O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Diego Amorim. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Diego Amorim. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Alca e Mercosul: dois processos paralelos, não divergentes - Paulo Roberto de Almeida

 Alca e Mercosul: dois processos paralelos, não divergentes

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

 

Questão colocada:

“Em retrospectiva, o Brasil deveria ter escolhido a Alca em detrimento do Mercosul?”

Meus comentários: 

Desde o início da ONU e de suas várias agências, o mundo do comércio exterior deixou de ser baseado em acordos bilaterais, de país a país, como existiam até a Segunda Guerra Mundial, para passar a ter um sistema multilateral de comércio, ou seja, um acordo geral sobre tarifas aduaneiras e comércio, que regula de maneira uniforme, regras e princípios de um regime aplicável a todos os países, com poucas exceções. As cláusulas básicas do sistema multilateral de comércio são: princípio da nação-mais-favorecida (ou seja, todo mundo é tratado de igual forma); tratamento nacional (ou seja, desde que um produto é importado, e paga tarifa, ele dever ser tratado como se fosse produção nacional); não discriminação (ou seja, nenhum país é tratado de uma forma especial, mas todos recebem o mesmo tratamento, para vantagens ou restrições); reciprocidade (se espera que quem receba um favor, sob a forma de redução de tarifas, por exemplo, deveria fazer alguma concessão a quem fez a oferta).

Dentre as exceções ao princípio da nação-mais favorecida encontra-se precisamente a negociação de acordos de livre comércio ou de união aduaneira entre duas ou mais partes, com o que se viola essa cláusula, justamente, pois apenas as partes ao acordo vão se beneficiar dessa concessão, o que coloca todos os demais em desvantagem relativa. Essa exceção atinge as diferentes formas de acordos comerciais entre os países, numa escala crescente de compromissos, com obrigações e vantagens cada vez mais sofisticados. Uma representação desse esquema evolutivo, pode compreender a seguinte gradação da integração: 

1) Preferências Tarifárias (PT): os países negociam redução de tarifas sobre apenas alguns produtos; é a forma mais simples de derrogação ao princípio fundamental do Gatt; e não estava previsto no formato original do Artigo 24 do Gatt.

2) Zona de livre comércio (ZLC): é quando os países reduzem todas as tarifas e medidas não tarifas sobre todos os produtos, ou seja, não existem mais restrições ao comércio em qualquer setor; mas vale apenas para o comércio entre as partes.

3) União Aduaneira (UA): quando os países, além de estabelecerem uma zona de livre comércio entre eles, dão um passo além, e estabelecem uma política comercial comum válida para quaisquer outros países; na prática, significa que não podem mais fazer acordos de livre comércio, ou qualquer outro, de forma individual, e só podem fazê-lo de maneira conjunta e uniforme.

4) Mercado Comum (MC): trata-se de um passo adiante na integração, pois além da ZLC e da UZ, os países consentem em eliminar quaisquer tipos de barreiras ao comércio de bens e serviços, mais movimentos de capitais e fluxos migratórios, ou seja, todos os fatores de produção estão envolvidos nesse formato.

5) União Monetária (UM): com todos os formatos anteriores aplicados de forma totalmente livre entre os membros do acordo, eles decidem também eliminar suas moedas nacionais, e, portanto, o câmbio e a conversibilidade, e adotar uma moeda comum entre eles, que também pode ser única. É o caso do euro, que no entanto não se aplica a todos os países membros da União Europeia, mas apenas aos que decidiram largar a sua moeda nacional para transferir esse poder para uma entidade comum, geralmente supranacional. 

 

Temos diferentes exemplos de cada um desses tipos de integração, desde os mais simples, que são geralmente usados por países em desenvolvimento que estão na primeira etapa do processo integracionista, até a União Europeia, que já passou por todas elas, possui um moeda comum, embora não única, entre aqueles membros que resolveram abandonar suas moedas nacionais e discutem inclusive constituir uma federação, ou seja, possuir poderes comuns entre eles e até instituições compartilhadas, ou seja, na justiça, defesa e relações exteriores (o que também existe, embora de forma mais limitada entre os membros da UE. No meio temos, dezenas, centenas de acordos de livre comércio que existem entre os mais diversos países, como é o caso do EFTA, os quatro países que não foram adiante na integração europeia: Noruega, Suíça, Islândia e Lietchenstein, sendo que o líder do grupo, até 1972, era a Grã-Bretanha. Mas também temos algumas uniões aduaneiras, o que é o caso do Mercosul, criado em 1991, mas que não é o do NAFTA, o acordo de livre comércio da América do Norte, que passou por diversas mudanças recentemente. 

Mas era também o caso do projeto americano da Alca, proposto pelo presidente Clinton, e que foi negociado durante quase dez anos, entre quase todos os países do hemisfério americano (menos Cuba), mas que acabou não sendo aprovado e terminou sendo abandonado. Pois bem, o que podemos dizer, portanto, é que não existe contradição entre o Mercosul, que é um projeto de integração de 1991, mais profundo, entre os vizinhos do Cone Sul da América do Sul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – e o projeto americano da Alca, área de livre comércio das Américas, de 1994, e que nunca chegou a existir. Mas o Mercosul poderia, sim, como bloco, ter pertencido a uma Alca, se esta viesse a existir, o que não foi o caso, pela simples razão de que é possível a uma ZLC ter diferentes parceiros, sem qualquer exclusão, ao passo que uma UA exige exclusividade de tratamento entre os membros (ou seja, uniões aduaneiras requerem que todos tenham a mesma política comercial).

A razão é simples: o Mercosul surgiu antes, e resolveu saltar uma etapa do processo integracionista, passando logo para a UA, uma escala antes do MC e uma depois da ZLC, sendo que o Mercosul, conjuntamente, pode negociar acordos de liberalização comercial com muitos outros países, ou até com blocos, como é o caso do acordo entre a União Europeia e o bloco sul-americano, assinado em junho de 2019, mas que ainda não entrou em vigor, e não se sabe quando entrará. Já a Alca, foi apenas um projeto, negociado, durante dez anos, mas que não chegou a ser concluído, por divergências entre os negociadores. Assim, teoricamente, o Mercosul poderia continuar existindo como bloco aduaneiro, fazendo parte de uma ZLC americana, ou hemisférica, o que entretanto não foi o caso, por razões que podem ser examinadas.

Na prática, não ocorre totalmente de maneira uniforma e linear entre os diversos tipos de integração econômica, como pode ser demonstrado pela imensa variedade de esquemas existentes no mundo. Recomenda-se uma visita à página da Organização Mundial do Comércio (www.wto.org), para examinar mais de perto essa questão, que deve ser encarada como expressão os diferentes modelos de integração que os países buscam, em função de suas preferências regionais ou de alianças políticas entre eles.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3894: 21 de setembro de 2021

 

"O mundo já conhece Bolsonaro, o último negacionista do planeta", diz embaixador
Entrevista com o Antagonista Claudio Dantas, em torno do tema do momento: discurso mentiroso do Bozo na ONU:

No Papo Antagonista desta terça-feira, Claudio Dantas e Diego Amorim entrevistaram o embaixador Paulo Roberto de Almeida, que criticou o discurso de Jair Bolsonaro na ONU.


segunda-feira, 7 de setembro de 2020

A indústria religiosa, a mais pujante do Brasil - Diego Amorim, Ricardo Bergamini e Poder 360

Primeiro a nota do jornalista Diego Amorim, do Antagonista: 


Jair Bolsonaro tem até o fim desta semana para sancionar, com ou sem vetos, um projeto de lei que regulamenta o pagamento de precatórios durante a pandemia da Covid-19.

No projeto, foi inserido um jabuti pelo deputado David Soares(DEM), filho do missionário R. R. Soares, garantindo o perdão das dívidas das igrejas com o Fisco.

Quinze dias antes, Bolsonaro havia recebido para tratar justamente desse assunto o deputado Soares e representantes da Receita.

David Soares desligou o telefone na minha cara, sem nem sequer ouvir a primeira pergunta que eu tinha a fazer sobre o tema.

Eu falei com o autor da proposta original, Marcelo Ramos (PL), que disse concordar com o perdão às igrejas. O relator na Câmara, Fábio Trad (PSD), foi contra a aprovação dessa emenda.


(7/09/2020)

Agora o contundente Ricardo Bergamini: 


A indústria da fé é a mais promissora do Brasil (Ricardo Bergamini).

Prezados Senhores

Renúncia fiscal é uma das maiores imoralidades da história econômica do Brasil, que nunca fez, faz ou fará parte das reformas dos governantes de plantões. 

Que Deus use esses recursos para multiplicar os pães e os peixes dos seus pastores, em suas mansões.

Nota: esses tributos não são das doações, mas sim dos negócios econômicos que essas instituições participam, bem como das altas remunerações dos seus pastores.

Agora a matéria do Poder 360: 


Projeto de lei aprovado perdoa R$ 1 bi em dívidas de igrejas, diz jornal

Precisará de sanção presidencial

Texto isenta as igrejas de tributos

Perdoa as dívidas com a Receita

Congresso aprova texto que isenta igrejas do pagamento de contribuições como a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e perdoa dívidas acumulas com a União

PODER36007.set.2020 (segunda-feira) - 8h13

Texto aprovado pelo Congresso Nacional pode anular dívidas tributárias das igrejas com a Receita Federal. É o projeto de lei (PL) 1581/2020, que regulariza descontos em pagamento de precatórios (valores devidos depois de sentença definitiva na Justiça). O texto aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro.

O Estado de S. Paulo apurou que o valor “perdoado” caso o texto seja aprovado é de quase R$ 1 bilhão. Hoje, apesar de não estarem sujeitas ao pagamento de impostos, as igrejas ainda precisam pagar contribuições como a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e a contribuição previdenciária. Algumas instituições religiosas tentam driblar a legislação e são autuadas pela Receita Federal. Elas distribuírem parte da arrecadação entre os principais dirigentes e lideranças sem pagar os tributos obrigatórios.

Parte inferior do formulário
Os trechos propostos pelo deputado federal David Soares (DEM-SP) a PL 1581/2020 mudam justamente a legislação sobre a CSLL e a contribuição previdenciária. O texto estabelece o fim da obrigatoriedade do pagamento por parte das igrejas. E diz que “passam a ser nulas as autuações feitas” anteriormente. Ou seja, as dívidas acumuladas deixam de existir.

David é filho do missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus. A igreja tem, segundo o Estadão, R$ 37,8 milhões inscritos na Dívida Ativa da União. Procurado, o deputado disse que não comentaria a reportagem.


Segundo o Estadão, a área econômica deve recomendar que Bolsonaro vete os trechos apresentados por David. O Ministério da Economia não quis comentar o assunto. A Secretaria-Geral da Presidência da República falou que “o projeto citado está em análise”. Bolsonaro tem até o dia 11 de setembro para sancionar ou vetar a proposta.

Gráficos de Ricardo Bergamini: