A ameaça nuclear de Putin deve ser levada a sério?
Desde o fim de setembro, tropas ucranianas têm executado contra-ataques bem-sucedidos nas regiões de Kharkiv, Donetsk, Lugansk e Kherson. As tensões aumentam no Kremilin, enquanto no mundo crescem as preocupações sobre o uso de armas nucleares por parte dos russos, algo que o presidente Vladimir Putin vem ameaçando desde o início da guerra na Ucrânia.
Citando fontes da Otan, o jornal britânico The Times informou que a Rússia estaria preparando testes com armas nucleares no Mar Negro. Além disso, começou a circular na internet um vídeo mostrando um trem militar russo em direção à fronteira com a Ucrânia, e supostamente ligado à 12ª direção central do Ministério da Defesa da Rússia, responsável pelo arsenal nuclear do país.
A escalada nuclear russa
Gerhard Mangott, professor de Relações Internacionais da Universidade de Innsbruck, na Áustria, não subestima o risco de um possível uso de armas nucleares pela Rússia. O trem militar, bem como o deslocamento do submarino K-329 Belgorod, pode significar um "recado nuclear".
"A Rússia mostra à Ucrânia e aos governos ocidentais que não está somente apta, mas também possivelmente disposta a usar armamentos nucleares", diz Mangott. "Neste momento, isso serve principalmente como um elemento dissuasivo. O objetivo é sinalizar que a Ucrânia não deve continuar com a ofensiva e que o Ocidente não deve seguir apoiando a Ucrânia com armas."
Se as ameaças russas não impedirem a contraofensiva ucraniana, Putin poderia avançar para uma próxima fase. "Como uma mensagem radical de 'parem a ofensiva', a Rússia poderia testar uma arma nuclear tática sobre o Mar Negro ou na Península de Kamchatka [no extremo oriente russo]", afirma o professor.
No entanto, se explosões de armas nucleares em áreas desabitadas não surtirem efeito e a Ucrânia continuar a atacar e a retomar territórios, a Rússia poderia, segundo Mangott, usar armamentos estratégicos em regiões povoadas na Ucrânia.
O especialista militar e ex-coronel da Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) Ralph Thiele também acredita que Putin poderia partir para uma próxima fase. Segundo ele, se uma bomba nuclear russa arremessada sobre áreas desabitadas não surtir efeito de dissuasão em Kiev, Moscou poderia passar a mirar alvos políticos e econômicos na Ucrânia.
"Pode ser uma explosão que transmita um impulso eletromagnético a uma área de centenas de quilômetros quadrados, e destrua tudo que funciona por meio de eletricidade: carros, televisores, satélites, computadores, centrais de energia. Essa é uma possibilidade", diz Thiele.
Como o Ocidente reagiria?
A maioria dos especialistas internacionais concorda que mesmo um teste com armas nucleares poderia gerar consequências desastrosas para a Rússia. "Mesmo que seja um teste, que por si só já violaria o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares, ratificado pela Rússia, isso resultaria em severas sanções econômicas e financeiras", diz Gerhard Mangott.
O conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, também alertou para possíveis "consequências desastrosas". Em entrevista à rede CBS no final de setembro, ele disse que funcionários do alto escalão do governo americano deixaram isso claro para o Kremlin, de forma "direta e confidencial, nos mais altos níveis".
Para Mangott, a resposta dos EUA e da Otan provavelmente será também militar. O ex-diretor da CIA (Agência Central de Inteligência americana) David Petraeus disse que Washington e seus aliados estão preparados para destruir todo o exército russo em território ucraniano e afundar toda a frota no Mar Negro.
Esse hipotético ataque, segundo Mangott, seria assimétrico, ou seja, com uso de armas convencionais. "Putin não é informado apenas sobre como o Ocidente reagirá ao uso de uma bomba nuclear, mas também que a Rússia ficará globalmente isolada, e que China e Índia igualmente condenarão tal medida."
A China pode ajudar?
Até o momento, a China vem adotando uma posição neutra em relação à guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, muitos especialistas concordam que Pequim poderia ajudar a impedir que Putin lance um ataque nuclear. Para Ralph Thiele, o Ocidente deveria fazer mais para tornar a China uma aliada estratégica.
"Putin depende da China. Com um maior envolvimento de Pequim, o mundo teria a oportunidade de obter um cessar-fogo como um primeiro passo", diz o especialista militar.
Contudo, para Thiele, o Ocidente não deveria pressionar a China a aderir às sanções contra a Rússia. Isso não seria vantajoso para Pequim. A China está interessada em acabar com a guerra na Ucrânia, principalmente por razões econômicas, afirma ele. O país também não quer que o conflito se transforme numa guerra nuclear.
"Nossos políticos querem manter a China fora da Europa porque acreditam que será difícil lidar com a China econômica e geopoliticamente no futuro. Mas acho que temos que engolir o sapo menor, que é suportar a desagradável e forte presença da China na Europa", afirma Thiele.
O "sinal vermelho" de Putin
Se as advertências americanas terão um efeito de dissuasão para os russos, isso dependerá do desenvolvimento dos combates na Ucrânia, diz Gerhard Mangott. Para o professor, o "sinal vermelho" para Putin poderia ser a tentativa, por parte do exército ucraniano, de retomar a Crimeia– ilegalmente anexada por Moscou em 2014.
"Não consigo imaginar que ele [Putin] ficaria parado assistindo à Ucrânia retomar a Crimeia. Isso colocaria sua posição em perigo imediato e provocaria sua queda. A grande questão é se Putin, para evitar a derrota, teria sangue frio e obsessão suficiente para ir ao extremo de usar uma arma nuclear", diz Mangott.
"Acredito que Putin tem sangue frio e é obcecado o suficiente. Mas há pelo menos um pingo de esperança de que a sua ordem [para o uso das armas] não seja cumprida por aqueles que devem implementá-la."
Mesmo com as ameaças, atualmente não há sinais de que o governo russo tenha decidido utilizar armas nucleares, afirma o especialista.
"Ainda não chegamos a esse ponto. Também não estamos na fase em que a Rússia corre o risco de perder essa guerra de maneira catastrófica. No entanto, a cada derrota que o país sofre nos campos de batalha, a cada reconquista ucraniana de áreas ocupadas por russos, cresce a possibilidade de isso acontecer."
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