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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Mercosul: fim de uma aventura bizarra - Alto Representante renuncia

Realmente bizarra essa aventura institucional, tomada num sentido totalmente direcionado, a ponto de não sabermos se ele era Alto Representante, ou Auto-Representante.
O lado orçamentário, certamente extravagante, era o menos bizarro de todos, já que governos soberanos -- e o nosso era um -- têm o direito de gastar inutilmente com inutilidades caras (ainda que a legitimidade disso era altamente questionável).
Os aspectos certamente mais controversos estavam mesmo localizados na ampla agenda do Auto-Representante, uma espécie de "chanceler" do bloco, que na verdade, em lugar de defender seus princípios constitutivos, estava querendo enfiar à força no Mercosul, outros países, em total descumprimento das regras elementares de política comercial do bloco.
Já vai tarde, o que nunca deveria ter sido criado.
Uma aventura patética, para ser mais exato.
Paulo Roberto de Almeida 



Diplomata brasileiro renuncia a alto cargo no Mercosul
quinta-feira, 28 de junho de 2012 14:23 BRT 
MENDOZA, Argentina, 28 Jun (Reuters) - O diplomata brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães renunciou nesta quinta-feira ao cargo de Alto Representante do Mercosul, durante a reunião com chanceleres do bloco.
O brasileiro alegou falta de apoio aos projetos apresentados por ele, segundo relataram à Reuters fontes presentes ao encontro.
Logo após ouvirem Guimarães, os chanceleres do Uruguai e da Argentina se disseram surpresos com a renúncia. Os representantes brasileiros não souberam informar se o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, foi previamente informado.
A renúncia ocorreu durante a reunião do Conselho do Mercado Comum do Mercosul.
Os chefes de Estado do bloco se reúnem nesta semana na cidade argentina de Mendoza em meio à crise com o Paraguai, deflagrada pelo impeachment do então presidente do país, Fernando Lugo.
A destituição de Lugo foi condenado pelos países da região, que consideraram que o ex-mandatário não teve garantido amplo direito de defesa.
A representação paraguaia foi suspenso pelo bloco da reunião de cúpula de Mendoza.
A presidente Dilma Rousseff embarca nesta quinta-feira para a reunião do Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
(Reportagem de Ana Flor)

domingo, 13 de maio de 2012

O "futuro" do Mercosul em debate (9) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Ufa! Finalmente o fim deste debate (ainda vai ter mais, esperem...)



Conclusão pessoal (PRA)
Minha sugestão é a de SPG retorne à sua prancheta de planificador voluntário, refaça todos os exercícios de políticas possíveis, com base em sólidos dados empíricos, e que ele apresente algo mais conforme a realidade do mundo. Seus argumentos sobre as “potências dominantes” (ocidentais, claro) pertencem ao terreno da paranoia; suas crenças em relação à China são altamente irrealistas; seus contorcionismos conceituais no que tange as próprias políticas dos países membros do Mercosul se aproximam da mistificação, ou do autoengano, simplesmente.
Quando se é um acadêmico, simplesmente, é possível demonstrar alto grau de alienação, e ainda assim ser admirado por plateias inteiras de estudantes passivos, sem que isso cause qualquer comoção, ou tenha qualquer impacto no mundo real. Quando se tem, contudo, um cargo de alta responsabilidade política, como é o caso de SPG, os desvarios propositivos podem ser altamente prejudiciais àquilo mesmo que seu autor pretende promover: o desenvolvimento harmonioso dos países objetos dessas especulações de feiticeiro aprendiz do Mercosul. Basta que propostas altamente irrealistas, como são as que examinamos aqui, sejam tomadas pelo seu valor de face por decisores armados de orçamentos, e aí o desastre é assegurado: podemos ter certeza que recursos respeitáveis serão gastos inutilmente, sem qualquer efeito sobre a realidade dos mercados, ou com impactos mínimos (já que com dinheiro se pode fazer muita coisa, até plantar bananas na Groenlândia, por exemplo).
Não é a primeira vez que SPG apresenta seus desvarios de planificador utópico do futuro, seja em relação ao Brasil – em 2022, por exemplo – seja em relação ao próprio Mercosul. Sua capacidade de encantar plateias já conquistadas e convencidas dos malfeitos do neoliberalismo é enorme, e isso lhe deve granjear muito apoio em círculos consideráveis da opinião pública nacional, sobretudo nessa ambiente contaminado pelas utopias antimercado que constituem as faculdades de humanidades brasileiras. Seu potencial de causar estragos nas políticas públicas brasileiras é também enorme, considerando-se os cargos que exerceu e a influência que ainda tem em amplos setores da máquina governamental brasileira e sua audiência em vários países vizinhos (até pelo cargo de responsabilidade que ocupa atualmente). Em face disso, só posso prever a continuidade de certas irracionalidades na condução de vários “negócios” públicos, aqueles, pelo menos, em que o aprendiz de feiticeiro (no bom sentido da palavra) for autorizado a pousar sua varinha mágica. Não sei quem poderá salvar o Mercosul desse tipo de experimento saint-simoniano conduzido candidamente, como corresponde às almas animadas por boas intenções.
Nessas condições, o único futuro que pode ter o Mercosul é o aprofundamento de suas contradições internas – institucionais e operacionais – e o completo descaminho na irrelevância econômica e nos desvios retóricos das mesmas políticas que fizeram da América Latina, nos últimos 60 anos, o maior cemitério de experiências frustradas em matéria de integração desde os tempos do Zollverein e do Benelux.
Quem – ou o quê – poderá salvar o Mercosul? Respostas (sérias, por favor) para este modesto escriba voluntário, que não tem nenhum poder, nem influência sobre as políticas em curso, apenas alguma capacidade de agitar ideias contrarianistas, que podem, eventualmente, contribuir para um debate realista, em um continente entregue a experimentos inéditos em uma rica história de cinco séculos. Vale!


Paulo Roberto de Almeida
Paris, 14 de maio de 2012

FIM! (por enquanto...)

O "futuro" do Mercosul em debate (8) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Quase lá, pessoal, aguentem mais um pouco...



O Mercosul como mecanismo de desenvolvimento regional  (SPG)

PRA: Cabe registrar, ab initio desta seção, que o Mercosul não foi concebido como mecanismo de desenvolvimento, nem poderia sê-lo. Ele pode contribuir para o crescimento econômico de seus membros, e por essa via ao desenvolvimento de suas sociedades, mas seus objetivos precípuos se limitam ao terreno da integração econômica, via liberalização comercial e abertura progressiva de todos os setores da economia dos países membros a uma mútua interdependência. O desenvolvimento, regional ou nacional, depende de uma série de outras políticas, que não estão cobertas, nem poderiam estar, pelo TA ou por outros protocolos e instrumentos existentes sob sua égide. Não se deve confundir comércio e integração com desenvolvimento, que é um empreendimento bem mais vasto e complexo do que a simples liberalização e abertura recíprocas. Em outros termos, não se deve esperar que o rabo da política comercial abane o cachorro do desenvolvimento: ele não teria esse poder, sobretudo em países que possuem um grau mínimo de abertura comercial e de integração ao mundo como os dois grandes do Mercosul (de todos eles, aliás, o Brasil é o de menor coeficiente de abertura econômica).

SPG: À época da criação do Mercosul, existia a convicção nos  governos  dos Presidentes Menem, Collor, Rodrigues e Lacalle, de que a execução das políticas preconizadas pelo Consenso de Washington, isto é, de desregulamentação, de privatização, de abertura ao capital estrangeiro e de remoção das barreiras ao comércio, seriam suficientes [sic] para promover o desenvolvimento econômico e social.

PRA: Esta é uma interpretação de SPG, que pretende reconstruir a história do Mercosul em fases de preto e branco: antes todos eram neoliberais, e agiram, portanto, em consequência, ou seja, se renderam a essas famosas regrinhas que SPG jamais discute (para saber se elas são, ou eram, tão prejudiciais, como se pretende, para as finalidades de integração ou até de crescimento econômico e de desenvolvimento). Se tal interpretação tivesse qualquer correspondência com os fatos, então os governos não neoliberais que se seguiram a esses presidentes deveriam ter invertido completamente o sentido geral das políticas conduzidas até a perniciosa dominação do CW, que teria durado, grosso modo, até 2003 ou 2005. Eles o fizeram? Por que não o fizeram? Qual a opinião de SPG em face do fato de que as políticas brasileiras permaneceram sensivelmente as mesmas desde sempre? Seria um complô de banqueiros, capitalistas neoliberais, burocratas do FMI ou quaisquer outros personagens influentes que dificultaram a tarefa? O Mercosul avançou desde que os não neoliberais assumiram o poder? Por fim: esses presidentes alimentavam a ilusão de que o Mercosul, sob as regras então fixadas, promoveria o desenvolvimento econômico e social? Ou consideravam eles, como sempre se declarou, que era apenas mais uma contribuição aos avanços da inserção global dos países membros? Esta é a minha opinião; posso partilhá-la com SPG, se ele aderir aos fatos, não a uma afirmação tão pouco desprovida de consistência empírica como a que ele faz.

SPG: O Mercosul foi criado em 1991 para ser um esquema de liberalização comercial, como uma etapa de um processo “virtuoso” de eliminação de barreiras ao comércio e de plena inserção na economia internacional, e não para ser um organismo de promoção do desenvolvimento econômico nem dos Estados isolados nem em conjunto.

PRA: Este é um fato, ainda que o “virtuoso” fique por conta da interpretação, ou opinião, de SPG. Nenhum processo de integração – pois que compreendendo “apenas” elementos de política comercial e, progressivamente, outros elementos das políticas setoriais, até chegar ao coração das políticas macroeconômicas, numa fase avançada – pode pretender “desenvolver” um país; isso passa por um conjunto de tarefas de ampla magnitude – abrangendo educação, mercados laborais, infraestrutura, governança e muitos outros elementos estruturais – que não pode, na maior parte dos casos, ser coberto por um simples tratado de integração comercial. Sobretudo para um país como o Brasil, que tem um coeficiente reduzido de abertura, como já registrado, e cujos intercâmbios regionais não ocupam mais de 10% do seu comércio exterior, seria ilusório esperar que um esquema como esse fosse servir de alavanca de desenvolvimento. A interpretação de SPG não corresponde simplesmente à realidade do Mercosul: seria pretender que um rato, mal comparando, tenha o rugido de um leão. O Mercosul certamente não é um rato, mas se examinarmos o conjunto das interfaces econômicas que o bloco possui com a economia brasileira, veremos que o essencial dos intercâmbios externos do Brasil se fazem à margem e externamente ao Mercosul. Um pouco de realismo não seria demais na interpretação altamente ambiciosa de SPG para o Mercosul.

SPG: A implementação do Tratado de Assunção, ao não levar em conta de forma adequada as diferenças entre os países e o impacto econômico e político dos deslocamentos econômicos causados pela redução de tarifas, levou a todo tipo de esquemas “provisórios”, tais como o acordo automotivo e as exceções à TEC, periodicamente renovadas, para bens da capital e de tecnologia de informação, e os acordos, muitas vezes informais, de organização do comércio  em certos setores empresariais.

PRA: Ainda aqui a interpretação de SPG carece de embasamento na realidade. Não foi a implementação do TA que não levou em conta diferenças entre os membros: essas diferenças fazem parte da “natureza” das coisas, mesmo na existência de qualquer outro tipo de acordo. O TA não é culpado de nada, e sim os governos, que se renderam a seus lobbies corporativos e a políticos nacionais que não pretendiam, de fato, integrar cadeias produtivas, uma vez que isso representaria deslocamento de investimentos e de empregos, o que é sempre doloroso. Ou seja, as lideranças políticas nacionais não tiveram coragem de efetivamente derrubarem barreiras ao comércio intrarregional, o que é a base de qualquer acordo de integração, como explicitado na experiência europeia, que parece despertar tanta admiração em alguns ingênuos do bloco do Cone Sul. Independentemente de quanto dinheiro alemão foi repassado aos membros menos desenvolvidos do bloco europeu, o fato é que as barreiras comerciais foram abolidas entre eles, com pleno respeito às regras acordadas solenemente. Não parece ter sido, e não parece que será o caso do Mercosul. SPG poderia, ao menos, reconhecer esse simples fato. O que ocorreu, de verdade, é que, desde o início, os governos nacionais se renderam a poderosos lobbies corporativos e sindicais, e evitaram derrubar barreiras e regras especiais, domésticas. Assim como não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos, não se pode fazer integração sem derrubar barreiras. Se os países membros não o fazem, o Mercosul não é “implementado” de fato. Alguma interpretação de SPG sobre esse fato simplório?

SPG: A transformação do Mercosul de uma simples união aduaneira e área de livre comércio imperfeitas em um esquema de desenvolvimento regional equilibrado e harmonioso dos quatro Estados, o que significa a eliminação das assimetrias e a gradual construção de uma legislação “comum”, exigiria:
a)  o reconhecimento enérgico das assimetrias, cuja realidade se verificaria pela constituição de fundos comuns assimétricos, com recursos adequados, em cada área de integração, para financiar projetos, inclusive de harmonização gradual da legislação;
b)  a garantia de condições para permitir políticas de promoção do desenvolvimento industrial de cada Estado;
c)   a celebração de acordos em setores industriais relevantes, semelhantes ao acordo automotivo;
d)  a criação de mecanismos que impeçam a “desorganização dos mercados” nacionais e, ao mesmo tempo, evitem o desvio de comércio em favor de países não-membros do Mercosul;
e)   o acesso das empresas de capital nacional, sediadas nos quatro Estados, aos organismos nacionais de financiamento de qualquer um dos quatro Estados do Mercosul;
f)    a harmonização da legislação dos quatro Estados em todas as áreas de integração.

PRA: “Reconhecimento enérgico de assimetrias” significaria postergar o cumprimento das normas do TA até o dia em que (teoricamente pelo menos) todos os países fossem “equalizados”, ou tornados isonômicos, pela correta aplicação desses “fundos comuns assimétricos” (isto é, financiados pelo Brasil); é uma missão gigantesca de projetos governamentais que transformaria o Mercosul numa espécie de “dirigismo num só bloco”, digno sucessor do “socialismo num só país” de Stalin. Essa tarefa hercúlea teria de ser financiada com “recursos adequados, em cada área de integração”, algo jamais alcançado pelo Comecon soviético. Todas as demais medidas, inclusive as de “promoção industrial”, ou para impedir “desorganização dos mercados” [sic], levariam o Mercosul a algo próximo da centralização estatal dos planificadores do socialismo real. Não deu certo na pátria do socialismo, mesmo com os recursos gigantescos do maior território jamais conhecido na história das nações soberanas, e SPG pretende retomar a experiência neste Cone Sul tão rico e ainda insuficientemente capitalista. Avento a opinião de que tal empreendimento, se possível fosse, tornaria os países do Mercosul muito mais pobres e atrasados do que são, hoje, sob a égide do “capitalismo neoliberal”.

SPG: A crise econômica internacional, a estratégia e as políticas de desenvolvimento implementadas pela China, os programas implementados pelos países industrializados para enfrentar a crise e a verdadeira “suspensão”, na prática, das normas incluídas nos diversos acordos da OMC, “negociados” à época da hegemonia do pensamento neo liberal [sic], criam um ambiente propício à adoção deste elenco de medidas.

PRA: Eis aí a confirmação do que opinei acima: SPG pretende que a “janela de oportunidades” criada pela crise dos países ricos, o “modelo” de capitalismo “pelo alto” dos burocratas chineses, a “flexibilização” das rígidas normas do sistema multilateral de comércio numa conjuntura em que ninguém mais acredita na conclusão da Rodada Doha, assim como a “superação” – imagino que saudada por ele – do pensamento neoliberal nos países do Cone Sul, todos esses elementos “facilitadores” (pela ação consciente dos governos dos Estados membros, obviamente) poderiam favorecer transformar o Mercosul, de pequeno bloco comercial que é, deficiente e esfarrapado, em vibrante ferramenta do desenvolvimento econômico e social de toda a América do Sul. Eu até poderia desejar sucesso no empreendimento, se acreditasse que todas essas condições pudessem ser reunidas num sentido “virtuoso”, como certamente pretende SPG.
Como sou um modesto realista-idealista, prefiro acreditar que esse gigantesco projeto de engenharia social, econômica e política não vai funcionar, como não funcionaram todos os projetos grandiosos desenhados por ideólogos sonhadores como SPG. Acredito que ele seja sincero em suas opiniões e interpretação do processo de integração do Cone Sul, ou seja, que ele deseje realmente realizar o desenvolvimento harmonioso dos povos e das sociedades da região, via constituição de um amplo espaço econômico integrado na América do Sul. Pena que ser sincero não baste para atribuir às propostas feitas um grau mínimo que seja de realismo intrínseco, e de lógica formal; pena que todos esses projetos e ideias não se conforme com os fatos atuais, nem ofereçam o mínimo de factibilidade quanto à sua consecução futura; pena, sobretudo, a análise feita seja tão carente de embasamento na realidade, e que as propostas apresentadas sejam tão deletérias, se por acaso implementadas em algum momento. 


[CONTINUA para o fim, UFA!]

O "futuro" do Mercosul em debate (7) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Vamos aguentar mais um pouco, estamos na reta final (mas ela é longa...):



Ampliação geográfica do Mercosul  (SPG)

PRA: Não mais “small is beautiful”; agora a palavra de ordem é: “crescei e aparecei”. Sabemos que para enfrentar velhos e novos imperialistas – ninguém ainda falou dos chineses, não é mesmo? – cabe ser grande e forte, capaz de enfrentar o jogo duro do poder internacional, já que sabemos que o mundo se caracteriza por uma extraordinária concentração de poder econômico, político, tecnológico, militar e, mais importante, ideológico. Por isso o Mercosul deve crescer, a todo custo e sob quaisquer circunstâncias, mesmo em detrimento de sua institucionalidade básica e de suas normas e dispositivos internos relativos à união aduaneira e ao projeto de mercado comum.

SPG: Em um cenário internacional caracterizado pela ampliação de grandes blocos de países fortalecidos, a despeito da crise do euro, a capacidade do Mercosul de defender e de promover os interesses de seus Estados depende de seu fortalecimento econômico e político.

PRA: Creio que é uma opinião, que SPG pretende vender como um fato.

SPG: Do ponto de vista econômico e social, o fortalecimento do Mercosul  resultará do desenvolvimento produtivo de cada uma das quatro economias nacionais, de sua  integração física e comercial, da redução significativa das disparidades em cada uma das sociedades, de seu dinamismo tecnológico, da redução das vulnerabilidades externas de cada um de seus membros.

PRA: Eu tenderia a concordar com essa opinião, não fosse pelo fato de que seu proponente pretende que esse processo se dê pela ação corretiva dos Estados e governos, antes que pela dinâmica dos mercados. Acredito que burocratas governamentais são pouco suscetíveis de reduzirem assimetrias estruturais – o que está implícito no conceito de “disparidades” – e dispõem de pouco poder – a não ser o dos orçamentos – para dirigirem (é o que gostaria SPG) as iniciativas e investimentos dos investidores privados, que são, em todo e qualquer processo de integração econômica e de liberalização comercial, os principais agentes da globalização produtiva, o processo que vem, de fato, reduzindo assimetrias ao redor do mundo. Será que todas as multinacionais ocidentais que foram para a China, e que participam de seu intenso esforço exportador, obedeceram a algum plano quinquenal de Beijing? Ou decidiram elas mesmas investir no gigante asiático em função das vantagens ricardianas – vale dizer, das assimetrias estruturais, de emprego, infraestrutura, energia – que possuía aquele país, o que lhes garante, se supõe, alta taxa de retorno para seus investimentos? Qual das duas interpretações vale mais?

SPG: Do ponto de vista político, o fortalecimento do Mercosul como bloco depende de um lado de uma coordenação cada vez mais estreita de seus membros e, de outro lado, do número de Estados soberanos que o integram, Estados que, por esta razão, tem interesse em coordenar suas ações, como membros de um bloco, nas negociações e foros internacionais e diante de crises e iniciativas de terceiros Estados, em especial daqueles mais poderosos.

PRA: Perfeito como opinião. Cabe então uma explicação de por que, dois Estados soberanos, que defendem, desde 2003, políticas econômicas não neoliberais, como Brasil e Argentina, não conseguiram, ainda, coordenar suas políticas macroeconômicas, não coordenaram suas ações em foros multilaterais e continuam a manter conversas – a cada três meses praticamente – para reduzir barreiras comerciais criadas pelos hermanos en el bloco? Seria pela ação nefasta das multinacionais, pelo poder remanescente da ideologia neoliberal, por alguma pressão do FMI? Impossível! Já nos libertamos soberanamente de todos esses inimigos da integração há muito tempo. A única coisa nova no cenário regional é, justamente, a presença da China, em princípio aliada de nossos esforços e plenamente convencida da necessidade de medidas não ortodoxas de políticas, e de menos preocupação com inflação e equilíbrio fiscal. Qual seria a interpretação de SPG para esse mistério insolúvel da integração mercosuliana?

SPG: A ampliação geográfica do Mercosul significa a adesão de novos membros. Por causa de decisões que tomaram no passado, não podem, no momento atual, fazer parte do Mercosul Estados que assinaram acordos de livre comércio com outros Estados ou blocos, tais  como a União Europeia, e que, por esta razão, aplicam tarifa zero às importações provenientes daqueles Estados ou blocos e que, assim, não poderiam adotar e aplicar a Tarifa Externa Comum do Mercosul.

PRA: Ah, esses imperialistas europeus!: fazem de tudo para obstar a integração sul-americana! Curioso que a UE insiste para negociar com o bloco Mercosul, não com cada país individualmente, como, aliás, é lógico e necessário. Imaginem se uma união aduaneira em aperfeiçoamento, como o Mercosul, poderia permitir que seus membros saiam por aí negociando individualmente? Justo quando a TEC deve cobrir – quanto mesmo? – algo como 30% do comércio extrarregional e quando a coesão do bloco se aproxima do ideal, com todos esses programas anti-assimétricos financiados pelo Brasil. Mas, a interpretação de SPG é equivocada e não corresponde aos fatos, pois o que os vizinhos sul-americanos assinaram com os EUA e a UE foram meros acordos de livre comércio (com aspas e sem aspas), o que não obsta, absolutamente, a que eles assinem acordos preferenciais ou outros acordos de livre comércio (com aspas ou sem) com o bloco do Mercosul. Acordos de livre comércio não são excludentes, embora os de união aduaneira possam sê-lo. Se é verdade o que SPG opina, o Mercosul teria de convencer então os vizinhos sul-americanos que um acordo de união aduaneira com o Mercosul apresenta, para eles, maiores vantagens do que os meros acordos de livre comércio (com ou sem aspas) que eles mantêm ou pretendem ter com aqueles velhos imperialistas. Mas, suspeito – embora isso seja apenas uma opinião minha – que SPG está mesmo pensando em “flexibilizar” o ingresso dos vizinhos no Mercosul, ou seja, descartando as obrigações de uma união aduaneira. Não haveria, assim, nenhuma incompatibilidade no exercício.

SPG: A ampliação geográfica do Mercosul teve início com o processo de adesão da Venezuela. A participação integral da Venezuela no Mercosul é da maior importância política e econômica, dada a riqueza de recursos minerais e energéticos do país e de sua decisão de desenvolver industrialmente sua economia. Depende ela agora somente de decisão do Senado Paraguaio, já tendo sido aprovada pela Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela.

PRA: Não! SPG está equivocado, em várias frentes. O processo de ampliação geográfica do Mercosul teve início pelos acordos de associação de 1996 com o Chile e a Bolívia, embora este último país ainda pertencesse – e formalmente ainda pertença – à Comunidade Andina de Nações (mas não há nada que possa impedir, pelo menos no papel, que Dona Flor tenha dois maridos, se quisermos usar uma figura literária). Essa expansão prosseguiu pela associação do Peru, em 2003, e, teoricamente pelo menos, pela dos demais países da CAN no ano seguinte (embora se possa duvidar da eficácia e poder real de criação de comércio dos tênues acordos então firmados pelos dois blocos, sob os auspícios da Aladi, esse cartório de registros de atos notariais preferenciais). SPG também está equivocado quanto ao único requisito que falta à Venezuela para que o país andino – certamente rico em energia e outros recursos – ingresse no Mercosul, que em sua opinião depende apenas do parlamento paraguaio. Uma adesão plena da Venezuela ao Mercosul também dependeria – pelo menos se nos basearmos numa leitura correta do TA – de que esse país adote a TEC do Mercosul e incorpore todas as demais normas e regulamentos de política comercial do bloco, o que ela ainda não fez (e, aparentemente, não pretende fazer antes de alguma decisão paraguaia, quando ocorrer). Será que SPG é da opinião que a Venezuela deve entrar no Mercosul mesmo violando suas regras de base e sua arquitetura institucional? Nesse caso, minha interpretação, que se baseia em alguns fatos simples, seria a de que o Mercosul ficaria ainda mais fragilizado como bloco econômico, convertendo-se num mero foro político para exercícios da retórica de seus dirigentes (algo, digamos, que ele não está longe de ser).

SPG: Além da Venezuela, poderiam, em princípio, ingressar no Mercosul a Bolívia, o Equador, o Suriname e a Guiana. A possibilidade de Estados extra-regionais, isto é, situados fora da América do Sul,  ingressarem no Mercosul é reduzida.

PRA: Escusado dizer que SPG se escusa de dizer que ele não pretende obrigar todos esses Estados a aderirem à TEC do Mercosul e às suas demais regras comerciais. Interpreto, então, que SPG pretende, de fato, transformar o Mercosul em uma mera zona de livre comércio, o que contraria o TA e todos os demais compromissos firmados sob a égide do sistema multilateral de comércio. Seria, em consequência, necessário refazer todo o processo de apresentação do Mercosul à OMC, não sem antes reformar o TA, para retrocedê-lo ao status de zona de livre comércio (com aspas ou sem?) ou até de área preferencial, como é mais suscetível de ocorrer. Seria essa a proposta ou a opinião de SPG? Cabe, portanto, esclarecer essa questão relevante para o futuro do bloco, algo de que trata seu artigo, mas que ele se exime de examinar em toda transparência.

SPG: É de todo o interesse dos Estados do Mercosul criar as condições as mais favoráveis possíveis ao ingresso da Bolívia, do Equador, do Suriname e da Guiana como membros plenos no Mercosul e de fortalecer as relações com todos os demais países da América do Sul que, aliás, já são Estados associados, para que, no futuro, caso desejem ingressar no Mercosul, este ingresso seja mais fácil e eficaz, política e economicamente.

PRA: Interpreto essa proposta de SPG como um convite a que o Mercosul abandone seus requisitos de união aduaneira – seria ela neoliberal? – e decida incorporar novos membros ao arrepio das regras que valem para os quatro membros plenos atuais. Isso seria uma contravenção, de fato, aos princípios basilares do TA, ou seja, algo similar a normas constitucionais. Sabemos que a legalidade é algo muito relativo no Brasil e nos países da América Latina, de modo geral, mas conviria não violar tão claramente as regras sob as quais o Mercosul foi apresentado aos demais parceiros do Gatt-OMC. Ou seja, SPG pretende que o Mercosul interprete generosamente suas regras atuais para acomodar suas pretensões, de SPG, a ter todos sob o mesmo guarda-chuva (que seria, então, um instrumento extraordinariamente esfarrapado, mais do que já é, de fato, hoje). 

[CONTINUA...]