDE, ADRIANA
FERNANDES, ENVIADOS ESPECIAIS / FORTALEZA - O Estado de S.Paulo
O Brasil saiu derrotado ontem na disputa interna que
envolveu a criação da primeira instituição formal do grupo Brics, do qual faz
parte em conjunto com Rússia, Índia, China e África do Sul. O País precisou
abrir mão da pretensão de presidir o Banco de Desenvolvimento do bloco para
evitar o revés de terminar a reunião de cúpula em Fortaleza sem avanços
palpáveis.
Caberá à Índia conduzir os trabalhos iniciais do
banco, cuja sede ficará em Xangai, na China. O governo brasileiro vai indicar o
presidente do Conselho de Administração do banco, uma instância decisória
importante, mas que não atua no dia a dia da instituição.
Concretizar a criação do banco e do Acordo
Contingente de Reserva (CRA, na sigla em inglês) na reunião de Fortaleza,
quando o Brasil assume a presidência rotativa do bloco, era um ponto de honra
para o governo brasileiro. "A grande vitória era ter o banco. O que
adianta ter a presidência de um banco que não existe?", justificou um dos
negociadores brasileiros. A posição foi corroborada por um assessor
presidencial: o que interessava era sair da cúpula com a instituição criada.
A formação do Banco e do CRA vinha sendo discutida há
dois anos. O CRA, apesar de mais vultoso, era ponto pacífico. Suas linhas
gerais já haviam até sido anunciadas em 2013, na reunião de Durban. A fórmula
do banco de desenvolvimento, no entanto, era mais complexa, até pelas relações
de poder entre os cinco países.
Mesmo com a interpretação de que o modelo final
serviu a todos, a verdade é que o Brasil brigava pela primeira presidência.
Apesar de ainda demorar para que o novo banco entre efetivamente em operação, o
primeiro presidente teria o poder de dar a linha inicial das políticas, definir
os processos de funcionamento e as linhas de concessão de empréstimos, mesmo
que as decisões finais tenham de passar também pelo conselho de administração e
pelo conselho de ministros. Enquanto o novo presidente tocará o dia a dia, o
presidente do Conselho de Administração, que caberá ao Brasil indicar,
participará apenas das grandes decisões, em reuniões que podem acontecer uma
vez por mês, ou menos.
Resistência indiana. Em entrevista ao final da
Cúpula de Fortaleza, a presidente Dilma Rousseff justificou a decisão: "A
Índia propôs o banco e o Brasil, o CRA. Todos nós considerávamos que a primeira
presidência deveria ficar com quem fez a proposta", afirmou. Porém, o que
a Índia queria mesmo era ficar com a sede em Nova Délhi. Foi consenso, porém,
que Xangai, por ser hoje um dos maiores centros econômicos do mundo, era uma
melhor opção. No entanto, os indianos não queriam abrir mão de um posto
importante no banco.
Antes mesmo da reunião que bateu o martelo sobre a
presidência do banco ontem de manhã, um alto funcionário do governo afirmou ao
Estado que era necessário ver o que era mais importante para o Brasil, o cargo
ou o banco em si. Venceu a tese de que formar a instituição importava mais.
Ainda assim, o governo brasileiro garantiu a segunda presidência, no sistema
rotativo, daqui a cinco anos. Parte dos negociadores acredita que não foi um
mau negócio, já que havia a tese de que o segundo presidente deverá assumir com
o banco em pleno funcionamento, já com o poder de financiar empréstimos.
Caberá ao Brasil, também, uma segunda sede regional,
a ser construída em data não determinada. A primeira será na África do Sul. Já
a Rússia terá a primeira presidência do Conselho de Ministros, com
representantes dos cinco países.
O banco começa com um capital de US$ 50 bilhões.
"Optamos por uma distribuição absolutamente igualitária de capital porque
nenhum de nós quis se mostrar hegemônico", disse a presidente Dilma.
"Não é um formato do tipo de política tradicional do tipo de Bretton Woods
(FMI e Banco Mundial)."
Uma derrota pintada em tons róseos
Lisandra Paraguassu
João Villaverde
Adriana Fernandes
Um recuo inesperado que terminou em uma vitória.
Assim definiram ontem os negociadores brasileiros, tanto da área diplomática
quanto da área econômica, o movimento do governo Dilma Rousseff, que cedeu a
desejada primeira presidência do banco do Brics para a Índia, ficando, em
troca, com a presidência do conselho de administração do novo banco e com a
sucessão dos indianos na direção da instituição financeira.
Segundo uma fonte qualificada da equipe econômica, os
aportes gradativos que serão feitos pelos cinco países do grupo no Novo Banco
de Desenvolvimento tornarão a segunda presidência mais "vistosa" que
a primeira. Até lá, o Brasil terá participação direta na formulação da atuação
do novo banco, ao presidir o conselho de administração.
A visão rósea do resultado, no entanto, não escondeu
que a negociação foi dura, com uma acirrada disputa entre Índia e China pela
sede do banco.
Como propositores da instituição, os indianos se
achavam no direito de ter a sede, em Nova Délhi. Os chineses, no entanto, não
estavam dispostos a abrir mão da sede em Xangai e contavam com o apoio dos
brasileiros, que viam a cidade como um centro financeiro e econômico mais
forte.
O impasse varou a reunião dos ministros da Fazenda,
na segunda-feira à noite. Parte das negociações continuaram madrugada adentro e
o acordo só foi fechado pouco antes da plenária com os presidentes, na manhã de
ontem.
Na reunião de ministros, a Índia foi a única que não
foi representada por seu ministro da Fazenda, mas por um funcionário menos
graduado, que dizia não ter poder de decidir. Com isso, conseguiu empurrar a
decisão para a manhã de terça-feira e, com a pressão, obter o que queria.
Brics não discutiram ação conjunta no câmbio, mas ideia
é boa, diz autoridade
ALONSO SOTO - REUTERS
Os cinco países que formam os Brics não discutiram
uma intervenção coordenada nos mercados de câmbio globais, mas "vale a
pena pensar no assunto", disse o vice-presidente do Banco Central da
Índia, Urjit Patel, à Reuters nesta terça-feira.
Os líderes das cinco maiores economias emergentes
fecharam um acordo nesta terça-feira para a criação de um banco de
desenvolvimento com 100 bilhões de dólares em capital e a criação de um fundo
de reservas de mesmo valor para contrapor o domínio do Ocidente nas finanças
globais.
Quando perguntado se os Brics poderiam em algum
momento intervir conjuntamente nos mercados de câmbio para reduzir
turbulências, Patel disse que "é um ponto que vale a pena se pensar, mas
não foi discutido".
Patel afirmou que o novo fundo, denominado Arranjo
Contingente de Reservas (CRA, na sigla em inglês), poderá incluir no futuro
países que não fazem parte dos Brics. O fundo, desenhado para ajudar os países
membros a lidarem com problemas de balanço de pagamentos, vai "dar um
pouco mais de conforto" para os países emergentes, acrescentou.
"Acho que é um importante sinal de que os Brics
estão dispostos a tomar a dianteira para a mudança no modo que a gente pensa a
arquitetura financeira do mundo", disse Patel, durante a reunião de cúpula
dos Brics em Fortaleza.
As duas novas instituições são a primeira grande
conquista dos países que formam os Brics -- Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul-- desde que se reuniram em 2009 para pressionar por maior
influência na ordem financeira global criada por potências ocidentais e
centrada no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial.
Patel disse que não espera que o Congresso dos
Estados Unidos ratifique rapidamente as reformas que irão aumentar o peso dos
países emergentes no FMI.
Os países emergentes discutiram separar as mudanças
no sistema de quotas da reforma de governança para facilitar a aprovação das
reformas do FMI. Contudo, ele disse que a Índia não apoia essa estratégia e
quer a aprovação completa do pacote de reformas.
"A posição da Índia é que nós não somos a favor
da desvinculação porque então você perderia força para a mudança fundamental
que é necessária nessas instituições", disse ele.
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16jul14
Para que um banco dos Brics?
Fernando Dantas
É extremamente curioso que a abreviação Bric (Brasil,
Rússia, Índia e China), criada por um participante do mercado financeiro, o
inglês Jim O’Neill, tenha redundado na formação de um grupo real entre esses
países, ao qual foi acrescentado a África do Sul, que transformou o conjunto em
Brics (com o ‘s’ de South Africa).
Desde o início das articulações, ficou claro para os
observadores que esses grandes países emergentes tinham raízes históricas e
interesses geopolíticos distintos demais para que agissem de fato como um bloco
no concerto das Nações. Ainda assim, a interação prosseguiu, e talvez a
principal liga seja negativa: nenhum deles pertence ao poderoso grupo dos
países mais ricos, mas o peso de cada um dos Brics na economia global, e ainda
mais do conjunto, faz com que busquem reforçar suas respectivas influências nos
assuntos mundiais.
É preciso, entretanto, produzir fatos concretos, para
que toda a iniciativa não caia no vazio e se enfraqueça. E parece que o projeto
do banco de desenvolvimento dos Brics é o item mais substancial do menu de
ações possíveis.
Não é nada trivial, entretanto, criar um banco de
desenvolvimento desse tipo que faça sentido econômico. O economista Mansueto
Almeida, do Ipea, aponta uma delicada questão inicial. Enquanto a China esbanja
uma poupança gigantesca, e pode capitalizar uma instituição desse tipo
tranquilamente, o Brasil é, ao contrário, um país de baixa poupança, e que já
está pressionando suas contas públicas para financiar o seu próprio banco de
desenvolvimento, o BNDES.
Assim, a parte da capitalização do banco que cabe ao
Brasil terá de ser feita, como no caso do BNDES, com aumento de dívida. O
capital inicial do banco de desenvolvimento dos Brics está previsto em US$ 50
bilhões. Teoricamente, a China poderia entrar com mais dinheiro. Porém, neste
caso, ela certamente também iria demandar mais poder.
Outra dúvida levantada por Almeida é referente a como
será a governança do novo banco. Ele nota que as atuais instituições
financeiras multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (Bird), têm regras muito rígidas, trabalham com transparência e
possuem corpos técnicos altamente capacitados.
“Para fazer um grande empréstimo, como, por exemplo,
para um Estado brasileiro, esses bancos enviam missões para fazer
levantamentos, produzem relatórios, contratam consultores locais, tem condições
duras de governança e garantia e geralmente reservam uma parcela para ser gasta
com avaliação do projeto”, diz o economista.
Ele se pergunta se o banco de desenvolvimento dos
Brics terá os mesmos padrões rigorosos de governança. Almeida lembra que,
institucionalmente, a situação nos países que formarão a nova instituição não é
exatamente promissora para a criação de uma instituição financeira desse tipo.
No caso brasileiro, o BNDES é uma instituição
altamente respeitável, mas fez uma série de operações polêmicas nos últimos
anos. Já a China tem um sistema financeiro conhecido pela falta de
transparência e por estar submetido ao arbítrio do governo. A Rússia está longe
de ser um exemplo de governança pública e a Índia não tem nada parecido com os
bancos de desenvolvimento da China e do Brasil.
Almeida acha provável que, no final das contas, um
banco de desenvolvimento dos Brics seja forçado a seguir padrões tão rigorosos
quanto os de outras instituições multilaterais. Neste caso, porém, pode se
tornar um pouco redundante, especialmente para um país, como o Brasil, que já
tem dificuldades fiscais em financiar o seu próprio banco de desenvolvimento.
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A iniciativa de cooperação financeira dos países Brics
Por Maria C. Arraes
Foi assinado ontem o Tratado para o estabelecimento
do Arranjo Contingente de Reservas durante a reunião de chefes de Estado dos
países Brics, com a dimensão inicial de US$ 100 milhões. Pretende-se que o
arranjo tenha um efeito positivo em termos de prevenção de crises,
principalmente as de liquidez de curto prazo, fortalecendo assim a rede de
segurança financeira mundial ao complementar os arranjos internacionais já
existentes. Sua operacionalização se dará por meio de compromisso de troca da
moeda do país solicitante por dólares americanos. A transferência financeira
efetiva só ocorrerá quando houver solicitação de utilização do mecanismo.
A governança do mecanismo é semelhante a de instituições
financeiras internacionais com um conselho de governadores. As decisões do
conselho são as estratégicas e tomadas por consenso. As do comitê são as
necessárias para gestão do mecanismo e com critério misto de consenso ou poder
de voto de cada país. Para aprovar a utilização de recursos, por um país
solicitante, o critério é o de maioria simples dos países financiadores.
Uma parcela de 30 % do montante compromissado é
considerada livre e sua utilização sujeita somente às regras do Acordo Contingente.
Para os restantes 70% será necessário um acordo com o FMI. As regras de
operacionalização do acordo assim como as condições de acesso estão em linha
com os acordos de swap negociados e vigentes no âmbito da crise financeira
internacional recente.
Compromisso dos Brics de atuar como um grupo
coeso, fortalecendo sua capacidade de influir no cenário internacional
Existem pontos importantes a serem considerados para
que se possa concluir uma primeira avaliação do acordo anunciado, tais como o
grau de compromisso político com a iniciativa, a existência ou não de riscos de
contágio, a adequação dos montantes e a estrutura de governança.
O arranjo financeiro acordado entre os Brics não está
relacionado a processo de integração regional, como foi o caso de iniciativas
semelhantes, no âmbito global ou da América Latina. A existência de processo de
integração regional reforça o compromisso político com a iniciativa, mas também
aumenta o risco de contágio, se houver crise financeira na região.
Os montantes anunciados para o acordo contingente de
reservas, US$ 100 bilhões (China com US$ 41 bilhões, Brasil, Índia e Rússia,
com US$ 18 bilhões e África do Sul com 5 bilhões), são relevantes para a
prevenção de crises de balanço de pagamentos nesses países? O acordo prevê que
o acesso da China estaria limitado à metade do montante comprometido, e que
Brasil, Índia e Rússia poderiam sacar até o montante total de seu compromisso,
enquanto a África do Sul, o dobro. Os valores anunciados representam entre 3 e
4 vezes as respectivas quotas no FMI e no, caso brasileiro, menos de um quarto
do déficit em conta corrente dos últimos doze meses.
A governança do Acordo Contingente Brics procura
equilibrar as diferenças de tamanho e poder econômico dentro do grupo pois
parte delas é por consenso. Se por um lado esse equilíbrio é positivo, por
outro, pode levar a um engessamento do mecanismo em termos de sua evolução
estratégica. Já a decisão sobre utilização dos recursos, por maioria simples do
poder de voto dos países que estão fornecendo recursos, poderá resultar em
assimetrias de poder dentro do grupo, principalmente a favor da China.
Quando iniciativas como o arranjo Brics dependem da
disponibilidade financeira em momentos de crise, os recursos podem não estar
disponíveis se os montantes a serem utilizados não estiverem previamente
apartados, em um fundo de reservas.
O Arranjo Contingente de Reservas foi inicialmente
anunciado como uma alternativa ao FMI, com condições ou condicionalidades pelo
menos diferentes. Porém, há um limite para inovação na área de assistência
financeira: o grau de risco a que se expõe os recursos dos contribuintes que
estão sendo aplicados nesses empréstimos. Garantias formais ou alterações na
política econômica do país financiado - as chamadas condicionalidades - deverão
ser exigidas para assegurar a capacidade de amortização da dívida. Caso
contrário, na ocorrência de default, os contribuintes dos países financiariam a
perda.
O texto do acordo publicado, entretanto, prevê que
somente 30% do valor disponível para cada país poderá ser acessado sem acordo
com o FMI. E para essa utilização estão previstas condições tais como a
inexistência de inadimplemento junto a organismos internacionais. O Arranjo
Contingente aprovado em Fortaleza será, portanto, um mecanismo complementar de
financiamento conforme consta do Comunicado dos chefes de Estado.
As prevenções de crises de balanço de pagamentos,
assim como seu enfrentamento se beneficiam da existência de linhas de
financiamento adicionais, como é o caso do Arranjo Contingente de Reservas,
pois permitem que o país que esteja sofrendo pressões de liquidez para
financiamento de contas externas evite crises maiores ou faça o ajustamento de
sua política econômica com menor sacrifício, em termos de crescimento da
economia. Tudo leva a crer que a concretização do Arranjo Contingente será um
sinal positivo do compromisso dos Brics de aprofundarem suas relações e atuarem
como um grupo coeso, fortalecendo sua capacidade de influir no cenário
financeiro internacional.
A iniciativa de Chiang Mai reúne as nações do
Sudeste Asiático (Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia, Brunei,
Burma, Cambodia, Laos e Vietnam) mais China, Japão e Coreia do Sul.
Maria Celina Berardinelli Arraes é ex diretora de
Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil (2008-2009)
Brics criam banco com "poder igual" entre
países
Por Murillo Camarotto e Leandra Peres | De
Fortaleza/Valor Ec.
Delegações acompanham os líderes dos Brics
durante cúpula em Fortaleza; o Brasil teve de abrir mão da presidência do banco
do grupo para viabilizar a instituição
O Brasil teve de abrir mão da presidência do banco
dos Brics para garantir um acordo entre os países e viabilizar a criação da
instituição na reunião de cúpula do bloco, encerrada ontem em Fortaleza.
O governo brasileiro concordou em ficar com a
presidência do Conselho de Administração do banco, para acomodar os interesses
da Índia, que insistiu até o último momento para sediar a instituição. A China,
conforme esperado, conseguiu fazer prevalecer sua preferência, e o banco
funcionará em Xangai. Como forma de compensar os indianos, o país indicará o
primeiro presidente da instituição, que ficará no cargo por cinco anos. O
Brasil indicará o segundo.
A presidente Dilma Rousseff disse que a decisão sobre
o comando foi uma questão de justiça, já que a ideia de criação do banco foi da
Índia. "No banco dos Brics o poder é igual. Ser o primeiro ou segundo
presidente não tem importância nenhuma. O importante é quem tem o controle
acionário, e não haverá controle acionário de ninguém", completou o
ministro da Fazenda, Guido Mantega.
A divisão igualitária do capital do banco visou
evitar a preponderância chinesa nas decisões. Para o Brasil, esse foi um ponto-chave
na negociação e, apesar de a China ter iniciado as conversas disposta a ter uma
participação maior no capital do banco, os outros sócios insistiram no modelo
que foi aprovado.
"A distribuição do capital é igualitária porque
nenhum de nós quis se mostrar hegemônico. A distribuição igualitária de cotas
previne o problema [da hegemonia da China]", disse a presidente Dilma.
O aporte inicial de US$ 2 bilhões, no caso
brasileiro, será feito com recursos do Tesouro Nacional, mas apenas depois que
o banco for aprovado por todos os sócios.
A criação do Novo Banco de Desenvolvimento (New
Development Bank, ou NDB, em inglês) se deve, em parte, ao atraso nas reformas
no Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Os grandes emergentes
reivindicam um papel maior nessas instituições, mas o Congresso dos EUA vem
barrando uma reforma das quotas.
Para viabilizar o acordo, os presidentes dos países
membros do bloco tiveram que mudar as regras acertadas antes da reunião de
cúpula Inicialmente, o presidente do banco também seria o presidente do
Conselho de Administração. Mas, para acomodar os cinco sócios, os cargos foram
desmembrados. A África do Sul terá direito ao primeiro escritório regional do
banco, e a Rússia terá a presidência do Conselho de Ministros, que será a
instância política de decisão.
A criação do banco foi comemorada pelos líderes dos
Brics como um sinal inequívoco da capacidade de Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul de apresentarem resultados concretos em sua atuação na cena
política internacional.
Apesar da insistência do governo de que haverá
igualdade entre os sócios, o poder efetivo dentro do banco poderá ser muito
menos equilibrado do que espera a diplomacia brasileira. A ideia é que o
capital da instituição seja dividido igualmente por todos os sócios, com cada
um capitalizando inicialmente US$ 2 bilhões. Ao final de sete anos, cada país
terá que aportar US$ 10 bilhões ao banco.
A instituição, no entanto, administrará fundos de
investimentos formados pelos sócios que não seguirão essa mesma proporção de
capital. Esses recursos não farão parte do capital do banco e, portanto, não
influenciarão o poder de voto de cada país. Mas, como admite um ministro
brasileiro, a China é o parceiro que tem mais dinheiro à disposição e já
anunciou que colocará recursos nesses fundos, ampliando, portanto, seu poder de
influência de fato, se não de direito. O primeiro a ser formado financiará
projetos de infraestrutura, embora ainda não haja valor definido do
instrumento.
Para que faça seu primeiro empréstimo, o acordo que
cria o banco dos Brics, especializado em infraestrutura, terá de ser aprovado
pelos cinco países. No caso brasileiro, isso significa ser votado na Câmara dos
Deputados e no Senado. Depois disso, os países terão até sete anos para cumprirem
o cronograma de capitalização.
A estrutura de controle do banco já havia sido
praticamente fechada pelos negociadores antes da cúpula. Além da presidência
com mandato de cinco anos, sem direito a recondução, e rotativa entre os cinco
sócios, o ministro Mantega explicou que mesmo se houver a entrada de novos
parceiros, os Brics terão sempre 55% do capital.
Os presidentes também assinaram o acordo que permite
aos países disponibilizar até US$ 100 bilhões de suas reservas internacionais
para ajudarem-se mutuamente em casos de crise de balanços de pagamentos. Cada
país terá um limite máximo de recursos que poderá pedir aos sócios. No caso
brasileiro, o país disponibilizará US$ 18 bilhões e poderá sacar até uma vez e
meia esse valor. A ideia, no entanto, é que apenas uma parcela entre 20% e 30%
desses valores seja liberada como empréstimo de curto prazo. Para ter acesso ao
restante do dinheiro, qualquer um dos países terá que ter um acordo de ajuste
de suas contas com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Instituição é mais uma mensagem política que
necessidade econômica
Por Vanessa Jurgenfeld | De São Paulo
O professor do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Medeiros, estudioso dos padrões de
desenvolvimento e da inserção internacional de alguns países, como a China,
avalia a criação do banco de desenvolvimento dos Brics, o NDB (New Development
Bank), como muito mais uma mensagem política do que uma necessidade neste
momento para prover recursos aos países do bloco para investimentos.
Medeiros não acredita que a criação do banco de
desenvolvimento e as declarações da China sobre querer ampliar o comércio
bilateral em moedas locais possam enfraquecer o poder americano no mundo,
assentado em poder militar, moeda e tecnologia. Diz, porém que isso cria uma
agenda e um mapa de interesses.
Leia a seguir, os principais trechos da entrevista
concedida por Medeiros ao Valor:
Valor: Como o sr. avalia a ideia de criação
de um banco dos Brics?
Carlos Medeiros: Evidentemente que mais um
banco de desenvolvimento sempre pode ser algo importante. Mas veja que a ideia
de criar um banco de desenvolvimento tinha, em muitos casos, em alguns países,
a intenção de ser uma alternativa ao próprio Banco Mundial, que é cheio de
condicionalidades, pela percepção de que os países em desenvolvimento têm
dificuldades de financiar suas necessidades de infraestrutura. Em tese, o banco
contribui para a autonomia financeira dos países, mas ao contrário de outras
iniciativas de âmbito regional, todos os países do bloco possuem importantes
bancos de desenvolvimento e não necessitam recorrer de forma sistemática ao
Banco Mundial. A China não precisaria, do ponto de vista de necessidade de
financiamento, de um banco externo para fazer seus investimentos. A Índia
também não. O Brasil tem o BNDES. A África do Sul também tem um banco de
desenvolvimento. É possível que ele possua maior importância para apoiar
investimentos externos entre estes países. Pode ser um reforço a financiamentos
em outras áreas que não contam com recursos de bancos de desenvolvimento.
Valor: Como o Sr. analisa o uso de moedas
locais no comércio dentro do bloco? Seria uma forma de reduzir a dependência do
dólar e enfraquecer a hegemonia americana?
Medeiros: A importância das moedas locais é
proporcional ao comércio bilateral que, no caso, é bastante assimétrico e
centrado na China com os demais. Não vejo como possa reduzir a dependência do
dólar a menos que o yuan fosse uma moeda reserva mundial. Entretanto, criar um
fundo de estabilização, tal como o criado entre os países da Asean após a crise
de 1997, é positivo. Arranjos e acordos entre esses países são politicamente
importantes em si porque criam uma agenda e um mapa de interesses, mas não
enfraquecem por isso o poder americano, assentado no seu poder militar, na sua
moeda e na sua tecnologia.
Valor: Não está sendo criada uma
alternativa ao dólar?
Medeiros: O problema de se buscar uma fonte
alternativa de moeda é que normalmente a gente fica associando essa ideia como
se ela fosse de fato alternativa ao dólar. Não me parece alternativa ao dólar
coisa alguma, mas uma iniciativa para facilitar a troca entre países nas
relações bilaterais. Você cria um sistema que você se amarra um pouco a uma
posição numa moeda que não é uma moeda internacional em geral. É apenas uma
moeda específica de utilização em um fluxo comercial específico. Você não criou
o yuan nem como moeda internacional na Ásia muito menos no mundo. Estamos muito
longe de pensar um mundo como esse. Agora, claro, você coloca aí a Argentina e
o Brasil como grandes parceiros comerciais da China, é claro que algumas
compras podem ser casadas e automaticamente debitadas no sistema de relações.
São coisas que facilitam, mas não são alternativas a uma moeda internacional, a
menos que um dia o yuan se transforme em uma moeda internacional plenamente
conversível. Acho que são temas muito explorados pelo seu significado, mas do
ponto de vista concreto, no curto prazo, não tem relevância maior.
Valor: Pode ter caráter simbólico, de criar
uma institucionalidade que pode vir no futuro a reconfigurar o sistema
monetário internacional?
Medeiros: Claro. Mas o que existe no bloco são
as relações da China com os demais, porque dos países fora a China as relações
[quase] não existem. As relações do Brasil com a África do Sul são pífias. As
relações do Brasil com a Índia também. As relações do Brasil com a Rússia são
muito pequenas. Índia com África do Sul um pouco mais, mas o que tem é a China.
Na verdade, os Brics não são um bloco. Isso é uma construção muito mais
política. Isso não é uma área comercial em expansão. É uma percepção sobre
países que na última década puderam encontrar algum caminho para crescer. São
países de grande mercado interno e que têm importância política e econômica nas
suas respectivas regiões e cujas relações comerciais começaram a crescer, mas
assimetricamente, sobretudo da China com os demais.
Valor: Essas iniciativas podem muito mais
ser fortalecimento geopolítico da China do que do bloco?
Medeiros: Sim. E os EUA podem ver isso como
uma iniciativa da China. E pode existir uma reação.
Valor: É importante um Arranjo Contingente
de Reservas para socorro em momentos de crise?
Medeiros: É interessante. Mas entre os países
dos Brics talvez o que tenha uma posição menos sólida é a África do Sul. No
curto prazo, é muito mais uma mensagem política. Passa a ideia de que para nós
aqui [no Brics] o FMI não tem mais a grande influência que tinha, do ponto de
vista de recorrer a ele, e menos ainda terá no futuro porque estamos
construindo um reforço. Talvez, tanto uma iniciativa [criação do banco] como a
outra [arranjo] possua uma importância mais política do que de resolver
problemas associados ao bloco. Hoje os Brics contam com reservas externas
elevadas e nenhum país está sob a ameaça de crise de balanço de pagamentos.
Empresas poderão obter crédito em moeda local
De Fortaleza
Após se reunir com seus pares no grupo dos Brics, o
presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
Luciano Coutinho, anunciou que as instituições de fomento de Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul vão disponibilizar linhas de crédito em moeda
local para investimentos intra-bloco.
Na prática, os bancos de desenvolvimento concordam em
financiar mutuamente as empresas de seus países. Cada um deles fixará limites
máximos de crédito que poderão ser liberados para projetos tocados por empresas
dos Brics. É como se a empresa brasileira, em vez de contar com crédito do
BNDES para uma operação na Rússia, pudesse buscar financiamento direto em
rublos no banco de desenvolvimento daquele país.
Na avaliação de Coutinho, a ferramenta poderá
incentivar a internacionalização das empresas do Brics que investem dentro do
bloco. "Para investimento direto isso é importante porque uma empresa que
está investindo ali terá suas receitas em moeda local", disse. "A
abertura de linha de crédito em moeda local facilita a internacionalização
cruzada", ele explicou."
Coutinho ressaltou, no entanto, que as linhas serão
oferecidas dentro dos limites das instituições e que, no caso do BNDES, o
funding para as operações poderá vir de fora e não vai concorrer com as fontes
locais de recursos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o próprio
Tesouro.
"O BNDES pode fazer captações externas. Para
esse tipo de operação de fora do país temos a opção de captar recursos no
mercado internacional, já fizemos isso de forma bem sucedida", disse ele.
Os presidentes das agências de crédito à exportação
também assinaram um acordo para facilitar a concessão de garantias no comércio
entre os países. A intenção é que no futuro, uma exportação feita por empresas
de dois sócios possa ser dividida entre as agências de países diferentes.
Bloco evita retórica de contraposição aos países ricos
De Fortaleza
Apesar dos apelos do presidente russo Vladimir Putin,
a retórica aberta de contraposição aos países ricos e, mais explicitamente, aos
Estados Unidos foi claramente evitada no documento final da cúpula dos Brics,
em Fortaleza.
Em entrevista à agência estatal russa Itar-Tass,
Putin instou os Brics a "pensar em um sistema de medidas que evitem o
assédio a países que não concordem com algumas decisões de política externa dos
EUA e de seus aliados". Mas os discursos feitos pelos presidentes de
Brasil, Índia, China e África do Sul ontem durante a reunião não tiveram esse
tom. Até mesmo a fala de Putin foi amena nesse sentido.
Se houve avanços na pauta econômica com a criação do
banco e o acordo para compartilhamento de reservas internacionais, a declaração
final dos líderes dos cinco países não mudou as posições políticas já
conhecidas dos sócios sobre temas polêmicos como a crise na Ucrânia e a guerra
civil na Síria ou a insatisfação já expressa com a falta de reformas no Fundo
Monetário Internacional (FMI).
"O banco dos Brics e o arranjo contingente de
reservas não são contra ninguém. São a nosso favor. O banco vem trazer para a
constatação de que o mundo é multilateral", disse a presidente Dilma
Rousseff quando perguntada sobre a demora no aumento do poder de voto dos
países emergentes no FMI e se o banco criado pelos cinco países é uma resposta
a essa situação.
"O banco Brics será uma das maiores agências financeiras
do mundo e será na base para grandes mudanças macroeconômicas", disse o
presidente Russo, Vladimir Putin. O presidente da África do Sul, citou a nova
instituição multilateral dos países como "a criação de uma nova iniciativa
financeira pela primeira vez desde Bretton Woods".
O esforço para acomodar todas as demandas dos
parceiros, exigiu uma declaração oficial com 72 parágrafos onde muitas das
referências "tomam nota", "reiteram" ou
"reconhecem" temas da pauta atual.
Os Brics, por exemplo, mantiveram a postura de não
condenar as ações da Rússia na anexação da Crimeia. A respeito da crise na
Ucrânia, os líderes falaram em "profunda preocupação", pediram
diálogo e moderação de todos os envolvidos "com vistas a buscar encontrar
uma solução pacífica".
Sobre o conflito na Síria, Putin citou a atuação de
Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU como uma mostra de como a ação
conjunta dos Brics "evitou intervenção estrangeira" no país.
"Reiteramos nossa visão de que não há solução
militar para o conflito e destacamos a necessidade de evitar a sua maior
militarização", disse a declaração oficial.
Num recado velado aos EUA e União Europeia, os Brics,
no entanto, condenaram intervenções militares unilaterais e sanções econômicas
em violação ao direito internação. Esse último ponto parece conter também uma
crítica implícita às sanções aplicadas à Rússia após a anexação da Crimeia.
Os Brics disseram estar "desapontados e
seriamente preocupados" com o atraso nas reformas do FMI. "Precisamos
trabalhar para melhoria da governança econômica e aumentar a voz dos países em
desenvolvimento", afirmou o presidente chinês, Xi Jinping. Dilma mencionou
o peso econômico dos Brics na economia mundial e afirmou que essa participação
não corresponde à representatividade do grupo no FMI e Banco Mundial.
"Temos 21% [do PIB mundial], mas a participação no FMI é de 11%",
criticou a presidente.
Apesar de a declaração oficial indicar que os países
do Brics vão ratificar os acordos fechados para retomada da abertura comercial
na Organização Mundial do Comércio (OMC), o primeiro-ministro indiano, Narendra
Modi, insistiu que é preciso incorporar a esses acordos a necessidade de
proteger a agricultura familiar de subsistência. No início da semana, o país
havia ameaçado vetar a continuação das negociações comerciais da OMC.
"Deve-se abrir um regime de comércio aberto para o desenvolvimento
sustentável. Isso deve comportar aspirações dos países em desenvolvimento e
necessidades especiais, como a segurança alimentar", afirmou Modi.
Assuntos como a mudança no Conselho de Segurança da ONU,
onde o Brasil busca um assento definitivo, foram mencionados pelos líderes, mas
o país não obteve apoio explícito da Rússia ou China, que estão entre os países
com poder de veto na organização.
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