BC tem primeiro ano sem fazer leilões extras de dólar desde o início do câmbio flutuante, em 1999
Folha de S. Paulo | Mercado
10 de janeiro de 2024
BC tem primeiro ano sem fazer leilões extras de dólar desde o início do câmbio flutuante, em 1999
Nathalia Garcia
brasília O Banco Central atravessou 2023 sem ter realizado leilões extras de dólar em meio a um cenário de baixa volatilidade do real e de forte fluxo comercial. Essa foi a menor intervenção da autoridade monetária desde a adoção do regime de câmbio flutuante no país, em 1999.
A informação foi publicada pelo Valor e confirmada pela Folha. No ano passado, o BC não fez leilões extraordinários de contratos de swap cambial e conduziu apenas as rolagens integrais já previstas no cronograma ao longo dos meses.
Em uma operação chamada de "swap" (troca, em inglês), o BC opera com contratos financeiros. Nela, há simultaneamente a troca de taxas ou rentabilidade de ativos.
O objetivo é prover proteção contra variações excessivas do dólar em relação ao real (hedge cambial) e liquidez ao mercado doméstico.
A compra de contrato de swap pelo BC funciona como injeção de dólares no mercado futuro e quem compra está protegido em caso de desvalorização do real.
É um instrumento usado para evitar disfunção no mercado de câmbio, assegurando que haja oferta para atender a um aumento de procura pela moeda estrangeira.
Em 2023, o BC também não efetuou compra ou venda de dólares no mercado à vista.
Nessa modalidade, a autoridade monetária vende reservas internacionais, sem compromisso de recompra, e o dinheiro é injetado no mercado.
Foi uma alternativa mais recorrente no governo de Fernando Henrique Cardoso, durante o câmbio fixo.
A instituição também não promoveu novos leilões de linha no ano passado. Nesse caso, o BC também vende reservas internacionais no mercado à vista, mas com o compromisso de recompra em um prazo determinado.
Além de aliviar as pressões por demanda de dólar em momentos mais sensíveis, preserva o colchão financeiro por funcionar como uma espécie de empréstimo de moeda estrangeira.
BC não viu necessidade de fazer novos leilões ao longo de 2023 por causa do comportamento "um pouco mais benigno" do câmbio no ano. A cotação do dólar caiu de R$ 5,34 a RS 4,84 em 2023.
Ela ressalta o cenário mais positivo da economia brasileira ao término do ano, com recuo da inflação, ciclo de queda de juros e elevação da nota de crédito soberano do Brasil por agências de classificação de risco, o que colabora para um câmbio mais comportado.
Para Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, a menor intervenção do BC é explicada principalmente pelo forte fluxo comercial de câmbio no mercado à vista, impulsionado pelo superávit recorde da balança comercial de quase US$ 100 bilhões.
O economista ressalta que o país passa por mudanças estruturais, tendo o superávit comercial sido puxado pelo forte aumento dos volumes exportados de commodities agrícolas, minérios e petróleo.
"Ficamos menos dependentes dos fluxos financeiros. O déficit em contas correntes caiu de uma média de 3% do PIB [Produto Interno Bruto] nos últimos dez anos para cerca de 1,5% do PIB."
De acordo com Reinaldo Le Grazie, sócio da Panamby Capital e ex-diretor do BC, o fluxo "muito positivo" de 2023 talvez tenha contrabalançado um movimento que vinha de anos anteriores e pesava na volatilidade do câmbio, como a desalavancagem - redução das dívidas - de grandes empresas, como a Vale.
Ele cita também como contribuição para "calmaria" o fim do overhedge cambial, que é uma proteção excessiva dos bancos em moeda estrangeira no exterior.
"Foi o suficiente para manter o mercado irrigado sem necessidade de o BC comprar dólar. Sempre que tem menos intervenção é bom para a economia, principalmente para quem tem cabeça mais liberal", afirma ele.
Para 2024, os economistas consideram que a volatilidade do câmbio no Brasil dependerá da condução da política de juros do Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) e de riscos geopolíticos no cenário global.
No ambiente doméstico, a trajetória das contas públicas é a principal preocupação dos economistas. Há ceticismo com a viabilidade da meta de déficit zero neste ano, como defendida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
"O risco é a nossa situação fiscal, que se fragilizou com o déficit e a dívida pública em alta", diz Kawall.
Quartaroli acrescenta que o país deve ter menor arrecadação de receitas neste ano com a projeção de crescimento menor do PIB. "Se a gente continuar aumentando o gasto e a conta fiscal não fechar, isso tende a ser um risco", afirma.
Sobre a atuação do BC para o cenário à frente, Le Grazie diz que é difícil descartar futuras interferências no caso de países emergentes, como o Brasil, que ficam mais sujeitos a variações cambiais.
"No pronto [mercado à vista] e em swap, não vejo mudança de atuação, de estratégia. Acho que houve uma mudança de comportamento em 2023 em função das condições de mercado. É difícil imaginar que a gente, daqui em diante, nunca mais vai ter de fazer intervenção", diz.
"Já no [leilão] de linha, ficou evidente que o mercado se ajeita e não precisa da participação do BC", afirma
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