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domingo, 8 de janeiro de 2017

Desafios da politica externa brasileira na proxima decada: propostas de Oliver Stuenkel - comentarios PRAlmeida

Sob esse título pretendo organizar no IPRI, em Brasília (anunciarei oportunamente), um seminário-debate com boa parte dos autores da publicação 10 Desafios da Política Externa Brasileira (disponível neste link), organizada por Matias Spektor e editada recentemente pelo CEBRI e pela Fundação Konrad Adenauer.

Um dos autores, Oliver Stuenkel, possui livro e site próprios, sob o signo do Post Western World (sobre os quais também já efetuei apresentação com o próprio autor no IPRI em dezembro último (ver aqui).
Oliver apresentou numa de suas últimas postagens os dez desafios que ele acha que a diplomacia brasileira precisa enfrentar no futuro imediato e de médio prazo. Eles estão expressos aqui, e não vou debatê-los todos, em detalhe, neste momento, mas apenas referir-me a eles e fazer um rápido comentário sobre cada um genericamente.
Ao final desta postagem transcrevo a síntese de Daniel Buarque, do blog do Brasilianismo, sobre um desses desafios, o de explicar o Brasil ao mundo.

Quais são os dez desafios de política externa identificados por Oliver Stuenkel?

1. Help accelerate Brazil's economic recovery
2. Develop a regional long-term strategy vis-à-vis Venezuela
3. Manage the global corruption fallout
4. Explain Brazil's unique moment to the world 
5. Prepare for a more Asia-centric world
6. Design a strategy to address domestic violence
7. Recover Brazil's voice in global security matters — by starting at home
8. Tackle growing challenges in cyberspace
9. Strengthen BRICS, revive IBSA
10. Continue to work towards reforming international institutions        

Eu (PRA) diria, rapidamente o seguinte: 
Concordo, basicamente com quase todos esses "objetivos", ou desafios, mas descarto completamente o de número 9 -- por razões objetivas e de ordem subjetiva, minhas, de acordo com concepções de política externa que mantenho pessoalmente, mas que não vou explicar agora -- e diria que TODOS esses desafios não são exatamente de política externa, e sim de política doméstica, de interesse nacional brasileiro, desafios que temos como nação para o nosso próprio povo.
1) Acelerar o crescimento econômico é o básico de qualquer governança responsável num país atrasado relativa e absolutamente, e portanto a recuperação da GRANDE DESTRUIÇÃO causada pelos lulopetistas é absolutamente essencial para nossa própria sobrevivência. Talvez a política externa (ou mais exatamente a diplomacia) possa ajudar nessa tarefa, mas creio que existem limitações estruturais a isso, que têm a ver com as próprias concepções da diplomacia profissional. Vou me estender sobre isso mais adiante.
2) A Venezuela é certamente um problema para o Brasil, mas nenhuma solução pode ser externa e acho que o Brasil dos lulopetistas foi em grande medida responsável pelo que aconteceu naquele país. Mas não creio que precisamos ter uma estratégia de longo prazo para aquele país exclusivamente, e sim uma estratégia para a região como um todo, e ela passa pela formação, totalmente unilateral, de um espaço econômico aberto na região, bastando ao Brasil abrir-se aos demais, sem nenhuma negociação, apenas dando as regras pelas quais podemos favorecer a criação de uma zona de livre comércio regional.
3) e 4) A corrupção é coisa nossa, e eu não gastaria um centavo sequer tentando explicar o Brasil ao mundo: eu simplesmente faria um ENORME processo de reformas internas, abrindo o país, acabando com monopólios (estatais e privados), rebaixando o Estado ao mínimo indispensável, liberando as forças produtivas do país, da nação, ou seja, criando uma economia baseada nas liberdades e privatização geral de atividades econômicas e mesmo na prestação de serviços públicos. Ou seja, eu investiria TUDO num processo interno de reformas, e deixaria que isso produzisse efeitos primeiro para nós, que depois o mundo vai se dar conta de que, finalmente, ficamos grandes e responsáveis.
5), 7) e 8) Que o mundo esteja se tornando mais "Ásia-cêntrico" (o que é possível), não depende do Brasil, nem da política externa; são dinâmicas econômicas que escapam inclusive do controle dos próprios asiáticos em seus conjunto: apenas ocorre que esses países, por políticas domésticas e esquemas de interdependência regional e global, se tornaram propulsores da economia mundial e isso é bom para todos, para os que lideram o processo e mesmo para os atrasados como nós. Questões de segurança internacional e desafios do ciberespaço também dependem de reformas internas, que nos habilitem a participar da cooperação internacional nessas áreas de maneira útil, não de forma passiva como hoje. Continuo achando que são questões dependentes de reformas internas.
6) Violência doméstica é um assunto de foro íntimo, digamos assim, ou seja, uma tarefa absolutamente interna, que tem pouco a ver com a política externa. Um assunto de polícia e de políticas domésticas de segurança, e basicamente de revolução educacional, o que infelizmente não vai ocorrer tão cedo.
9) Como já disse, não dou nenhuma importância a isso, e apenas lamento que se perca tempo e dinheiro com coisas absolutamente inúteis para nossos grandes objetivos de desenvolvimento.
10) Não ligo tanto para as instituições internacionais, pois acho que elas têm muito pouco a contribuir para as reformas internas -- que são as que reputo mais relevantes -- e podem até influenciar negativamente na consecução de várias delas. O Brasil continua, infelizmente, a disputar os primeiros lugares dentre os "coitadinhos do mundo", e não acho que seja uma boa atitude para ajudar nas reformas internas.

Enfim, essas são considerações muito rápidas que faço sobre essas "teses" de política externa, que terei oportunidade de discutir mais extensamente com o próprio autor.
Paulo Roberto de Almeida

Agora:

Explicar o Brasil ao mundo é um dos 10 desafios de política externa do país
Daniel Buarque
Blog Brasilianismo, 6/01/2017

Explicar o Brasil ao mundo é um dos desafios de política externa do país, diz analista

O momento histórico vivido pelo Brasil em meio às crises política e econômica que assolam o país é único, muda a realidade dos objetivos da diplomacia nacional e precisa ser traduzido para o mundo. Fazer com que estrangeiros entendam o que se passa no país é um dos maiores desafios da política externa brasileira em 2017, segundo o cientista político Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV e membro não residente do Instituto Global de Política Pública (GPPi), em Berlim.

Em um artigo publicado no seu site ''Post Western World'', Stuenkel listou os 10 principais desafios da diplomacia brasileira neste momento de crise, em que evitar o declínio do país se tornou prioridade. Ele inclui esta questão da imagem do país como 4º ponto da lista.

Segundo ele, a Lava Jato alterou a forma como a política e os negócios funcionam no Brasil, ''possivelmente mudando para sempre a tolerância com a corrupção''. Apesar de ser algo importante, isso ''paralisou temporariamente alguns atores-chave, que precisam aprender como se envolver de forma apropriada, com consequências de curto prazo negativas'', avalia.

''A política externa brasileira precisa mostrar a observadores internacionais que isso é, acima de tudo, um desenvolvimento positivo, já que vai fazer com que o Brasil se torne mais moderno, transparente e democrático. Apenas se isso for comunicado de forma bem-sucedida, investidores de todo o mundo vão ajudar o Brasil a se recuperar da sua pior recessão na história'', explica.

Além de explicar o Brasil atual aos estrangeiros, Stuenkel diz que a diplomacia brasileira tem como desafios: Ajudar a acelerar a recuperação econômica do Brasil; desenvolver uma estratégia regional de longo prazo em relação à Venezuela; administrar as consequências da corrupção em escala global; preparar o país para um mundo mais centrado na Ásia; desenvolver uma estratégia para lidar com a violência doméstica; recuperar a voz do Brasil em questões globais de segurança; lidar com desafios crescentes no ciberespaço; fortalecer os Bric; e continuar trabalhando para reformar as instituições internacionais.

''A política externa do Brasil sob seus três presidentes anteriores — Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff — foi formada, apesar de alguns passos atrás e acima de tudo, por desafios na administração da ascensão do Brasil e sua transformação em um ator moderno e visível globalmente. O governo interino de Michel Temer, ao contrário, busca impedir o declínio do Brasil enquanto a maior economia da América Latina entra o que pode se tornar o quarto ano seguido com crescimento negativo ou próximo de zero", explica.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Era dos Gigantes: notas sobre o documentario - Paulo Roberto de Almeida


Era dos Gigantes: um documentário sobre a diplomacia lulopetista

Paulo Roberto de Almeida
 [Comentários sobre o filme de Mauricio Costa, para debate sobre o documentário]



As notas abaixo se destinam a consolidar algumas reflexões pessoais sobre o documentário do diplomata-cineasta Mauricio Costa, #Era dos Gigantes (122 min., 2016), sobre a política externa brasileira na era Lula, com material de imprensa, depoimentos primários dos principais atores, e comentários de analistas acadêmicos ou dos meios de comunicação, obra que retrata o confronto entre os principais personagens da política externa de Lula, seus opositores, analistas e opinião pública na era das redes sociais. Com entrevistas, pesquisa de notícias, imagens de arquivo e inserção de tweets originais, o filme, segundo seu diretor, procura responder à importante questão sobre se a política externa do presidente Lula defendia os interesses do seu partido, o PT, ou se os interesses do Brasil.
A exibição, única e exclusiva, desse documentário foi feita em duas sessões, no dia 28/10/2016, no Uniceub, pela manhã no seu campus de Taguatinga, pela noite no campus central, da Asa Norte em Brasília. As informações básicas do documentário foram disponibilizadas no seguinte link: http://www.festbrasilia.com.br/mostra/era-dos-gigantes/78. O trailer do filme pode ser visto pelos interessados no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=ZCv9N49ZZNY. O próprio diretor-cineasta efetuou breve introdução ao documentário, após cuja projeção o diplomata Rômulo Neves fez seus comentários, seguidos por uma exposição livre de meus próprios comentários, tal como sumariados abaixo, abrindo-se então o debate geral com o público presente.

==============

1)  Enquanto produto audiovisual, trata-se de obra única e original (pelo menos até o momento) sobre a diplomacia lulopetista, a despeito do imenso volume (nem sempre de qualidade) de propaganda produzida em causa própria que o regime lulopetista fez por canais próprios, com o nosso dinheiro, ou por meio de seus múltiplos canais simpáticos, também a partir do nosso dinheiro, uma infinidade de instituições, sites, blogs e pasquins que, todos eles, se encarregaram durante quase três lustros de cantar as loas do regime lulopetista, em todas as suas vertentes.
2)  Talvez coubesse, em caráter preliminar, determinar se existe essa coisa chamada “diplomacia lulopetista”, o que é altamente duvidoso, pelo menos no estrito senso. Por um lado, porque a diplomacia, no seu sentido próprio, permaneceu a cargo do Itamaraty, pelo menos no plano prático, ao passo que a política externa do Brasil foi, sim, influenciada, em diversos pontos, pelo Partido dos Trabalhadores e seus mestres em outras partes. Por outro lado, porque não houve muita originalidade na chamada política externa lulopetista, sendo ela uma continuidade, com várias deformações, de posturas tradicionais da política externa tradicional do Brasil (ou do Itamaraty), quais sejam: prioridade à América Latina (depois à América do Sul), depois aos projetos de integração (com a Argentina, e depois quadrilateral, no Mercosul), as alianças preferenciais no âmbito do Sul (ou seja, dos países em desenvolvimento), com algumas parcerias estratégicas nesse âmbito, importância dada ao multilateralismo tanto político quanto econômico, pretensões a ocupar papel de relevo no concerto das nações e nas instâncias decisórias de poder da ordem mundial (e seus acalentados projetos de pertencimento ao inner circle dos grandes, primeiro na Liga das Nações, depois, e sempre, nas Nações Unidas), e uma série de outras posições que todas elas se conformam a uma velha obsessão nacional, desde os tempos imperiais e bastante bem expressa nas perorações de Rui Barbosa na Haia: a defesa acendrada, resoluta, da soberania nacional, onde entra também um intransigente nacionalismo, traduzido em políticas de proteção nacional, de certa recusa da penetração estrangeira em diversos setores da economia nacional (ou em todos eles), enfim, coisas bastante familiares aos diplomatas e não diplomatas. O que o PT introduziu de novo foi uma exacerbação de certos traços mais estatizantes e rusticamente nacionalistas, com um toque de esquerdismo simpático às causas socialistas, o que levou a diplomacia lulopetista a apoiar algumas das ditaduras mais execráveis na região ou alhures.
3)  Deve-se, em qualquer hipótese, reconhecer os méritos deste documentário, em suas virtudes didáticas, de assemblagem de testemunhos primários que podem, talvez, ou certamente, servir de fontes históricas. Muito do que está registrado na filmagem já está devidamente documentado, por meio de alocuções, artigos, pronunciamentos dos entrevistados, mas ainda assim o documentário é precioso por permitir conhecer, diretamente e espontaneamente, o que cada participante convidado tem a dizer – de bom, de mau ou de feio – sobre essa “diplomacia lulopetista”. E quem são esses entrevistados? Registre-se aqui certo desequilíbrio nos depoimentos, pois a maioria dos entrevistados mostra-se simpática às posições em política externa do lulopetismo diplomático: estão ali o próprio presidente Lula (mas com frases banais, óbvias, genéricas demais, embora enfatizando as grandes linhas da sua diplomacia Sul-Sul), seu chanceler pelo oito anos (embaixador Celso Amorim), o secretário-geral do Itamaraty por sete anos e grande ideólogo das principais orientações diplomáticas do regime (embaixador Samuel Pinheiro Guimarães), um jornalista totalmente adesista de Carta Capital (Mino Carta), o senador Cristovam Buarque, dois acadêmicos igualmente simpáticos à diplomacia lulopetista (Matias Spektor e Oliver Stuenkel) e um jornalista igualmente defensor das grandes linhas do regime (Sérgio Leo). Do outro lado, apenas o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia (que criticou algumas ações do regime, mas ao final se declarou amplamente favorável ao governo Lula) e o embaixador Rubens Barbosa, conhecido crítico de toda a política externa lulopetista, embora favorável a algumas de suas iniciativas (IBAS, BRICS mais exatamente).
4)  O que disseram os entrevistados? Muita coisa, mas a destacar a frase repetida no documentário do ex-chanceler, para quem “os críticos [do lulopetismo diplomático] veem o Brasil com olhos pequenos”. A conclusão geral a ser tirada pode ser assim apresentada: os formuladores e executores da política externa lulopetista obviamente concordam com o que eles próprios fizeram à frente da diplomacia brasileira, mas o que também pode ser observado é certo tom defensivo, explicativo, justificativo dessa política, como se houvesse algum temor não explicitado abertamente, uma espécie de arrière pensée, uma percepção não reconhecida abertamente de que essa diplomacia, essa política externa podem não ter sido exatamente consensuais ou isentas de contestações, frente às quais eles se apressam então em defende-las, até preventivamente (como aliás o fizeram durante todos esses anos).
5)  A noção de diplomacia partidária, ou ideológica, veio várias vezes à baila, em função do que o ex-chanceler se encarregou de defender a ideologia do regime, um pouco nesses termos: “Mas quem não é ideológico? E a ideologia da direita, a ideologia do neoliberalismo?” Os apoiadores e opositores da diplomacia lulopetista se dedicam, nessas circunstâncias, a defender e a atacar aquela política externa, o que está bem documentado neste documentário. O seu título, entretanto, me parece um pouco enviesado: “Era dos Gigantes”? Por quê? Quais eram esses gigantes? Aqueles que figuram no livro do principal ideólogo da diplomacia lulopetista? Essa mania de grandeza pode parecer reação a algum complexo de inferioridade ou tendências megalomaníacas disfarçadas. Os companheiros, por sinal, nunca cessaram de se referir a certas frases do escritor Nelson Rodrigues, possivelmente o intelectual mais antipetista, mais antissocialista, o mais reacionário que possa ter existido no cenário político brasileiro em todos os tempos. Atração pelos contrários?
6)  Não cabe se deter agora sobre o que disseram apoiadores e opositores dessa política externa grandiosa, de gigantes, a despeito de ter feito extensas anotações – mais ou menos 20 páginas de um bloco de notas – sobre o que eles disseram, e sobre os assuntos abordados. Vou tratar de algo mais básico, tanto na historiografia política quanto no jornalismo, que é distinção tradicional, aliás fundamental, entre fatos e versões. Todos sabem que em política, muitas vezes, a versão importa mais do que os fatos.
7)  Fatos, e a sua versão, estão sempre presentes em cada etapa de nossa vidas pessoais, assim como na trajetória da história política de um país, no itinerário de uma nação. Existem, obviamente, fatos objetivos, eventos, processos, acontecimentos, que não dependem para nada de nossa vontade, de nossa opinião, de nossa condição social ou até de nossa existência, ou até da Constituição e das leis do país. Eles não pedem licença para existir. Fatos são fatos, independentemente do que pensamos a respeito deles, e se bastam a si próprios. Eles não deixam de existir mesmo que você não concorde com eles.
8)  Versões, por outro lado, são construções mentais, arbitrárias, argumentos subjetivos que criamos, mantemos e até disseminamos, a partir de uma seleção arbitrária de alguns fatos, tal como os interpretamos, mas que também podem ser versões inteiramente fabricadas à margem dos fatos, explicações peculiares, particulares, que servem à economia individual de nossa formação de conceitos. Muitas vezes eles atendem uma determinada orientação ideológica, mas não necessariamente. Versões, independentemente das justificativas sociais, filosóficas, econômicas, partidárias, que encontramos para elas, podem servir unicamente a nossos interesses individuais, mesquinhos mesmo. Geralmente elas servem para realçar uma glória maior de nossa personalidade, de nossa imagem junto à comunidade à qual elas servem.
9)  Desse ponto de vista, a versão construída pelos formuladores e executores da mais do que famosa diplomacia lulopetista – mas ela existe, realmente? – se conforma aos objetivos acima explicitados. Essa versão está razoavelmente bem registrada neste documentário, e independentemente do fato de que ela também vem expressa em inúmeros discursos, artigos, entrevistas de seus autores, a versão positiva, expressa por diferentes entrevistados, se conforma inteiramente ao espírito e às intenções dos líderes e propagandistas do partido companheiro, a quem deve servir essa versão da história (se história existe, mas cabe conceder-lhe essa realidade). A versão, tal como registrada no documentário, parece totalmente adequada aos objetivos que sempre foram os seus em todas as vertentes da vida social, política e econômica do país.
10)          E qual é essa versão? Parece até simplista resumir, mas ela é realmente muito simples. Ela é a de uma época redentora, de redescoberta ou de reinauguração do Brasil, simbolizada no famoso logo “Nunca Antes neste país...” Essa é a versão que, depois daquela outra versão mentirosa e fraudulenta sobre uma tal de “herança maldita” que os companheiros teriam recebido da administração anterior, eles tentaram consolidar na memória nacional: a de uma missão salvacionista, que teria sido empreendida pelo “filho do Brasil”, o demiurgo do renascimento nacional, o líder excepcional – e sua política externa excepcional – que levariam o Brasil a novos patamares de realizações excepcionais, em todos os setores nos quais se empenharam o engenho e a arte excepcional dos companheiros.
11)          Desse ponto de vista, a versão companheira sobre a diplomacia lulopetista parece cumprir exatamente essa função: a de exaltar e realçar as glórias excelsas da fabulosa e insuperável política externa, aquela “ativa, altiva e soberana”, que teria sido a melhor que seus ideólogos poderiam ter construído e oferecido para consumo não só de simples cidadãos, como nós, como também de acadêmicos, como nós, também. A partir dessa disseminação por uma poderosa máquina de propaganda, paga por todos nós, muitos dessa última categoria aceitam essa versão acriticamente, e passam por sua vez a retransmiti-la, por vezes até edulcorada, engrandecida, ou mesmo até de forma simplificada, como convém a seguidores e propagandistas. Mas também pode ocorrer que aqueles que eu chamo de acadêmicos gramscianos fabricam versões sofisticadas, ainda mais refinadas, aparentemente até mais credíveis nesses meios crédulos que são das faculdades de humanidades.
12)          A partir dessa visão de um regime que pretensamente os companheiros querem registrar como o mais alto ponto da História do Brasil, e o de sua política externa, pode-se pensar numa nova periodização da história pátria, uma espécie de ruptura entre um Antes e um Depois (que os companheiros prefeririam que nunca existisse). Podemos – por que não? – satisfazer-lhes esse desejo incontido, propondo uma nova cronologia, uma divisão inovadora em nossa história política, ou até nacional. Qual seria ela? Assim como na historiografia cristã, ou ocidental, costuma dividir a história do mundo em um AC e um DC, ou seja, Antes e Depois de Cristo, pode-se propor que a história do Brasil seja dividida doravante entre um AC e um DC, isto é, Antes e Depois dos Companheiros. O que fica pelo meio, para os companheiros, é considerado o nec plus ultra das políticas sociais no Brasil, sendo que o que existia antes era simples lixo neoliberal, e o que veio depois é golpe.
13)          Independentemente porém do AC-DC, vamos examinar os fatos, antes que a versão “legitimista”, propagandeada pelos próprios companheiros, seja realmente entronizada como a versão oficial da história nacional. Quem são os autores dessa versão companheira do lulopetismo diplomático? Eles estão representados, no documentário, pelo ideólogo-mor da diplomacia lulopetista, justamente, seguido pelo chanceler oficial do regime, mas infelizmente o documentário não conseguiu recolher os depoimentos dos demais chanceleres parciais ou ocasionais do regime, e ele os teve. Um deles era conhecido como o Richelieu do Planalto, o grão-vizir do regime, antes de ser defenestrado no primeiro tropeço de corrupção, o chamado Mensalão, agora gozando de uma aposentadoria muito involuntária na República de Curitiba. Havia também um outro chanceler amador, sintomaticamente apelidado por diplomatas e jornalistas de “chanceler para a América do Sul”, em razão de suas altas habilidades linguísticas, mas que era um antigo apparatchik do PT aparentemente especializado nessas coisas internacionais, mas que também era um dos animadores do Foro de São Paulo, e como tal um homem da inteira confiança dos comunistas cubanos, mestres em certas artes, que são os que de fato controlam o Foro e mais da metade dessas organizações de esquerda que pululam na América Latina.
14)          Infelizmente, esses dois últimos “chanceleres” não foram entrevistados no documentário, imagino que a despeito dos maiores esforços do seu diretor, o que é realmente uma pena, pois eles teriam muita coisa importante a esclarecer a respeito da diplomacia lulopetista, questões que não necessariamente figuram nos anais e nos registros do Itamaraty, mas que suspeito tenham sido deixadas deliberadamente à margem de telegramas e outros expedientes da Casa. Mas suspeito também que eles não se disporiam a falar sobre certas questões sensíveis, tão sensíveis, talvez, quanto algumas que estão sendo agora elucidadas pelos esquadrões de investigadores e de procuradores da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, coisas, realmente,  não imaginadas por nós, e que provavelmente nunca venham a ser esclarecidas por completo, à falta, justamente, desses registros formais nos expedientes oficiais.
15)          À falta desses depoimentos, outros servem para reforçar a versão ideal de uma história que ainda não foi escrita inteiramente, sequer começada por algum escriba oficial, ou até amador, como soe por vezes acontecer. Esses depoimentos são de alguns personagens que, na terminologia oficial do movimento socialista mundial, costumavam ser referidos como “fellow travelers”, ou “compagnons de route”, ou seja, aqueles simpáticos à causa, que mesmo não pertencendo ao partido ou a qualquer uma de suas organizações de apoio, se dispõem ainda assim a sustentar a versão desejada, e a emprestar-lhe foros de verdade, como se verdade fosse. Deveríamos chamar essas pessoas de ingênuas fundamentais? Certamente elas não são mal informadas, e até desfrutam de certo convívio com alguns dos personagens principais, os formuladores e executores da tal de diplomacia lulopetista, os inventores e propagandistas do mito da lulodiplomacia, aquela que veio depois do AC e antes do DC, e que agora foi tristemente interrompida por um “golpe”.
16)          O que farão agora essas pessoas, tanto os personagens principais quanto os secundários dessa trama situada no interstício cronológico do AC-DC? Suponho que os primeiros continuarão a propagar as boas virtudes da palavra revelada, aquela que pretendia que nunca antes neste país tínhamos tido uma política externa tão ativa, altiva e soberana quanto a que foi conduzida nestes treze anos e meio de realizações insuperáveis nos anais da história nacional. Não tenho ideia do que pode passar pela cabeça dos segundos personagens, agora que alguns detalhes sobre as tenebrosas transações que eram feitas à margem e à revelia da fabulosa política externa do lulopetismo estão sendo revelados pelas investigações paralelas do maior, do mais gigantesco, do mais fenomenal caso de corrupção nunca antes ocorrido neste país, neste hemisfério, quiçá no mundo, transações que envolveram igualmente inúmeros episódios de política externa, cenas explícitas de lulopetismo diplomático.
17)          Imagino que os mais honestos revisarão suas bem fundadas crenças nos méritos da “ativa, altiva e soberana”, a menos que pretendam insistir na versão já repisada e tantas vezes repetida da história do socialismo mundial, segundo a qual as intenções eram boas, os resultados é que deixaram a desejar. Insistir na excelência da política externa do lulopetismo, a despeito dos incidentes, depois de tudo o que se sabe sobre a natureza propriamente criminosa da organização que tomou o Brasil de assalto a partir de 2003, seria provavelmente um pequeno crime ideológico, e um erro mais do que fundamental de interpretação, uma crença ingênua na versão fabricada, e que agora começa a ser desmantelada como deve ser.
18)          Creio, finalmente, que este documentário fornece excelentes elementos factuais e interpretativos sobre toda uma época de nossa história política, de nossa política externa em particular, depoimentos úteis que permitirão, justamente, revisar essas versões fabricadas sobre o que se situou entre o AC-DC, com os olhos desta vez muito abertos, não mais pequenos, totalmente focados nos resultados, nas realidades, olhos e ouvidos agora bem distantes da retórica oficial propagandeada a grandes golpes publicitários, com muita ajuda dos acadêmicos gramscianos, durante esses treze anos e meio de grandezas mal justificadas. Apreciei o documentário pelo lado que ele talvez não tenha tido a intenção de ressaltar: como a mistificação política é capaz de inebriar mesmo espíritos dos mais atilados, gente bem informada, mas que falham em olhar a realidade como ela é, e que tomam as palavras dos que trabalham em causa própria como se verdade fossem. Desse ponto de vista, o documentário fornece importante material para uma dessas aulas de desconstrução conceitual.
Vale!


Paulo Roberto de Almeida
Rio de Janeiro, 3051: 25-26 de outubro de 2016

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Rubens Ricupero: livro sobre a diplomacia na construcao do Brasil (Valor)

Neste link do Academia:
http://www.academia.edu/28438753/Livro_de_Ricupero_sobre_diplomacia_brasileira_Valor_9_09_2016_
postei a entrevista do Embaixador Rubens Ricupero, concedida à jornalista Monica Gugliano, para o caderno especial do jornal Valor Econômico de fim de semana, falando da política atual brasileira, e de seu livro que deverá ser publicado até o final do ano, discorrendo sobre o papel da diplomacia brasileira na construção do Brasil.

sábado, 27 de agosto de 2016

Relacoes Internacionais Em Pauta: programa de entrevistas do IPRI, criado por Alessandro Candeas

Apresento a seguir este programa muito interessante criado pelo meu antecessor na chefia do IPRI (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais), Ministro Alessandro Candeas, que pretende ser um repositório de depoimentos interessantes sobre temas afetos a nosso universo de pesquisa e estudos, as relações internacionais e a diplomacia do Brasil, e temas conexos.
Primeiro a apresentação geral, constante do site, depois a própria apresentação do Alessandro e a relação dos depoentes.
Eu mesmo apareço num dos videos: 
11) Ministro Paulo Roberto de Almeida 
https://www.youtube.com/watch?v=As78ES-kFSk

Paulo Roberto de Almeida

 

http://www.funag.gov.br/ipri/riempauta/

1) IPRI: Introdução ao programa Relações Internacionais em Pauta
https://youtu.be/gBCLer8uI8M

2) Embaixador José Alfredo Graça Lima
https://www.youtube.com/watch?v=vkQnJIfZeqs

3) Embaixador Carlos Márcio Bicalho Cozendey
https://www.youtube.com/watch?v=8e4fdVwIyVc

4) Embaixador Paulo Estivallet Mesquita
https://www.youtube.com/watch?v=iKEArD839YI

5) Embaixador Carlos Alberto Simas Magalhães
https://www.youtube.com/watch?v=hZN8QhLoa7w

6) Embaixador Fernando José Marroni de Abreu
https://www.youtube.com/watch?v=tzBi4wW_810

7) Embaixadora Maria-Thereza Lazaro
https://www.youtube.com/watch?v=Q7NfMQrmNok

8) Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa
https://www.youtube.com/watch?v=6sNHltV_JUc

9) Nathalie Tocci - Assessora na UE em Assuntos de Política Externa
https://www.youtube.com/watch?v=PEM0yxjHv9s

10) Professor Pascal Boniface - Directeur de l'IRIS
https://www.youtube.com/watch?v=lhOiqkYPxT8

11) Ministro Paulo Roberto de Almeida 
https://www.youtube.com/watch?v=As78ES-kFSk

12) Embaixador  João Almino
https://www.youtube.com/watch?v=3sFfPOp1gUo

13) Embaixador Fernando Igreja
https://www.youtube.com/watch?v=rj5-3b8u-sY

14) Embaixadora Vitória Alice Cleaver
https://www.youtube.com/watch?v=H5LDi78c0vE

15) Conselheira Almerinda Carvalho
https://www.youtube.com/watch?v=Fiyy1YG492o

16) Alunos estrangeiros do Instituto Rio Branco
https://www.youtube.com/watch?v=G5VsDLbug_I

17) Professora Sara Walker
https://www.youtube.com/watch?v=jw-hN_JX0oQ

18) Professoras Catherine Withol de  Wenden e Virginie Guiraudon
https://www.youtube.com/watch?v=EcGKa1nckeQ   

19) Professor Walter Russel-Mead
https://www.youtube.com/watch?v=UsUlS1M-X6k   

20) Embaixadora Vera Cíntia Álvarez
https://www.youtube.com/watch?v=80yDdj5QI_0   

21) Embaixador Sérgio Eduardo Moreira Lima
https://www.youtube.com/watch?v=5lLRmrPFMGo

22) Professor Antonio Jorge Ramalho
https://www.youtube.com/watch?v=EPpjxehWxWM

23) Professor Stephen Burman
https://www.youtube.com/watch?v=arEpubt4Oq4

24) Embaixador Alberto da Costa e Silva
https://www.youtube.com/watch?v=W43tN8iQT_s

25) Embaixador Marcos Castríoto de Azambuja
https://www.youtube.com/watch?v=aDwekxniO60

26)  Embaixador José Botafogo Gonçalves
(em preparação)

27) Professor James Hershberg, George Washington University
 (em preparação)

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A crise dos misseis sovieticos em Cuba (1962): palestra do Prof. James Hershberg, no Uniceub (YouTube)

O Uniceub foi extremamente rápido, e faço meus cumprimentos à sua equipe de informática e de audiovisual por esta magnífica performance.
Acho que só vou organizar encontros desse tipo no Uniceub doravante.
Parabéns a todos e meus agradecimentos pelo gentil convite.
Paulo Roberto de Almeida


UniCEUB has uploaded EUA, Brasil e a crise dos mísseis em Cuba (1962)
https://www.youtube.com/watch?v=8D5OaC-ifdg&feature=em-uploademail
EUA, Brasil e a crise dos mísseis em Cuba (1962)
         UniCEUB, 22/08/2016, 19h30-22h00
  
0:01 - Abertura com a professora doutora Renata de Mello Rosa, coordenadora do curso de Relações Internacionais do UniCEUB
4:37 - Abertura com o professor Paulo Roberto de Almeida, diplomata e diretor do IPRI
10:22 - Palestra com o professor James Hershberg, da George Washington University (em inglês)
34:48 - Tradução resumida da palestra, pelo professor Paulo Roberto (em português)
44:18 - Continuação da palestra com o professor James Hershberg (em inglês)
57:03 - Continuação da tradução resumida, pelo professor Paulo Roberto (em português)
1:05:30 - Comentário e perguntas do professor mestre Frederico Seixas, do UniCEUB (em inglês)
1:19:50 - Tradução resumida dos comentários e perguntas, pelo professor Paulo Roberto (em português)
1:25:07 - Perguntas dos participantes e respostas do professor James Hershberg (em inglês)
1:36:26 - Tradução resumida das perguntas e respostas, pelo professor Paulo Roberto (em português)

Professor James Hershberg, da George Washington University,
https://www.youtube.com/watch?v=8D5OaC-ifdg&feature=em-uploademail

Faltam carregar os seguintes vídeos:
1) Palestra do Professor Hershberg sobre o mesmo tema no Itamaraty, feita na manhã do dia 22/08/2016, no Auditório Paulo Nogueira Batista, sob coordenação do IPRI (que dirijo) e da Fundação Alexandre de Gusmão.
2) Entrevista com o Professor Hershberg, no mesmo local, feita pelo Embaixador Sérgio Eduardo Moreira Lima, presidente da Funag, para o RI em Pauta, do IPRI
3) Debate com o embaixador Rubens Ricupero e o professor Hershberg, feita no quadro de colóquio sobre o Brasil e a crise dos mísseis, na Universidade Federal de Goiás, em Goiania, sob coordenação do Prof. Carlos Patti.

Abaixo, foto do evento em Goiânia, no auditório da Biblioteca Central: