quinta-feira, 17 de julho de 2014

Brics faz historia: para opor-se ao dolar, grupo cria banco de US$ 50 bi e Fundo de US$ 100 bi; ironia involuntaria?

Sem falar da possibilidade de utilização de moedas locais, para comércio ou investimento, mas cuja liquidação terá de passar necessariamente pelo dólar como moeda de referência, quaisquer que sejam as moedas locais envolvidas.
Outra ironia involuntária?
É avançando assim que a gente tropeça no dólar...
Paulo Roberto de Almeida


Matérias de imprensa de 16/07/2014 sobre a criação de Banco e de Fundo dos Brics em Fortaleza

Brasil perde disputa e banco do Brics terá presidente indiano e sede na China
LISANDRA PARAGUASSU, JOÃO VILLAVERDE, ADRIANA FERNANDES, ENVIADOS ESPECIAIS / FORTALEZA - O Estado de S.Paulo
O Brasil saiu derrotado ontem na disputa interna que envolveu a criação da primeira instituição formal do grupo Brics, do qual faz parte em conjunto com Rússia, Índia, China e África do Sul. O País precisou abrir mão da pretensão de presidir o Banco de Desenvolvimento do bloco para evitar o revés de terminar a reunião de cúpula em Fortaleza sem avanços palpáveis.
Caberá à Índia conduzir os trabalhos iniciais do banco, cuja sede ficará em Xangai, na China. O governo brasileiro vai indicar o presidente do Conselho de Administração do banco, uma instância decisória importante, mas que não atua no dia a dia da instituição.
Concretizar a criação do banco e do Acordo Contingente de Reserva (CRA, na sigla em inglês) na reunião de Fortaleza, quando o Brasil assume a presidência rotativa do bloco, era um ponto de honra para o governo brasileiro. "A grande vitória era ter o banco. O que adianta ter a presidência de um banco que não existe?", justificou um dos negociadores brasileiros. A posição foi corroborada por um assessor presidencial: o que interessava era sair da cúpula com a instituição criada.
A formação do Banco e do CRA vinha sendo discutida há dois anos. O CRA, apesar de mais vultoso, era ponto pacífico. Suas linhas gerais já haviam até sido anunciadas em 2013, na reunião de Durban. A fórmula do banco de desenvolvimento, no entanto, era mais complexa, até pelas relações de poder entre os cinco países.
Mesmo com a interpretação de que o modelo final serviu a todos, a verdade é que o Brasil brigava pela primeira presidência. Apesar de ainda demorar para que o novo banco entre efetivamente em operação, o primeiro presidente teria o poder de dar a linha inicial das políticas, definir os processos de funcionamento e as linhas de concessão de empréstimos, mesmo que as decisões finais tenham de passar também pelo conselho de administração e pelo conselho de ministros. Enquanto o novo presidente tocará o dia a dia, o presidente do Conselho de Administração, que caberá ao Brasil indicar, participará apenas das grandes decisões, em reuniões que podem acontecer uma vez por mês, ou menos.
Resistência indiana. Em entrevista ao final da Cúpula de Fortaleza, a presidente Dilma Rousseff justificou a decisão: "A Índia propôs o banco e o Brasil, o CRA. Todos nós considerávamos que a primeira presidência deveria ficar com quem fez a proposta", afirmou. Porém, o que a Índia queria mesmo era ficar com a sede em Nova Délhi. Foi consenso, porém, que Xangai, por ser hoje um dos maiores centros econômicos do mundo, era uma melhor opção. No entanto, os indianos não queriam abrir mão de um posto importante no banco.
Antes mesmo da reunião que bateu o martelo sobre a presidência do banco ontem de manhã, um alto funcionário do governo afirmou ao Estado que era necessário ver o que era mais importante para o Brasil, o cargo ou o banco em si. Venceu a tese de que formar a instituição importava mais. Ainda assim, o governo brasileiro garantiu a segunda presidência, no sistema rotativo, daqui a cinco anos. Parte dos negociadores acredita que não foi um mau negócio, já que havia a tese de que o segundo presidente deverá assumir com o banco em pleno funcionamento, já com o poder de financiar empréstimos.
Caberá ao Brasil, também, uma segunda sede regional, a ser construída em data não determinada. A primeira será na África do Sul. Já a Rússia terá a primeira presidência do Conselho de Ministros, com representantes dos cinco países.
O banco começa com um capital de US$ 50 bilhões. "Optamos por uma distribuição absolutamente igualitária de capital porque nenhum de nós quis se mostrar hegemônico", disse a presidente Dilma. "Não é um formato do tipo de política tradicional do tipo de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial)."

Uma derrota pintada em tons róseos
Lisandra Paraguassu
João Villaverde
Adriana Fernandes
Um recuo inesperado que terminou em uma vitória. Assim definiram ontem os negociadores brasileiros, tanto da área diplomática quanto da área econômica, o movimento do governo Dilma Rousseff, que cedeu a desejada primeira presidência do banco do Brics para a Índia, ficando, em troca, com a presidência do conselho de administração do novo banco e com a sucessão dos indianos na direção da instituição financeira.
Segundo uma fonte qualificada da equipe econômica, os aportes gradativos que serão feitos pelos cinco países do grupo no Novo Banco de Desenvolvimento tornarão a segunda presidência mais "vistosa" que a primeira. Até lá, o Brasil terá participação direta na formulação da atuação do novo banco, ao presidir o conselho de administração.
A visão rósea do resultado, no entanto, não escondeu que a negociação foi dura, com uma acirrada disputa entre Índia e China pela sede do banco.
Como propositores da instituição, os indianos se achavam no direito de ter a sede, em Nova Délhi. Os chineses, no entanto, não estavam dispostos a abrir mão da sede em Xangai e contavam com o apoio dos brasileiros, que viam a cidade como um centro financeiro e econômico mais forte.
O impasse varou a reunião dos ministros da Fazenda, na segunda-feira à noite. Parte das negociações continuaram madrugada adentro e o acordo só foi fechado pouco antes da plenária com os presidentes, na manhã de ontem.
Na reunião de ministros, a Índia foi a única que não foi representada por seu ministro da Fazenda, mas por um funcionário menos graduado, que dizia não ter poder de decidir. Com isso, conseguiu empurrar a decisão para a manhã de terça-feira e, com a pressão, obter o que queria.

Brics não discutiram ação conjunta no câmbio, mas ideia é boa, diz autoridade
ALONSO SOTO - REUTERS
Os cinco países que formam os Brics não discutiram uma intervenção coordenada nos mercados de câmbio globais, mas "vale a pena pensar no assunto", disse o vice-presidente do Banco Central da Índia, Urjit Patel, à Reuters nesta terça-feira.
Os líderes das cinco maiores economias emergentes fecharam um acordo nesta terça-feira para a criação de um banco de desenvolvimento com 100 bilhões de dólares em capital e a criação de um fundo de reservas de mesmo valor para contrapor o domínio do Ocidente nas finanças globais.
Quando perguntado se os Brics poderiam em algum momento intervir conjuntamente nos mercados de câmbio para reduzir turbulências, Patel disse que "é um ponto que vale a pena se pensar, mas não foi discutido".
Patel afirmou que o novo fundo, denominado Arranjo Contingente de Reservas (CRA, na sigla em inglês), poderá incluir no futuro países que não fazem parte dos Brics. O fundo, desenhado para ajudar os países membros a lidarem com problemas de balanço de pagamentos, vai "dar um pouco mais de conforto" para os países emergentes, acrescentou.
"Acho que é um importante sinal de que os Brics estão dispostos a tomar a dianteira para a mudança no modo que a gente pensa a arquitetura financeira do mundo", disse Patel, durante a reunião de cúpula dos Brics em Fortaleza.
As duas novas instituições são a primeira grande conquista dos países que formam os Brics -- Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul-- desde que se reuniram em 2009 para pressionar por maior influência na ordem financeira global criada por potências ocidentais e centrada no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial.
Patel disse que não espera que o Congresso dos Estados Unidos ratifique rapidamente as reformas que irão aumentar o peso dos países emergentes no FMI.
Os países emergentes discutiram separar as mudanças no sistema de quotas da reforma de governança para facilitar a aprovação das reformas do FMI. Contudo, ele disse que a Índia não apoia essa estratégia e quer a aprovação completa do pacote de reformas.
"A posição da Índia é que nós não somos a favor da desvinculação porque então você perderia força para a mudança fundamental que é necessária nessas instituições", disse ele.
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16jul14

Para que um banco dos Brics?
Fernando Dantas
É extremamente curioso que a abreviação Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), criada por um participante do mercado financeiro, o inglês Jim O’Neill, tenha redundado na formação de um grupo real entre esses países, ao qual foi acrescentado a África do Sul, que transformou o conjunto em Brics (com o ‘s’ de South Africa).
Desde o início das articulações, ficou claro para os observadores que esses grandes países emergentes tinham raízes históricas e interesses geopolíticos distintos demais para que agissem de fato como um bloco no concerto das Nações. Ainda assim, a interação prosseguiu, e talvez a principal liga seja negativa: nenhum deles pertence ao poderoso grupo dos países mais ricos, mas o peso de cada um dos Brics na economia global, e ainda mais do conjunto, faz com que busquem reforçar suas respectivas influências nos assuntos mundiais.
É preciso, entretanto, produzir fatos concretos, para que toda a iniciativa não caia no vazio e se enfraqueça. E parece que o projeto do banco de desenvolvimento dos Brics é o item mais substancial do menu de ações possíveis.
Não é nada trivial, entretanto, criar um banco de desenvolvimento desse tipo que faça sentido econômico. O economista Mansueto Almeida, do Ipea, aponta uma delicada questão inicial. Enquanto a China esbanja uma poupança gigantesca, e pode capitalizar uma instituição desse tipo tranquilamente, o Brasil é, ao contrário, um país de baixa poupança, e que já está pressionando suas contas públicas para financiar o seu próprio banco de desenvolvimento, o BNDES.
Assim, a parte da capitalização do banco que cabe ao Brasil terá de ser feita, como no caso do BNDES, com aumento de dívida. O capital inicial do banco de desenvolvimento dos Brics está previsto em US$ 50 bilhões. Teoricamente, a China poderia entrar com mais dinheiro. Porém, neste caso, ela certamente também iria demandar mais poder.
Outra dúvida levantada por Almeida é referente a como será a governança do novo banco. Ele nota que as atuais instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird), têm regras muito rígidas, trabalham com transparência e possuem corpos técnicos altamente capacitados.
“Para fazer um grande empréstimo, como, por exemplo, para um Estado brasileiro, esses bancos enviam missões para fazer levantamentos, produzem relatórios, contratam consultores locais, tem condições duras de governança e garantia e geralmente reservam uma parcela para ser gasta com avaliação do projeto”, diz o economista.
Ele se pergunta se o banco de desenvolvimento dos Brics terá os mesmos padrões rigorosos de governança. Almeida lembra que, institucionalmente, a situação nos países que formarão a nova instituição não é exatamente promissora para a criação de uma instituição financeira desse tipo.
No caso brasileiro, o BNDES é uma instituição altamente respeitável, mas fez uma série de operações polêmicas nos últimos anos. Já a China tem um sistema financeiro conhecido pela falta de transparência e por estar submetido ao arbítrio do governo. A Rússia está longe de ser um exemplo de governança pública e a Índia não tem nada parecido com os bancos de desenvolvimento da China e do Brasil.
Almeida acha provável que, no final das contas, um banco de desenvolvimento dos Brics seja forçado a seguir padrões tão rigorosos quanto os de outras instituições multilaterais. Neste caso, porém, pode se tornar um pouco redundante, especialmente para um país, como o Brasil, que já tem dificuldades fiscais em financiar o seu próprio banco de desenvolvimento.
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A iniciativa de cooperação financeira dos países Brics
Por Maria C. Arraes
Foi assinado ontem o Tratado para o estabelecimento do Arranjo Contingente de Reservas durante a reunião de chefes de Estado dos países Brics, com a dimensão inicial de US$ 100 milhões. Pretende-se que o arranjo tenha um efeito positivo em termos de prevenção de crises, principalmente as de liquidez de curto prazo, fortalecendo assim a rede de segurança financeira mundial ao complementar os arranjos internacionais já existentes. Sua operacionalização se dará por meio de compromisso de troca da moeda do país solicitante por dólares americanos. A transferência financeira efetiva só ocorrerá quando houver solicitação de utilização do mecanismo.
A governança do mecanismo é semelhante a de instituições financeiras internacionais com um conselho de governadores. As decisões do conselho são as estratégicas e tomadas por consenso. As do comitê são as necessárias para gestão do mecanismo e com critério misto de consenso ou poder de voto de cada país. Para aprovar a utilização de recursos, por um país solicitante, o critério é o de maioria simples dos países financiadores.
Uma parcela de 30 % do montante compromissado é considerada livre e sua utilização sujeita somente às regras do Acordo Contingente. Para os restantes 70% será necessário um acordo com o FMI. As regras de operacionalização do acordo assim como as condições de acesso estão em linha com os acordos de swap negociados e vigentes no âmbito da crise financeira internacional recente.
Compromisso dos Brics de atuar como um grupo coeso, fortalecendo sua capacidade de influir no cenário internacional
Existem pontos importantes a serem considerados para que se possa concluir uma primeira avaliação do acordo anunciado, tais como o grau de compromisso político com a iniciativa, a existência ou não de riscos de contágio, a adequação dos montantes e a estrutura de governança.
O arranjo financeiro acordado entre os Brics não está relacionado a processo de integração regional, como foi o caso de iniciativas semelhantes, no âmbito global ou da América Latina. A existência de processo de integração regional reforça o compromisso político com a iniciativa, mas também aumenta o risco de contágio, se houver crise financeira na região.
Os montantes anunciados para o acordo contingente de reservas, US$ 100 bilhões (China com US$ 41 bilhões, Brasil, Índia e Rússia, com US$ 18 bilhões e África do Sul com 5 bilhões), são relevantes para a prevenção de crises de balanço de pagamentos nesses países? O acordo prevê que o acesso da China estaria limitado à metade do montante comprometido, e que Brasil, Índia e Rússia poderiam sacar até o montante total de seu compromisso, enquanto a África do Sul, o dobro. Os valores anunciados representam entre 3 e 4 vezes as respectivas quotas no FMI e no, caso brasileiro, menos de um quarto do déficit em conta corrente dos últimos doze meses.
A governança do Acordo Contingente Brics procura equilibrar as diferenças de tamanho e poder econômico dentro do grupo pois parte delas é por consenso. Se por um lado esse equilíbrio é positivo, por outro, pode levar a um engessamento do mecanismo em termos de sua evolução estratégica. Já a decisão sobre utilização dos recursos, por maioria simples do poder de voto dos países que estão fornecendo recursos, poderá resultar em assimetrias de poder dentro do grupo, principalmente a favor da China.


Quando iniciativas como o arranjo Brics dependem da disponibilidade financeira em momentos de crise, os recursos podem não estar disponíveis se os montantes a serem utilizados não estiverem previamente apartados, em um fundo de reservas.
O Arranjo Contingente de Reservas foi inicialmente anunciado como uma alternativa ao FMI, com condições ou condicionalidades pelo menos diferentes. Porém, há um limite para inovação na área de assistência financeira: o grau de risco a que se expõe os recursos dos contribuintes que estão sendo aplicados nesses empréstimos. Garantias formais ou alterações na política econômica do país financiado - as chamadas condicionalidades - deverão ser exigidas para assegurar a capacidade de amortização da dívida. Caso contrário, na ocorrência de default, os contribuintes dos países financiariam a perda.
O texto do acordo publicado, entretanto, prevê que somente 30% do valor disponível para cada país poderá ser acessado sem acordo com o FMI. E para essa utilização estão previstas condições tais como a inexistência de inadimplemento junto a organismos internacionais. O Arranjo Contingente aprovado em Fortaleza será, portanto, um mecanismo complementar de financiamento conforme consta do Comunicado dos chefes de Estado.
As prevenções de crises de balanço de pagamentos, assim como seu enfrentamento se beneficiam da existência de linhas de financiamento adicionais, como é o caso do Arranjo Contingente de Reservas, pois permitem que o país que esteja sofrendo pressões de liquidez para financiamento de contas externas evite crises maiores ou faça o ajustamento de sua política econômica com menor sacrifício, em termos de crescimento da economia. Tudo leva a crer que a concretização do Arranjo Contingente será um sinal positivo do compromisso dos Brics de aprofundarem suas relações e atuarem como um grupo coeso, fortalecendo sua capacidade de influir no cenário financeiro internacional.
A iniciativa de Chiang Mai reúne as nações do Sudeste Asiático (Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia, Brunei, Burma, Cambodia, Laos e Vietnam) mais China, Japão e Coreia do Sul.
Maria Celina Berardinelli Arraes é ex diretora de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil (2008-2009)

Brics criam banco com "poder igual" entre países
Por Murillo Camarotto e Leandra Peres | De Fortaleza/Valor Ec.

 Delegações acompanham os líderes dos Brics durante cúpula em Fortaleza; o Brasil teve de abrir mão da presidência do banco do grupo para viabilizar a instituição
O Brasil teve de abrir mão da presidência do banco dos Brics para garantir um acordo entre os países e viabilizar a criação da instituição na reunião de cúpula do bloco, encerrada ontem em Fortaleza.
O governo brasileiro concordou em ficar com a presidência do Conselho de Administração do banco, para acomodar os interesses da Índia, que insistiu até o último momento para sediar a instituição. A China, conforme esperado, conseguiu fazer prevalecer sua preferência, e o banco funcionará em Xangai. Como forma de compensar os indianos, o país indicará o primeiro presidente da instituição, que ficará no cargo por cinco anos. O Brasil indicará o segundo.
A presidente Dilma Rousseff disse que a decisão sobre o comando foi uma questão de justiça, já que a ideia de criação do banco foi da Índia. "No banco dos Brics o poder é igual. Ser o primeiro ou segundo presidente não tem importância nenhuma. O importante é quem tem o controle acionário, e não haverá controle acionário de ninguém", completou o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
A divisão igualitária do capital do banco visou evitar a preponderância chinesa nas decisões. Para o Brasil, esse foi um ponto-chave na negociação e, apesar de a China ter iniciado as conversas disposta a ter uma participação maior no capital do banco, os outros sócios insistiram no modelo que foi aprovado.
"A distribuição do capital é igualitária porque nenhum de nós quis se mostrar hegemônico. A distribuição igualitária de cotas previne o problema [da hegemonia da China]", disse a presidente Dilma.
O aporte inicial de US$ 2 bilhões, no caso brasileiro, será feito com recursos do Tesouro Nacional, mas apenas depois que o banco for aprovado por todos os sócios.
A criação do Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank, ou NDB, em inglês) se deve, em parte, ao atraso nas reformas no Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Os grandes emergentes reivindicam um papel maior nessas instituições, mas o Congresso dos EUA vem barrando uma reforma das quotas.
Para viabilizar o acordo, os presidentes dos países membros do bloco tiveram que mudar as regras acertadas antes da reunião de cúpula Inicialmente, o presidente do banco também seria o presidente do Conselho de Administração. Mas, para acomodar os cinco sócios, os cargos foram desmembrados. A África do Sul terá direito ao primeiro escritório regional do banco, e a Rússia terá a presidência do Conselho de Ministros, que será a instância política de decisão.
A criação do banco foi comemorada pelos líderes dos Brics como um sinal inequívoco da capacidade de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul de apresentarem resultados concretos em sua atuação na cena política internacional.
Apesar da insistência do governo de que haverá igualdade entre os sócios, o poder efetivo dentro do banco poderá ser muito menos equilibrado do que espera a diplomacia brasileira. A ideia é que o capital da instituição seja dividido igualmente por todos os sócios, com cada um capitalizando inicialmente US$ 2 bilhões. Ao final de sete anos, cada país terá que aportar US$ 10 bilhões ao banco.
A instituição, no entanto, administrará fundos de investimentos formados pelos sócios que não seguirão essa mesma proporção de capital. Esses recursos não farão parte do capital do banco e, portanto, não influenciarão o poder de voto de cada país. Mas, como admite um ministro brasileiro, a China é o parceiro que tem mais dinheiro à disposição e já anunciou que colocará recursos nesses fundos, ampliando, portanto, seu poder de influência de fato, se não de direito. O primeiro a ser formado financiará projetos de infraestrutura, embora ainda não haja valor definido do instrumento.
Para que faça seu primeiro empréstimo, o acordo que cria o banco dos Brics, especializado em infraestrutura, terá de ser aprovado pelos cinco países. No caso brasileiro, isso significa ser votado na Câmara dos Deputados e no Senado. Depois disso, os países terão até sete anos para cumprirem o cronograma de capitalização.
A estrutura de controle do banco já havia sido praticamente fechada pelos negociadores antes da cúpula. Além da presidência com mandato de cinco anos, sem direito a recondução, e rotativa entre os cinco sócios, o ministro Mantega explicou que mesmo se houver a entrada de novos parceiros, os Brics terão sempre 55% do capital.
Os presidentes também assinaram o acordo que permite aos países disponibilizar até US$ 100 bilhões de suas reservas internacionais para ajudarem-se mutuamente em casos de crise de balanços de pagamentos. Cada país terá um limite máximo de recursos que poderá pedir aos sócios. No caso brasileiro, o país disponibilizará US$ 18 bilhões e poderá sacar até uma vez e meia esse valor. A ideia, no entanto, é que apenas uma parcela entre 20% e 30% desses valores seja liberada como empréstimo de curto prazo. Para ter acesso ao restante do dinheiro, qualquer um dos países terá que ter um acordo de ajuste de suas contas com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Instituição é mais uma mensagem política que necessidade econômica
Por Vanessa Jurgenfeld | De São Paulo
O professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Medeiros, estudioso dos padrões de desenvolvimento e da inserção internacional de alguns países, como a China, avalia a criação do banco de desenvolvimento dos Brics, o NDB (New Development Bank), como muito mais uma mensagem política do que uma necessidade neste momento para prover recursos aos países do bloco para investimentos.
Medeiros não acredita que a criação do banco de desenvolvimento e as declarações da China sobre querer ampliar o comércio bilateral em moedas locais possam enfraquecer o poder americano no mundo, assentado em poder militar, moeda e tecnologia. Diz, porém que isso cria uma agenda e um mapa de interesses.
Leia a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Medeiros ao Valor:
Valor: Como o sr. avalia a ideia de criação de um banco dos Brics?
Carlos Medeiros: Evidentemente que mais um banco de desenvolvimento sempre pode ser algo importante. Mas veja que a ideia de criar um banco de desenvolvimento tinha, em muitos casos, em alguns países, a intenção de ser uma alternativa ao próprio Banco Mundial, que é cheio de condicionalidades, pela percepção de que os países em desenvolvimento têm dificuldades de financiar suas necessidades de infraestrutura. Em tese, o banco contribui para a autonomia financeira dos países, mas ao contrário de outras iniciativas de âmbito regional, todos os países do bloco possuem importantes bancos de desenvolvimento e não necessitam recorrer de forma sistemática ao Banco Mundial. A China não precisaria, do ponto de vista de necessidade de financiamento, de um banco externo para fazer seus investimentos. A Índia também não. O Brasil tem o BNDES. A África do Sul também tem um banco de desenvolvimento. É possível que ele possua maior importância para apoiar investimentos externos entre estes países. Pode ser um reforço a financiamentos em outras áreas que não contam com recursos de bancos de desenvolvimento.
Valor: Como o Sr. analisa o uso de moedas locais no comércio dentro do bloco? Seria uma forma de reduzir a dependência do dólar e enfraquecer a hegemonia americana?
Medeiros: A importância das moedas locais é proporcional ao comércio bilateral que, no caso, é bastante assimétrico e centrado na China com os demais. Não vejo como possa reduzir a dependência do dólar a menos que o yuan fosse uma moeda reserva mundial. Entretanto, criar um fundo de estabilização, tal como o criado entre os países da Asean após a crise de 1997, é positivo. Arranjos e acordos entre esses países são politicamente importantes em si porque criam uma agenda e um mapa de interesses, mas não enfraquecem por isso o poder americano, assentado no seu poder militar, na sua moeda e na sua tecnologia.
Valor: Não está sendo criada uma alternativa ao dólar?
Medeiros: O problema de se buscar uma fonte alternativa de moeda é que normalmente a gente fica associando essa ideia como se ela fosse de fato alternativa ao dólar. Não me parece alternativa ao dólar coisa alguma, mas uma iniciativa para facilitar a troca entre países nas relações bilaterais. Você cria um sistema que você se amarra um pouco a uma posição numa moeda que não é uma moeda internacional em geral. É apenas uma moeda específica de utilização em um fluxo comercial específico. Você não criou o yuan nem como moeda internacional na Ásia muito menos no mundo. Estamos muito longe de pensar um mundo como esse. Agora, claro, você coloca aí a Argentina e o Brasil como grandes parceiros comerciais da China, é claro que algumas compras podem ser casadas e automaticamente debitadas no sistema de relações. São coisas que facilitam, mas não são alternativas a uma moeda internacional, a menos que um dia o yuan se transforme em uma moeda internacional plenamente conversível. Acho que são temas muito explorados pelo seu significado, mas do ponto de vista concreto, no curto prazo, não tem relevância maior.
Valor: Pode ter caráter simbólico, de criar uma institucionalidade que pode vir no futuro a reconfigurar o sistema monetário internacional?
Medeiros: Claro. Mas o que existe no bloco são as relações da China com os demais, porque dos países fora a China as relações [quase] não existem. As relações do Brasil com a África do Sul são pífias. As relações do Brasil com a Índia também. As relações do Brasil com a Rússia são muito pequenas. Índia com África do Sul um pouco mais, mas o que tem é a China. Na verdade, os Brics não são um bloco. Isso é uma construção muito mais política. Isso não é uma área comercial em expansão. É uma percepção sobre países que na última década puderam encontrar algum caminho para crescer. São países de grande mercado interno e que têm importância política e econômica nas suas respectivas regiões e cujas relações comerciais começaram a crescer, mas assimetricamente, sobretudo da China com os demais.
Valor: Essas iniciativas podem muito mais ser fortalecimento geopolítico da China do que do bloco?
Medeiros: Sim. E os EUA podem ver isso como uma iniciativa da China. E pode existir uma reação.
Valor: É importante um Arranjo Contingente de Reservas para socorro em momentos de crise?
Medeiros: É interessante. Mas entre os países dos Brics talvez o que tenha uma posição menos sólida é a África do Sul. No curto prazo, é muito mais uma mensagem política. Passa a ideia de que para nós aqui [no Brics] o FMI não tem mais a grande influência que tinha, do ponto de vista de recorrer a ele, e menos ainda terá no futuro porque estamos construindo um reforço. Talvez, tanto uma iniciativa [criação do banco] como a outra [arranjo] possua uma importância mais política do que de resolver problemas associados ao bloco. Hoje os Brics contam com reservas externas elevadas e nenhum país está sob a ameaça de crise de balanço de pagamentos.

Empresas poderão obter crédito em moeda local
De Fortaleza
Após se reunir com seus pares no grupo dos Brics, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, anunciou que as instituições de fomento de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul vão disponibilizar linhas de crédito em moeda local para investimentos intra-bloco.
Na prática, os bancos de desenvolvimento concordam em financiar mutuamente as empresas de seus países. Cada um deles fixará limites máximos de crédito que poderão ser liberados para projetos tocados por empresas dos Brics. É como se a empresa brasileira, em vez de contar com crédito do BNDES para uma operação na Rússia, pudesse buscar financiamento direto em rublos no banco de desenvolvimento daquele país.
Na avaliação de Coutinho, a ferramenta poderá incentivar a internacionalização das empresas do Brics que investem dentro do bloco. "Para investimento direto isso é importante porque uma empresa que está investindo ali terá suas receitas em moeda local", disse. "A abertura de linha de crédito em moeda local facilita a internacionalização cruzada", ele explicou."
Coutinho ressaltou, no entanto, que as linhas serão oferecidas dentro dos limites das instituições e que, no caso do BNDES, o funding para as operações poderá vir de fora e não vai concorrer com as fontes locais de recursos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o próprio Tesouro.
"O BNDES pode fazer captações externas. Para esse tipo de operação de fora do país temos a opção de captar recursos no mercado internacional, já fizemos isso de forma bem sucedida", disse ele.
Os presidentes das agências de crédito à exportação também assinaram um acordo para facilitar a concessão de garantias no comércio entre os países. A intenção é que no futuro, uma exportação feita por empresas de dois sócios possa ser dividida entre as agências de países diferentes.

Bloco evita retórica de contraposição aos países ricos
De Fortaleza
Apesar dos apelos do presidente russo Vladimir Putin, a retórica aberta de contraposição aos países ricos e, mais explicitamente, aos Estados Unidos foi claramente evitada no documento final da cúpula dos Brics, em Fortaleza.
Em entrevista à agência estatal russa Itar-Tass, Putin instou os Brics a "pensar em um sistema de medidas que evitem o assédio a países que não concordem com algumas decisões de política externa dos EUA e de seus aliados". Mas os discursos feitos pelos presidentes de Brasil, Índia, China e África do Sul ontem durante a reunião não tiveram esse tom. Até mesmo a fala de Putin foi amena nesse sentido.
Se houve avanços na pauta econômica com a criação do banco e o acordo para compartilhamento de reservas internacionais, a declaração final dos líderes dos cinco países não mudou as posições políticas já conhecidas dos sócios sobre temas polêmicos como a crise na Ucrânia e a guerra civil na Síria ou a insatisfação já expressa com a falta de reformas no Fundo Monetário Internacional (FMI).
"O banco dos Brics e o arranjo contingente de reservas não são contra ninguém. São a nosso favor. O banco vem trazer para a constatação de que o mundo é multilateral", disse a presidente Dilma Rousseff quando perguntada sobre a demora no aumento do poder de voto dos países emergentes no FMI e se o banco criado pelos cinco países é uma resposta a essa situação.
"O banco Brics será uma das maiores agências financeiras do mundo e será na base para grandes mudanças macroeconômicas", disse o presidente Russo, Vladimir Putin. O presidente da África do Sul, citou a nova instituição multilateral dos países como "a criação de uma nova iniciativa financeira pela primeira vez desde Bretton Woods".
O esforço para acomodar todas as demandas dos parceiros, exigiu uma declaração oficial com 72 parágrafos onde muitas das referências "tomam nota", "reiteram" ou "reconhecem" temas da pauta atual.
Os Brics, por exemplo, mantiveram a postura de não condenar as ações da Rússia na anexação da Crimeia. A respeito da crise na Ucrânia, os líderes falaram em "profunda preocupação", pediram diálogo e moderação de todos os envolvidos "com vistas a buscar encontrar uma solução pacífica".
Sobre o conflito na Síria, Putin citou a atuação de Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU como uma mostra de como a ação conjunta dos Brics "evitou intervenção estrangeira" no país.
"Reiteramos nossa visão de que não há solução militar para o conflito e destacamos a necessidade de evitar a sua maior militarização", disse a declaração oficial.
Num recado velado aos EUA e União Europeia, os Brics, no entanto, condenaram intervenções militares unilaterais e sanções econômicas em violação ao direito internação. Esse último ponto parece conter também uma crítica implícita às sanções aplicadas à Rússia após a anexação da Crimeia.
Os Brics disseram estar "desapontados e seriamente preocupados" com o atraso nas reformas do FMI. "Precisamos trabalhar para melhoria da governança econômica e aumentar a voz dos países em desenvolvimento", afirmou o presidente chinês, Xi Jinping. Dilma mencionou o peso econômico dos Brics na economia mundial e afirmou que essa participação não corresponde à representatividade do grupo no FMI e Banco Mundial. "Temos 21% [do PIB mundial], mas a participação no FMI é de 11%", criticou a presidente.
Apesar de a declaração oficial indicar que os países do Brics vão ratificar os acordos fechados para retomada da abertura comercial na Organização Mundial do Comércio (OMC), o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, insistiu que é preciso incorporar a esses acordos a necessidade de proteger a agricultura familiar de subsistência. No início da semana, o país havia ameaçado vetar a continuação das negociações comerciais da OMC. "Deve-se abrir um regime de comércio aberto para o desenvolvimento sustentável. Isso deve comportar aspirações dos países em desenvolvimento e necessidades especiais, como a segurança alimentar", afirmou Modi.
Assuntos como a mudança no Conselho de Segurança da ONU, onde o Brasil busca um assento definitivo, foram mencionados pelos líderes, mas o país não obteve apoio explícito da Rússia ou China, que estão entre os países com poder de veto na organização.

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