quarta-feira, 15 de abril de 2020

China: o que eu penso sobre ela - Paulo Roberto de Almeida

Na sequência da postagem anterior, que transcreveu editorial do jornal de direita Gazeta do Povo (que fazia propaganda de sua própria genialidade e queria capturar assinaturas), coloco aqui o que já escrevi no plano bilateral: 


Sobre a China e seu suposto “desejo” de levar uma “guerra irrestrita” contra o Ocidente
A um amigo, militar, que me questionou sobre a questão do título desta nota, respondi o seguinte:

Os EUA do imediato pós-guerra (em muito estimulados por Churchill) estavam empenhados numa longa “guerra de contenção” contra um inimigo poderoso: o stalinismo. Isso conformava não apenas uma luta pela existência de democracias de mercado, mas um combate mortal pela própria sobrevivência da sociedade livre e civilizada, contra os novos bárbaros do comunismo. Eles resistiram e a eles devemos ser gratos pela nossa liberdade.
Mas a China representa uma realidade muito diferente, e lamento que os mais brilhantes analistas ocidentais, pelo menos americanos, se tenham deixado seduzir pela paranoia (normal) do Pentágono e pelo anticomunismo primário (que é estúpido) da velha e da nova direita, o que também contaminou os néscios novos bárbaros do olavo-bolsonarismo e seus asseclas oportunistas e beócios que pululam em volta da miserável “governança” que é a nossa atualmente.
Esqueça o “comunismo”, que é apenas um pequeno parênteses histórico de meros 70 anos na milenar trajetória cultural e civilizatória da China. Ela é, sempre foi, aquele “despotismo oriental” de que falava o marxista Karl Witfogel, ou, antes dele, o sociólogo Max Weber.
A China não quer exportar o seu regime político ou sequer “dominar o mundo”, como acreditam os paranoicos e os muito mal informados. Ela só quer ficar rica, como é o seu direito, e para isso utiliza-se de todos os meios ao seu dispor no sistema internacional, inclusive com um recurso malicioso dos mecanismos do sistema multilateral de comércio. Nisso os americanos estão na defensiva, algo canhestramente, pois suas indústrias e consumidores precisam desesperadamente da China.
Quanto ao “fabuloso” poderio militar chinês, ele (ainda?) não foi concebido para qualquer projeção externa (exceto para se livrar dos piratas que infestam certos mares e que atacam navios cargueiros com suas preciosas manufaturas): ele apenas se destina a garantir que a gloriosa China não seja mais humilhada pelas potências ocidentais (até de segunda ordem), como ocorreu no século XIX (guerras do ópio, tratados desiguais, que se prolongaram até 1943), ou com as bárbaras invasões japonesas no século XX, e o cortejo de horrores como se viu em Nanjing (1937). 
A China é uma autocracia para si e “contente” de sê-lo. 
Os bolsonaristas idiotas ainda não aprenderam isso, a despeito de, no fundo, terem o mesmo ânimo autocrático, como aliás os lulopetistas neobolcheviques (também havia os simplesmente ignorantes, como é a maioria dos bolsonaristas).
Creio que sintetizei o meu pensamento sobre a China, mas tem muito mais a dizer sobre os imensos benefícios à Humanidade que decorrem do fato de ser a China, hoje, a maior potência capitalista do mundo (o que não tem nada a ver com democracia ou direitos humanos, que pertencem a uma outra esfera).

Em novo questionamento sobre a "dependência" em que muitos países estariam hoje da China, e sobre a necessidade de "autonomia produtiva", respondi o seguinte: 

"... não creio que a China seja nacionalista no plano do comércio internacional. A despeito de recusar ingressar na OCDE e no Clube de Paris, ela é atualmente a mais internacionalista das economias de mercado.
Hoje em dia, e cada vez mais, todos os países são “dependentes” da China. Deveriam aprender a ser complementares.
Eu fico com Adam Smith na divisão social do trabalho e com David Ricardo na teoria das vantagens comparativas relativas. Quaisquer outras posições, ou seja, nacionalistas, são antieconômicas, ou seja, diminuem o bem-estar. Pode ser que haja um preço a pagar em certas esferas, mas a racionalidade dos mercados integrados ainda me parece a melhor solução."

E sobre um novo argumento sobre a "concorrência", ou efeitos "danosos" de certas políticas econômicas, voltei a expor o seguinte: 

"... esse último argumento NÃO TEM NADA A VER com o que faz ou deixa de fazer a China: depende única e exclusivamente de nós mesmos, ou seja, de nossa (in)capacidade de sermos produtivos e competitivos.
Até algumas décadas atrás, éramos (ainda somos em várias esferas) inteiramente dependentes dos EUA e países europeus, para capitais, tecnologia, know-how, patentes, comércio, finanças, educação, TUDO. Que agora sejam os chineses a fornecer um pouco disso tudo, o que muda, na prática? A política econômica é NOSSA, não determinada pela China ou pelos EUA."

Paulo Roberto de Almeida

Um comentário:

  1. Prezado Paulo Roberto de Almeida

    Sobre este artigo da China, em que o Senhor menciona: "A China não quer exportar o seu regime político ou sequer “dominar o mundo”, como acreditam os paranoicos e os muito mal informados".
    Nesse caso, gostaria de saber como seria classificada a expansão da China sobre áreas marítimas que pertenceriam ao Vietnã e às Filipinas.
    Grato pela atenção e parabéns pelo blog e excelente material intelectual disponibilizado.

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