1105. “Reforma da Previdência: por que e a favor de quem?: Comentários às posições dos parlamentares do PT contrários à reforma”, Washington, 1 set. 2003, 10 p. Comentários à carta dos 8 parlamentares do PT punidos pela Executiva do Diretório Nacional por terem se abstido nas votações da reforma da previdência, e a artigo divulgado pelo Dep. Ivan Valente em seu site e na revista Espaço Acadêmicono qual ele se insurge contra a atual reforma da previdência (www.ivanvalente.com.br). Circulado entre os membros do Conselho Editorial da Espaço Acadêmico.
Deixo de transcrever o artigo do deputado e a carta dos oito deputados pois os argumentos já estão reproduzidos em meu artigo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2/09/2018
Reforma da Previdência: por que e a favor de quem?
Comentários às posições dos parlamentares do PT contrários à reforma
Paulo Roberto de Almeida
Membro do Conselho Editorial da revista Espaço Acadêmico
Washington, 1 de setembro de 2003
Introdução
Parece incrível, mas o Brasil se debate em gravíssimo problema econômico de não crescimento, com todos os seus agravantes de desigualdades sociais e desemprego, e um punhado de parlamentares do PT – apoiados por setores expressivos do funcionalismo público – se opõe à nova reforma da Previdência que o Governo Lula está empreendendo. Como puderam ler todos os colegas do Conselho Editorial da revista Espaço Acadêmico, assim como todos os seus leitores online, o deputado federal do PT Ivan Valente publicou um artigo no qual ele se insurge contra a atual reforma da previdência, e que segue, em suas grandes linhas os argumentos alinhados pelo grupo de oito parlamentares que decidiram se abster no primeiro e no segundo turnos de votação na Câmara dos Deputados (texto de carta justificativa da abstenção, divulgada por eles em 6 de agosto, figura no site pessoal do deputado: www.ivanvalente.com.br).
Em reação, a Comissão Executiva do Diretório Nacional do PT decidiu, em 1º de setembro, aplicar aos parlamentares a punição de suspensão por 60 dias dos trabalhos do PT, fundamentando o ato no Estatuto do partido que a autoriza a agir como fez. Não pretendo, no presente texto, comentar a decisão da CE-DN do PT, uma vez que não sou filiado ao partido e não me cabe tecer considerações sobre suas decisões internas.
Mas gostaria, sim, de comentar, enquanto cidadão brasileiro, as posições dos parlamentares, uma vez que elas tocam em questões relevantes para todos nós, não apenas da governabilidade estrito senso, mas igualmente da sustentabilidade da economia brasileira e de suas possibilidades de oferecer um futuro melhor aos milhões de brasileiros que não dispõem, como nós (e os parlamentares) de condições satisfatórias de aposentadoria, ou sequer de existência. Informo, incidentalmente, mas isso não interfere em minhas posições, que sou funcionário público federal, potencialmente afetado, portanto, por qualquer mudança que se faça nas regras de aposentadoria pública.
Como os argumentos do artigo do deputado Valente se confundem, em grande medida, com as justificativas alinhadas pelos oito parlamentares, em cujo grupo ele se inclui, vou comentar preferencialmente aquele documento, com referências ocasionais ao artigo publicado na Espaço Acadêmico. Procederei da forma habitual, reproduzindo trechos do documento, aduzindo então meus próprios comentários a respeito dos pontos suscitados no texto original.
Comentários a uma carta economicamente absurda, politicamente parcial e socialmente injusta
Nós, deputados petistas que não votamos na Emenda Aglutinativa da mudança constitucional da Previdência Social, cujas alterações finais foram consideradas insuficientes inclusive pela CUT, temos plena consciência do significado político de nossa posição de ABSTENÇÃO e declaramos que:
PRA: Nada a comentar. É direito deles adotar a posição que desejarem, sendo de se congratular, porém, que o tenham feito de modo claro e explicitando suas razões, ainda que equivocadas, não em função de algum argumento de autoridade ou de disciplina partidária, mas com base na inconsistência intrínseca de suas posições, como pretendo demonstrar.
1. O verdadeiro problema estrutural da Previdência Social é a escandalosa exclusão de mais de 50% da população trabalhadora brasileira de seu âmbito. O que é necessário, além de uma vigorosa política de reforma agrária, de reforma urbana e de retomada do crescimento, é uma fiscalização governamental implacável e incorruptível e uma verdadeira política de seguridade social includente.
PRA: A exclusão previdenciária não é obra deste governo ou de qualquer governo anterior, e sim da estrutura econômica e social do país: cerca de 40% da população economicamente ativa trabalha na informalidade, o que corresponde grosso modo a esses excluídos dos regimes previdenciários oficiais. Os parlamentares têm algo a comentar a esse respeito? Para se aplicar uma “política de seguridade social includente” seria preciso que essas pessoas estivessem já incluídas no setor formal da economia, sem o que o governo não teria condições de cobrir despesas sem o correspondente aprovisionamento (que no caso correspondem às contribuições efetuadas segundo o regime da repartição, que é o nosso). As demais “vigorosas políticas” demandadas pelos deputados precisam ser implementadas com base em recursos existentes, caso contrário se estaria praticando “surrealismo econômico”, não uma gestão responsável da economia. Diga-se de passagem, aliás, que a maior parte dos problemas detectados nesta carta dos deputados decorre de uma profunda ignorância dos fundamentos e mecanismos não só de finanças públicas como de economia elementar, por isso eu recomendaria que eles tentassem se orientar melhor, consultando por exemplo algum manual de introdução à economia, desses disponíveis em qualquer curso universitário de qualidade.
2. A alteração proposta - e aprovada num dia de cerceamentos à presença popular e de aceleração da votação - não assegura essas condições; sequer é um requisito prévio, não procedendo a argumentação de que os "privilégios" dos servidores atuais e dos aposentados impedem uma expansão e direção do gasto público para beneficiar os outros trabalhadores. Ela não transfere renda através do Estado, nem através do mercado, para os setores mais empobrecidos dos trabalhadores e da população. Como política econômica, ela diminuirá a renda de significativa parcela do setor público. É também forçoso reconhecer que parte da crise econômica brasileira, e da recessão que bate às portas, deve-se ao confisco salarial perpetrado contra o funcionalismo público (um dos pilares do mercado interno) durante os últimos governos.
PRA: A reforma da Previdência não se destina a “transferir” renda nem dentro ou fora do Estado, através ou a despeito do mercado: ela se destina, tão simplesmente a impedir que o crescimento do déficit público gerado pela fatura previdênciária, pública e geral, conduza, em primeiro lugar, à falência de todo o sistema e, em segundo lugar, estrangule de vez toda e qualquer possibilidade de crescimento econômico no País. Ela se destina, pura e simplesmente, a impedir que ocorra uma erosão maior das finanças públicas, que o déficit se agrave e comprometa outros setores da economia nacional. Estamos em face de uma situação grave, o que constitui uma verdade clara e insofismável para qualquer pessoa minimamente versada na situação das contas públicas, o que não parece ser o caso dos oito parlamentares. Se não se partir destas premissas, qualquer discussão racional sobre o problema da Previdência se torna inviável.
Digo mais: a reforma que se está alcançando agora não resolverá o problema da falência ulterior do sistema, como tampouco restabelece as condições para a retomada do crescimento. Repito, para que fique claro: ela apenas impede que o déficit continue a crescer de modo incontrolado, mas o problema continua colocado e novas reformas do sistema da Previdência serão necessárias para não apenas dar-lhe o equilíbrio desejável, mas também para converter a Previdência em uma das alavancas da poupança nacional como ela deveria ser em qualquer regime previdenciário racional. Se os deputados não sabem como andam as contas da previdências, ou os números relativos à poupança nacional (e à despoupança estatal), deveriam procurar se informar melhor. Os dados estão disponíveis no site da Previdência, em estudos efetuados por órgãos como IPEA e outras instituições públicas insuspeitas de animosidade contra os funcionários públicos.
Comento, finalmente, os argumentos de “demanda” oferecidos nesta seção, os de que, a reforma, “[c]omo política econômica, (…) diminuirá a renda de significativa parcela do setor público. É também forçoso reconhecer que parte da crise econômica brasileira, e da recessão que bate às portas, deve-se ao confisco salarial perpetrado contra o funcionalismo público (um dos pilares do mercado interno) durante os últimos governos.”
Nada disso é correto ou consistente: (a) a reforma NÂO diminuirá a renda do setor público, pois ela se aplica (infelizmente) em direção ao futuro, não imediatamente; (b) a crise brasileira NÃO se deve a esse “confisco salarial”, cujo impacto, em termos salariais, é mínimo para impactar a demanda global, e (c) o setor público NÃO é um dos pilares do mercado interno (no máximo em Brasília), pois sua participação na PEA é marginal em termos de renda ou valor agregado. Os deputados deveriam solicitar a suas assessorias respectivas os dados reais da economia do setor público no Brasil, que não tem o peso que eles pretendem lhe atribuir, de modo totalmente desinformado e equivocado.
3. As alterações oferecidas não criam novas modalidades de Previdência Social e agridem alguns direitos jamais questionados nos programas e nos discursos de campanha do PT, como a não taxação de aposentados, a integralidade de pensões e regras justas de transição. Sua tramitação e apreciação final, a toque de caixa, não combina com o regime democrático. Toda vez que governos, para resolverem seus problemas de caixa, mexem nos direitos adquiridos, abala-se o Estado de Direito.
PRA: O fato de que o PT tenha defendido idéias e posições equivocadas no passado não implica em que ele o tenha de fazer agora que é governo, e passou a conhecer – já podia fazê-lo antes, pois eles estavam disponíveis, mas isso não vem ao caso agora – os números das contas públicas e seu impacto na economia real, em termos de financiamento de gastos correntes do Estado e suas incidências tributárias. Se estas idéias não foram jamais questionadas, trata-se de cegueira temporária e de miopia política que podem ser corrigidas por dados corretos e boa disposição para admitir erros passados.
O argumento dos “direitos adquiridos”, agitado em causa própria, representa uma das mais indecentes defesas das distorções acumuladas ao longo de anos e décadas de assalto aos cofres do Estado por grupos organizados dentro e fora do setor público. Como esses “direitos” não figuravam na criação do Estado ou da nacionalidade, supõe-se que eles tenham sido colocados na Constituição ou na legislação ordinária em algum momento por alguém (ou alguns): isso não lhes confere nenhuma legitimidade intrínseca, pois podem ter resultado, como de fato resultaram, de manobras ou pressões explícitas para garantir algum tipo de vantagem que não é partilhada com outras categorias. O estado de direito tem a ver com o tratamento igualitário do ponto de vista jurídico e a preservação do direito de defesa, não com disposições especiais que visam objetivos específicos.
4. O fato de que existam notórias distorções na remuneração e benefícios das carreiras de Estado impõe aos poderes públicos a necessidade de corrigi-las, dentro do método participativo que o PT sempre defendeu e praticou. Uma primeira providência é evidentemente o estabelecimento de tetos para a remuneração de todos os servidores, enquanto o decorrer do tempo se encarregará de eliminar, dos encargos da União, dos Estados e municípios, as superaposentadorias e outras acumulações, aleijões que uma legislação patrimonialista e permissiva permitiu e incentivou. A quase totalidade do funcionalismo público na ativa e na aposentadoria, porém, não goza de nenhuma regalia. Seus direitos estão assegurados na mesma Constituição que fundou as bases para a legitimidade da alternância de poder que o governo atual confirma.
PRA: Exatamente: a quase totalidade do funcionalismo público não será atingida pela reforma em implementação, o que não impede aliás que novas regras sejam mudadas (como a do alongamento das idades mínimas de aposentadoria, por exemplo, o que corresponde a um simples fenômeno demográfico). As demais distorções podem e devem ser corrigidas em nome da justiça social. Toda a reforma previdenciária aponta nessa direção e não se compreende a oposição dos parlamentares.
5. A proposta de mudança na Previdência, além de negociada previamente com os governos estaduais mergulhados em profunda crise fiscal, foi encaminhada ao Poder Legislativo para atender a uma expectativa do Fundo Monetário Internacional, cujos resultados em outros países já mostraram sua perniciosidade. No nosso caso, um pressuposto básico foi desconsiderado: a discussão do papel do Estado e de seu tamanho para suprir as necessidades essenciais da população e do desenvolvimento social.
PRA: A reforma não se destina a atender ao FMI, mas responde a uma simples constatação de desequilíbrio crescente das finanças públicas: se ela também corresponde a observações do FMI sobre a economia brasileira é porque esse organismo, ao qual o Brasil pertence desde a sua criação, conduz regularmente exames das economias nacionais (o chamado “Artigo IV”) e como ele tem economistas, medianamente esclarecidos, estes chegaram, antes ou depois, às mesmas constatações já feitas por economistas nacionais desde os anos 1980, pelo menos. Os deputados estão atrasados no estabelecimento das coincidências.
O pressuposto básico, desconsiderado pelos deputados, se expressa numa única progressão econômica: em dez anos, a parte arrecadada pelo Estado do PIB passou de 25% a cerca de 35%, uma progressão de 10%, sem o correspondente crescimento nos serviços oferecidos pelo Estado (ao contrário). Pode-se discutir as propostas de discussão sobre o papel do Estado apresentadas pelos deputados de duas formas: pode-se considerar que o Estado precisa arrecadar cerca de 80% do PIB, para “suprir as necessidades essenciais da população e do desenvolvimento social”, ou que sua parcela atual já é suficientemente alta e impede, de fato, a economia privada de atender às necessidades de investimento e de emprego da população como um todo.
6. Um governo que tem o Partido dos Trabalhadores como sua coluna vertebral não pode dar margem à transferência de recursos da Previdência Social para o capital financeiro especulativo. A experiência internacional na matéria é francamente negativa. Mesmo nos casos de uma forte tradição liberal de mercado, como nos Estados Unidos da América, os prejuízos para aposentadorias e poupanças, derivados de suas ligações com o mercado de capital e os portfólios de ações empresariais , têm sido devastadores.
PRA: A primeira frase expressa nada mais senão ignorância, profunda, abismal, incompreensivel em representantes do povo e supostamente dotados de uma assessoria esclarecida, dispondo pelo menos de nível universitário. Considerar que as contribuições do sistema previdênciário se destinem à transferência ao “capital financeiro especulativo” é de um tal absurdo que não mereceria sequer um comentário de minha parte. Trata-se de algo pior que demagogia: só posso classificar como burrice pura e simples.
O exemplo de “experiência internacional” referido não tem absolutamente nada a ver com a administração pública de um sistema previdenciário público, mas apenas com a aplicação de fundos previdenciários fechados no mercado geral de valores e títulos. De todo modo, se teria de considerar tanto os fundos que foram bem sucedidos em suas aplicações nesse mercado, como os que tiveram prejuízos, algo que se situa inteiramente dentro das regras do jogo. Se você pretende ganho seguro, aplique em bônus do Tesouro, remunerados a 3,5%, mas se quiser ganhar mais vá para o mercado acionário ou de derivativos financeiros: os ganhos podem ser de 25%, mas os riscos são comensuráveis.
7. A Previdência Social universal foi e é um dos mecanismos mais importantes para a redução das desigualdades, que são quase naturalmente o resultado de um sistema econômico concentrador como o capitalismo. Somente instituições que busquem exatamente fugir ao predomínio da lei do lucro conseguiram, ao longo da história do capitalismo, ajudar a reduzir as iníquas distorções econômicas e sociais.
PRA: Certamente que a previdência cumpre também essa função, no que se refere às mais baixas remunerações, várias delas, aliás (como as rurais), sem qualquer correspondência com a contribuição efetiva. Mas isso não tem nada a ver com os problemas que se pretende corrigir, que visam as pensões “desiguais” de nível incomensuravelmente mais alto, escandalosamente distanciadas do regime geral e que são, precisamente, a principal fonte de desigualdades na repartição geral do bolo previdenciário. Os deputados parecem ignorar a imensa “redistribuição de renda” que se opera em favor de estratos privilegiados e em desfavor dos mais humildes decorrente do atual sistema previdenciário, um fator objetivo de concentração de renda.
Quanto às considerações sobre o capitalismo, elas não têm, mais uma vez, nada a ver com o regime previdenciário, que funciona em bases “não-capitalistas”. Quanto aos problema da concentração e das desigualdades, uma simples constatação: os países mais avançados da Europa e da América são reconhecidamente mais capitalistas do que o Brasil; eles também são menos desiguais e menos concentradores. O suposto predomínio da “lei do lucro” é historicamente incorreto, já que o capitalismo sempre foi “amenizado” por regulações sociais que ultrapassam a capacidade “regulatória” desse modo de produção, de resto o único que sobreviveu ao teste da história com base na eficiência relativa de seu funcionamento (comparativamente, está claro, às alternativas disponíveis no “super-mercado” da história). De toda forma, o argumento dos deputados é por demais difuso e impressionista para ser discutido seriamente por pessoas interessadas em resolver um problema técnico e contábil, como é o da previdência. Sua reforma não vai fazer o Brasil ser mais ou menos capitalista, ela apenas vai impedir o Estado de implodir.
8. A Previdência Social, na forma pensada e posta em ação pelo neoliberalismo, é parte de um amplo processo de desmanche do Estado regulador. Não há crescimento e desenvolvimento econômico possível para as nações da periferia sem um Estado ativo e interventor, quando necessário, pois nossas condições de periferia não recomendam os puros automatismos do mercado. A experiência brasileira e de outras nações da periferia demonstram que não foi a posse de uma moeda própria a condição para o desenvolvimento, mas a utilização de outras formas e instituições, entre as quais a Previdência Social, que acumulou e carreou fundos para o desenvolvimento.
PRA: Os argumentos são simplesmente surrealistas e não mereceriam qualquer contestação se não fosse para lembrar os mal informados deputados de que a Previdência não apenas não “acumula” nem “carreia” recursos para o desenvolvimento brasileiro, como, ao contrário, ela está desviando recursos dessa “função” e colocando-os nas mãos de alguns grupos, apenas, de funcionários públicos. Não preciso lembrar que não foi essa entidade desconhecida e incorpórea, chamada “neoliberalismo”, que colocou em marcha a reforma da Previdência, mas um governo com cara, endereço e discursos próprios. O “desmanche” do “Estado regulador” só existe na imaginação dos deputados, que deveriam falar menos através de surrados slogans e dedicar-se ao estudo da economia.
9. A satanização dos funcionários públicos não serve à causa republicana e democrática. Não há Estado republicano sem uma forte, preparada e adequadamente remunerada função pública, cuja impessoalidade e imparcialidade são condições sine qua non para os próprios interesses privados. Sem desconhecer as distorções e imperfeições existentes no Serviço Público, que devem ser urgentemente corrigidas, é preciso proclamar sua prevalência sobre a tradição de um Estado patrimonialista, lugar onde todas as oligarquias e burguesias predatórias têm realizado o assalto ao dinheiro público para beneficiar-se. Que o digam as espantosas dívidas do empresariado com a própria Previdência Social.
PRA: Meus argumentos de acima também se aplicam aqui: não me cabe discutir contra argumentos surrealistas. De toda forma, não está em causa, aqui, a sociologia do setor público, e sim suas contas deficitárias. O discurso generalizante e estereotipado, à base de invectivas, não resolve em nada a situação dos miseráveis do Brasil, como aliás não ajuda em nada a própria causa de quem eles pretendem defender. Argumentos técnicos, bem embasados, permitiriam manter uma discussão racional, mas manifestos políticos se prestam mal a esse tipo de diálogo.
Fomos orientados nesta difícil decisão pelos princípios que construíram a tradição de lutas do Partido dos Trabalhadores, cuja necessária e indormida vigilância conseguiu atenuar a depredação dos direitos sociais no período de FHC.
PRA: Trata-se de uma afirmação, que tem tanta legitimidade quanto uma afirmação contrária: a de que a ação passada e a “tradição de lutas” do PT impediu que se fizesse antes a necessária reforma da Previdência, causando portanto o agravamento do déficit público e uma “despoupança” estatal muito maior do que ocorreria se as reformas tivessem sido feitas antes, com a colaboração patriótica do PT. Equívocos passados não podem eximir determinados parlamentares de responsabilidades presentes. Se eles não estão preparados para assumi-las deve ser porque não ultrapassaram ainda a fase dos slogans e invectivas para assumirem encargos governativos, ou porque não percebem a dimensão econômica e social de seus atos. Num caso são irresponsáveis, em outro são ingênuos.
Nosso voto reafirma a convicção de que não podemos violar a trajetória do PT na defesa dos direitos dos trabalhadores e do Serviço Público de qualidade. Ele se deu em nome da coerência com as ações e votos anteriores proferidos pelo nosso Partido em favor da Previdência Pública no Congresso Nacional.
PRA: Eles preferem violar a trajetória de milhares de trabalhadores excluídos atualmente de um emprego formal e portanto de direitos previdenciários futuros. A coerência com equivocos passados denota pelo menos inconsciência, ou uma recusa em confrontar a realidade e dela tirar conseqüências para a ação do presente. O serviço público de qualidade vem sendo colocado em risco pelas disfunções acumuladas em vários setores, entre eles o da Previdência. Não reconhecer essa realidade pode ser ingenuidade, inconsciência ou irresponsabilidade.
A nossa abstenção simboliza nossa discordância com relação à Reforma da Previdência, não significando, entretanto, rompimento com a bancada, o partido e o governo, com quem queremos continuar dialogando, na perspectiva da construção de um governo democrático e popular em nosso país, fundamental para atender às expectativas e às esperanças de nosso povo.
PRA: Os deputados carecem de informação, de análises responsáveis, ou de um pouco de disposição para encarar certos aspectos desagradáveis da realidade brasileira, como pode ser a falência anunciada do setor público. Se pretendem diálogo, deveriam pelo menos colocar a discussão em bases técnicas, como deveria ser, não ficar alinhando argumentos que podem fazer algum sucesso em assembléisa estudantis ou em comícios sindicais. Quem se prepara para exercer o poder, como supostamente esse grupo também deveria alimentar essa perspectiva, tem a obrigação de se munir dos melhores dados para enfrentar a realidade. Esconder-se atrás de slogans é a pior das soluções administrativas, só compatível com um regime patrimonialista ou tradicional, que eles dizem abominar.
Nosso clamor, que é o de milhares de petistas de todo o Brasil e dos nossos eleitores, é para que a agenda de mudanças reais lideradas pelo nosso governo comece de fato. Obviamente, ela não tem nada a ver com redução de verbas para a educação e saúde, precarização de direitos trabalhistas, continuidade dos exorbitantes ganhos de bancos, renovação de acordo de elevado superávit primário com o FMI, alimentos geneticamente modificados, autonomia do Banco Central e inserção subordinada na ALCA.
PRA: O “clamor” dos deputados está mal dirigido: ele deveria se exercer contra os inúmeros privilégios que ainda subsistem no setor público, a começar pelo Legislativo e no Judiciário, privilégios incompatíveis com a situação real da maior parte dos trabalhadores brasileiros. A agenda de mudanças da Previdência não tem nada a ver com o FMI, com a Alca, com os OGMs, com a autonomia do BC e outros elementos mais ou menos estapafúrdios que os deputados alinham para tentar “legitimar” uma oposição a uma reforma necessária e imprescindível. Volto a lembrar: essa reforma apenas começou e ela deve continuar, atingindo agora alguns bolsões de privilegiados dentre os militares e os membros da magistratura.
Os deputados estão causando um desserviço ao Brasil, ao governo do PT e a si mesmos, ao se desqualificarem para um debate sério sobre a questão previdenciária e sobre os rumos do setor público. Aparentemente, eles estão se desqualificando também para outros debates, sobre o FMI, sobre a Alca, sobre os OGMs e o BC, pois não parecem estar preparados para avançar argumentos economicamente embasados sobre todas essas questões.
Parlamentares? Aderindo à paráfrase: para lamentar…
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1 de setembro de 2003
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