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domingo, 19 de junho de 2022

Indicadores econômicos e sociais regridem até três décadas e comprometem desenvolvimento - Cassia Almeida (O GLOBO)

Indicadores econômicos e sociais regridem até três décadas e comprometem desenvolvimento

CÁSSIA ALMEIDA (cassia@oglobo.com.br)
O Globo, 18/06/2022

Brasil voltou ao passado na economia, no bem-estar da população, na educação e no meio ambiente, exibindo indicadores que remontam a até 30 anos. Recessão, pandemia e desmonte de políticas públicas acentuaram nos últimos dois anos um processo de retrocesso social. Trouxeram de volta a fome, a pobreza, a evasão escolar, o desmatamento, a inflação, ameaçando o desenvolvimento do país, alertam especialistas. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, surpreendeu-se com o recuo de tantos índices. "É uma volta muito grande no tempo", diz, referindose ao Produto Interno Bruto (PIB) de hoje, equivalente ao de 2013, e à produção de automóveis, a mesma de 2006, há 16 anos:

-- A produção de bens de consumo duráveis (carros e eletrodomésticos) está igual à de 18 anos atrás. Parece uma situação de guerra, voltando tragicamente no tempo.

A economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre/FG V, calculou que somente em 2029 vamos voltar ao maior valor real do PIB per capita, de R$ 44 mil, atingido em 2013, considerando a média de crescimento dos últimos anos do país, em torno de 1,5%.

-- Vamos conviver com menos crescimento, inflação difícil de ser combatida, mais juros e equilíbrio ruim no mundo- prevê.

Retrocessos sociais se acumulam. A fome agora atinge 33 milhões de brasileiros, mesmo número de 1992. Quando o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU, em 2014, eram 9,5 milhões nessa situação.

-- O país desabou -- resume Francisco Menezes, consultor da ActionAid, uma das organizações da Rede Penssan, que divulgou os números da fome semana passada. Três fatores explicam essa situação. O primeiro é o forte empobrecimento de grande parte da população. O segundo foi o comportamento do mercado de trabalho, com desalento e queda da renda média (que é a mesma de 2011). O terceiro é o desmonte dos programas de segurança alimentar e proteção social.

Na educação, as crianças perderam mais. A evasão escolar na faixa de 5 a 9 anos está igual à de 2012, de acordo com estudo do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social:

-- Chamou a atenção a piora entre as crianças mais novas, especialmente entre 5 e 6 anos, depois de grandes progressos nos últimos 40 anos.

'DESAFIOS SÃO ENORMES'

Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco, diz, com base em avaliação feita no estado de São Paulo, que houve atraso escolar em todas as etapas, porém com mais intensidade entre as crianças, ameaçando uma etapa da educação que ele considera ser a que mais precisa da socialização proporcionada pela escola. O nível de aprendizado de matemática voltou a 2007, e o de português, a 2011.

--Na educação, o retrocesso é categórico. Os desafios são enormes. São alguns anos a serem recompostos -- diz.

No meio ambiente, voltouse ao passado de desmatamento crescente. Na Amazônia, onde há duas semanas foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, o corte de árvores nunca foi tão grande. Saímos de uma área desmatada de 4.571 quilômetros quadrados em 2012 para 13.235 quilômetros quadrados em 2021.

-- Nunca imaginávamos voltar a 10 mil quilômetros de área desmatada. É um método de desfazer a governança sobre o tema ambiental que vem sendo feito sistematicamente em todas as áreas. Tira o orçamento, tira o pessoal competente, cria níveis de burocracia adicionais para penalizar pelo ilícito, legaliza coisas ilegais, não cria unidades de conservação e tenta eliminar as que existem - afirma Tasso Azevedo, coordenador do Mapeamento Anual da Cobertura do Solo no Brasil (Mapbiomas).

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Edmar Bacha e o desmonte do Plano Real - Entrevista por Cassia Almeida (Globo)

Edmar Bacha diz que drible ao teto de gastos é ‘pedalada’ e prevê ‘inflação direto e na veia’

Um dos principais atores do Plano Real lança livro de memórias e alerta para os efeitos na economia de um Orçamento público desequilibrado 

Cássia Almeida

O Globo, 24/10/2021

RIO - Em 1993, no governo de Itamar Franco, uma das principais missões do economista Edmar Bacha era negociar no Congresso o Fundo Social de Emergência, que propunha um ajuste fiscal ousado.

Sem isso, o Plano Real, que converteria a Unidade Real de Valor (URV) na nova moeda, fracassaria como os anteriores que tentaram controlar a hiperinflação.

Naqueles tempos, ela girava em quatro dígitos anuais. Com a esperada estabilização dos preços, acabaria a ajuda da inflação no aumento da arrecadação sem que as despesas públicas fossem indexadas na mesma proporção.

Bacha, um dos atores mais importantes na elaboração e implementação do Plano Real, detalha esses tempos no livro “No país dos contrastes. Memórias da infância ao Plano Real”, que será lançado na próxima quarta-feira, pelo selo História Real, da Editora Intrínseca. 

Vinte e oito anos depois, o mesmo economista alerta para os efeitos na economia de um Orçamento desequilibrado e do buraco nas contas públicas: “inflação direto e na veia”.

Em conversa com O GLOBO, ele diz que a manobra do governo atual de mudar o cálculo do teto de gastos para viabilizar o Auxílio Brasil é “pedalada fiscal com certeza”. Confira a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva.

Pedalada fiscal’

“Pedalada com certeza (mudar o cálculo do limite de gastos para encaixar o programa social Auxílio Brasil). É uma vergonha. É possível conciliar a responsabilidade social com a fiscal. Mas precisa de um governo digno desse nome, o que não é o caso deste que está aí.”

Inflação contratada

“Se há inflação e você senta em cima das despesas, o valor real delas se deteriora, especialmente se não faz reajuste no funcionalismo público, como ocorre atualmente. Como disse o ministro (Paulo Guedes), é uma licença para gastar. Antes, quando o governo fazia isso, a inflação demorava a aparecer. Podia-se gastar mais sem consequências no curto prazo. Mas agora você tem o câmbio flutuante (a cotação do dólar reflete a demanda pela moeda)." 

"Essa é diferença em relação ao período de implantação do real. O câmbio reage na hora, como estamos vendo hoje. Aquela fala do ministro, essa indecisão sobre como vão fazer caber essas despesas adicionais no teto, o dólar reage. E quando o dólar reage bate direto na inflação. Tem um mecanismo meio automático de contenção da propensão a gastar, que é o câmbio flutuante. Vão ganhar inflação direto e na veia.”.

Efeito eleitoral

“Outra coisa que a gente aprendeu lá atrás, no Plano Cruzado (Bacha teve participação em ambos os planos de estabilização), foi que, quando você controla a inflação, o povo te elege, e quando deixa a inflação disparar, o povo te tira. Tem esse efeito de contenção das propensões gastadoras dos governos, principalmente em períodos pré-eleitorais.” 

Um 2022 complicado

“Acho que vai ser um ano muito complicado. Além dessa dificuldade do lado político, institucional, vamos ter um quadro externo mais complicado do que a gente imaginava na saída do Covid. Com a inflação nos Estados Unidos, os juros americanos vão ter de aumentar." 

"Quando se aumenta juros lá fora não é nada bom para países que precisam de financiamento externo como nós. Meu medo é que, para controlar a demanda nos EUA, se não houver ajuda do lado fiscal, o Fed (Federal Reserve, banco central americano) tenha que subir muito os juros. Isso vai ser muito ruim para nós.” 

Teto e juros

“Antes tinha o alívio dos juros baixinhos, agora o Banco Central está tendo de aumentar os juros para segurar as expectativas de inflação do ano que vem e de 2023. Nas contas dos governos, precisa cuidar do primário (resultado entre receitas e despesas públicas antes do pagamento de juros da dívida)."

"E a maneira que conseguimos cuidar do primário foi o teto. Dentro do quadro que havia o teto, portanto o risco fiscal estava mais amainado, pode haver queda extraordinária da taxa de juros no Brasil. Há uma conjunção de fatores que os economistas têm que ter a capacidade de transmitir para os políticos."

"Para que os políticos meditem bem sobre as consequências de seus atos. Nem sempre o que é aparentemente eleitoralmente edificante de fato o será, porque a economia reage de uma forma que é contrário aos interesses eleitorais de um governo gastador.”

Risco institucional

“Acho que ele (o presidente Jair Bolsonaro) se deu conta de que estava entrando numa trajetória que iria acabar em impeachment. Ele ia perder o apoio do Centrão e dos militares se ele continuasse naquela trajetória de desafio à institucionalidade. Felizmente, agora tem razoavelmente se comportado. Vamos ver depois da CPI, todos esses crimes.”

Programa social

“Tem um projeto que Tasso Jereissati (senador do PSDB pelo Ceará) apresentou que propõe a unificação dos programas sociais, com mais foco e mais inteligência do que tem sido atualmente. Temos um problema que foi revelado com força pela pandemia que é a intermitência, a insegurança do trabalho informal. É preciso de um seguro para perdas eventuais de trabalho."

 "Não é que as pessoas não tenham capacidade de gerar renda, mas estão submetidas a muitos choques, e isso precisa ser incorporado ao nosso sistema de proteção social. Mas precisa ter coragem de enfrentar interesses constituídos que se beneficiam de valores orçamentários que são totalmente inadequados, como os subsídios para atividades empresariais. É tratável, mas precisa de um governo que saiba o que está fazendo, não é o caso atual.”

Terceira via

“O PSDB sempre escolhia seu candidato numa mesa de restaurante com cinco caciques. Dessa vez está indo para um debate muito produtivo, civilizado, entre três candidatos, todos muito qualificados. Vai ter que criar um tipo de mecanismo para saber aquele que está se colocando melhor como alternativa." 

"Não vamos ter o Plano Real dessa vez para eleger o Fernando Henrique. Será na base do convencimento da população de que existe uma alternativa melhor para o país do que Lula ou Bolsonaro.”