sábado, 29 de abril de 2017

Coreia do Norte: os Kim, do regime mais surrealista possivel - Jose Carlos Fernandes

Meu amigo Mauricio David me envia um interessante artigo do jornalista português José Carlos Fernandes sobre a enigmática dinastia Kim que impera na Coréia do Norte... 
Paulo Roberto de Almeida
 
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A Dinastia Kim: fatos, propaganda e rumores

Os Kim governam a Coreia do Norte desde o fim da última guerra mundial e parecem crer que sobreviverão à próxima. Folhear o álbum de família ajuda a compreender o enigmático regime de Pyongyang. 
Nem sempre é fácil separar fatos de propaganda, mas quando esta atinge proporções maciças, os líderes são elevados a um estatuto semi-divino e o país vive sob um regime totalitário, fechado e paranóico há mais de 70 anos, torna-se numa tarefa quase impossível. Isto é inevitável no que respeita ao princípio da vida de Kim Il-sung, pois as pessoas que o teriam conhecido pessoalmente durante a juventude já desapareceram, mas também é válido para muitos aspectos da vida dos seus netos.
Seja como for, é possível ir cruzando a informação, nem sempre fidedigna, que é transmitida por dissidentes que fogem da Coreia do Norte ou estrangeiros com informação privilegiada sobre os bastidores do regime – como Kenji Fujimoto, que alega ter sido sushiman pessoal de Kim Jong-Il – e tentar perceber que parte da propaganda oficial é real e qual é fantasia.
Quando a tensão entre o regime de Kim Jong-un e os EUA, a Coreia do Sul e a comunidade internacional atinge um dos pontos mais altos de sempre ( “A ameaça é real? Até onde irá o conflito na Coreia?“), vale a pena recuar até ao início do século XX.

Kim Hyong-jik (1894-1926)

Pai de Kim Il-Sung e bisavô do atual líder, Kim Jong-un. Natural da aldeia de Mungyungbong, casou-se com Kang Pan-sok (1892-1932) em 1899, quando tinha apenas 15 anos: Kim Il-sung, o primeiro filho, nasceria em 1912; o segundo filho, Kim Yong-jun nasceria oito anos depois. Kim Hyong-jik e Kang Pan-sok eram cristãos protestantes (presbiterianos), culto que florescera na Coreia após um tratado firmado com os EUA em 1882, e Kim Hyong-jik, embora tenha nascido numa família de camponeses, foi educado numa escola de missionários americanos e chegou a trabalhar ele próprio durante algum tempo como missionário. Uma vez que o regime coreano é de natureza ateísta, Kim Il-sung tentou, posteriormente, minimizar a devoção religiosa dos pais, alegando que esta era meramente utilitária e superficial.
A Kim Hyong-jik e Kang Pan-sok a propaganda oficial atribui o papel de líderes independentistas, com atos de bravura contra o ocupante japonês – o reino da Coreia fora transformado num protetorado do Japão em 1905 e fora anexado em 1910.
A família mudou-se para a Manchúria quando Kim Il-sung tinha sete anos, o que a propaganda explica pela necessidade de fugir à repressão japonesa, mas que teve provavelmente por objetivo encontrar melhores condições de vida.
Após estudo de alguns livros sobre medicina tradicional, Kim Hyong-jik dedicou-se à ervanária e fez disso a sua principal fonte de rendimento, mas, a dar crédito a Kim Il-sung, a família nunca teve vida desafogada: a dieta estava limitada aos produtos mais elementares e baratos e o espectro da fome nunca andou longe.

Kim Il-sung (1912-1994)

Kim Il-sung é um “nome de guerra” – o nome de batismo foi Kim Song-ju. Após quatro anos na Manchúria com os pais, o jovem Kim foi enviado, aos 11 anos, de volta para a Coreia, para viver com os avós maternos e frequentar uma escola coreana (mas onde o ocupante impunha o ensino em língua japonesa). Regressou à Manchúria passados dois anos e, revelando extraordinária precocidade, aos 14 anos terá, alegadamente, fundado a União Abaixo o Imperialismo, com o propósito de combater o ocupante japonês e promover o marxismo-leninismo. Do que não há dúvida é do seu envolvimento com ativistas independentistas de pendor marxista, o que o levou a ser preso pela polícia chinesa em 1929. Ele os seus camaradas foram libertados em 1930 após uma greve de fome, mas Kim Il-sung já não regressaria à escola: a carreira que pretendia abraçar era a de revolucionário. Aderiu ao Partido Comunista Chinês e, pouco depois, o imperialismo japonês estendeu-se à Manchúria, que foi convertida num estado-fantoche designado Manchukuo, contra o qual Kim começou a desenvolver acções de guerrilha, integrado no Exército Unido Anti-Japonês do Noroeste.
Kim – que entretanto adoptara em 1935 o nome pelo qual é conhecido – foi lutando contra o ocupante japonês e subindo na hierarquia do exército guerrilheiro, em parte por mérito próprio e em parte como resultado da morte dos outros líderes.
Quando, em 1940, era perseguido pelas forças japonesas, atravessou o Rio Amur para o lado soviético. Foi levado para a cidade de Vyatskoye, onde os soviéticos treinavam a guerrilha coreana e incorporado no Exército Vermelho, onde lhe foi atribuído o comando de um batalhão formado por exilados coreanos e chineses e a patente de major.
Entretanto, conhecera, em 1937, a sua primeira esposa, Kim Jong-suk, que, conta-se na biografia oficial, terá salvado a vida do futuro Querido Líder numa emboscada japonesa. Casaram-se em 1941 e, pela mesma altura, nasceu Kim Jong-Il, embora a biografia oficial pretenda que este viu a luz do dia numa base secreta no Monte Paektu, na Coreia, em 1942. Compreende-se a necessidade de apimentar a vida dos Kim nesta fase em que viveram em passividade e segurança do lado de lá da fronteira durante cinco anos (ao contrário do que seria previsível, a URSS e o Japão limitaram-se a vigiar-se mutuamente), enquanto a II Guerra Mundial devastava boa parte do mundo e outros independentistas arriscavam as suas vidas na Coreia, lutando contra o ocupante.
Só a 8 de Agosto de 1945, três meses após o colapso do III Reich e dois dias depois do ataque nuclear contra Hiroshima é que a URSS se decidiu a declarar guerra a um Japão que estava praticamente de rastos, com o fito de obter ganhos territoriais e dilatar a sua esfera de influência. As tropas soviéticas derrotaram as forças japoneses na Manchúria e Coreia com grande facilidade, entraram em Pyongyang a 24 de Agosto e detiveram-se no paralelo 38, ficando a ocupação da parte sul do país a cargo dos americanos.
Kim Il-sung desembarcou a 19 de Setembro de 1945, na Coreia sem ter intervindo na sua libertação e, pior do que isso, nem sequer falando correctamente a língua do país em que não punha os pés há mais de 20 anos. Tal não impediu que os soviéticos lhe atribuíssem o cargo de secretário-geral do ramo norte do Partido Comunista Coreano. Kim deixou de se apresentar como nacionalista fervoroso a passou a ser um “patriota socialista”, refletindo a sua subalternidade em relação aos soviéticos. Foi necessário algum esforço de propaganda para impor Kim Il-sung, que, além de ser jovem, aparentava ser mais novo do que era e ficara a meio do ensino secundário (duas desvantagens de monta numa sociedade que associava idade a sabedoria e que, na tradição confucionista, prezava a educação formal) e parecia ser uma marioneta dos soviéticos. Pode ver-se nesta campanha o embrião daquilo que viria a ser o desmesurado culto da personalidade em torno de Kim Il-sung.
O outro candidato que os soviéticos consideraram para liderar os destinos da Coreia era o independentista Cho Man-sik, mas este revelou possuir pensamento autônomo e não parecia disposto a aceitar que ao jugo japonês se seguisse o jugo soviético. Foi assim que, no início de 1946, Kim foi colocado à frente do governo provisório e, com a proclamação, a 9 de Setembro de 1948, da República Popular Democrática da Coreia do Norte, assumiu definitivamente os destinos do país – só a morte o faria deixar o cargo, 46 anos depois.
A partir de 1949 Kim começou a assediar Stalin para que este o autorizasse a invadir a Coreia do Sul. O líder soviético começou por considerar a conjuntura desfavorável (ainda havia forças americanas na Coreia do Sul e Mao Tse Tung ainda não consolidara o seu poder na China) e recusou, mas o contexto evoluiu favoravelmente e Kim foi manobrando até que conseguiu que a URSS e a República Popular da China lhe dessem aval ao seu plano para a unificação da península. A invasão começou a 25 de Junho de 1950, mas, após um rápido avanço inicial, os norte-coreanos foram repelidos pela força conjunta da Coreia do Sul, EUA e Nações Unidas, que entraram em Pyongyang a 19 de Outubro. A vida política de Kim poderia ter chegado ao fim, não fosse a China ter respondido aos seus pedidos de socorro. A guerra acabou por durar três anos, causar 2.5 milhões de vítimas civis (1.5 no Norte, um milhão no Sul) e deixar a península devastada – e tudo isto para que, no fim, a fronteira entre as duas Coreias regressasse, com pequenas alterações, ao ponto de partida.
A morte de Stalin, em 1953, e a subida de Khrushchev ao poder arrefeceram as relações entre a Coreia do Norte e a URSS e a governação errática de Mao Tse Tung também causou algum afastamento entre os dois países (embora nunca tenha havido um corte de relações nem com a URSS nem com a república Popular da China). Em compensação, a Coreia do Norte estreitou laços com regimes comunistas da Europa de Leste, sobretudo com a República Democrática Alemã e a Romenia, cujo presidente, Nicolae Ceaușescu, ficou fascinado com o culto da personalidade em torno de Kim Il-sung e tentou emulá-lo no seu país.

Para afirmar a sua independência da URSS e da República Popular da China, em 1965 Kim Il-sung expôs os princípios fundamentais da Juche, um misto de ideologia política, misticismo religioso e nacionalismo, a que já aludira num discurso de 1955. Embora tenha por ponto de partida algumas ideias do marxismo-leninismo, representa a “ideia-mestra da revolução Coreana”, assenta nos princípios da “independência política”, “auto-sustentação económica” e “autonomia na defesa” e promete “uma nova era de desenvolvimento na História da Humanidade” (embora os norte-coreanos esfomeados que se têm visto obrigados a desenterrar e comer raízes tenham provavelmente uma perspectiva pouco entusiástica sobre a “nova era de desenvolvimento”).
Descontando a retórica, a Juche acaba, na prática, por servir para justificar o isolacionismo e repressão do regime e a perpetuação dos Kim no poder: “As massas populares estão no centro de tudo e o líder é o centro das massas”. Todos os anseios e aspirações das massas, bem como a luta de classes, só poderão ser alcançados através de um Grande Líder, um ser semi-divino, de superiores capacidades intelectuais, infalível, incorruptível, benévolo e que age exclusivamente em prol das massas.
 
Não se fiando apenas no poder espiritual da Juche, Kim Il-sung afadigou-se a tentar obter argumentos mais prosaicos e sonantes em que fundamentar a afirmação da Coreia do Norte no concerto das nações e logo em 1963, solicitou ajuda à URSS para o desenvolvimento de armas nucleares; perante a resposta negativa, reendereçou-o à China, que também a recusou. A Coreia do Norte começou então a construir um reator de pesquisa em Yongbyon, mas só foi obtido progresso significativo com a ajuda do Paquistão. Em 1993, o Paquistão terá fornecido informação à Coreia do Norte sobre enriquecimento de urânio, em troca de know-how sobre mísseis balísticos e os desenvolvimentos do programa nuclear coreano levaram os EUA a exercer pressão, que parece ter convencido Kim Il-sung a renunciar ao programa nuclear e a manifestar intenção de aproximar-se do Ocidente.
A 8 de Julho de 1994, a Rádio Pyongyang anunciou, em tom lúgubre. “O Grande Coração parou de bater”. Kim Il-sung sucumbira a um ataque cardíaco, aos 82 anos.

Kim Man-il (1944-47/8)

Segundo filho de Kim Il-sung e Kim Jong-suk, nascido, como o primogénito, em Vyatskoye, na URSS. Terá morrido afogado em Pyongyang, possivelmente na piscina da casa da família, em circunstâncias não esclarecidas.

Kim Jong-Il (1941-2011)

As informações sobre os primeiros anos da sua educação são contraditórias e vagas – a versão oficial afirma que estudou em Pyongyang, outras fontes apontam para a República Popular da China. Em 1960, matriculou-se na Universidade Kim Il-sung de Pyongyang e licenciou-se em política económica marxista.
Ainda antes de terminar os estudos já acompanhava o pai em digressões pelo país, mas só ganhou relevo na política norte-coreana em 1980, ao ser anunciado formalmente como sucessor de Kim Il-sung, e foi consolidando a sua posição através de através da atribuição de cargos e títulos honoríficos e através de cerimónias cada vez mais extravagantes a assinalar o seu aniversário.
Porém, antes, teve de livrar-se do vice-presidente Kim Dong-kyu, que era o segundo na hierarquia do Estado, tinha um passado heróico na luta independentista contra os japoneses (onde perdera um braço) e se opunha a que Kim Jong-Il sucedesse ao pai. Mas Kim Jong-Il terá conseguido convencer o pai, mediante documentos forjados, de que o vice-presidente tivera um comportamento traiçoeiro e, em 1977, este foi destituído e exilado e, posteriormente, internado num “campo de reeducação”, onde morreu de fome em 1984.
Com a morte do pai, em Julho de 1994, Kim Jong-Il herdou boa parte dos cargos em este que ainda estava investido, nomeadamente o de Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores Coreanos, e prosseguiu a política de centralização e micro-gestão a que já dera início quando o pai ainda estava no poder. Mas, talvez por ainda não sentir o seu poder completamente consolidado, foi fazendo concessões à comunidade internacional quanto ao programa nuclear, que em acordos de Outubro de 1994 e Junho de 1995, se comprometeu a suspender.

A verdade é que em meados da década de 1990, Kim Jong-Il estava também crescentemente dependente da ajuda alimentar externa, pois o país atravessava uma grave crise económica, em resultado de décadas de gestão inepta, de técnicas agrícolas inadequadas, de uma alocação desproporcionada de recursos às Forças Armadas e do crescimento demográfico, resultando em fome generalizada, cortes de energia e proliferação do mercado negro. Em finais da década, Kim Jong-Il implementou uma política de aproximação à Coreia do Sul, que resultou na criação, em 2003, do parque industrial de Kaesong, na zona desmilitarizada entre as duas Coreias.
No domínio do programa nuclear, a atitude cumpridora da década de 1990 deu lugar a uma política ambígua e errática, com anúncios de suspensão do programa a alternarem com bravatas e a ameaças, mas evoluindo, na prática, para a criação de um arsenal nuclear. Em 2003, o país retirou-se do Tratado de Proliferação Nuclear, em 2005 reconheceu a posse de armas nucleares e desde então já conduziu pelo menos cinco testes nucleares subterrâneos e tem vindo a ensaiar mísseis capazes de transportar ogivas nucleares, apesar das sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU e das pressões da comunidade internacional.
Em 2008 começaram a multiplicar-se rumores sobre o estado de saúde de Kim Jong-Il, baseados na sua ausência em importantes cerimónias de Estado (nomeadamente a parada militar que assinalou os 60 anos da Coreia do Norte), e começou a especular-se que a atitude mais dura e intransigente da Coreia do Norte no domínio nuclear resultava de Kim Jong-Il já não deter o poder efetivo e de este ter passado para as mãos dos generais. A proliferação de boatos foi tal que a agência noticiosa oficial da Coreia do Norte se sentiu obrigada a divulgar fotografias que, supostamente atestariam que o Grande Líder estava de saúde e visitava quintas e fábricas, mas que foram suficientemente ambíguas para suscitar suspeitas de falsificação e o reacender dos rumores.
Em Abril de 2009, após oito meses sem ser visto em público, Kim Jong-Il surgiu na Assembleia Popular Suprema, ficando por esclarecer quanto haveria de verdadeiro nas notícias sobre os seus problemas de saúde. Fez viagens à China e à Rússia, em 2010 e 2011, e sucumbiu a um ataque cardíaco a 17 de Dezembro de 2011.
A vida amorosa de Kim Jong-Il foi complexa e obscura, até para os padrões do regime norte-coreano, pois sabendo que algumas das mulheres com que se relacionou não mereciam aprovação do pai, Kim Jong-Il fez os possíveis por ocultá-las. Terá tido (pelo menos) três filhos: Kim Jong-nam, nascido em 1971, filho da atriz de cinema Song Hye-rim; Kim Jong-chul, nascido em 1981, filho da bailarina Ko Yong-hui, que nascera no Japão, de pai coreano e mãe japonesa; três anos depois, Ko Yong-hui deu à luz o terceiro filho de Kim Jong-Il, Kim Jong-un.
Esperar-se-ia que fosse o primogénito a ser designado como sucessor de Kim Jong-Il e assim foi até 2001, até que Kim Jong-nam foi detido no aeroporto de Narita, em Tóquio acompanhado de uma mulher e uma por viajar sob nome (chinês) falso e com um passaporte forjado da República Dominicana. Acabou por confessar ser filho de Kim Jong-Il e alegou que apenas pretendia visitar a Disneylândia de Tóquio, com duas mulheres e uma criança de criança de quatro anos (apresentado como seu filho).
As autoridades japonesas deportaram-no para a China e a situação parece ter criado embaraço em Pyongyang e, pouco depois, a propaganda oficial começou a enaltecer Ko Yong-hui como “Mais Fiel e Dedicada Súbdita do Querido Líder Camarada Comandante Supremo”, o que levou a que se suspeitasse que a sucessão tinha sido transferida para o filho do meio, Kim Jong-chul. Porém, consta que Kim Jong-Il achava o filho do meio demasiado efeminado e destituído de iniciativa e que preferia o feroz e turbulento filho mais novo. E, com efeito, a 1 de Julho de 2009, Kim Jong-un foi eleito Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores Coreanos e, após a morte do pai, assumiu a chefia da Coreia do Norte.

Kim Jong-nam (1971-2017)

Kim Jong-nam não teve sorte com aeroportos: perdeu a corrida para a sucessão devido ao incidente do aeroporto de Tóquio e perdeu a vida no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, quando regressava de Macau, a 13 de Fevereiro de 2017. Aparentemente foi borrifado no rosto com um spray contendo gás de nervos VX, no que parece ter sido um homicídio planeado, de forma rocambolesca e trapalhona, pelos serviços secretos da Coreia do Norte, presumivelmente a mando do seu meio-irmão Kim Jong-un. As autoridades norte-coreanas têm insistido que Kim Hong-un sucumbiu a um ataque cardíaco e pressionaram as autoridades malaias para não realizar autópsia, suspender a investigação e libertar os suspeitos.
Se se recuar um pouco na vida de Kim Jong-nam, surgem indícios de que o incidente no aeroporto de Tóquio em 2001 não terá sido a única razão para o seu afastamento da sucessão. Kim Jong-nam tinha um comportamento indisciplinado e inconstante, viajava frequentemente para o estrangeiro (sob pseudónimo), frequentava estabelecimentos de vida noturna, onde terá tido comportamentos desordeiros (há testemunhas que referem que terá começado a disparar tiros para o ar no átrio de um hotel, em 1993, e que terá repetido a proeza num nightclub, no ano seguinte). A família materna de Kim Jong-nam também não ajudava, pois vários dos seus membros fugiram para a Coreia do Sul ou para países ocidentais e seria malvisto que um líder da Coreia do Norte tivesse ligações familiares a traidores.
Um desses fugitivos foi Li Il-nam, primo de Kim Jong-nam, que se escapuliu em 1982, durante uma viagem à Suíça e se estabeleceu em Seul, cidade onde acabaria por ser morto a tiro, por assassinos a soldo da Coreia do Norte, segundo as autoridades sul-coreanas. Há mesmo quem sugira que quem ordenou o assassinato do “renegado” Li Il-nam terá sido o seu primo Kim Jong-nam, que, na altura desempenhava altos cargos nos Ministérios das Forças Armadas e da Segurança de Estado. A ser verdade, a sua eliminação em Kuala Lumpur reveste-se de uma perversa ironia.

Kim Jong-chul (n. 1981)

Filho do meio de Kim Jong-Il e o primeiro dos dois filhos que este teve da sua companheira Ko Yong-hui. Consta que terá estudado em colégios privados na Europa, em França ou na Suíça (fazendo-se passar por filho do embaixador norte-coreano), tal como o irmão mais novo, Kim Jong-un. O seu perfil tem-se mantido discreto e, nos últimos anos, as poucas vezes que foi avistado fora da Coreia do Norte foi em concertos de Eric Clapton, em Singapura e Londres, e terá sido ele a mexer os cordelinhos para que o guitarrista fosse convidado a atuar na Coreia do Norte (a visita não se concretizou), apesar de a posição oficial ser de rejeição do rock ocidental.

Kim Jong-un (n. 1984)

Embora sendo o terceiro na linha sucessória da dinastia Kim, que exclui as mulheres e privilegia os filhos mais velhos, foi reconhecido como sucessor de Kim Jong-Il em 2009 e foram-lhe atribuídos cargos e títulos correspondentes a essa condição. Subiu ao poder após a morte do pai, em Dezembro de 2011.
Alguns analistas previram que, dada a sua juventude e inexperiência política, o tio Jang Song-thaek (n. 1946) poderia desempenhar temporariamente funções de regente.
Jang Song-thaek casara-se no início dos anos 70 com a única filha do Querido Líder, Kim Kyong-hui e foi subindo lenta e custosamente na hierarquia – purgas e outros “contratempos” alternaram com reabilitações – até que, por volta de 2006, chegou a vice-secretário da Comissão Nacional de Defesa e do Partido dos Trabalhadores Coreanos, o que faria dele a figura n.º 2 do Estado, de forma que, quando em 2008 circularam rumores de que Kim Jong-Il estaria gravemente doente, foi aventado que o poder teria passado para as mãos do seu genro.
Mas, a partir de 2011, Kim Jong-un não perdeu tempo a assumir, pelo menos publicamente, as rédeas da governação e a máquina da propaganda oficial passou a referir-se a ele com os ditirambos e hipérboles que caracterizam o culto dos líderes na Coreia do Norte. E em Dezembro de 2013, sem que nada o fizesse prever, ordenou a prisão e execução, por traição, do tio Jang Song-taek, a que se seguiu a supressão de todas as menções à sua existência e o apagamento da sua presença nas fotos, ao bom estilo stalinista. A queda de Jang Song-thaek arrastou outros “traidores” e algumas fontes indicam que a sua família próxima terá sido igualmente eliminada.
Num país em que as companheiras do Líder Supremo têm, usualmente, vivido na sombra, foi inesperado ver, a partir de 2012, Kim Jong-un surgir em público acompanhado pela “esposa e camarada” Ri Soi-ju (n. 1989). Ri Soi-ju destaca-se também pelo uso de roupas de famosos costureiros ocidentais e malas Dior e fontes sul-coreanas sugerem que ela tenha sido uma das muitas cantoras – dantes conhecida como Hyon Song-woi – do Ensemble Electrónico Pochonbo, um grupo de formação flutuante que toca versões pop de canções tradicionais e revolucionárias e tem a aprovação oficial do Estado norte-coreano (sem a qual, aliás, não é possível gravar ou difundir música no país).
A primeira aparição oficial de Ri Soi-ju como Primeira Dama teve lugar num concerto das Moranbong, um grupo concebido para dar resposta ao apetite da juventude norte-coreana por pop moderna e cujos elementos terão sido escolhidos por Kim Jong-un. Segundo a agência noticiosa oficial do país, “Kim Jong-un formou a banda Moranbong de acordo com os imperativos do novo século e de acordo com um grandioso plano para operar uma reviravolta dramática na literatura e nas artes”.
Além da música, Kim Jong-un também nutre forte paixão pelo basquetebol e, em 2014, surgiu em público ao lado do ex-basquetebolista norte-americano Dennis Rodman (que foi incumbido de promover o basquetebol no país), num jogo/exibição entre jogadores americanos e norte-coreanos.
Nestes momentos de tensão, resta esperar que o apreço de Kim Jong-un por basquetebolistas norte-americanos, da sua esposa por vestidos Chanel e malas Dior e da nomenklatura norte-coreana em geral por luxos ocidentais, pese mais do que a vontade, tantas vezes reiterada, de reduzir o mundo capitalista e imperialista a poeira radioativa.

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