Porque nao se deve aceitar a desonestidade intelectual de votantes esclarecidos - Marcelo Viveiros de Moura
28/10/2014
Blog Prosa e Política
Um texto de Marcelo Viveiros de Moura
Prezados,
Eu relutei muito em escrever isso, por várias razões. Em primeiro
lugar, porque tenho amigos que são petistas ferrenhos. Pessoas que
estudaram comigo, amigos mais recentes, pessoas de quem gosto e que
admiro e que já manifestaram o voto “esclarecido” em Dilma.
Em segundo lugar, porque sei que vou atrair para mim uma saraivada
de comentários preconceituosos e de discussões acaloradas, muitas vezes
irracionais. Entretanto, acho que estamos em um momento crucial para o
país e não podemos nos furtar a nos manifestar (enquanto podemos fazê-lo
livremente…).
Vou começar dizendo que respeito – e muito! – o voto que chamo de
“não esclarecido” em Dilma. É o voto típico do cidadão que no máximo tem
o ensino fundamental e é habitante das cidades com menos de 50.000
habitantes, em especial do Nordeste, onde Dilma tem maioria absoluta.
Esse cidadão é beneficiário dos programas sociais do Governo e vota com
medo de perder esses programas, como martelado pela propaganda petista.
Esse cidadão não entende que independência do Banco Central não vai
tirar comida da mesa dele. Esse cidadão acredita que o PSDB vai cortar
os programas sociais, vai discriminar pobres, negros e nordestinos e vai
piorar a vida dele. Esse cidadão não entende o que é o “mensalão” e o
“petrolão” e acha que todo governo é mesmo corrupto. Enfim, esse cidadão
acredita que a Marina é vendida aos banqueiros, que o Aécio é um
“filhinho de papai” que bate em mulher, que a Dilma é uma gerente
eficiente e tudo o mais que o João Santana lhe impinge todos os dias, em
programas de televisão caríssimos.
Entretanto eu não respeito – sinto, não respeito, mas acato por amor
à democracia – o voto na Dilma do cidadão urbano, das cidades com mais
de 500.000 habitantes e nível de escolaridade superior. Os argumentos
são muitos.
Em primeiro lugar, desonestidade intelectual. Qualquer um que
colabore com essa campanha sórdida que o PT está fazendo de
desconstrução dos adversários e de mentiras deslavadas sobre tudo e
sobre todos é intelectualmente desonesto.
Eu fico realmente incomodado quando vejo pessoas inteligentes e
supostamente esclarecidas tentando defender que o petrolão é a mesma
coisa que o aeroporto (vai, faz por pista de pouso!) de Cláudio, que é
necessário um “marco regulatório” para a imprensa, que é dominada pela
“direita”, que a economia está ruim por conta da crise mundial, que o
voto em Dilma é “progressista” e que o voto em Aécio é “conservador” ou
“reacionário”.
O “mensalão”, como agora o “petrolão”, têm uma importância crucial
neste país. Obviamente, não é a corrupção “comum”, para fazer mais rico o
Paulinho, amigo do Lula e convidado do casamento da filha da Dilma. Não
é uma empresa comprando a fábrica de videogames do filho do Lula por
vários milhões,para depois deixá-la falir. Não, o objetivo dos desvios
em uma companhia aberta de economia mista, em que recentemente os
trabalhadores foram chamados a investir com o saldo dos seus FGTS é um
só: fazer caixa para o partido e para as campanhas eleitorais e
corromper parlamentares e governadores (inclusive, aparentemente, do
PSDB) para que ajam como o governo quer. Isso é muito, mas muito mais
grave do que o Paulinho ficar rico às nossas custas! Isso é um projeto
de tomada e manutenção do poder por um grupo e só não vê quem não quer!
Isso é corroer as instituições do país para manutenção de um grupo no
poder. Só isso, por si só, seria motivo para a Dilma não ter nenhum voto
“esclarecido” e para a população, desta vez com muito mais razão, ir às
ruas protestar.
Um partido que teve sua cúpula julgada e condenada pela mais alta
corte do país e que, logo depois se vê envolvido em outro escândalo de
ainda maior monta, agora de desvio de recursos da maior empresa do país
para o mesmo fim não poderia receber um voto “esclarecido” sequer! A
menos que sejam daqueles que coadunam da idéia de que os meios
justificam os fins e que vale tudo para chegar ao nirvana da esquerda
(que coisa mais antiga isso, de direita e esquerda…).
A pista de pouso (sim, porque chamar de aeroporto é até engraçado)
de Cláudio chega a ser pueril neste contexto. Pode-se discutir se
Cláudio comporta ou não uma pista de pouso de R$ 18 milhões e se o Aécio
se beneficia ao pousar lá quando vai para a fazenda da família. Talvez
não devesse mesmo ter sido construída.
Mas só o Paulinho está devolvendo aos cofres públicos R$ 70 milhões, meu
Deus! Isso para não falar dos bilhões que foram parar (segundo o
Paulinho) nos cofres do partido. Comparar uma coisa com a outra é
desonestidade intelectual.
Quem elegeu o Paulinho? O acionista controlador, leia-se, a União.
Quem era o Presidente do Conselho de Administração na gestão do
Paulinho? A atual Presidente da República. Qual é uma das funções do
Conselho de Administração? Fiscalizar a gestão dos diretores. Como o
Paulinho foi demitido? Ele renunciou e recebeu do acionista controlador
agradecimentos penhorados pelos “relevantes serviços prestados”. Cadê a
nossa “gerenta”? Ela não sabia? Nunca ficou sabendo que o Paulinho dava
dinheiro para o partido dela e para a campanha dela e para comprar apoio
para ela? Alguém acredita nisso? Alguém acredita que foi ela que
“mandou investigar”? Alguém acha que as combinações de perguntas e
respostas na CPI da Petrobrás não é um ataque às nossas instituições e
que a “gerentona”, de novo, não sabia que um funcionário do Planalto
participou disso?
Agora, se querem comparar o aeródromo de Cláudio com alguma coisa,
quer uma comparação que faz sentido? O financiamento à construção do
aeroporto de Havana, do metrô de Caracas ou do porto de Mariel. Porque
cargas d’água um país que tem o déficit de infra-estrutura que nós temos
está financiando a construção de infra-estrutura em outros países? Ah, é
para a exportação de serviços das empreiteiras brasileiras e criação de
empregos no Brasil, diz a Dilma, são elas que estão sendo financiadas,
não o Governo dos países “amigos” (amigos de quem, cara pálida?).
Mas é isso mesmo? Quem é o cliente das empreiteiras? Se a
empreiteira recebe o dinheiro do BNDES para construir a infra-estrutura,
quem paga o BNDES? Ah, o cliente. Quem é o cliente? Ah, os governos
desses países. Alguém acha mesmo que a pujante economia caribenha vai
devolver US$ 2 bilhões aos cofres do BNDES? Ou vai-se fazer a mesma
coisa que se fez com as ditaduras africanas, ou seja, perdoar a dívida?
Ah, mas e o aeroporto de Cláudio? Faça-me o favor, respeite o meu
intelecto: prefiro que se faça aeroporto em Cláudio, que é no Brasil do
que em Havana, que é em um país estrangeiro. Cláudio fica no Brasil, em
Minas Gerais e só vai servir a brasileiros (nem que sejam os da família
Tolentino). O aeroporto de Havana só vai servir aos cubanos (aliás, nem a
eles, pois eles não podem muito usar o avião).
O marco regulatório para a imprensa é outro assunto interessante. A
ideia, diz-se, é cumprir a Constituição de 1988, que proíbe monopólios e
oligopólios no setor. Para tanto, é necessário um marco regulatório.
Ué, mas existe oligopólio ou monopólio no setor? Onde? Antes de
responder, sugiro que leiam com cuidado a definição de oligopólio e
monopólio. E se, ainda assim, quiserem considerar que temos um, ou
outro, não existe um sistema de defesa da concorrência criado em 1994
exatamente para combater monopólios e oligopólios? Para que serve o
CADE?
Ah, então, qual é mesmo o objetivo do marco regulatório? É óbvio que
é um só: controlar conteúdo, para que o Bonner e a Miriam Leitão, nas
palavras do nosso guia, não falem mal da Dilma na televisão.
A imprensa no Brasil é tão golpista e vendida para a chamada
“direita” que aquele sujeito presidente do MTST que defende o aumento da
cobertura de celulares nas periferias entre outras pérolas, virou
colunista da Folha. Ah, mas isso é só para a Folha posar de moderna,
dizem os xiitas do PT, no fundo ela é vendida também. Em outras
palavras, querem sim controlar o conteúdo, que eles reputam controlado
por outros que não eles.
Crise econômica. Vamos combinar que estamos vivendo uma crise
econômica com 7% de inflação (com preços represados) e 0% de
crescimento? Não, não podemos combinar isso, pois a turma do PT entende
que não há crise, pois não há desemprego e que só não crescemos mais
porque a “crise mundial” não deixa. Mas, espera, não é verdade que os
EUA cresceram 4%? E a China cresceu “só” 7%? E que o Brasil só cresce
mais que, surpresa, Venezuela e Argentina na América do Sul? Que crise
mundial é essa?
E quanto ao desemprego? Se a indústria está parada, se o comércio
não vende, se as famílias estão endividadas e há, ainda assim uma
inflação de 7% por quanto tempo o emprego vai se manter? Alguém já viu
manutenção de emprego sem que a economia estivesse rodando?
Ah, mas o governo é desenvolvimentista (outra palavra muito usada,
junto com neoliberal quando se fala nos “tucanos”), vai gastar mais do
dinheiro que não tem no BNDES para gerar emprego. Por mais incrível que
pareça, a Dilma, torturada pela ditadura, segue o modelo que os nossos
generais seguiram e que deu na hiperinflação dos anos 80.
Como pode o governo querer fazer girar toda a roda da economia
sozinho? Vai continuar a escolher nossos “campeões nacionais”, como o
Eike, para investir e dizer que são exemplos de empresários? Vai
continuar a gerar emprego exportando dinheiro que não temos para
construir infra-estrutura em países periféricos?
Eu gostaria muito que alguém citasse um modelo de país que estamos
seguindo. É a Venezuela, Argentina, China, Cuba, Angola, Russia, em que
país nos espelhamos no nosso desenvolvimentismo? Que país deu certo com
essa receita macroeconômica? Em que condições? O modelo
desenvolvimentista é dos anos 50, foi testado no Brasil nos anos 70 e
foi um fracasso. No momento, o modelo “desenvolvimentista” conseguiu
desenvolver o PIB em 0% e aumentar a inflação para 7%. Sinto, mas o nome
disso não é desenvolvimento é estagflação…
O voto em Aécio é “conservador” e “reacionário”. Espera aí! Quem
está no governo há doze anos e quer se manter? Conservador é votar no
que está aí, é conservar o status quo, não? Querer alternância de poder é
ser conservador? Reacionário?
Quem tem o apoio do Collor, do Sarney, do Renan Calheiros? Quem tem o
apoio da Marina, do Eduardo Jorge, da família Campos? Quem representa a
novidade na política?
Mas os PTistas têm o monopólio da bondade e são progressistas. Meus
intelectuais e artistas são melhores do que os seus. O Chico Buarque e o
Gregório Duvivier são modernos e progressistas. O Wagner Moura e o Luis
Eduardo Soares são reacionários. Poupe-me!
Finalmente, essa falácia de que o Aécio é um filhinho de papai
mimado que quer ser Presidente por direito divino. A Dna. Dilma, “enfant
de Sion” não é filhinha de papai, porque ela pegou em armas na
juventude contra a ditadura e foi torturada (a Miriam Leitão também, mas
ela não conta porque segundo o grande guia fala mal da Dilma). O que
mais a Dilma fez mesmo?
Que outro cargo, que não fosse indicado por alguém, ela exerceu? Que
importância ou protagonismo ela teve até ser chefe da casa civil do
Lula e ser alçada reconhecidamente como um “poste” para presidir o
Brasil?
O Aécio, jovem, já fazia política no movimento Diretas Já, ao lado
do avô que, sim, foi um dos melhores políticos que esse país produziu. O
Aécio foi Governador de Minas entre 2003 e 2010, foi Deputado Federal
por quatro mandatos, foi Presidente da Câmara dos Deputados e Senador da
República, com a maior votação do Estado. Saiu do Governo de Minas com
aprovação de 90% da população. Esse é o CV de um “filhinho de papai”? É
esse sujeito que o PT demoniza em público, como se fosse um playboy
desmiolado? Não há aí preconceito de classe? Só existe preconceito do
rico com o pobre no Brasil, não existe preconceito contra o rico neste
país?
Por tudo isso, por todo esse discurso falso e ideológico, cujo único
objetivo é o poder pelo poder, que eu não respeito o voto “esclarecido”
no PT, embora o aceite porque é assim que funciona a democracia e como
dizia Churchill, a democracia é o pior regime que existe, exceto por
todos os outros (embora eu não ache que a turma do PT vá concordar com
essa frase também).
Enfim, desculpem o longo desabafo, mas não quis me furtar a declarar
o que eu penso de tudo isso que estamos lendo diariamente nas redes
sociais.
Marcelo Viveiros de Moura
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