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sexta-feira, 19 de maio de 2023

A inserção econômica internacional do Brasil em perspectiva histórica (1999) - Paulo Roberto de Almeida

 Um artigo antigo, que cabe verificar se ainda se sustenta (dos tempos do FHC, antes de Lula): 

713. “A inserção econômica internacional do Brasil em perspectiva histórica”, Washington, 20 outubro 1999, 15 p. Publicado em Cadernos Adenauer 2, “O Brasil no cenário internacional” (São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000, p. 37-56). Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/49115167/A_insercao_economica_internacional_do_Brasil_em_perspectiva_historica_1999_). Anunciado no blog Diplomatizzando (3/06/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/06/a-insercao-economica-internacional-do.html). Relação de Publicados n° 252.

A inserção econômica internacional do Brasil em perspectiva histórica

 
Paulo Roberto de Almeida

Sociólogo. Diplomata.

Cadernos Adenauer 2, “O Brasil no cenário internacional”

São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000, pp. 37-56).

 

O crescimento da economia brasileira registrou grande dinamismo no século XX, pelo menos até seu último quarto: a taxa de expansão do PIB, entre 1870 e 1987, foi de 4,4% ao ano, em média, desempenho poucas vezes igualado na história mundial (Maddison, 1989). Entre 1870 e 1987, o PIB brasileiro foi multiplicado 157 vezes, contra apenas 84 vezes para o Japão e 53 para os Estados Unidos, as duas outras economias de grande dinamismo desde o início da segunda Revolução Industrial. Mesmo considerando-se apenas o período final desse corte temporal, o desempenho da economia brasileira foi impressionante: entre 1957 – data decisiva no processo de modernização brasileira, com a implantação da indústria automobilística – e 1986, a expansão do PIB brasileiro foi de 594,9%, contra um aumento acumulado de apenas 150,4% para o PIB dos Estados Unidos. Em consequência, a distância que separava o PIB nominal brasileiro do dos EUA foi encurtada: de mais de 44 vezes, em 1957, para “apenas” 16 vezes mais em 1986.

Entretanto, a despeito desse desempenho nominal, a economia que mais avançou em termos de renda per capita foi a do Japão, com um crescimento da ordem de 2,7% ao ano no mesmo período, contra apenas 2,1% para o Brasil, este penalizado pelo seu “dinamismo” demográfico. Com efeito, a razão para a diferença de crescimento líquido em relação ao Japão e aos Estados Unidos se situa na vertente do crescimento demográfico, duas vezes mais importante no Brasil ao longo do período, o que reduziu a expansão do seu PIB per capita. Entre o terço final do século XIX e meados do XX, o número de brasileiros triplicou: de um total de 10 milhões de habitantes em 1872 – primeiro recenseamento –, a população brasileira alcançou 41 milhões de pessoas em 1940 e 51 milhões em 1950, tendo triplicado desde então. A taxa de crescimento demográfico, que era de 2,34% ao ano entre 1940 e 1950, passou a 3,17% nos anos 50. Ela caiu para 2,91% ao ano entre 1960 e 1970 e mais ainda a partir dos anos 80 e 90, situando-se num patamar de relativo equilíbrio (menos de 1,6% ao ano), embora com taxas significativas para as zonas rurais e os estratos mais pobres da população.

Adicionalmente à “bomba demográfica”, que diluiu os frutos da expansão do produto, fatores externos a partir dos anos 70 (choques do petróleo em 1973 e 1979, crise da dívida externa em 1982) e obstáculos internos (aceleração da inflação, ruptura de confiança na administração e desorganização da economia) atuaram no sentido de reduzir o ritmo de crescimento. Em consequência, a distância entre o PIB nominal e o PIB per capita do Brasil em relação aos países mais avançados voltou a aumentar.

A estabilização econômica iniciada em 1994 não permitiu a retomada dos índices de crescimento que tinham caracterizado a economia no período mais intenso do processo industrializador. A globalização financeira ofereceu acesso aos capitais (para financiar os déficits em transações correntes), mas criou novos focos de instabilidade em virtude da inversão repentina de alguns desses fluxos. A fase de crises e de turbulências financeiras nas economias emergentes dos anos 1997-99, invertendo a (até então) “irresistível ascensão” das economias asiáticas – e levando muitas delas a um relativo declínio –, ainda está muito próxima para permitir ao observador uma análise isenta e de maior profundidade quanto à verdadeira tendência do ciclo econômico naquela região e, de modo geral, nas economias emergentes. Não há certeza quanto à natureza dos desenvolvimentos nessas economias, inclusive na brasileira, razão pela qual uma análise de tipo estrutural deve se deter na fixação das grandes tendências de desenvolvimento conhecidas no passado. Para a análise do desempenho econômico do Brasil no contexto do sistema mundial desde 1820 valemo-nos da metodologia e das informações compiladas em estudo comparativo do Prof. Angus Maddison (1995), cujos cálculos econométricos, apresentados na Tabela 1, formam a base dos parágrafos seguintes.

 

1. O Brasil de 1820 a 1870: partida difícil, baixa dispersão mundial

Em 1820, às vésperas de iniciar sua vida como Nação independente, o Brasil dispunha de um PIB per capita de 670 dólares, valor que representava cerca da metade da renda média das economias “desenvolvidas” de então (países da Europa ocidental, Estados Unidos, Canadá, Austrália), que se situava em torno de 1.235 dólares. O índice brasileiro estava um pouco abaixo do PIB per capita do Japão (704) e era 13% inferior ao do México (760). 

Em 1870, ou seja 50 anos depois, o Brasil apresenta um PIB per capita de 740 dólares, quase a metade do PIB per capita da Argentina (1.311), que despontava como fornecedor de produtos alimentares (carne e trigo) para os países europeus. A distância do PIB per capita brasileiro em relação à média européia tinha dobrado em meio século, amplitude ainda maior no caso dos EUA, cuja renda era de 2.748 dólares. Mas, o Brasil ultrapassou o México e alcançou o Japão, com 741 dólares per capita. O processo da dispersão de renda per capita entre os países começa a aprofundar-se com a revolução industrial e a aceleração da inovação técnico-científica nos países de cultura européia.

O crescimento real do Brasil nesse meio século tinha sido modesto, à razão de 0,2% de média anual, contra uma média aritmética de 0,9% para os países da Europa ocidental e de 1,3% para os EUA. Essa taxa foi, ainda assim, o dobro da experimentada pelo Japão “feudal”, que tinha conhecido, entre 1820 e 1870, um ritmo de apenas 0,1% de crescimento em seu PIB per capita. Não obstante seu fechamento ao mundo até 1870, o Japão nunca foi, contudo, colônia de exploração como o Brasil, que sempre acumulou “para fora”, mesmo depois de 1822. Em todo caso, a inserção econômica do Brasil era bem superior à do Japão, já que o país exportava, em 1870, cerca de 76 milhões de dólares (ou 7,8 dólares per capita), contra apenas 15 milhões de dólares, no total, para o país asiático (0,4 per capita), que tinha recém iniciado, lembre-se, seu processo de abertura para o exterior, no seguimento da “revolução Meiji”. O Reino Unido era então o líder mundial em exportações, com 971 milhões de dólares (31 dólares per capita), contra apenas 541 milhões para a França, 424 para a Alemanha e 403 para os EUA (14, 11 e 13 dólares per capita, respectivamente).

 

2. O Brasil de 1870 a 1900: crescimento modesto, ascensão do café

Em 1900, 30 anos depois, o Brasil conhece uma regressão no PIB per capita, reduzido a 704 dólares sob impacto do crescimento, ao passo que a Argentina dava uma arrancada, passando de 1.311 a 2.756 dólares, mais do que o dobro da média latino-americana (1.311) e um pouco inferior à média da Europa ocidental (2.899). O Japão também já tinha decolado para um PIB per capita de 1.135 dólares, ainda assim um valor quatro vezes inferior aos índices dos EUA (4.096) e do Reino Unido (4.593). O período era caracterizado por pequena intervenção do Estado na economia, liberdade dos fluxos de capital, moedas estáveis e conversíveis (o Brasil teve taxas de câmbio flutuantes) e um certo liberalismo no comércio internacional (com tarifas altas em países como Brasil e EUA e baixas no Reino Unido).

O Brasil apresentava, a despeito de ser o maior exportador de café e do boom da borracha, a menor renda per capita dos países mais importantes da América Latina, sendo ultrapassado pelo Chile (1.949), pelo México (1.157), pela Colômbia (973) e mesmo pelo Peru (817). O crescimento de seu PIB per capita foi modesto no período, uma vez que, entre 1870 e 1913, a taxa média anual foi de apenas 0,3%, contra 2,5% para a Argentina e 1,7% para o México. A taxa de crescimento estimada por Maddison foi de 1,5% para o continente, valor comparável ao crescimento anual médio do PIB dos países da Europa ocidental (1,3%), superior ao do Japão (1,4%), mas inferior ao dos EUA (1,8%) e do Canadá (2,2%).

 

3. O Brasil de 1900 a 1913: aumentam as distâncias internacionais

Em 1913, o PIB per capita do Brasil continuava a se situar em níveis modestos, de apenas 839 dólares, para uma média de 1.733 na América Latina. A Argentina, com 3.797 dólares, estava num patamar 4,5 vezes superior ao Brasil e superava a própria França, que apresentava um PIB per capita de “apenas” 3.452 dólares, bastante próxima à média européia. A distância do Brasil em relação aos países dinâmicos de cultura ocidental (Austrália, Canadá, Nova Zelândia e EUA) tinha se tornado bem maior, uma vez que estes, com uma renda média de 5.051 dólares, perfaziam 6 vezes o valor do PIB per capita do Brasil. 

O Japão, por sua vez, com um PIB per capita de 1.334 dólares em 1913, ainda estava bem abaixo da média européia ou dos ocidentais “periféricos” (ou da própria Argentina), mas conservava a mesma vantagem nominal, em relação ao Brasil que aquela apresentada em 1900, de cerca de 60% superior à renda brasileira. Ambos os países aumentaram o PIB global, passando o Japão a 17 bilhões de dólares (de 1965) e o Brasil a 2,8 bilhões, mas este último continuava a estar mais inserido na economia mundial (com exportações de 13,3 dólares per capita) do que o Japão (exportando em 1913 menos de 7 dólares por pessoa), embora a distância nesse setor tenha diminuído em relação aos valores de 1870 (7,8 e 0,4 dólares).

Às vésperas da Primeira Guerra, o Brasil permanecia “subdesenvolvido”, sobretudo se comparado à Argentina que, em 43 anos, tinha aumentado a distância em relação ao PIB per capita brasileiro de 1,7 para 4,5 vezes mais. Apesar de ter experimentado uma aceleração de sua taxa de crescimento econômico no período (2,3% de crescimento médio do PIB, entre 1870 e 1913), o Brasil esteve abaixo da média dos países “desenvolvidos” dessa época (com 2,9% de crescimento anual, sendo que os EUA conheciam uma taxa de 4,2%). O crescimento per capita foi ainda mais irrisório para o Brasil, estimado por Maddison em 0,2% ao ano entre 1880 e 1913, contra 1,5% de média ponderada para os países “desenvolvidos” (que é também a média japonesa) e 2% para os EUA. 

O Brasil também acompanhou mal o dinamismo das exportações mundiais, cujo crescimento, no período 1870-1913, se fez à razão de 3,3% ao ano. Praticando uma política comercial que no geral era livre-cambista, o Brasil fixava seus níveis tarifários mais para fins de arrecadação fiscal do que num sentido protecionista e industrializador; a especialização agrária no café e em alguns outros poucos produtos primários (de baixa elasticidade-preço) impediu, por outro lado, a necessária diversificação de sua pauta exportadora, a despeito mesmo de um notável esforço de “promoção comercial” no período. Não obstante os elevados saldos comerciais obtidos a partir da ascensão do café (e da borracha) no mercado mundial, a maior parte dos valores assim liberados destinava-se ao pagamento do serviço da elevada dívida externa acumulada, bem como à cobertura dos investimentos estrangeiros realizados no Império. A dependência da renda nacional em relação às exportações representava fragilidade econômica, pois que submetida à deterioração dos termos do intercâmbio e desorganizando a economia em momentos de queda dos preços mundiais ou de contração dos mercados.

 

4. O mundo entre 1913 e 1950: catástrofes econômicas e sociais

O período de entre guerras, assim como o imediato pós-segunda-guerra são atípicos, no sentido em que os equilíbrios econômicos são rompidos por conflitos na Europa e na Ásia, pela crise de 1929, pela depressão e o protecionismo dos anos 30, pelo fechamento da América Latina ao mercado mundial, enfim, por uma quebra geral da velha ordem liberal, com generalização do intervencionismo e a interrupção dos fluxos financeiros. Os indicadores para 1950 não representam, assim, um reflexo do potencial econômico dos países ou regiões, mas tão simplesmente o resultado da enorme concentração de riqueza nos EUA.

Com um PIB per capita de 1.673 dólares em 1950, o Brasil tinha uma renda inferior à metade da média da América Latina, mas a distância em relação à Argentina diminuiu: esta, que tinha aumentado o PIB a índices 3,9 e a 4,5 superiores aos valores do Brasil em 1900 e em 1913, já não fazia mais, com 4.987 dólares em 1950, do que 2,9 vezes o PIB per capita do Brasil. O Japão, destruído pela guerra, detinha, com 1.873 dólares, um PIB per capita apenas 12% superior ao do Brasil (é bem verdade que com uma população bem superior, de 83 milhões de habitantes, para apenas 52 milhões no Brasil). O PIB per capita do Brasil era ainda próximo da Grécia, superior ao da Turquia, representando o dobro da média da Ásia (863 dólares). Os EUA ostentavam 9.573 dólares, contra uma média de 5.513 para a Europa ocidental: a distância em relação ao PIB per capita brasileiro, que tinha aumentado entre 1820 e 1913 (passando de +1,9 a +6,3), vem a diminuir para “apenas” 5,7 vezes em 1950. 

Deve-se reconhecer, nesse sentido, o relativo dinamismo do crescimento brasileiro no período 1913-1950, estimado em uma média de 1,9% reais (isto é, PIB per capita) ao ano, contra apenas 1,2% para a Europa ocidental e 1,6% para os EUA. O crescimento demográfico no Brasil foi intenso, mas os Estados Unidos, que também tinham conhecido um aumento de população, passaram mais cedo pelo processo de transição, isto é, a redução tanto das taxas de natalidade, como de mortalidade. O Japão, que vinha conhecendo altas taxas de crescimento econômico no período anterior à segunda guerra, contabilizou, em virtude das destruições materiais, apenas 0,9% de crescimento real do produto no período global compreendido entre 1913 e 1950. Sua recuperação foi entretanto bastante rápida, evidenciando o papel crucial do capital humano como fator de desenvolvimento.

 

5. O grande crescimento de 1950 a 1973: a Ásia e o Brasil decolam

As mudanças decisivas nos desempenhos relativos dessas economias iriam se dar no período posterior a 1950, em especial a partir dos anos 70, coincidindo aliás com uma expansão notável do comércio internacional, transformado em motor do crescimento mundial. Entre 1950 e 1973, o ritmo de crescimento é importante em todas as regiões, à exceção da África, com destaque para a Europa ocidental (3,8% de aumento anual médio do PIB per capita, mas 5% para a Alemanha e Itália) e meridional (4,8% na média, com 5,8 na Espanha e 5,7 em Portugal), ademais da Ásia (3,1% na média, mas 8% para o Japão). A América Latina teve um desempenho apenas médio, com 2,4% de crescimento anual (similar aos EUA). 

O Brasil se destacaria na região, com 3,8% de aumento real por ano, considerando-se sua igualmente alta taxa de crescimento populacional, de 2,9% ao ano no período (enquanto o Japão já tinha diminuído a sua para 1,1%). Assiste-se nesse período a um rápido processo de industrialização no Brasil, movido por ativas políticas intervencionistas, ao mesmo tempo em que o Estado se tornava fator inflacionário, ao ordenar investimentos e gastos correntes não com base em arrecadação e poupança mas em emissões não cobertas pelo orçamento.

A natureza do crescimento é, portanto, diversa nos países dinâmicos, sobretudo no que se refere à inserção internacional de cada uma das economias. Enquanto a Alemanha e o Japão aumentam extraordinariamente o nível de suas respectivas exportações per capita (passando a primeira de modestos 40 dólares em 1950, para 1.090 em 1973, e o segundo de 10 a 340 no mesmo período), o Brasil marca passo, incrementando suas exportações de 26 dólares por habitante para modestos 62 dólares no quarto de século decorrido. 

O diferencial de taxas de crescimento populacional entre as regiões explica em parte o aumento na dispersão dos indicadores relativos à renda pessoal. Enquanto os países da Europa ocidental e meridional conheciam, nos anos 1950 a 1973, taxas de incremento anual de suas populações de 0,8 e 0,9% respectivamente, a América Latina, a Ásia e a África experimentavam taxas de 2,8, 2,3 e 2,7%, com o pico assinalado de 2,9% para o Brasil e de um controle notável para o Japão, com apenas 1,1%. Os EUA experimentam um decréscimo, de uma taxa histórica de 2,1% no período 1820-1950, para apenas 1,4% (mantido elevado devido ao afluxo de imigrantes) nos anos 1950-1973. Nesse período, a dispersão de renda entre os EUA e os demais países ocidentais diminui bastante, ao mesmo tempo em que esta continua a aumentar em relação às demais regiões do mundo. A Ásia, que tinha crescido muito pouco até 1950, começa a recuperar terreno desde então, e muitos países realizam um notável catch-up econômico e social no quadro do fenômeno global da “divergência” de renda. Depois de 1950, a América Latina continuou a crescer, mas o fez a um ritmo bem mais lento do que o dos países da OCDE e da Ásia. 

O Brasil chega assim a 1973 com um PIB per capita de 3.913 dólares, ainda inferior (em 28%) ao da média latino-americana (de 5.017), mas já menor em 50% apenas em relação à renda argentina (7.970). Ainda assim, a distância em relação ao Japão torna-se dramática, uma vez que o país asiático tinha chegado a mais de 11 mil dólares em 1973, multiplicando 5 vezes seu PIB per capita de 1950, contra uma modesta duplicação no caso brasileiro. A distância em relação aos demais países desenvolvidos, sobretudo os EUA, diminui nesse período, mas a recuperação mais importante para o Brasil se situa mesmo no interior da própria região latino-americana: de 1:2 para 1:1,2). 

 

6. Crise e crescimento de 1973 a 1992: as diferenças se acentuam

O ritmo de crescimento entre as regiões, que nunca foi uniforme ao longo de todo o período aqui enfocado, torna-se ainda mais diferenciado nessa fase. Sob o impacto de choques monetários, de mudanças na oferta energética e da aceleração da inflação, o crescimento diminuiu em todas as áreas, com exceção da Ásia. Depois da recuperação das economias no pós-guerra, a produtividade diminuiu nos países avançados, processo acompanhado do fenômeno contraditório da estagflação e de um aumento nas taxas de desemprego.

A despeito do choque petrolífero de 1973, que atingiu mais o Brasil, como importador líquido, o crescimento na América Latina não diminuiu tanto como no centro capitalista: os países se acomodaram com altas taxas de inflação e, os que não eram exportadores de petróleo, foram capazes de atrair capitais nos mercados internacionais para financiar déficits de balanço de pagamentos. O choque maior veio com a crise da dívida, nos anos 80, quando os fluxos financeiros se interromperam e começou uma dramática drenagem de recursos reais: o serviço da dívida aumenta exponencialmente e, com o aumento nas taxas de juros, a região torna-se exportadora líquida de capitais. O Brasil, que tinha enfrentado mais um aumento da fatura petrolífera em 1979, apresenta um comportamento errático desde então, com fases de crescimento alternando-se com momentos de recessão, paralelamente ao aumento da inflação.

O desempenho exportador do Brasil é contraditório, com diversificação geográfica e qualitativa da pauta exportadora, mas pouco aumento da participação efetiva no comércio internacional. O Brasil, que até essa época tinha problemas em sua conta corrente, torna-se, por força do problema da dívida, um país “estruturalmente exportador”, que passa a liberar grandes saldos em sua balança comercial: praticamente o terceiro excedente comercial do mundo depois da Alemanha e do Japão. Mas, as diferenças são ainda consideráveis nesse setor, quando comparados os desempenhos dos mesmos países. Na primeira fase desse período, que se estende até 1987, a Alemanha, ao triplicar o nível de suas vendas externas, tornava-se o primeiro exportador mundial per capita (com 3.000 dólares por habitante) enquanto o Japão multiplicava as suas por 4,4, atingindo 1.467 dólares per capita, quase duas vezes o índice dos EUA. 

O Brasil, mesmo aumentando significativamente o volume e diversificando o destino de suas exportações, saiu de seu modesto patamar de 62 dólares em 1973 para pouco mais de 191 dólares por habitante em 1987, valor bastante inferior aos 283 do México, cuja população se situava na faixa dos 82 milhões de habitantes, para 140 do Brasil. Em 1992, o Brasil tinha conseguido elevar suas exportações a 240 dólares per capita, um valor ínfimo comparado ao de diversos exportadores dinâmicos da Ásia. De fato, a América Latina como um todo perde espaço nos mercados internacionais: de uma participação de 7% nas exportações globais em 1982, a região não consegue colocar mais do que 5,7% em 1986, valor ainda reduzido para 5,5% em 1992. Em contraste, a Ásia, mesmo sem considerar o Japão (que passa, individualmente, de 9 a 12,3%), aumenta sua participação nas vendas totais de 12,8%, em 1982, para 19,8% em 1992. A Europa comunitária e a América do Norte também aumentam, embora em níveis mais modestos, suas partes relativas nas exportações mundiais, sendo que a África, o Oriente Médio e os socialistas experimentam dramáticos declínios nessa frente.

Precisamente, a dispersão de rendas se agrava na fase recente, não apenas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, como também entre estes últimos, como resultado do dinamismo econômico dos países asiáticos e da relativa estagnação da América Latina. O Brasil, país relativamente dinâmico a despeito de graves problemas macroestruturais, chega em 1992 dispondo de um PIB per capita de 4.637 dólares, aproximando-se cada vez mais da Argentina (7.616). Este país, surpreendentemente, foi um dos poucos no mundo (junto com o Chile) a não se beneficiar das grandes taxas de crescimento dos anos 1950-1973, continuando a apresentar baixo desempenho nas duas décadas seguintes. Como resultado, a relação das rendas respectivas, que em 1913 se situava em 1:4,5 em favor da Argentina, tinha diminuído para 2 em 1973 e apenas 1,6 em 1992, não considerando outros fatores de redução adicional do diferencial como a provável importância maior do mercado de trabalho informal no Brasil. Embora aumentando momentaneamente sua distância em relação aos níveis de rendimentos prevalecentes nos países desenvolvidos, o Brasil também tinha se aproximado bastante da renda média de sua região, já que esta era apenas 20% mais elevada que o PIB per capita do Brasil: tanto o País avançou como a América Latina estagnou no decurso dos 80. 

Esse avanço foi entretanto modesto em termos históricos, pois que, de 1973 a 1992, o ritmo anual de crescimento do PIB per capita no Brasil não ultrapassou 0,9% (mas, ele foi de -0,2% para a Argentina e de -1,7% para o Peru), contra uma média aritmética de 1,8% para os países da Europa ocidental e 1,4% para os EUA. Na América Latina, cujo desempenho geral foi de apenas 0,4% de crescimento por ano, os países de melhor desempenho foram a Colômbia e o Chile, ambos com taxas anuais de aumento do PIB per capita de 1,9% de 1973 a 1992. Em contraste, o ritmo anual conhecido na Ásia foi de 3,5% de crescimento médio anual, com os picos de 6,9% para a Coréia do Sul, de 6,2% para Taiwan, 5,2% para a China e “apenas” 3% para o Japão. Tanto os países africanos como os socialistas enfrentavam nesse período taxas negativas de 0,4 e 0,8% respectivamente, conhecendo uma deterioração dramática das condições de vida.

 

7. Desempenho do Brasil e da economia mundial: visão geral

Ao longo do período 1820-1992, demonstrando um desempenho positivo em face das demais regiões do mundo, a América Latina conseguiu manter sua participação no produto mundial, embora em diminuição na fase recente. Assim, mesmo aumentando sua parte na população mundial de apenas, 1,9% do total, em 1820, para 6,4% em 1950 e 8,5% em 1992, a região latino-americana realizou um desempenho satisfatório em termos de crescimento do produto global, saindo de um modesto 2,2% do total da produção mundial, em 1820, para 7,5% em 1950 e 8,2% em 1973, mas caindo para 8% em 1992. Ela passa de um ritmo de crescimento anual de apenas 1,9% no período 1820-1900, para uma taxa de 3,6% no meio século seguinte, até atingir 5,3% ao ano na fase de grande crescimento dos anos 1950-1973. 

O período recente foi entretanto de um desempenho medíocre em termos históricos, de apenas 2,8% de crescimento anual do PIB, ainda assim com grandes contrastes internos. Quando confrontado o ritmo de crescimento do produto bruto ao do aumento do PIB per capita, o desempenho da América Latina é menos espetacular, em vista das altas taxas registradas de aumento de sua população: a região que, entre todas neste século, conheceu as taxas mais elevadas de expansão demográfica, passou de um crescimento anual médio do produto per capita de apenas 0,4% no período 1820-1900, para 1,7% na primeira metade deste século e 2,5% entre 1950 e 1973, para cair a apenas 0,5% ao ano na fase recente (1973-1992). Ainda assim, a largo prazo seu desempenho pode ser considerado como satisfatório. A renda per capita da América Latina era provavelmente nove vezes mais elevada em 1992 do que em 1820. Considerando portanto esse desempenho em termos de crescimento do produto, um dos fatores responsáveis pelo relativo atraso latino-americano foi o incremento dramático de sua base populacional, o que deve ter contribuído para aumentar a distância da região em relação à renda média dos países desenvolvidos (e uma maior convergência em face do aumento da renda global e do desempenho das outras regiões em desenvolvimento).

A Ásia foi a região que mais cresceu no mundo, tanto em termos globais como em base per capita, mas seu comportamento de longo curso foi menos regular do que o da América Latina. A fase recente viu entretanto a afirmação da região asiática, que aumenta sua participação no PIB mundial de 24,7% em 1973 para 36,9% em 1992, quando todas as demais regiões viam suas partes mais ou menos diminuídas. 

O Brasil não teve um padrão de desempenho econômico diferente da América Latina, mas seu desempenho foi mais satisfatório em termos de crescimento no período de pouco mais de um século que vai de 1870 aos anos 1980. Abstraindo-se, portanto, as fases inicial (1820-1870) e final (década de 80) do período considerado, o Brasil pode orgulhar-se de um desempenho satisfatório, pelo menos em termos de incremento da base produtiva. Assim, a despeito do deliberado ou involuntário intervencionismo estatal a partir dos anos 30 – alguns diriam provavelmente graças a ele –, os desafios externos e internos ao crescimento do País foram enfrentados com resultados positivos, logrando-se um grau razoável de expansão da oferta global. Critérios básicos da produção bruta foram, assim, amplamente atendidos, logrando-se portanto um “progresso” material, o que não significa, contudo, um alto grau de desenvolvimento social ou cultural para a maior parte da população, uma vez que foram preservados os baixos padrões educacionais. 

Aspectos menos positivos desse processo de crescimento foram evidenciados na inadaptação da sociedade e da máquina do Estado às necessidades do progresso tecnológico, na irresponsabilidade fiscal e na permissividade emissionista e inflacionária dos responsáveis governamentais, na extrema desigualdade da repartição da renda global disponível (e uma intolerável concentração desta última nos estratos mais ricos), bem como em uma tolerância dramática da elite em relação aos baixos padrões culturais da maior parte da população. 

Outras insuficiências de seu processo de desenvolvimento revelam-se, ainda atualmente, no baixo coeficiente de abertura externa da economia brasileira, resultado de um processo de meio século (de 1930 a 1980) de fechamento internacional no seguimento da crise de 1929 e da depressão dos anos 30. Com efeito, como evidenciado na Tabela 2, o Brasil conhece uma “involução” ao longo do período, saindo de um percentual das exportações em relação ao PIB equivalente a mais do que o dobro da média mundial em 1870 (11,8% contra 5,0%) para cerca de um terço daquela média em 1992 (4,7% para 13,5%), o que denota uma considerável perda de dinamismo, uma vez que o comércio exterior é, reconhecidamente, um dos mais poderosos indutores do crescimento econômico, da modernização tecnológica e dos ganhos de competitividade. 

Uma evolução positiva para uma maior inserção econômica internacional começou, entretanto, a ser observada desde meados dos anos 80 e início dos 90, quando se dá a partida, timidamente no começo, a processos de reforma tarifária e de liberalização comercial e de integração econômica com a Argentina, este último acelerado e ampliado de forma quadrilateral, em 1991, no contexto do Mercosul (Almeida, 1998). Em outros termos, o Brasil passou a incorporar-se, embora ainda timidamente, ao grande movimento de interdependência característico da economia mundial no final do século XX.

 

 

Bibliografia:

Almeida, Paulo Roberto. Mercosul: fundamentos e perspectivas. São Paulo: LTr, 1998.

–––– . O estudo das relações internacionais do Brasil. São Paulo: Unimarco, 1999.

Maddison, Angus. “Desempenho da Economia Mundial desde 1870” in Norman Gall et alii, Nova Era da Economia MundialSão Paulo: Pioneira, 1989, pp. 19-36

——— . Monitoring the World Economy, 1820-1992. Paris: OECD, 1995

 

Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/49115167/A_insercao_economica_internacional_do_Brasil_em_perspectiva_historica_1999_).

 


 

 

Tabela 1 (A)

Evolução histórica do PIB per capita, 1820-1992

(dólares internacionais a preços de 1990)

 

Países

1820

1870

1900

1913

1950

1973

1992

Grã-Bretanha

1.756

3.263

4.593

5.032

6.847

11.992

15.738

Estados Unidos

1.287

2.457

4.096

5.307

9.573

16.607

21.558

Alemanha

1.112

1.913

3.134

3.833

4.281

13.152

19.351

França

1.218

1.858

2.849

3.452

5.221

12.940

17.959

Canadá

893

1.620

2.758

4.213

7.047

13.644

18.159

Austrália

1.528

3.801

4.299

5.505

7.218

12.485

16.237

Japão

704

741

1.135

1.334

1.873

11.017

19.425

China

523

523

652

688

614

1.186

3.098

México

760

710

1.157

1.467

2.085

4.189

5.112

Argentina

1.371

2.756

3.797

4.987

7.970

7.616

Brasil

670

740

704

839

1.673

3.913

4.637

  Mundo

651

5.145

Fonte: Angus Maddison, Monitoring the World Economy, 1820-1992

 

 

Tabela 1 (B)

Taxa média de crescimento anual do PIB per capita, 1820-1992

 

Países

selecionados

1820

1870

1870

1913

1913

1950

1950

1973

1973

1992

Grã-Bretanha

1,2

1,0

0,8

2,5

1,4

Estados Unidos

1,3

1,8

1,6

2,4

1,4

Alemanha

1,1

1,6

0,3

5,0

2,1

França

0,8

1,5

1,1

4,0

1,7

Canadá

1,2

2,2

1,4

2,9

1,5

Austrália

1,8

0,9

0,7

2,4

1,4

Japão

0,1

1,4

0,9

8,0

3,0

China

0,0

0,6

-0,3

2,9

5,2

México

-0,1

1,7

1,0

3,1

1,1

Argentina

2,5

0,7

2,1

-0,2

Brasil

0,2

0,3

1,9

3,8

0,9

  Mundo

0,6

1,3

0,9

2,9

1,2

Fonte: Angus Maddison, Monitoring the World Economy, 1820-1992

 


 

 

 

Tabela 2

Exportações de mercadorias em % do PIB, 1820-1992 

(exportações e PIB em preços de 1990)

 

1820

1870

1900

1913

1950

1973

1992

Estados Unidos

2,0

2,5

3,7

3,6

3,0

5,0

8,2

Japão

0,2

2,4

3,5

2,3

7,9

12,4

Alemanha

9,5

15,6

12,8

6,2

23,8

32,6

França

1,3

4,9

8,2

8,6

7,7

15,4

22,9

Grã-Bretanha

3,1

12,0

17,7

13,3

11,4

14,0

21,4

Canadá

12,0

12,2

15,8

13,0

19,9

27,2

Austrália

7,4

12,8

11,2

9,1

11,2

16,9

China

0,7

1,4

1,7

1,9

1,1

2,3

Coréia

0,0

0,0

1,0

4,5

1,0

8,2

17,8

México

3,7

10,8

14,8

3,5

2,2

6,4

Argentina

9,4

6,8

6,1

2,4

2,1

4,3

Brasil

11,8

9,5

7,1

4,0

2,6

4,7

Mundo

1,0

5,0

8,7

9,0

7,0

11,2

13,5

Fonte: Elaboração a partir de Angus Maddison, Monitoring the World Economy, 1820-1992

 

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