Morre em Brasília o embaixador Samuel Pinheiro, secretário do Itamaraty nos primeiros governos de Lula Embaixador tinha 84 anos e teve extensa carreira nas relações internacionais.
Morre Samuel Pinheiro Guimarães Neto, que foi secretário-geral do Itamaraty na 1ª gestão Lula
Diplomata morto aos 84 anos se destacou na formulação de políticas de integração regional, sobretudo o Mercosul SÃO PAULO E BOA VISTA Secretário-geral do Itamaraty —cargo inferior apenas ao de chanceler na carreira diplomática— nos primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães morreu na manhã desta segunda-feira (29), aos 84 anos. A informação foi confirmada pela própria pasta. Em nota, o órgão afirma que o diplomata, que serviu como secretário-geral entre 2003 e 2009, foi "protagonista na formulação e execução da política externa brasileira". Também destacou-se na formulação de políticas de integração regional, sobretudo o Mercosul —em 2011, ele assumiu a representação brasileira no bloco. Colegas de profissão exaltaram a contribuição de Guimarães para a diplomacia brasileira. "Um patriota como poucos.
O melhor e mais devotado servidor público que conheci. Um idealista de grande rigor intelectual e de imensa capacidade de trabalho. Perco um grande amigo", disse Celso Amorim, assessor especial da Presidência para política externa e chanceler quando Guimarães foi secretário-geral do Itamaraty, em nota enviada à Folha. O diplomata ainda era reconhecido pela defesa firme do interesse nacional e do próprio Itamaraty, para o qual conseguiu recursos considerados importantes quando foi secretário-geral segundo seus pares. Ao mesmo tempo, mesmo colegas que divergiam ideologicamente do diplomata não deixam de descrevê-lo como uma pessoa correta, honesta e de forte personalidade. "Embora sempre muito enfático ao defender seus pontos de vista, possuía uma cordialidade natural —aliada a um apurado sentido de humor— que cativava com facilidade seus interlocutores", escreveu à Folha o ex-chanceler Antonio Patriota, que substituiu Guimarães na secretaria-geral em 2009.
"Ele tinha muito clara a noção de que éramos servidores públicos e que tínhamos uma missão a cumprir em favor do Brasil. E que precisávamos de condições para isso", afirma Alexandre Vidal Porto, diplomata e escritor. Ainda no âmbito do ministério, Vidal Porto ressalta a atuação de Guimarães para aprovação do passaporte para cônjuges do mesmo sexo, antes mesmo da aprovação da legislação sobre o assunto. "Ele já havia patrocinado regulamentação interna do Itamaraty, foi algo que fez a diferença na vida de muita gente", diz. O período de Guimarães na secretaria-geral não se deu sem polêmicas, contudo. Um diplomata contemporâneo dele lembra que, sob a sua gestão, um funcionário do ministério com ideias conflitantes com a do governo petista, consideradas demasiadamente liberais, foi deixado sem função durante todo o governo petista. Outras pessoas que falaram com a Folha indicaram não saber sobre casos semelhantes.
O mesmo diplomata lembra também que Guimarães impunha leituras selecionadas por ele a funcionários do ministério. Relatos na imprensa publicados ao longo da década de 2000 trazem diplomatas e embaixadores criticando a prática, que teria sido imposta como condição para promoções. Alguns veículos a descreveram como "escolinha do professor Samuel", referência ao humorístico "Escolinha do Professor Raimundo", famoso na década de 1990. Guimarães ainda chefiou o departamento econômico do Itamaraty, no fim dos anos 1980. Ele foi também ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que teve status de ministério até 2015, quando foi extinta. Suas opiniões eram por vezes consideradas muito radicais, e sua produção intelectual e trabalho na cúpula do ministério o posicionava sempre contrário aos Estados Unidos.
Um exemplo desse posicionamento resultou em um grande sobressalto na carreira do diplomata antes que ele assumisse a secretaria-geral. Guimarães havia sido um crítico aberto da tentativa de ingresso do Brasil na Alca (Área de Livre Comércio das Américas) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, que negociava a entrada no bloco. Em 2001, nos últimos anos da gestão tucana, Guimarães foi demitido da presidência do Ipri (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais) depois da publicação de um texto crítico à iniciativa comercial, chamado "A Alca é o fim do Mercosul". À época, uma nova diretriz do ministério que ficou conhecida como "lei da mordaça" proibiu diplomatas de se manifestarem publicamente sem autorização e com comentários destoantes da cúpula da pasta.
A circular interna instituindo a censura era, segundo o Itamaraty afirmou naquele momento, uma versão que abrandava diretriz anterior mais restritiva. Samuel Pinheiro Guimarães Neto nasceu em 1939, no Rio de Janeiro, e graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direita da Universidade do Brasil, hoje UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em 1963, ano em que ingressou no Itamaraty. Durante a carreira, escreveu e organizou uma série de publicações, entre elas "Quinhentos Anos de Periferia" (1999), "Alca e o Mercosul: Riscos e Oportunidades para o Brasil" (1999) e "Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes" (2006). "Era um pensador visionário, sempre preocupado em analisar como o Brasil tinha de atuar para levar a bom termo seu processo de desenvolvimento nacional", diz Ary Quintella, embaixador brasileiro na Malásia, que teve convivência próxima com Guimarães nos últimos 20 anos.
O presidente Lula também lamentou a morte de Guimarães em publicação no X, lembrando de quando o diplomata foi demitido da extinta Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes) durante o governo Figueiredo após o lançamento do filme "Pra Frente Brasil", crítico da ditadura militar —à época, a empresa pública era chefiada por Amorim. "Ao longo da vida defendeu o desenvolvimento, a democracia e as causas populares, resistindo a diversas tentativas de interferência externa no nosso país e atuando para uma política externa ativa e altiva", afirmou Lula.
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Itamaraty e políticos lamentam morte do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães; diplomata faleceu nesta segunda
Brasil de Fato Online
29 de janeiro de 2024
Morreu nesta segunda-feira, (29), em Brasília aos 84 anos o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto. Um dos mais importantes de sua geração, ele foi um dos protagonistas da formulação e execução da política externa que mudou a projeção do Brasil no cenário internacional durante os dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Dentre os cargos que ocupou, está o de ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República no segundo mandato de Lula e o de secretário-geral do Itamaraty na gestão de Celso Amorim. Também chefiou o Departamento Econômico do Itamaraty, foi diretor do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais (IPRI) e ocupou a vice-presidência da Embrafilme, posto que deixou após a repercussão do lançamento do filme Pra Frente Brasil, de 1982, que retratava a tortura na ditadura militar.
A morte foi lamentada pelo Itamaraty, por Lula e diversos políticos e lideranças sociais, que destacaram o papel de Guimarães na defesa dos interesses nacionais.
"Ao longo da vida defendeu o desenvolvimento, a democracia e as causas populares, resistindo a diversas tentativas de interferência externa no nosso país e atuando para uma política externa ativa e altiva, na promoção dos interesses e da soberania brasileira", afirmou o presidente Lula em nota na qual ele também manifestou seus sentimentos e solidariedade aos familiares, amigos, alunos e colegas de Samuel Pinheiro.
'Grande lutador'
Já o Itamaraty registrou que ele foi "um dos mais destacados diplomatas de sua geração". "Como diplomata e intelectual, construiu uma ampla reflexão sobre o desenvolvimento e inserção internacional do Brasil. Destacou-se na formulação de políticas de integração regional, em especial do projeto do Mercosul, e na defesa da importância estratégica da relação com a Argentina", diz a nota divulgada pela pasta.
Na nota, a pasta ainda afirma que o atual ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, era amigo pessoal de Samuel Pinheiro Guimarães. "Além de lamentar profundamente a perda do amigo, o Vieira, em nome do Itamaraty, expressa à família, e aos muitos amigos e amigas do Embaixador Samuel as mais sentidas condolências", diz o texto.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também lamentou a morte em seu perfil oficial no X: "Seu conhecimento do Brasil e da geopolítica mundial esteve sempre a serviço da afirmação de nossa soberania, da construção de uma América Latina integrada e do diálogo entre povos e nações no rumo de uma ordem mundial democrática e justa. Meus sentimentos à família e incontáveis amigos e admiradores que ele deixou".
O dirigente do MST João Pedro Stédile, por sua vez, classificou Samuel Pinheiro como "grande lutador". "Estou com o coração apertado. Perdemos, o MST e todo o povo brasileiro, um grande lutador, um nacionalista das primeiras trincheiras e exemplo de diplomata a serviço da Nação, o nosso grande Samuel Pinheiro Guimaraes. Fica um legado intelectual e de servidor público", afirmou em seu perfil no X.
Embaixador foi Alto Representante do Mercosul
Nascido no Rio de Janeiro, em 1939, Samuel Guimarães graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1963, mesmo ano em que ingressou no Itamaraty. Em 1969 concluiu seu mestrado em Economia na Universidade de Boston (EUA).
Além dos cargos que ocupou no governo federal, entre 2011 e 2012 ele assumiu a função de Alto Representante Geral do Mercosul.
Edição: Nicolau Soares
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