quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Epitafio do lulopetismo diplomatico (2016) - Paulo Roberto de Almeida

Quase dois anos atrás, mas ainda antes da queda final do poder lulopetista no plano da chefia do Estado, eu redigia um epitáfio ao lulopetismo diplomático, antes mesmo de deixar o meu limbo diplomático de muitos anos, afastado de qualquer função na Secretaria de Estado, até a queda do governo podre e corrupto dos companheiros, quando finalmente pude vislumbrar um retorno ao trabalho normal.
Não sei se trata-se realmente de um epitáfio, mas é uma espécie de balanço de tudo o que se fazia de errado no âmbito externo, e não sei exatamente que avaliação fazer dois anos depois.
Em todo caso, segue o artigo então redigido.

Epitáfio do lulopetismo diplomático

Paulo Roberto de Almeida 

Dois elementos são essenciais a qualquer diplomacia: credibilidade e inserção internacional. Esta última característica constitui aquilo que Nelson Rodrigues chamou de “óbvio ululante” e, por isso mesmo, a credibilidade nas palavras e ações de um país emerge como crucial na construção e na manutenção de sua respeitabilidade externa.
Ao aproximar-se o fim de mais de treze anos de bizarrices na política externa, cabe rememorar como a diplomacia lulopetista, partidária por definição, sacrificou ambos elementos no altar de posturas sectárias e iniciativas obscuras. A deformação das mais sensatas tradições da diplomacia profissional não só retirou credibilidade ao Brasil no contexto regional, como isolou o país da economia mundial, fazendo retroceder tanto a integração no Mercosul quanto nossa inserção nas cadeias produtivas globais.
Os lulopetistas retiraram credibilidade à política externa e à própria diplomacia profissional em primeiro lugar pelo alinhamento canhestro a regimes de esquerda na região, numa demonstração de anti-imperialismo anacrônico e de antiamericanismo infantil (existiam motivos atrás disso, o Foro de São Paulo, uma organização de fachada que permite aos comunistas cubanos controlar correias de transmissão no hemisfério). Houve um tempo em que o Brasil parecia dispor de vários ministros de relações exteriores, sendo um ironicamente designado de “chanceler para a América do Sul”, um apparatchik do partido, amador em assuntos externos, mas dispondo de grande poder para impor posturas contrárias ao interesse nacional, contra as opiniões mais sensatas da diplomacia profissional. Não faltou sequer certa dose de traição aos interesses do país, como revelado em episódios lastimáveis da diplomacia partidária, como a expropriação ilegal e indevida de ativos nacionais em países vizinhos, ou até a tentativa, felizmente frustrada, de fazer organismos externos interferir em nossa política interna, todos a partir de atropelos dos lulopetistas aprendizes de feiticeiro na agenda internacional do Brasil, que teria ficado em melhores condições nas mãos dos diplomatas profissionais.
O desmantelamento dos objetivos comerciais e econômicos do Mercosul, e sua transformação em mera tribuna política, sem qualquer efeito sobre seu fortalecimento enquanto parceiro internacional confiável, foi outra das lamentáveis “realizações” dos lulopetistas: o Mercosul se desqualificou, quando não abandonou por completo sua participação em negociações regionais ou plurilaterais em prol da abertura econômica, liberalização comercial ou inserção em cadeias mundiais de valor. O apoio concreto a duvidosos regimes esquerdistas – quando não ditaduras abertas – constituiu o aspecto mais histriônico, e nefasto, dessa política externa bizarra, aliás em total desrespeito a normas constitucionais e em contradição completa com nossas tradições diplomáticas (como a interferência nos assuntos internos de Honduras, por exemplo). Tudo isso minou a credibilidade da política externa e da diplomacia profissional.
O isolamento econômico do Brasil não foi algo improvisado, mas sim resultou de concepções anacrônicas em matéria de políticas industriais ou comerciais, que rescendem a um bolor desenvolvimentista de décadas passadas, mas que os lulopetistas sempre admiraram pelo seu lado estatista e dirigista, com raízes no protecionismo comercial e na proteção de uma “indústria infante” (a automobilística, por exemplo), que ainda não terminou de ser criança, mesmo passados sessenta anos. Regras de conteúdo local e discriminação tributária, como condição de acesso ao mercado interno, não estão apenas em contradição com regras do Gatt-OMC, mas realimentam velhos sonhos soviéticos de “socialismo num só país”, no nosso caso transformado em perfeito exemplo de “stalinismo industrial”, ou seja, uma indústria isolada do mundo.
O renascimento da política externa num novo governo terá de rever todas essas posturas anacrônicas do lulopetismo diplomático, indignas de nossas melhores tradições profissionais nessa área. A restauração da credibilidade externa do Brasil começa pela dupla superação da doença infantil do esquerdismo terceiro-mundista, traduzido na míope “diplomacia Sul-Sul”, e da obsessão pela busca de “parceiros estratégicos”, um fantasmagórico grupo de “anti-hegemônicos” (na concepção dos lulopetistas), cada um, na verdade, cuidando de seu interesse próprio no cenário mundial. O fim do auto-isolamento econômico e comercial passa, por sua vez, pela reversão completa das medidas adotadas nos últimos anos, começando por colocar novamente na agenda os objetivos prioritários inscritos no artigo primeiro do Tratado do Mercosul, ou então a concessão de liberdade a cada membro para negociar acordos de liberalização comercial com os parceiros mais prometedores. A indústria brasileira não precisa tanto de proteção e subsídios, quanto de abertura e competição, à condição que ela deixe de ser esmagada por uma carga tributária tão extorsiva quanto imoral.
A política externa lulopetista isolou o Brasil do mundo e retirou credibilidade à sua diplomacia profissional, ao partir de pressupostos completamente equivocados, em alguns casos deliberadamente voltados para prestar serviço a obscuros clientes externos, que nada tinham a ver com os nossos interesses nacionais. O Itamaraty precisa ser restaurado em seu papel fundamental de assessoria competente, essencialmente técnica, à formulação das diretrizes presidenciais em matéria de política externa, sem qualquer vezo partidário ou ideológico. Afastados apparatchiks partidários – que aliás romperam com métodos de trabalho obrigatórios na diplomacia profissional, como o registro documental de cada ação empreendida –, o Brasil poderá recuperar sua credibilidade externa e reinserir-se produtivamente na economia mundial. Não era sem tempo!

[Paulo Roberto de Almeida;
Brasília, 2 de maio de 2016]
 Publicado no jornal O Estado de S. Paulo (17/05/2016; link: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,epitafio-do-lulopetismo-diplomatico,10000051687).

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