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domingo, 21 de maio de 2023

Discurso de Lula no G7 de Hiroshima, relido e comentado - Paulo Roberto de Almeida

         Discurso de Lula no G7 de Hiroshima, relido e comentado  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(diplomatizzando.blogspot.com)

Comentários ao discurso do presidente Lula, no encontro do G7 com países convidados, confrontando seus argumentos a certos dados da realidade e das tradições da política externa brasileira.

 

 

Procedo da forma habitual neste tipo de exercício: divido cada frase em células individuais, colocando na coluna da esquerda o texto original e na coluna da direita (não por isso) os meus comentários, geralmente de natureza crítica, como geralmente leitores focados nos argumentos e nos seus subentendidos costumam fazer.

 

Discurso de Lula

Comentários Paulo Roberto de Almeida

Hiroshima é o cenário propício para uma reflexão sobre as catastróficas consequências de todos os tipos de conflito. Essa reflexão é urgente e necessária. Hoje, o risco de uma guerra nuclear está no nível mais alto desde o auge da Guerra Fria.

Sim, o risco é alto, mas caberia indicar o chefe de Estado que vem agitando tal possibilidade, num sentido diretamente conectado à guerra de agressão que ele iniciou e no quadro da qual vem fazendo seguidas ameaças nesse sentido. Lula deveria refletir objetivamente tal fato.

Em 1945, a ONU foi fundada para evitar uma nova Guerra Mundial. Mas os mecanismos multilaterais de prevenção e resolução de conflitos já não funcionam.

Engano de Lula; o funcionamento dos mecanismos multilaterais de prevenção e resolução de conflitos depende basicamente das cinco grandes potências e uma delas desalinhou.

O mundo já não é o mesmo. Guerras nos moldes tradicionais continuam eclodindo, e vemos retrocessos preocupantes no regime de não-proliferação nuclear, que necessariamente terá que incluir a dimensão do desarmamento.

O mundo, na verdade, é sempre o mesmo, e paixões e interesses de dirigentes não afeitos às vias pacíficas continuam criando conflitos e deslanchando guerras. O desarmamento é uma boa miragem, ideal, mas não muito realista.

As armas nucleares não são fonte de segurança, mas instrumento de extermínio em massa que nega nossa humanidade e ameaça a continuidade da vida na Terra.

Um argumento banal, mil vezes repetidos. De fato, as armas nucleares, mais do que a ONU, garantiram um mínimo de dissuasão que evitou que as grandes potências chegassem ao extremo.

Enquanto existirem armas nucleares, sempre haverá a possibilidade de seu uso. 

Foi por essa razão que o Brasil se engajou ativamente nas negociações do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares, que esperamos poder ratificar em breve.

Militares e diplomatas brasileiros tentaram, no passado, capacitar o Brasil nuclearmente, mas não tínhamos tecnologia e sofremos a contenção das potências oficialmente nucleares. Uma vez capacitados, estaríamos dispostos a pregar o desarmamento nuclear? É uma questão...

Em linha com a Carta das Nações Unidas, repudiamos veementemente o uso da força como meio de resolver disputas. Condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia.

É o mínimo que se espera do Brasil. Condenar em abstrato o uso da força e a violação genérica feita contra a Ucrânia é insuficiente, pois que não identificam a Rússia como a agressora.

Ao mesmo tempo, a cada dia em que os combates prosseguem, aumentam o sofrimento humano, a perda de vidas e a destruição de lares.

Os combates só prosseguem porque o agressor continua atacando, mesmo depois de condenado pela maioria dos países membros da ONU; só existe perda de vidas e destruição na Ucrânia.

Tenho repetido quase à exaustão que é preciso falar da paz. Nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Precisamos trabalhar para criar o espaço para negociações.

Todos os grandes líderes mundiais falaram de paz, antes e agora; o agressor não está motivado para negociações; o agredido deveria deixar de se defender? É preciso ser racional e realista.

Também não podemos perder de vista que os desafios à paz e à segurança que atualmente afligem o mundo vão muito além da Europa.

Trata-se de uma constatação da mais elementar evidência fática; o desafio atual possuir efeitos e consequências para todo o mundo.   

Israelenses e palestinos, armênios e azéris, cossovares e sérvios precisam de paz. Yemenitas, sírios, líbios e sudaneses, todos merecem viver em paz. Esses conflitos deveriam receber o mesmo grau de mobilização internacional.

De fato, deveriam, mas nenhum deles apresenta as mesmas características: agressão unilateral feita por uma grande potência, usando todo o seu arsenal militar contra um país mais fraco. Não é o caso de todos os demais conflitos citados, ainda que graves; cabe saber distinguir.

No Haiti, precisamos agir com rapidez para aliviar o sofrimento de uma população dilacerada pela tragédia. O flagelo a que está submetido o povo haitiano é consequência de décadas de indiferença quanto às reais necessidades do país. Há anos o Brasil vem dizendo que o problema do Haiti não é só de segurança, mas, sobretudo, de desenvolvimento.

Conflitos políticos e sociais internos incumbem primeiramente à comunidade nacional buscar sua resolução, certamente pelo desenvolvimento e bem-estar social. Mas a comunidade mundial não pode ser acusa de indiferença em relação ao Haiti, tanto que mobilizou a ONU e outros órgãos na busca de uma solução, que deve ser buscada primeiramente dentro do país.

O hiato entre esses desafios e a governança global que temos continua crescendo. A falta de reforma do Conselho de Segurança é o componente incontornável do problema.

Governança global é uma responsabilidade das potências que possuem capacidade de enfrentar desafios. O atual CSNU é o resultado do desafio precedente à ordem global; sua reforma ajuda?

O Conselho encontra-se mais paralisado do que nunca. Membros permanentes continuam a longa tradição de travar guerras não autorizadas pelo órgão, seja em busca de expansão territorial, seja em busca de mudança de regime.

A expansão territorial está bem caracterizada no caso da Ucrânia, e caberia apontar o responsável por essa guerra não autorizada pelo CSNU, o mesmo que vem paralisando a sua atuação. É também o mesmo que quer mudança de regime.

Mesmo sem conseguir prevenir ou resolver conflitos através do órgão, alguns países insistem em ampliar a agenda do Conselho cada vez mais, trazendo novos temas que deveriam ser tratados em outros espaços do sistema ONU.

Correto, mas deve ser porque o CSNU é único em sua capacidade decisória de última instância e sua palavra é lei. Resoluções de outros órgãos não possuem a eficácia necessária para buscar a solução para os desafios mais complexos. 

O resultado é que hoje temos um Conselho que não dá conta nem dos problemas antigos, nem dos atuais, muito menos dos futuros.

Um tipo de avaliação subjetiva, pois o CSNU não pode ir além do que lhe permitem os cinco membros permanentes. São eles os incapazes.

O Brasil vive em paz com seus vizinhos há mais de 150 anos. Fizemos da América Latina uma região sem armas nucleares. Também nos orgulhamos de ter construído, junto com vizinhos africanos, uma zona de paz e não proliferação nuclear no Atlântico Sul.

Não foi apenas o Brasil quem tornou a AL livre de armas nucleares. A iniciativa brasileira sobre o Atlântico Sul é meritória, mas não depende apenas dos países ribeirinhos garantir essa zona de paz; as potências nucleares já aceitaram as premissas desse tratado? O que falta fazer?

Testemunhamos a emergência de uma ordem multipolar que, se for bem recebida e cultivada, pode beneficiar a todos

A multipolaridade, que é um efeito, não um mecanismo autoaplicável, não garante por si só uma ordem mundial sustentavelmente pacífica.

A multipolaridade que o Brasil almeja é baseada na primazia do direito internacional e na promoção do multilateralismo.

Não se poderia esperar outra coisa de um país que tem esses princípios na sua Carga Magna. É, digamos, a boa multipolaridade; há outras...

Reeditar a Guerra Fria seria uma insensatez.

A responsabilidade incumbe aos hegemons.

Dividir o mundo entre Leste e Oeste ou Norte e Sul seria tão anacrônico quanto inócuo.

Quando se fala de um indefinível Sul Global já se está dividindo o mundo entre Norte e Sul.

É preciso romper com a lógica de alianças excludentes e de falsos conflitos entre civilizações.

A história humana é feita de cooperação, mas também de alianças, defensivas ou agressivas. Não é bem lógica, mas é uma história concreta.

É inadiável reforçar a ideia de que a cooperação, que respeite as diferenças, é o caminho correto a seguir.

Uma excelente recomendação. Caberia levar essa boa ideia aos países que estão recusando a cooperação e apelando à agressão. Pode ser?

Muito obrigado.

O G7, o mundo querem a cooperação do Brasil.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4402: 21 maio 2023, 3 p.


 

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