Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
Incrível, o que os tratados não fizeram, nem a suposta vontade livre-cambista conseguiu cumprir, o sono, o cansaço, o desalento, a desatenção, a preguiça, acabaram fazendo por acas: livre comércio de automóveis.
Na prática não vai adiantar muito, pois as indústrias cartelizadas, mercantilizadas, infantis (ops, indústria infante, a despeito de quase 60 anos), submissas e tuteladas, não vão aproveitar a oportunidade para nada, vão apenas continuar fazendo o que já vinham fazendo, ou seja, remetendo carros de um lado a outro, de acordo com suas planilhas pré-montadas.
Paulo Roberto de Almeida
Fim de tratado Brasil-Argentina libera comércio de carros entre os dois países
O
fim do tratado comercial entre Argentina e Brasil para o setor
automobilístico provocou, a partir desta segunda-feira, a liberalização
automática dos intercâmbios bilaterais neste setor, confirmaram à Agência Efe fontes da indústria argentina.
A
exportação e importação de automóveis entre Argentina e Brasil era
regulada desde 2008 por um acordo bilateral que expirou neste domingo e
não foi renovado.
Fontes
do setor automotivo da Argentina disseram à Efe que a suspensão do
tratado não terá nenhum impacto na prática porque, segundo o antigo acordo,
o Brasil poderia exportar ao vizinho US$1,17 dólares por dólar que a
Argentina vendia ao Brasil, o que significava um quase livre comércio.
Fontes do Ministério da Indústria da Argentina consultadas pela Efe não quiseram fazer comentários sobre a conclusão do acordo.
Em 2012, 66% das importações de veículos na Argentina veio do Brasil.
Os automóveis representaram, além disso, 17% do total das compras de bens brasileiros pela Argentina no ano passado.
Fonte: Economia UOL
Os gestos de gentileza trocados nos últimos dias pelas presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner para tratar do acordo automotivo entre Brasil e Argentina não deixam dúvidas de que os dois governos estão dispostos a manter a vigência desse acordo, cujo item mais importante - o controle do comércio entre os dois países - perderá validade no dia 30 de junho, passando, então, a vigorar o livre comércio. O regime de liberdade comercial, aliás, deveria estar em vigor desde a criação do Mercosul, há 22 anos, mas, por pressão argentina generosamente tolerada pelo governo brasileiro, vem sendo seguidamente adiado.
Não tendo podido tratar diretamente desse assunto na última reunião de trabalho que manteve com sua colega argentina, em 25 de abril, Dilma encarregou o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, de, como seu enviado pessoal, iniciar as negociações com a presidente argentina. Num gesto de deferência, Cristina Kirchner, de sua parte, concordou em reunir-se com Pimentel na residência oficial de Olivos, onde não costuma receber representantes de governos estrangeiros.
São mesuras injustificáveis para renovar um acordo que nunca deveria ter existido. O acerto entre os dois governos para regulamentar o comércio binacional de automóveis e componentes tornou-se mais uma das gazuas comerciais que distorcem e desmoralizam o Mercosul. O Mercosul foi criado em 1991 como uma zona de livre comércio, que implicava o livre fluxo de mercadorias entre os países-membros. Sua prematura transformação em união aduaneira, em 1995, tornou ainda mais injustificável o acordo automotivo. Mas, por pressão dos fabricantes argentinos de veículos, ele vigora desde 2000, com alterações pouco significativas feitas em suas sucessivas renovações, a última das quais é de 2008.
A renovação do acordo automotivo é vital para a indústria argentina. Nos cinco primeiros meses deste ano, ela produziu 331 mil veículos, dos quais 159 mil, ou praticamente a metade, foram vendidos no mercado brasileiro. O Brasil absorve quase 90% dos veículos exportados pela Argentina.
Pode-se dizer que o acordo interessa também aos fabricantes brasileiros, pois, dos 411 mil veículos exportados pelo País em 2012, a Argentina absorveu cerca de 70%. É importante, no entanto, examinar algumas diferenças essenciais entre a estrutura produtiva e a capacidade de exportação para outros mercados do Brasil e da Argentina.
Enquanto, como se viu, o mercado brasileiro absorve praticamente a metade de tudo o que a indústria automobilística argentina consegue produzir, o mercado argentino compra menos de 10% do que se produz no Brasil. Esses números mostram o grau de dependência da Argentina em relação ao Brasil. O fato de o Brasil ser o principal (e quase único) destino dos veículos exportados pela Argentina coloca a indústria do país vizinho diante de dois desafios, como declarou recentemente o presidente da Adefa (o correspondente argentino da Anfavea), Cristiano Ratazzi: renovar o acordo automotivo e conquistar novos mercados.
O segundo exige investimentos em tecnologia e inovação que não vêm ocorrendo. O primeiro, com a generosa concordância do governo brasileiro, poderá ser superado sem grandes sustos.
O acordo automotivo renovado em junho de 2008 tem validade de seis anos. Mas ele estabelece que o comércio de todos os produtos automotivos será livre entre os dois países a partir de 1.º de julho de 2013 - daí a angústia com que os fabricantes e o governo argentino esperam a conclusão dos entendimentos iniciados por Pimentel e que agora prosseguem em nível técnico.
Com a provável renovação desse acordo injustificável numa união aduaneira, o Brasil se aprofundará num atoleiro comercial que o impede de abrir mercados muito mais promissores por meio de acordos bilaterais, que são desprezados pelo governo do PT.
Solicitamos a divulgação da chamada de artigos para o segundo número da Revista NEIBA Cadernos Argentina - Brasil ISSN: 2317-3459 que faz parte do Portal de Publicações Eletrônicas da UERJ
A revista Cadernos Argentina - Brasil, publicação eletrônica anual do Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina (http://www.ppgri.uerj.br/neiba.php) do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (http://www.ppgri.uerj.br/) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, aceita para o seu próximo número, a ser lançado em Dezembro de 2013, artigos enviados até 16/09/2013.
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Rio de Janeiro, 27 de maio de 2013.
Cordialmente,
Editores da Revista.
--
Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina - Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
As administrações kirchneristas completaram dez anos de governo ininterrupto, período que a presidente Cristina Kirchner chamou de "década ganha" (em contraste com a chamada "década perdida" dos anos 80), com certo fundamento se a análise se restringir a comparar pontas do ciclo. Mas considerar estes últimos anos como um todo e como um único esquema de política econômica é, a nosso ver, um erro. Porque, de acordo com nosso diagnóstico, ele é composto por três etapas, não uma só. Uma diferença que não é irrelevante, já que os resultados a que se chega seguindo esse caminho abrem um leque de dúvidas quanto aos benefícios da década.
A primeira etapa é a da abundância, caracterizada por alto crescimento num ambiente de baixa inflação, em que a economia mostrava fortalezas macroeconômicas inéditas. Isso se traduziu rapidamente em melhoria dos indicadores sociais, acompanhada por uma política agressiva das autoridades nacionais nesse campo. Nessa etapa, soube-se aproveitar o vento de popa externo que favoreceu toda a região. A isso se somou um ponto de partida pós-crise de 2001-02 muito favorável, com recursos produtivos ociosos e um câmbio real muito elevado, o que possibilitou um crescimento a taxas inéditas sem se chocar com as restrições fiscais e externas, evitando repetir a história das décadas anteriores. Porém, lamentavelmente, durante esse período se falhou em assentar as bases para sustentar o crescimento.
Isso deu passagem a nova etapa, na qual, em vez de melhorar e mudar essas questões, se tentou remendar as falhas da anterior. Uma etapa em que ficou de lado a abundância, as restrições fiscal e externa começaram a operar em maior ou menor medida e, portanto, os graus de liberdade da política econômica se reduziram. Assim, em meio a uma volatilidade mais acentuada associada a essas margens menores e a um contexto externo conturbado, a economia mostrou maior heterogeneidade em termos de crescimento, com tendência à desaceleração e uma característica que distinguiu essa fase: inflação ascendente até se estabilizar em níveis elevados.
Esse período terminou em 2011. Nesse ano todos os remendos nas inconsistências vindas da etapa anterior se mostraram insuficientes para conter as pressões de todo lado sobre a política econômica, forçando uma mudança de regime. Isto é, não só modificações sobre uma mesma base de política econômica, mas uma mudança total das regras do jogo. Isso abriu nova etapa, a da escassez.
Esse período apagou o crescimento. O investimento despencou e a economia parou de gerar postos de trabalho no setor privado. A economia voltou assim a entrar em cheio, definitivamente, nos ciclos stop-and-go que a caracterizaram em todo o pós-guerra, com uma sucessão de recessões e expansões no marco da inflação alta, embora com uma diferença não desprezível: o contexto internacional, representado pelo preço da soja em torno de US$ 500 a tonelada, e uma pressão fiscal inédita, com uma arrecadação que subiu 10% do PIB em todos esses anos. Num cenário com essas características, é praticamente inexplicável que haja falta de dólares e problemas fiscais. Só o mau desempenho das autoridades pode explicar isso.
Uma década de relação oscilante com o Brasil - A relação com o Brasil foi sempre um reflexo dessas etapas por que transitou a economia argentina nas administrações kirchneristas. Os primeiros anos se caracterizaram por forte aumento das importações do sócio principal, o que deteriorou rapidamente o saldo comercial bilateral. Mas também foi marcada por intensa chegada de investimentos brasileiros, que vieram substituir os de países desenvolvidos. Decisões de investimento que foram enquadradas numa estratégia de internacionalização de empresas do país vizinho, na qual o mercado argentino desempenha papel importante.
Mas no contexto de aumento incessante das importações vindas do Brasil começaram a se fazer ouvir vozes reclamando regulamentações do comércio que protegessem a produção argentina, sobretudo no setor industrial, situação que se agravou com a crise internacional. Assim se intensificaram os primeiros acordos sobre cotas para diversos produtos sensíveis.
Esse panorama se agravou ainda mais já bem entrada a terceira etapa. A necessidade de sustentar o superávit comercial como única ferramenta de geração genuína de divisas na economia obrigou a Argentina a implementar restrições amplas e universais à importação de todo tipo de produtos. O objetivo foi reduzir os déficits comerciais mais significativos em nível setorial, alcançando vários itens de que o Brasil é um dos principais provedores, o que endureceu as posições. Em especial porque a redução das importações oriundas do Brasil muitas vezes não foi compensada por maior produção argentina, mas por um aumento simultâneo da entrada de produtos de outras origens.
Esse cenário piora se somarmos a análise dos maus sinais provenientes do lado do investimento, que têm muito que ver com esse clima negativo em matéria comercial, mas também com a crescente incerteza para fazer negócios na Argentina. O caso Vale, incluindo a forma como se tratou a situação em ambos os países, parece ser a gota d'água do velho formato em que se baseou a relação bilateral (ainda que por trás da decisão da empresa mineradora haja questões próprias de seu negócio), abrindo a porta para um novo cenário que terá de se definir em algum momento próximo.
Assim, a relação bilateral parece estar passando por um equilíbrio muito precário. No entanto, o vínculo histórico e estratégico que nos liga permitirá superar esta e qualquer outra contingência. A vontade política e a vocação de integração nos dois países sempre foram suficientes para resolver as questões em aberto. Mas as tarefas pendentes terão de seguir esperando um momento mais oportuno.
DANTE SICA É ECONOMISTA, DIRETOR DA CONSULTORIA ABECEB.COM, FOI SECRETÁRIO DE INDÚSTRIA DA ARGENTINA
O que se pode destacar nesta curta nota da Agência Brasil, que certamente eludiu, escondeu, disfarçou os embates e contradições entre os dois países? Se não houve nada disso, pior ainda, pois é sinal de ambas presidentes concordam com os retrocessos em matéria de liberalização de comércio e de dirigismo econômico.
Destaco apenas dois curtos trechos, que indicam que as duas concordam em que podem determinar o que devem fazer empresas privadas, e em limitar o comércio bilateral:
1) "Dilma
disse que a Vale, que anunciou a retirada de investimento bilionário em
potássio na Argentina, "vai encontrar, com o diálogo, o melhor caminho
possível com as autoridades" locais."
2) "..novos limites de
exportações seriam anunciados".
Mais ainda: "Dilma e Cristina
discutiram as exportações de produtos brasileiros, prejudicados por
novas medidas cambiais argentinas. As novas regras atingem vários
setores, especialmente o agrícola, com a suspensão de licenças
automáticas e a criação de cotas de importação, e o automotivo."
Não é uma progresso fantástico?
Paulo Roberto de Almeida
Dura 7 horas reunião de Dilma e Cristina sobre agenda econômica bilateral
As presidentas discutiram todos os
assuntos da agenda bilateral econômica, que agora deverão ser
aprofundados, em reunião técnica em Montevidéu, no Uruguai. Dilma
disse que a Vale, que anunciou a retirada de investimento bilionário em
potássio na Argentina, "vai encontrar, com o diálogo, o melhor caminho
possível com as autoridades" locais. A retirada da Vale de
megainvestimento de US$ 6 bilhões, na província de Mendoza, foi um dos
temas que geraram mais expectativa com relação à reunião. O encontro
contou com a participação dos ministros Fernando Pimentel
(Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e Antonio Patriota
(Relações Exteriores) e de seus pares argentinos, além da secretaria de
Comércio Exterior, Tatiana Prazeres, e da presidente da Petrobras, Graça
Foster. O ministro da Agricultura, Norberto Yahuar, disse que houve
muitos avanços nos acordos fitossanitários e que novos limites de
exportações seriam anunciados. Dilma reforçou que a resposta às consequências da crise dos países desenvolvidos era a integração. Estavam
em discussão questões econômicas e impasses comerciais, como a
possibilidade de venda da unidade da Petrobras no país e investimentos
paralisados da Vale. Foi o
primeiro encontro de Dilma e Cristina após a eleição do presidente do
Paraguai, Horacio Cartes. O Paraguai está suspenso do Mercosul e da
União de Nações Sul-Americanas (Unasul) há dez meses.
As reuniões das presidentas estavam
marcadas para o começo de março, mas foram adiadas devido à morte do
presidente da Venezuela, Hugo Chávez (em 5 de março). Dilma e Cristina
discutiram as exportações de produtos brasileiros, prejudicados por
novas medidas cambiais argentinas. As novas regras atingem vários
setores, especialmente o agrícola, com a suspensão de licenças
automáticas e a criação de cotas de importação, e o automotivo.“Nós teremos uma pauta bastante ampla
com a Argentina. Nós temos que discutir todas as relações: comerciais,
os investimentos, toda a interação entre a economia brasileira e a
economia argentina. Nós iremos discutir todos os assuntos”, comentou
Dilma.
A frase é do leitor deste blog Gilrikardo, que também tem um blog, devotado a sua paixão apaixonada, que também é a minha: educação, simplesmente, o que anda difícil no Brasil e na Argentina.
Vamos ver o que já de sádico, e o que há de masoquista nesta relação, com a ajuda da matéria abaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Documentos da estatal revelam os bastidores da
venda de patrimônio no exterior – como a sociedade secreta na Argentina
com um amigo da presidente Cristina Kirchner
DIEGO ESCOSTEGUY, COM MURILO RAMOS, LEANDRO LOYOLA, MARCELO ROCHA E FLÁVIA TAVARES
Na quarta-feira, dia 27 de março, o executivo Carlos Fabián, do grupo
argentino Indalo, esteve no 22o andar da sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, para fechar o negócio de sua vida. É lá que funciona a Gerência de Novos Negócios da Petrobras,
a unidade que promove o maior feirão da história da estatal – e talvez
do país. Sem dinheiro em caixa, a Petrobras resolveu vender grande parte
de seu patrimônio no exterior, que inclui de tudo: refinarias, poços de
petróleo, equipamentos, participações em empresas, postos de
combustível. Com o feirão, chamado no jargão da empresa de “plano de
desinvestimentos”, a Petrobras espera arrecadar cerca de US$ 10 bilhões.
De tão estratégica, a Gerência de Novos Negócios reporta-se diretamente
à presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster. Ela acompanha
detidamente cada oferta do feirão. Nenhuma causou tanta polêmica dentro
da Petrobras quanto a que o executivo Fabián viria a fechar em sua
visita sigilosa ao Rio: a venda de metade do que a estatal tem na
Petrobras Argentina,
a Pesa. ÉPOCA teve acesso, com exclusividade, ao acordo confidencial
fechado entre as duas partes, há um mês. Nele, prevê-se que a Indalo
pagará US$ 900 milhões por 50% das ações que a Petrobras detém na Pesa.
Apesar do nome, a Petrobras não é a única dona da Pesa: 33% das ações
dela são públicas, negociadas nas Bolsas de Buenos Aires e de Nova York.
A Indalo se tornará dona de 33% da Pesa, será sócia da Petrobras no
negócio e, segundo o acordo, ainda comprará, por US$ 238 milhões, todas
as refinarias, distribuidoras e unidades de petroquímica operadas pela
estatal brasileira – em resumo, tudo o que a Petrobras tem de mais
valioso na Argentina.
O negócio provocou rebuliço dentro da Petrobras por três motivos: o
valor e o momento da venda, a identidade do novo sócio e, sobretudo, o
tortuoso modo como ele entrou na jogada. Não se trata de uma preocupação
irrelevante – a Petrobras investiu muito na Argentina nos últimos dez
anos. Metade do petróleo produzido pela Petrobras no exterior vem de lá.
Em 2002, a estatal brasileira gastou US$ 1,1 bilhão e assumiu uma
dívida estimada em US$ 2 bilhões, para comprar 58% da Perez Companc,
então a maior empresa privada de petróleo da Argentina, que já tinha
ações negociadas na Bolsa. Após sucessivos investimentos, a Perez
Companc passou a se chamar Pesa, e a Petrobras tornou-se dona de 67% da
empresa. Nos anos seguintes, a Petrobras continuou investindo
maciçamente na Pesa: ao menos US$ 2,1 bilhões até 2009. Valeu a pena. A
Pesa atua na exploração, no refino, na distribuição de petróleo e gás e
também na área petroquímica. Tem refinarias, gasodutos, centenas de
postos de combustível. Em maio de 2011, a Argentina anunciou ter
descoberto a terceira maior reserva mundial de xisto – fonte de energia
em forma de óleo e gás –, estimada em 23 bilhões de barris, equivalentes
à metade do petróleo do pré-sal brasileiro. A Pesa tem 17% das áreas na
Argentina onde se identificou esse produto. No ano passado, por fim, a
Pesa adquiriu uma petroleira argentina, a Entre Lomos, que proporcionou
um aumento em sua produção.
Apesar dos investimentos da Petrobras, quando a economia da Argentina
entrou em declínio, há cerca de dois anos, as ações da Pesa
desvalorizaram. As desastrosas políticas intervencionistas da presidente
Cristina Kirchner
contribuíram para a perda de valor da Pesa. De 2011 para cá, as ações
da empresa caíram mais de 60%. É por isso que técnicos da Petrobras
envolvidos na operação questionam se agora é o melhor momento para fazer
negócio – por mais que a Petrobras precise de dinheiro. Seria mais
inteligente, dizem os técnicos, esperar que a Pesa recupere valor no
mercado. Reservadamente, por medo de sofrer represálias, eles também
afirmam que os bens da Petrobras na Argentina – as distribuidoras,
refinarias e unidades de petroquímica que constituem a parte física do
negócio – valem, ao menos, US$ 400 milhões. Um valor bem maior,
portanto, que os US$ 238 milhões acordados com a Indalo. “Se o governo
não intervier tanto, a Pesa pode valer muito mais”, diz um dos técnicos.
A Petrobras, até dezembro do ano passado, tinha um discurso semelhante.
Na última carta aos acionistas, a Pesa diz: “Estamos otimistas em
relação ao futuro da Petrobras Argentina. E agora renovamos o
compromisso de consolidar uma companhia lucrativa, competitiva e
sustentável, comprometida com os interesses do país (Argentina)...”.
Em outro trecho da carta, informa-se que os resultados do ano passado
foram “encorajadores” e permitiram, como nos cinco anos anteriores, a
distribuição de dividendos milionários aos acionistas.
Mesmo que os valores do negócio pudessem ser considerados vantajosos
para a Petrobras, nada provocou tanto desconforto dentro da estatal como
o sócio escolhido. O executivo Fabián trabalha para o bilionário
argentino Cristóbal López, dono do grupo Indalo. Ele é conhecido como
“czar do jogo”, em virtude de seu vasto domínio no mundo dos cassinos
(na Argentina, o jogo é legal). López é amigo e apoiador da presidente
da Argentina, Cristina Kirchner.
Como o “czar do jogo” da Argentina virou sócio da Petrobras? No dia 5
de novembro do ano passado, López enviou uma carta, em espanhol, à
presidente da Petrobras, Graça Foster. Na carta, a que ÉPOCA teve
acesso, López revela ser um homem bem informado. Não se sabe como, mas
ele descobrira que a Petrobras estava negociando a venda da Pesa com
três de seus concorrentes. O assunto da carta, embora em economês,
deixava claras as intenções do empresário López: “Ref. Pesa Proposta de
aquisição e integração de ativos”. López, portanto, queria comprar um
pedaço da Pesa. Na carta, ele manifestou a “firme intenção de chegar a
um entendimento entre Pesa e Oíl Combustibles S.A.”, a empresa de
petróleo de López, para que a operação viesse a ser fechada. No
documento, López propôs comprar 25% das ações que a Petrobras detinha na
Pesa. Queria também a opção de, se a parceria desse certo, comprar mais
23,52% das ações – uma proposta mais modesta do que o acordo que ele
conseguiu depois.
A resposta da Petrobras também veio por escrito, semanas depois. No dia
21 de novembro, Ubiratan Clair, executivo de confiança de Graça Foster,
que toca o feirão da Petrobras e negociava a venda da Pesa aos
concorrentes do “czar do jogo”, escreveu a López: “Nos sentimos honrados
pelo interesse manifestado na compra de 25% (da Pesa). No
entanto, devemos indicar que as ações da Pesa não fazem parte de nossa
carteira de desinvestimentos, razão pela qual não podemos iniciar
qualquer negociação relativa às mesmas”. Diante do que aconteceu em
seguida, a carta do assessor de Graça Foster causa espanto. Não só ele
escondeu que a Pesa estava, sim, à venda – como, semanas depois, fechou
acordo com o próprio López. No dia 18 de dezembro, menos de um mês após a
inequívoca negativa, o mesmo assessor de Graça Foster firmou um
“convênio de confidencialidade” com López para lhe vender a Pesa.
O que houve nesse espaço de um mês? Por que a Petrobras mudou de ideia e
resolveu fechar negócio com López? A estatal não explica. Assessores
envolvidos na operação dizem apenas que “veio a ordem” de fechar com o
amigo de Cristina Kirchner. Procurada por ÉPOCA em três oportunidades, a
assessoria da Petrobras limitou-se a responder que “não vai emitir
comentários sobre assuntos relacionados com o seu Programa de
Desinvestimento”. Graça Foster e o executivo Ubiratan não responderam às
ligações. A assessoria de López confirmou apenas que o grupo Indalo fez
uma proposta pela Pesa.
López é o que a imprensa argentina chama de “empresário K”, como são
conhecidos os empresários que têm proximidade com o governo Kirchner.
Ele tem empresas de transporte, construção civil, petróleo, alimentação,
concessionárias e meios de comunicação. É famoso por suas redes de
cassino e caça-níquel. É sócio em pelo menos 14 cassinos, incluindo o
Hipódromo de Palermo, para o qual ganhou de Néstor Kirchner, nos últimos
dias como presidente da Argentina, uma extensão da concessão para os
caça-níqueis – o prazo foi estendido de 2017 a 2032.
A relação entre López e Néstor Kirchner, o marido de Cristina, que
governou o país antes dela e morreu em 2010, começou em 1998. Néstor,
quando governador de Santa Cruz, ajudou uma empresa de López a fechar
negócios com petroleiras. Desde então, López nunca escondeu de ninguém:
sentia que tinha uma “dívida eterna” com Néstor. Para pagar a “dívida
eterna”, convidava Néstor, que sempre gostou de uma mesa de jogo, a se
divertir num dos cassinos dele em Comodoro Rivadavia. A amizade era
recíproca. Em 2006, López recebeu de Néstor concessão para explorar sete
reservas de petróleo em Santa Cruz. Cristina, a sucessora, também o
ajudou. Fez-lhe um favorzinho depois que ele gastou US$ 40 milhões na
compra da concessão do canal de TV C5N, a fim de torná-lo governista.
Para que fechasse o negócio, Cristina abriu exceções na lei de
audiovisual, que proíbe negociar concessões.
Depois que a Petrobras fechou o acordo de confidencialidade com López, o
negócio andou rápido. Ele apresentou uma proposta em 7 de janeiro,
aumentou o valor numa segunda proposta, um mês depois – e fechou a
compra das ações por US$ 900 milhões em 22 de fevereiro. Com o acordo,
López e a Petrobras discutem agora os detalhes do contrato a ser
assinado. Se tudo correr como previsto, resta apenas a aprovação do
Conselho de Administração da Petrobras, que se reunirá no final de
abril. A Pesa, porém, enfrentará resistências na Argentina se assinar o
contrato. O atual governador de Santa Cruz, Daniel Peralta, um desafeto
de López, ameaçou tirar dele as concessões das sete reservas de petróleo
que López tem na região. Peralta diz que ele não fez os investimentos
previstos. Diz, ainda, que a situação em Santa Cruz pode “inviabilizar” o
negócio com a Petrobras – mas não diz como.
O maior problema do negócio da Petrobras com o “czar do jogo”, e com
todas as operações do feirão, é a falta de transparência. Como demonstra
o caso da Argentina, não há critérios claros para a escolha das
empresas que farão negócio com a Petrobras. Esse modelo sigiloso e sem
controle resultou em calamidades, como a compra da refinaria de
Pasadena, nos Estados Unidos. Em 2004, a Astra Trading pagou US$ 42
milhões pela refinaria. Meses depois, a Petrobras pagou US$ 360 milhões
por metade do negócio. Tempos depois, um desentendimento entre as sócias
levou a questão à Justiça. A Petrobras perdeu e foi condenada a comprar
não só a parte da sócia, como a pagar multa, juros e indenização. Em
junho, a Petrobras anunciou que pagaria mais US$ 820 milhões.
ÉPOCA teve acesso a um documento interno da Petrobras, elaborado em
2009. Um trecho afirma que a então diretoria, comandada pelo petista
José Sergio Gabrielli, decidiu manter o processo devido à “prepotência”
com que a Astra se colocava no caso. Logo depois, o documento lista
razões para fazer um acordo. Uma delas é que um representante da Astra
procurara a Petrobras em busca de entendimento. A razão mais forte era
clara: “Caso no litígio a Petrobras perca, o custo total irá para cima
de US$ 1 bilhão (...). Vale lembrar que a Petrobras já perdeu na
arbitragem, e a possibilidade de perder na corte é preocupante”. A opção
do acordo era a menos pior. A Petrobras gastaria, no máximo, US$ 639
milhões. O documento afirma que a (então) “ministra (de Minas e Energia)
Dilma Rousseff deverá ser procurada para ser informada de que a Astra
está procurando entendimentos, inicialmente por canais informais”. O
texto diz que Dilma Rousseff deveria comunicar isso na reunião do
Conselho da Petrobras, marcada para 17 de julho de 2009. O Conselho
daria então um prazo para um acordo com a Astra. O pior cenário
sobreveio. A Petrobras não fez nenhum acordo com a Astra, perdeu na
Justiça e gastou mais de US$ 1 bilhão (boa parte dele dinheiro público) –
24 vezes o que a Astra pagou pela refinaria. O Tribunal de Contas da
União investiga como a Petrobras pôde fazer um negócio tão ruim – pelo
menos para seu caixa e para os cofres públicos.
A ausência de critério, segundo executivos da Petrobras, aparece também
na parte mais valiosa do feirão: as operações da estatal na África.
Cálculos do mercado e da Petrobras estimam o patrimônio no continente
num patamar entre US$ 5 bilhões e US$ 8 bilhões. A Petrobras produz e
explora petróleo em Angola, Benin, Gabão, Líbia, Namíbia, Nigéria e
Tanzânia. De 2003 a 2010, investiu cerca de US$ 4 bilhões na África.
ÉPOCA teve acesso a documentos internos da Petrobras que apresentam um
diagnóstico sobre os negócios na África que devem ser vendidos,
incluindo mapas com a localização dos poços e informações sobre seu
potencial produtivo. O material mostra muitas possibilidades de lucro. A
maior fatia de investimento está na Nigéria, responsável por 23% da
produção atual de toda a área internacional da companhia – uma média
equivalente a 55 mil barris de óleo por dia. São três poços na Nigéria:
Agbami, Akpo e Engina. Os documentos da Petrobras mostram que os três
poços têm “reservas provadas” de 150 milhões de barris de petróleo.
Para quem a Petrobras planeja vender tamanho tesouro? A estatal, de
novo, não explica os critérios. Até agora, a única negociação avançada é
com o grupo BTG, do banqueiro André Esteves. Por meio do investidor
Hamylton Padilha, uma das mais poderosas influências na Petrobras,
Esteves, segundo executivos da estatal envolvidos com a transação,
negocia a compra de parte das operações na Nigéria. Questionado por
ÉPOCA, Padilha afirmou ter se reunido com representantes do banco para
avaliar investimentos na Petrobras. “Conversei com o pessoal (BTG) sobre
esse assunto (venda de ativos da Petrobras). A Petrobras
convidou diversas empresas estrangeiras para poder fazer ofertas no
Golfo do México, África e até na América Latina. Sei que na área de
petróleo eles (BTG) estão olhando. Têm participação em duas empresas
ligadas ao setor: Bravante e Sete Brasil”, disse. “Não trabalho para o
BTG. Sou investidor. Investi algum dinheiro na Sete Brasil (ligada à construção de plataformas de petróleo).”
Indagado sobre quem é a pessoa mais indicada para falar, pelo BTG,
sobre investimentos na Petrobras, sobretudo na África, Padilha disse: “A
pessoa que trata desse assunto diretamente é o André Esteves”. O BTG
disse que não se manifestaria.
Americanos e europeus podem começar em breve a
negociação de um acordo comercial entre os dois mais importantes
mercados do mundo. Representantes dos Estados Unidos e da União Europeia
reuniram-se várias vezes neste ano para discussões preliminares. As
trocas de bens e serviços entre os dois parceiros são estimadas em cerca
de 700 bilhões (US$ 927 bilhões) e já são facilitadas por tarifas em
geral muito baixas, com média inferior a 2%. Mas há espaço para um
aumento considerável do comércio e para a ampliação de investimentos
entre as duas maiores potências do Atlântico Norte. Enquanto isso,
brasileiros e seus sócios do Mercosul ficam limitados a assistir de
longe a mais um capítulo importante da integração econômica
internacional.
Preferências comerciais entre Estados Unidos e União Europeia
tornarão mais difícil o acesso de outros parceiros a esses mercados.
Para os muito competitivos, como a China e outros exportadores
dinâmicos, o prejuízo poderá ser limitado, mas o custo será
provavelmente considerável para os demais. Além disso, alguns países
pobres e alguns emergentes já têm acesso facilitado aos mercados
europeus e esse benefício será quase certamente mantido.
Nos últimos dez anos a integração avançou em todo o mundo, com
dezenas de acordos bilaterais, regionais e inter-regionais entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento. O grande objetivo foi geralmente a
expansão das oportunidades de comércio e de investimento, sem restrições
ideológicas. O Mercosul foi uma exceção, sem pactos comerciais com as
economias mais avançadas. Seus acordos de livre comércio foram
celebrados com países da região e com uns poucos parceiros de fora,
todos em desenvolvimento. Os entendimentos foram sempre liderados pelos
dois maiores países do bloco, Brasil e Argentina, governados há mais de
uma década por líderes populistas e com tendências terceiro-mundistas.
A primeira grande façanha desse terceiro-mundismo requentado e
intelectualmente subdesenvolvido foi o abandono do projeto de criação da
Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A façanha foi comandada
pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner. O governo
dos Estados Unidos contribuiu, no final da história, para a liquidação
do plano, mas a dupla sul-americana já havia feito o suficiente para
enterrar a Alca. Outros governos da América do Sul acabaram negociando
regras de livre comércio com Washington. O Brasil, naturalmente, ficou
fora das preferências concedidas nesses acordos.
A negociação entre Mercosul e União Europeia, iniciada em 1999,
permanece emperrada. As discussões foram interrompidas em 2004 e
retomadas em 2010, mas sem sucesso, apesar das renovadas declarações de
interesse das duas partes. Os negociadores brasileiros e argentinos
concentraram a atenção na abertura dos mercados agrícolas europeus, como
se pouca ou nenhuma vantagem se pudesse obter para a exportação de bens
manufaturados. Ao mesmo tempo, foram sempre muito tímidos na
liberalização dos mercados do bloco para produtos industriais.
A tendência protecionista sempre foi mais forte do lado argentino,
mas o governo brasileiro sempre cedeu a pressões desse tipo. Indústrias
da Turquia e do Norte da África têm acesso facilitado ao mercado da
União Europeia, mas os negociadores do Mercosul parecem ter desprezado,
sempre, detalhes como esses. Comportaram-se, em geral, como se
representassem economias exclusivamente agrícolas.
A presidente Dilma Rousseff tem mantido as linhas principais da
diplomacia inaugurada por seu antecessor. Além de insistir na orientação
terceiro-mundista, mantém a tolerância ao protecionismo argentino,
altamente prejudicial à indústria brasileira, e aceita a liderança da
presidente Cristina Kirchner na fixação de rumos para o Mercosul. A
suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela bolivariana, num
evidente golpe contra as regras do bloco, foram novas demonstrações, em
2012, do compromisso do lulismo-kirchnerismo com o atraso. No resto do
mundo, governos mais adultos, como os da Europa e dos Estados Unidos,
tentam multiplicar as oportunidades comerciais.
Os lagostins argentinos são muito
competitivos, muito maiores que os brasileiros, garantiu em tom irado a
presidente Cristina Kirchner, diante da colega Dilma Rousseff, no encerramento
da reunião da União Industrial Argentina (UIA) e da Confederação Nacional da
Indústria (CNI), no hotel-spa de Los Cardales, a 77 quilômetros de Buenos
Aires, na quarta-feira. Foi a referência mais importante da presidente
argentina ao comércio de seu país com o Brasil, numa conferência programada
oficialmente para cuidar de assuntos de integração produtiva e de comércio. A
importância atribuída aos lagostins pode parecer um tanto exagerada, quando se
pensa no tamanho, nas possibilidades e nos problemas de relacionamento das duas
economias. Mas o desabafo presidencial tocou em pelo menos um ponto relevante:
competitividade. Nesse quesito os dois países vão mal, e a condição da
indústria argentina é visivelmente muito pior que a da brasileira. O
protecionismo cada vez mais amplo tem sido a resposta política da Casa Rosada,
com prejuízos crescentes para os produtores brasileiros, nenhum ganho de
produtividade para os argentinos, dispensados de se mexer, e danos cada vez
maiores para o Mercosul, condenado a ser um clube da mediocridade.
Em Brasília, as autoridades têm tolerado
esse tipo de política. Já chegaram a aconselhar os empresários brasileiros a
aceitar o jogo e negociar cotas e acordos de restrição. Alguém de vez em quando
encena um protesto, como fez a presidente Dilma Rousseff em seu discurso em Los
Cardales. Mas as palavras são raramente acompanhadas de ações. Retaliações
ocasionais duram pouco e são normalmente suspensas em troca de quase nada.
Ao agir dessa forma, o governo brasileiro
descuida tanto dos interesses correntes dos produtores nacionais quanto do
futuro do Mercosul. Criado para servir como plataforma de integração,
modernização e inserção global, esse bloco foi amesquinhado nos últimos dez
anos pela devastadora aliança do kirchnerismo com o petismo. Nesse
acasalamento, cada um dos parceiros contribuiu com uma mistura de
terceiro-mundismo anacrônico, populismo enfeitado com adereços de esquerdismo e
uma indisfarçável atração pelos arranjos autoritários. Essa atração explica o
empenho dos dois governos em abrir espaço para a Venezuela do caudilho Hugo
Chávez, num golpe realizado logo depois da suspensão, muito contestável, de um
dos sócios fundadores do bloco, o Paraguai.
Na inútil conferência da UIA e da CNI, o
ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel,
tentou deixar em segundo plano as desavenças comerciais e convocar os parceiros
para um empreendimento mais de acordo com a agenda original do Mercosul. Brasil
e Argentina, disse ele, podem fomentar a criação do terceiro maior mercado do
mundo, depois do chinês e do americano. De fato, os dois países talvez pudessem
provocar esse efeito a partir do Mercosul, se fossem administrados com mais
seriedade e alguma competência.
A integração seria o caminho, com a
formação de cadeias produtivas e a exploração das possibilidades de complementação.
Mas até a referência prática citada pelo ministro prova exatamente o contrário
de sua tese. "O que já fazemos no setor automotivo é o exemplo da
integração que devemos estender a outros setores", disse Pimentel.
O acordo automotivo bilateral é um resumo
das mazelas do Mercosul. Foi refeito várias vezes, com mudanças ditadas sempre
pelos interesses do lado argentino, despreparado para competir. A passagem do
regime especial de trocas para a liberação total do comércio automotivo deveria
ter ocorrido há muitos anos, mas continuará adiada ainda por um bom tempo.
O ministro dificilmente encontraria
exemplos menos deprimentes. Sem estratégias sérias e políticas de longo prazo,
o isolamento atrás de barreiras protecionistas será a tentação constante dos
governos do Brasil e da Argentina. Os dois países poderão até formar um grande
mercado, mas para produtos de uma economia de terceira classe. A de segunda
classe é a dos países empenhados em alcançar os melhores padrões
internacionais.
Editorial O Estado de S.Paulo, 6/09/2012
Decerto altos funcionários do governo argentino estão
comemorando os resultados do comércio de seu país com o Brasil. Como
insistentemente vêm buscando esses funcionários - com medidas que ferem
acordos e tratados firmados pelos dois países e regras do comércio
internacional, mas têm sido toleradas pelo governo brasileiro -, o
déficit comercial com o Brasil caiu 67% em julho, na comparação com
igual mês de 2011, e 53% no acumulado dos sete primeiros meses de 2012,
em relação ao ano passado.
O agressivo protecionismo argentino resulta da obsessão do governo de
Cristina Kirchner com assegurar mercado para a indústria local e gerar
empregos e riqueza para os argentinos. Embora, por razões políticas,
isso não seja muito lembrado, a obsessão tem a ver também com a
necessidade do país de gerar recursos para honrar os compromissos com
sua dívida externa.
Era de esperar que o protecionismo de Kirchner preservasse o comércio
com os países do Mercosul, bloco do qual a Argentina faz parte. Mas os
resultados mais notáveis das restrições impostas pelo governo argentino
estão surgindo justamente no comércio com os sócios do Mercosul,
especialmente o Brasil. No primeiro semestre, elas caíram 16% em relação
aos primeiros seis meses de 2011 e o comércio bilateral com o Brasil
diminuiu 13%.
É pouco provável, porém, que os resultados do comércio com os demais
países estejam sendo comemorados pelo governo Kirchner. As importações
argentinas da União Europeia cresceram 15%, as do Nafta (Estados Unidos,
Canadá e México) aumentaram 5% e as dos países da Aladi, 71%, mas as
exportações argentinas não cresceram nessa velocidade.
Em resumo, o protecionismo da Argentina não resolve seus problemas,
pois o déficit contido de um lado cresce de outro, mas afeta duramente o
comércio com seu principal parceiro.
Tem razão, por isso, o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Enio
Cordeiro, quando diz que o déficit da Argentina com o Brasil é "mais
psicológico do que econômico". Isso porque, no seu entender, a economia
argentina tem problemas estruturais que reduzem sua capacidade de
competir com os produtos importados, inclusive do Brasil, e não podem
ser superados por medidas que classifica de "voluntaristas", como as que
caracterizam a política protecionista do país.
"O Brasil compra praticamente todo o excedente industrial argentino, e
a Argentina importa insumos industriais que exigiriam investimentos
para serem substituídos" pela produção local, disse o embaixador,
durante encontro com empresários realizado no auditório da embaixada. O
problema, em outras palavras, não é do Brasil, mas da Argentina. Se ela
não souber ou não tiver condições de resolvê-los, o protecionismo do
governo Kirchner - defendido de maneira às vezes truculenta pelo
secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, e pelo seu braço
direito, a secretária de Comércio Exterior, Beatriz Paglieri - apenas
continuará a criar conflitos com seus parceiros comerciais.
Há dias, o México denunciou a Argentina na OMC por restringir a
importação de mercadorias e discriminar entre produtos estrangeiros e
locais. Pouco antes, Estados Unidos e Japão haviam denunciado a
Argentina na OMC pelas mesmas razões.
O governo Dilma tem sido tolerante com as restrições que a Argentina
vem impondo à entrada de produtos brasileiros no país. Somente em
situações extremas o Brasil reage às provocações argentinas. No primeiro
semestre, o governo brasileiro exigiu autorização de importação, que
pode demorar 60 dias, para a entrada de cerca de dez produtos com peso
significativo na pauta de exportações da Argentina. Também impôs,
temporariamente, controle rigoroso para a entrada de veículos
argentinos. Só depois disso o governo Kirchner concordou em reduzir
algumas das restrições que impusera a produtos brasileiros.
Para evitar que o governo Kirchner continue a prejudicar o Brasil, o
governo Dilma precisa apontar com clareza os problemas da Argentina,
como fez o embaixador Enio Cordeiro, e reagir prontamente às medidas
danosas ao País.
A Argentina é ciclotímica: a cada dez anos entra em crise, e no intervalo alterna as políticas, com um resultado previsível: ela sempre fica um pouco pior do que era. O cenário atual lembra o da fase pré-crise, quando o Brasil também se mostrou compreensivo com uma situação que já era inviável desde o início. Porque dirigentes escolhem ser cegos? Vai lá saber... Paulo Roberto de Almeida
Brasil reduzirá superavit comercial com Argentina
NATUZA NERY, LUCAS FERRAZ Folha de S.Paulo, 4/07/2012
BRASÍLIA - O governo Dilma Rousseff admite ganhar cerca de R$ 2 bilhões menos no comércio bilateral com a Argentina para ajudar o país vizinho num momento de agravamento de sua situação econômica.
A Argentina vive fuga de capitais, inflação em alta e desaceleração da indústria --e o Brasil sabe que terá de socorrer seu terceiro maior parceiro comercial.
Setores da economia brasileira --como automobilístico, têxtil e de alimentos-- serão prejudicados se a economia argentina se deteriorar mais. E é justamente o temor de contágio em áreas estratégicas que a Esplanada dos Ministérios tenta espantar.
Segundo a Folha apurou, há uma decisão não declarada oficialmente do Brasil de reduzir o superavit com a Argentina de R$ 5,8 bilhões em 2011 para R$ 4 bilhões.
A assessoria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior nega, mas a proposta já foi até apresentada ao lado argentino e prevê a fixação de cotas extraoficiais de exportação de produtos brasileiros.
Atualmente, diversos itens vendidos ao vizinho sofrem barreiras protecionistas. A ideia das cotas informais é justamente livrar produtos desse entrave, mesmo que haja um limite de venda.
As dificuldades enfrentadas pela Casa Rosada vêm erodindo a popularidade da presidente Cristina Kirchner.
Em Brasília, o sinal de alerta aparece também nos telegramas confidenciais emitidos por diplomatas brasileiros. A Folha teve acesso a algumas dessas mensagens oficiais. Em telegrama de janeiro deste ano, a embaixada brasileira em Buenos Aires prevê a continuidade da fuga cambial ao longo de 2012.
Dilma Rousseff também já ouviu relatos de assessores de que a taxa de câmbio apreciada na Argentina resultou em perda de competitividade, diminuindo as reservas.
NOVO TOM
A opção de superavit com a Argentina é uma mudança de tom em relação ao início do ano, quando ministros brasileiros falavam em represálias ao país vizinho. Revela, portanto, o nível de preocupação com o parceiro.
Apesar de as economias estarem interligadas, a Fazenda não faz diagnóstico apocalíptico dos efeitos de uma crise cambial sobre o Brasil.
Para Tristán Rodríguez, economista do Cadal (Centro para Abertura e Desenvolvimento da América Latina), o esfriamento da indústria brasileira afeta mais a Argentina do que o contrário.
Parece que quase virou aqueles jogos de futebol em que o juiz interrompe a partida, no seguimento de uma canelada mais forte que quebrou a perna do adversário, e aí os jogadores começam a pelear entre sin, entram os torcedores na pelea, os bandeirinhas, os guardas do estádio e até o vendedor de pipoca. Todo mundo descendo o sarrafo... Enfim, tudo normal, no clima habitual das negociações Brasil-Argentina, que é para não desmentir que nada nos une, todo nos separa... Simpático, não? Paulo Roberto de Almeida
30 JUN 2012 01:12h
NO HUBO ACUERDO EN MENDOZA POR EL TEMA DE LOS ARANCELES
Terminó en escándalo una reunión con Brasil por las trabas comerciales
Beatriz Paglieri, número 2 de Moreno, la emprendió a los gritos contra una funcionaria de Industria brasileña.
Una reunión entre Argentina y Brasil que debía intentar resolver los conflictos comerciales más apremiantes entre los dos países terminó literalmente a los gritos y llevó a los funcionarios brasileños a levantarse de la mesa de negociaciones.
Según indicaron a esta enviada miembros de la delegación de Brasil, la secretaria de Comercio Exterior Tatiana Prazeres se encontró antes de ayer con su colega porteña Beatriz Paglieri en el marco de la Cumbre del Mercosur, en Mendoza. La cita se desarrollaba en “un clima de alta tensión” y, en un momento determinado, la número 2 de Guillermo Moreno “empezó a alterarse” y hablar en voz demasiado alta. F u e entonces que Prazeres le pidió: “Por favor, baje el tono” y amenazó con retirarse.
Paglieri, afirman testigos, moderó el estilo pero el daño ya estaba hecho. Cuando a Tatiana Prazeres le preguntaron por los resultados a los que presuntamente habían llegado en ese encuentro, la funcionaria (tercera en la jerarquía del Ministerio de Desarrollo, Industria y Comercio brasileño) replicó: “¿De qué acuerdo me habla?”.
Paglieri pasó a comandar las discusiones con los técnicos brasileños luego de ser promovida a la secretaría de Comercio Exterior por su jefe Moreno, con quien parece compartir algunos rasgos de “arrogancia”. El secretario carga en su haber con algunas disputas folklóricas que mantuvo en el pasado con empresarios brasileños. Y otras más comprometedoras que al parecer involucró al embajador en Buenos Aires Enio Cordero y que en su momento mereció el repudio formal del Senado brasileño.
Lo que está en el fondo de los arranques poco diplomáticos de Paglieri es la discusión p or las barreras que levantó Brasil contra las exportaciones de productos regionales argentinos.
Es el caso de las aceitunas, de las pasas de uva y de los aceites mendocinos, que enfrentan trabas para ingresar al mercado brasileño. En verdad esa situación es un espejo del bloqueo que impuso el gobierno de Cristina Kirchner al ingreso de carnes porcinas de Brasil, como también de calzado y autopartes.
La falta de entendimiento entre Prazeres y Paglieri obligó al ministro brasileño Fernando Pimentel y su colega Débora Giorgi a retomar el hilo de las conversaciones interrumpidas por aquel entredicho. En una entrevista con la agencia de noticias Reuters, Pimentel reveló que no hay avances en ese terreno. Dijo textualmente: “No hay condiciones para un acuerdo que permita levantar las licencias no automáticas de importación de productos argentinos perecedero”. Esto significa que se mantendrán las mismas restricciones que contaminan desde hace más de un año el intercambio comercial. Para no dejar lugar a las dudas, el ministro brasileño subrayó: “No hay todavía ningún acuerdo que justifique la eliminación de los permisos previos para los productos argentinos”. Sí hubo en cambio un compromiso de palabra para el ingreso de camiones con aceitunas argentinas por la frontera.
Pimentel, uno de los ministros más allegados a la presidenta Dilma Rousseff, discutió con Giorgi los plazos para elaborar un nuevo acuerdo de la industria automotrizque deberá entrar en vigencia una vez que expire el actual, en diciembre de 2013. De acuerdo con el funcionario, el criterio que debe tener ese nuevo convenio es el de priorizar un aumento de los contenidos regionales (argentino y brasileño) en las autopartes y unidades terminadas. Ambos discutieron la posibilidad de que sectores de la industria naval argentina puedan integrar la lista de beneficiario en las compras gubernamentales de Brasil.