Tenho o livro resenhado em sua versão original: One of the Forgotten Things...
GETÚLIO VARGAS
Série A Era Vargas
As marcas, para não dizer chagas, deixadas pelo longo período ditatorial de Vargas ainda não cicatrizaram
A
imagem que surge de Uma das Coisas Esquecidas é de fato assustadora. A
perseguição implacável do regime de Vargas a seus opositores (reais e
imaginários), cujos métodos envolviam fartamente o emprego da tortura,
violência, deportação e assassinato, foi apenas uma das facetas, talvez a
mais conhecida, desse período. Mas outros traços marcantes foram o da
corrupção e da impunidade sem precedentes, cujos efeitos certamente
refletem-se até os dias de hoje nos usos e costumes políticos
brasileiros. É emblemático o caso de Bejo Vargas, irmão de Getúlio,
personagem violento, que se envolveu em inúmeros homicídios, sem jamais
responder a um único inquérito policial. E, em ao menos uma ocasião,
causou uma grave crise com a Argentina, quando ele invadiu em 1933 uma
cidade do País vizinho, Santo Tomé, com um bando de jagunços, onde
executou guardas e saqueou casas e estabelecimentos comerciais.
Resultado: o Brasil teve que pagar uma pesadíssima indenização à
Argentina, de mais de 5 milhões de dólares. Bejo, entretanto, saiu do
episódio sem ser incomodado.
Uma
das principais qualidades de Uma das Coisas Esquecidas, encontra-se no
fato de seu autor ter tido acesso aos arquivos do antigo DOPS
(Departamento de Ordem Política e Social) – pela primeira vez abertos a
um pesquisador civil – para documentar com riqueza de detalhes os
inúmeros episódios descritos. Destacam-se, nesse aspectos as notas ao
final do livro, que fazem referências a todos os documentos originais
pesquisados por R.S. Rose, totalizando mais de 70 páginas, que podem ser
de grande interesse para o leitor interessado em maiores detalhes.
Outra característica da obra é a franqueza com que trata personagens
históricos (sempre com base documental), não furtando-se a avaliações
que possam parecer inclementes. Por exemplo, ao analisar as relações do
Estado Novo com a questão judaica, ele afirma: Uma das falsidades do
período do pós-guerra é de que Oswaldo Aranha ajudou os judeus em 1947,
ao instar com as Nações Unidas a que criassem a nação de Israel. O mais
exato seria dizer que Aranha era um oportunista, como Vargas, pronto a
mudar de posição e a seguir com a corrente. Mais para trás, em 1937, …
Aranha mandou uma circular para as embaixadas e os consulados
brasileiros descrevendo a maneira de detectar judeus pelas
características físicas deles.
Na
verdade a Era Vargas estava exigindo um estudo mais aprofundado, e que
desse uma estrutura orgânica a muitas das informações antes dispersas,
ou mesmo insuficientemente documentadas. Esse foi o período do primeiro
grande agigantamento do Estado brasileiro, em todos os seus aspectos. E
não foi mera coincidência que o crescimento desmesurado do controle
econômico e social tenha sido acompanhado pelo terrorismo de estado,
corrupção e impunidade. As marcas (para não dizer chagas) deixadas pelo
longo período ditatorial de Vargas ainda não cicatrizaram. Além do culto
à personalidade do próprio Vargas, várias de suas políticas econômicas
equivocadas continuam sendo defendidas por membros da elite brasileira,
que ainda não conseguiram perceber a relação que existe entre opressão
econômica e violência política. Ou a relação entre controle estatal da
economia e corrupção. Ou a relação entre benesses econômicas
patrocinadas pelo governo e impunidade. O autor de Uma das Coisas
Esquecidas não entra na análise dessas relações, mas certamente prestou
um inestimável serviço para a compreensão da verdadeira dimensão
política, sociológica e criminológica da Era Vargas.
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