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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Mais algumas para a serie "O Estado como principal fora-da-lei" - LuizFelipe Ponde

Estou fazendo uma "Auto-biografia (não-autorizada) de um Fora-da-Lei: uma história do Estado brasileiro", contando a história completa, na primeira pessoa, desse contraventor contumaz, geralmente contra a própria Constituição e contra as leis de modo geral.
Quem tiver mais histórias como estas relatadas por um jornalista não convencional (ou seja, não amante do Estado), pode me mandar.
Paulo Roberto de Almeida

Moral da história

Luiz Felipe Pondé
Folha de S.Paulo, 09/12/2013

Ouvir o texto
Hoje vou contar uns casos para você. Aproximam-se o Natal e o Ano-Novo, e sempre pensamos o que poderia ser diferente no Brasil. Eu, diferentemente daqueles que creem em modas como "consciência política" (para mim isso é uma coisa tão real quanto carma), espero que um dia o Brasil se livre de sua inhaca de ser um país no qual quem dá emprego é visto como bandido. Porque, ao contrário do que diz a moçada da "justiça social" (carma...), quem dá emprego é quem faz verdadeira justiça social.
Imaginem uma jovem empresária cheia de vida e fé no seu negócio. Isso aconteceu alguns anos atrás, hoje ela se transformou numa cética com relação ao valor da atividade do pequeno e médio empresário brasileiro, porque acha que só ingênuo e mal informado dá emprego no Brasil.
Um dia sua loja de produtos finos foi assaltada em plena luz do dia. Ela e sua sócia tiveram suas vidas ameaçadas. Vários talões de cheques da empresa roubados do cofre. Não tinha muito dinheiro em "cash", por sorte.
Na sequência, se inicia a via crúcis para cancelar os talões e fazer o BO. Horas em delegacias com funcionários que complicavam as coisas com clara intenção de, quem sabe, garantir um "extra".
Alguns dias depois, a dona de um pequeno restaurante fora de São Paulo liga para elas dizendo que um grupo grande de homens havia passado um cheque de sua empresa como pagamento de uma festa que eles tinham dado no restaurante dela. Nossa jovem empresária, prontamente, informa à mulher que a loja tinha sido assaltada, que esses talões estavam cancelados e que tinha a documentação necessária para comprovar o relato, e, portanto, sentia muito, mas o cheque não tinha qualquer valor.
Claro que a dona do pequeno restaurante não quis saber e "pôs elas no pau". Foram obrigadas a depositar em juízo. Quando da audiência, após apresentar toda a documentação, o juiz decidiu que sim, elas deveriam pagar o cheque.
Quando questionado em sua decisão (já que elas tinham sido vítimas de um assalto!), o juiz as ameaçou dizendo que, caso não aceitassem a decisão, o processo se alongaria e sairia mais caro para elas. Ao ser indagado acerca da injustiça que ele cometia ao obrigá-las a pagar por um gasto que não fizeram, o juiz soltou a pérola de costume: "As senhoras são ricas, podem pagar por isso".
Eis o juiz fazendo caridade com a grana alheia. Comunista gosta de distribuir o dinheiro dos outros. No Brasil, muitos juízes acham que devem fazer (in)justiça social com as próprias mãos.
Moral da história: as empresárias foram roubadas duas vezes, uma pelos ladrões, outra pelo Estado.

Outro caso. Funcionário rouba o patrão. Ele demite o funcionário por justa causa. Abre processo na Justiça comum contra o funcionário. O juiz do trabalho decide que o patrão deve pagar "todos os direitos trabalhistas" do funcionário sob alegação de que uma coisa é roubar, outra é ser demitido. Risadas? Claro, o juiz do trabalho argumentou que as duas Justiças "não se comunicam" e que os direitos trabalhistas são inquestionáveis.
A questão é: afinal, roubar não seria causa suficiente para você demitir alguém? O problema é que cá nestas terras demitir é crime. O Brasil é mesmo o fim da picada.
Moral da história: o empresário foi roubado duas vezes, uma pelo funcionário ladrão, outra pelo Estado.

Mais um. Jovem empresário de uma cidade em outro Estado faz uma reforma na fachada de sua loja. Fica muito bonita. Dias depois, roubam quase tudo dessa fachada.
No Brasil, tudo é roubável. A fachada fica destruída. Passados poucos dias, aparece aquele cara chamado "fiscal da prefeitura". O "amigo" avisa ao empresário que vai lhe passar uma bela multa, a não ser que ele seja razoável. O jovem empresário, munido da fé comum daqueles que creem que escândalos com fiscais é coisa rara, argumenta e apresenta documentação provando a destruição criminosa e o roubo. Não adianta, o "representante do bem público", leia-se, o fiscal, lhe apresenta uma multa enorme.
Moral da história: o jovem empresário foi roubado duas vezes, uma pelo ladrão, outra pelo Estado.
ponde.folha@uol.com.br
luiz felipe pondé
Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".