A POLÍTICA EXTERNA E A CRISE POLÍTICA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 13/06/2017
Apesar da crise politica ter sido agravada por denúncia
contra o próprio Presidente da República, foi significativa a decisão do PSDB,
do PMDB, do DEM e de outros partidos em separá-la da discussão no Congresso das
reformas estruturais (trabalhista, previdenciária, tributária e política). A
contaminação pela radicalização política do exame e da sua eventual aprovação
seria danosa para o Brasil. Fizeram bem as lideranças desses partidos em
colocar os interesses do pais acima das disputas político-partidárias, pois,
caso as reformas não sejam votadas, estará em jogo a estabilidade da economia,
a volta do crescimento e a redução do desemprego.
Não há dúvida de que a crise política e o temor de
denúncias da Lava Jato têm afetado o funcionamento normal da Administração
pública.
Apesar disso, nos primeiros treze meses do atual governo, o
apoio institucional e a nova orientação imprimida por Jose Serra e agora por
Aloysio Nunes Ferreira revitalizaram o Itamaraty, fortalecendo seu papel
central na formulação e execução da política externa, e retiraram o Brasil do
isolamento das negociações comerciais. Os recursos recebidos permitiram que o
Brasil voltasse a honrar seus compromissos financeiros nos organismos internacionais
e facilitaram um planejamento mais adequado dos gastos com a manutenção da
máquina administrativa no Brasil e no exterior. As correções de rumo na
politica externa afastaram a influência ideológica que colocou o Brasil a
reboque dos acontecimentos, sobretudo na América do Sul, e recuperaram o
tempo perdido nas negociações comerciais externas com a aceleração das
negociações Mercosul-União Europeia e a abertura de conversas exploratórias com
o Canadá, o Japão e a Coréia. O Itamaraty retomou, em larga medida, sua
capacidade de iniciativa e voltou a defender os interesses permanentes do pais,
ao contrário do que passara a acontecer no segundo mandato do governo Lula e
nos tempos de Dilma Rousseff. As relações com a Argentina foram relançadas,
permitindo uma reavaliação do Mercosul e a tomada de medidas para fazê-lo
retornar às suas origens como instrumento para abertura de mercados e
liberalização de comércio. Os entendimentos com os EUA avançam de forma
pragmática, naquilo que é possível e nossas fronteiras passaram a ter uma
atenção especial para controlar o contrabando de drogas e de armas. A Venezuela
passou a ser um dos itens principais da agenda diplomática pelas violações à
democracia, ao desrespeito dos direitos humanos e pela ameaça de um crescente
número de refugiados em nosso pais; A dura nota do Itamaraty contra o
comunicado conjunto emitida pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tratou de
maneira distorcida e tendenciosa a reação do governo aos lamentáveis
acontecimentos ocorridos em Brasília no dia 24 de maio, com a destruição e o
incêndio de prédios públicos, e de maneira capciosa menciona a violência
agrária no sul do Para e as medidas da prefeitura de São Paulo contra o consumo
e o tráfico de drogas.
É lamentável que a SAE, Secretaria de Assuntos
Estratégicos, ignorando a rapidez dos ajustes de rumo da política externa
visando defender os interesses permanentes do Brasil em tão curto
espaço de tempo, faça crítica desfocada à diplomacia brasileira e ao Itamaraty.
Ao traçar um quadro de falta de visão estratégica do Brasil, de improvisação da
política externa e de ações apenas reativas, a SAE defende uma grande
estratégia, que nem ela própria sabe qual é.
Qualquer que seja o futuro do presidente Temer, a
defesa do interesse nacional exige que não haja descontinuidade na agenda da
atual política externa que busca retomar sua voz independente e voltar a
projetar suas prioridades, em especial:
- a conclusão do acordo de livre comércio entre o Mercosul
e a União Europeia
- a negociação para o ingresso na Organização de Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) depois do pedido de adesão;
- a presença do Brasil nos esforços da comunidade
internacional para conter os excessos do governo Maduro na Venezuela e permitir
um avanço negociado para evitar um conflito de grande escala.
- a proposta de início das negociações com os EUA para um
acordo de salvaguarda tecnológica que torne viável o aproveitamento comercial
da Base de Alcântara.
- assumir a efetiva liderança na América do Sul, com
propostas concretas de maior integração, sobretudo na área de infraestrutura
física.
- ampliar as medidas para a segurança das fronteiras com a
cooperação dos países vizinhos para combater a criminalidade no Brasil;
- reforço da presença do Brasil na África, com a visita do
Ministro do exterior a seis países, como estão fazendo o Japão, a Índia, a
Turquia, sem falar na China;
- aprofundar o relacionamento com o BRICS e com o Novo
Banco de Desenvolvimento;
- reforçar a APEX, agora no Itamaraty, e a promoção
comercial;
- implantar até o fim do ano o visto eletrônico para os
EUA, Canadá, Japão e Austrália para estimular o turismo;
Todas essa agenda proativa, porém, poderia ficar
inviabilizada se for mantido o atual contingenciamento de 43% do orçamento do
Itamaraty. Sem um significativo descontingenciamento, o Itamaraty poderá deixar
de cumprir seus compromissos e pagar suas contas a partir de agosto/setembro.
Voltaríamos ao tempo de Dilma Rousseff de completa paralisação da máquina
diplomática, calote nos postos e ameaças de cobrança judicial.
O Governo Federal terá de examinar pragmaticamente a
situação financeira do Itamaraty para evitar que seja
perdido o esforço feito agora para aumentar a projeção externa do
pais, elevar seu perfil e influência regional e se reinserir plenamente nos
fluxos dinâmicos da economia e do comércio internacional.
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações
Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)
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