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Olá,
O texto abaixo pode soar alarmista ou revelador, a depender do interlocutor. Como meu objetivo não é causar polêmica, ele será enviado apenas para os assinantes da nossa newsletter e não irá para o site. Minha intenção é: - Partilhar algumas ideias que estão pairando por aqui a partir da grande quantidade de informação que temos apurado nas últimas semanas;
- Mostrar para onde vai o trabalho do Intercept no futuro próximo, justamente guiado por essas informações.
Não vou enrolar para dizer o que motiva este texto, mais adiante explico com calma, mas já queria que partíssemos de uma ideia comum. Diante das condições estabelecidas hoje, no atual patamar de pressão e alta temperatura em Brasília, o impeachment de Jair Bolsonaro é insuficiente para tirar o Brasil da crise sanitária, econômica e política. |
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Mais do que isso: o impeachment, apenas ele, pode aprofundar essa crise. |
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Você me perguntará: "Leandro, você está dizendo que é contra o impeachment?". De maneira nenhuma. Também não estou fazendo exercício de futurologia, não pretendo "prever" para onde nos levaria o impeachment. Não é esse meu trabalho. O que eu quero e tenho condições de fazer é trazer informação e refletir a partir dela.
É possível que você seja uma das centenas de milhares de pessoas que conheceram o Intercept depois da Vaza Jato. Ou talvez você tenha passado a assinar nossa newsletter no último mês — tivemos um boom de assinaturas em junho e julho. Talvez você conheça bem o TIB ou seja uma das pessoas que apenas leu alguns dos nossos furos mais importantes. Eu não sei. Mas independentemente de como você chegou aqui, quero te lembrar que o Intercept existe pra fazer jornalismo de impacto. Isso não é muito comum no Brasil, então vou tomar a liberdade de explicar rapidamente.
Toda e qualquer pauta que chega para a gente aqui é debatida coletivamente a partir de um princípio: essa apuração causa alguma mudança importante para a sociedade?Atenção: uma mudança pode acontecer de várias formas. Às vezes uma pauta não derruba um ministro, mas ela escancara pra sociedade negócios escusos e revira o tabuleiro enfraquecendo um nome poderoso. Em outras situações ela é mais efetiva: reverte uma injustiça, muda uma lei, liberta pessoas presas injustamente.
Tenho muito orgulho quando lembro que uma apuração da jornalista Amanda Audi resultou na proteção das terras dos Tupinambá de Olivença, no Sul da Bahia. A área é o lar de 4,6 mil indígenas, além de marisqueiros e pescadores artesanais. Esse pessoal ia perder tudo porque o governo Bolsonaro pretendia repassar as terras para uma rede hoteleira. Demos a matéria, a pressão em cima do governo aumentou e no fim os indígenas encontraram Amanda em Brasília para agradecer.
Conto com orgulho também que, depois de uma reportagem da Nayara Felizardo, 30 casos de adoções irregulares no Amapá estão sendo investigados, porque provavelmente aquelas crianças foram tiradas de suas famílias pobres por conta do poder financeiro de outras famílias. Estampo um tremendo sorriso no rosto todas as vezes que lembro do que fizemos na Vaza Jato e olho para o que aconteceu com Sergio Moro. Há quanto tempo não ouvimos falar em Deltan Dallagnol, o procurador que vivia metendo o bedelho em todos os assuntos nacionais e articulando politicamente através do seu cargo e segundo seus interesses pessoais? O destino de Deltan era a PGR…
Prometi explicar resumidamente, mas me empolguei. Peço desculpas. Antes de falar propriamente do impeachment e do atual cenário político, citei esses exemplos mais contundentes para explicar o trabalho do Intercept e te alertar que o que vamos abordar aqui é fruto desse trabalho.
Cheguei ao Intercept em 2018 e muito rapidamente vi essa redação se transformar em uma das mais relevantes do país. Somos uma equipe pequena para o tamanho do barulho que provocamos e isso não é casual. Isso acontece por três fatores: somos focados em impacto, temos os recursos para correr atrás dele e temos independência como nenhuma outra redação para enfrentar as consequências disso.
É a partir desse lugar e com essa autonomia que trabalho. E tenho trabalhado cada vez mais nas últimas semanas.
Estamos em um momento singular da nossa história republicana. Somos comandados por um governo militar que chegou ao poder através do voto. Tinha tudo para ser a chance de ouro dos milicos. Eles não precisaram de golpe para chegar lá e tinham apoio de parcela expressiva da população. O Brasil estava atolado em uma crise profunda e, caso as coisas melhorassem, todos os méritos seriam deles, os militares, os brasileiros "mais preparados para enfrentar qualquer problema". Você sabe, para eles, nós, civis, somos um bando de idiotas e de ladrões.
Mas no meio do caminho tinha uma pandemia. Com ela, a crise não só piorou como ganhou aspectos de terror. O governo militar é responsável por 540 mil mortes e 20 milhões de famintos. O fracasso é retumbante e para onde se olhe só vemos desgraças, equívocos, corrupção e coronéis, capitães, generais. É muita corrupção.
Os militares passaram os primeiros dois anos do governo se vendendo como algo diferente de Jair Bolsonaro. Também tentam mostrar que têm conflitos com outros grupos que apoiam o presidente, como os lunáticos olavistas. E os militares são muito bem-sucedidos nessa operação de autopromoção. Eles têm, provavelmente, a assessoria de imprensa mais eficiente do país. É impressionante como conseguem falar em off com jornalistas e serem pintados como bom moços por uma enorme gama de colunistas.
A essa altura, com quase três anos de governo, com tudo o que foi escancarado pela CPI da Covid-19, com o show de horrores protagonizado por figuras como Pazuello, Élcio Franco e, por que não?, Braga Neto, não dá mais para separar as Forças Armadas de Bolsonaro. Eles são uma coisa só, pelo menos enquanto for conveniente para os militares.
Houve um momento em que se acreditava que havia uma disputa entre militares e civis no comando dos esquemas de compra de vacina. Hoje essa versão não pára em pé. Não tinha disputa alguma. Os militares e os civis do ministério da Saúde estavam todos muito bem acomodados e cada um na sua com a parte que lhe cabia. Um mandava dinheiro para paraíso fiscal ali com a Covaxin, outro comprava Sputnik com o Centrão aqui, outro adquiria Coronovac superfaturada acolá. E, claro, todos ignoravam a Pfizer porque aparentemente ali não deu para fazer nenhuma tramoia.
Ou seja, os militares até podem tentar empurrar tudo pra cima de deputados e outros funcionários civis do ministério. Podem entregar uma cabeça como a de Élcio Franco. Não importa. |
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A CPI já foi longe demais e está claríssimo: havia militares em toda a cadeia de comando e tomada de decisão da compra da vacina. |
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Não é mais questão de um militar chegar ao poder caso Bolsonaro caia: hoje sabemos que os militares já estão no poder. Não dá para termos a medida exata, mas estamos falando de dezenas de pessoas. Tem general, tem coronel, tem tenente. E tem, como o presidente da CPI, Omar Aziz, já deixou claro, Braga Neto — o ministro todo-poderoso que era chefe da Casa Civil e, lembre-se, o cabeça do comitê gestor da Covid-19. Omar Aziz foi categórico no depoimento de Roberto Dias, ex-funcionário do ministério: "o senhor recebia ordens através de um e-mail da Casa Civil".
Bolsonaro pode se esforçar para mudar o rumo do debate público dando todo dia uma entrevista mais absurda que a outra. Os milicos podem tentar subir o tom para ver se amedrontam aqueles que estão liderando as investigações. Tudo isso é perfumaria, porque os fatos estão dados: a pandemia foi uma grande oportunidade de negócio para o governo militar. Muita gente faturou e ia faturar muito mais enquanto centenas de milhares de famílias perdem seus entes queridos.
É por isso que o governo militar está em pânico. E é por isso que vivemos um momento tão delicado.
Vou repetir algo que disse ali em cima: a CPI já foi longe demais. Há uma enorme quantidade de contratos, sigilos quebrados, registros de conversas e áudios, documentação de embaixadas, enfim: muita informação acumulada e que indica vários caminhos de investigação.
Apenas um exemplo: o caso Covaxin. Esse era um negócio de R$ 1,6 bilhão que iria evaporar. O governo pagaria a uma empresa de fachada num paraíso fiscal. Esse é o maior golpe que eu já vi. Notem: a Lava Jato diz que a Petrobras recuperou R$ 5,3 bilhões por causa de anos de corrupção. Apenas a canetada da Covaxin seria quase um terço disso.
É diante desses fatos que eu te pergunto: o que aconteceria no dia seguinte ao impeachment de Jair Bolsonaro? Quem assume a cadeira? Qual o indicativo que temos de que os militares respeitarão as investigações, a Polícia Federal, o Congresso Nacional, o STF? A lama já chegou até os coturnos de muita gente poderosa, mas o que vai acontecer quando começarmos a ver ordens de prisão para os fardados?
Não tenho resposta para essas perguntas, claro. O que eu sei, a partir do que vi nas nossas apurações recentes e de conversas que realizei nos últimos dias, é que estamos diante de um megaescândalo de corrupção. |
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Se não é o maior escândalo de corrupção da nossa história, seguramente é o mais letal. |
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É por tudo isso que acredito que o impeachment de Bolsonaro é insuficiente para sairmos desse buraco no qual ele e os generais nos meteram.
As Forças Armadas passaram duas décadas se promovendo como reserva moral e técnica do país. Balela. São tecnicamente medíocres, moralmente execráveis. Pazuello foi incapaz de erguer uma logística eficiente para distribuir vacinas para os estados. Hoje, para tentar fugir das investigações, é defendido por um advogado que tem no currículo a defesa de vários milicianos notáveis, entre eles Cristiano Girão e Ricardo Teixeira Cruz, o Batman. Que coincidência, não?
Estou usando Pazuello de exemplo, mas você sabe que eles são abundantes. As maracutaias no orçamento são infinitas: generais no governo agora ganham acima do teto, mais de R$ 60 mil por mês vão para o bolso de Mourão, Ramos e Braga Neto. Conseguiram um monte de penduricalhos e foram os únicos que saíram da reforma da previdência ganhando dinheiro — e não perdendo. Eles exaltam torturadores, ameaçam a democracia sem nenhum constrangimento, abominam a liberdade de expressão.
Como eles vão reagir ao perceberem que o consenso que conseguiram criar nos últimos 20 anos está se rompendo ainda não sabemos. Mas essa é a grande história desse momento: é preciso investigar o governo militar, responsabilizar culpados e colocá-los de volta nos quartéis de onde não deveriam ter saído. Esse momento é chave para enfraquecê-los e isso não se resolve com o impeachment.
Mostramos no último sábado, aqui na newsletter, como eles já estão se articulando para a eleição do ano que vem. Não tenho dúvida de que Jair Bolsonaro é uma enorme ameaça para a democracia brasileira, mas os militares são ainda piores. Se fraquejarmos agora, se abaixamos a cabeça para as notinhas desaforadas que eles gostam de soltar, onde eles vão parar? Vão aceitar as investigações? E o resultado das eleições do ano que vem, vão respeitar?
A história brasileira é cheia de momentos como esse, em que a pressão sobe e os militares assumem o comando nos jogando em uma temporada obscura. Dessa vez não pode ser assim. É preciso acertar as contas com eles e mostrar sua real face para a população brasileira.
É por tudo isso que estamos mergulhados na cobertura de um grande volume de documentação da CPI. É também por isso que estamos focados em apurar tudo que é relacionado aos militares. Esse foi o tema do nosso programa no YouTube na última quarta-feira, o Cama de Gato, e da newsletter de sábado, apenas para citar dois exemplos.
É esse jornalismo que o Intercept pretende te entregar nos próximos meses. Jornalismo de impacto e de interesse público. Tudo, como sempre, gratuito, aberto, sem paywall, feito de maneira profissional e absolutamente autônoma. Aqui no Intercept, general não fala em off para lustrar a imagem do Exército. Aqui eles são investigados.
Acredito que você compreendeu que esse é um momento crucial. Mas para de fato conseguir entregar tudo que desejamos precisamos de mais ajuda do que em qualquer outro momento.
Estamos em campanha com o objetivo de reunir 5 mil novos assinantes até agosto e está bem difícil chegar lá. Eu realmente estou com medo de não conseguirmos. Estou ciente de todas as dificuldades que enfrentamos no momento, mas eu não tenho outra alternativa que não pedir. Precisamos de muitos novos doadores mensais, com qualquer valor. Porque se conseguirmos reunir mais 2 mil novos apoiadores, com cada um doando 25 reais, sei que teremos força para tocar nosso trabalho com todos os recursos que precisamos.
Por que tão pouco?
Simples: porque para continuarmos verdadeiramente independentes não temos interesse em trabalhar com um único financiador ou com anunciantes. Nosso foco não é atrair milionários. O que nós queremos é criar uma comunidade grande o suficiente que sustente não os salários de quem trabalha aqui apenas, mas o jornalismo de que o país precisa.
Quero te pedir para ponderar o que pode significar para você e para o país uma doação hoje de 25 ou 50 reais para o Intercept. E a partir disso espero que você considere nos ajudar. Sendo muito sincero, tenho convicção de que esta é uma das melhores atitudes políticas que você pode tomar atualmente. Basta clicar aqui.
Se você leu isso tudo, muito obrigado! Eu ainda fico impressionado com o alcance do trabalho do Intercept e às vezes até me assusto como isso aqui cresceu.
Antes de me despedir, uma curta nota pessoal.
Eu já fui auxiliar de serralheiro, montador de box de banheiro, instalador de alarme residencial. Eu nem sabia que existia faculdade de jornalismo. Hoje, não é raro que um texto meu seja lido por uma audiência que equivale a 10 vezes a população da minha cidade no interior de Santa Catarina. Assusta um pouco, mas ao mesmo tempo me anima demais.
Temos uma chance única aqui no Intercept de fazer jornalismo com liberdade, impacto e coragem. É o que eu quero te entregar nos próximos meses e é do que o país precisa. Isso se tornará muito mais fácil se você nos ajudar hoje. Topa? FAÇA PARTE DO TIB →
Um abraço, |
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Leandro Demori Editor-executivo |
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