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sexta-feira, 2 de maio de 2014

Eleicoes 2014: o partido neobolchevique ensaia suas muitas estrategias viciosas

G1, Sexta-feira, 02/05/2014

O XIV Encontro Nacional do PT, que começa nesta sexta-feira (2) em São Paulo, tem um objetivo claro: sepultar de vez o movimento "Volta, Lula" que ganha força à medida em que Dilma Rousseff perde pontos nas pesquisas. Se de um lado, há os que aderem à idéia para tirar mais coisas (mais cargos) do governo; há também aqueles que gostariam de ter uma campanha "na zona do conforto" ao serem puxados por um forte candidato à Presidência.
No encontro desta sexta, a expectativa é a de que Lula deixe claro que estará com Dilma e que toda sua força eleitoral será usada para isso. Há até os que querem que ele tenha um cargo formal na campanha, para que tenha maior desenvoltura para fazer uma campanha. Ele já decidiu quer fará uma campanha paralela à agenda da candidata, nos dias em que ela terá de ficar em Brasília no Palácio do Planalto. Dilma só poderá fazer campanha fora do expediente ou nos fins de semana. Lula, ao contrário, pretende mergulhar de domingo a domingo.
No último pronunciamento de Dilma e no primeiro texto sobre o programa de governo para o segundo mandato, que será apresentado nesta sexta no encontro petista, é possível identificar os pontos que serão explorados na campanha eleitoral. Dilma, em pronunciamento de rádio e televisão, disse que seu governo "não será o do arrocho salarial e da mão forte contra o trabalhador".
Sem citar nominalmente, ela respondia a Aécio Neves que em encontro com empresários disse que não teria dificuldades em tomar medidas duras e impopulares. Esta frase dita por Aécio está sendo repetida por petistas na tentativa de criar distância dele com trabalhadores.

Ao mesmo tempo, a proposta de programa de governo que foi redigida pelo assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia - o mesmo escriba de programas anteriores do PT - tenta recolocar o tema privatização em pauta. Vale lembrar que de 2006 para cá, foi assunto que fez diferença na campanha petista.
Desta vez, a privatização entra no contexto do debate sobre a Petrobras, assunto que, neste ano, é mais indigesto para o governo por conta dos mais recentes escândalos. O PT tenta assumir o debate sobre Petrobras acusando a oposição de tentar desgastar a empresa "com os mesmos interesses privatistas" do passado.

Os discursos de hoje em São Paulo servirão de orientação para a militância que está sendo chamada desde já a estar mobilizada para a campanha de outubro. Todos sabem que, tão importante quanto conquistar o voto do eleitor, é dar argumento para a militância conquistar este voto. Os discursos de hoje têm este objetivo.

 O XIV Encontro Nacional do PT já estava previsto, mas foi vitaminado diante da necessidade eleitoral de Dilma Rousseff. Nos últimos dias, os principais nomes do PT foram convocados a estar presentes para dar maior importância ao evento. E, também, para participarem das imagens que serão feitas lá pela equipe do publicitário João Santana e que serão utilizadas tanto no programa eleitoral do PT deste mês de maio como no programa da campanha eleitoral de Dilma Rousseff.
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Da coluna diária do jornalista Carlos Brickmann:


Acabou o teflon. Coluna Carlos Brickmann

(*)- ATENÇÃO: COLUNA EXCLUSIVA PARA A EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 04/MAIO/2014


O deputado federal Paulinho da Força, do Solidariedade, foi grosseiro ao se referir à presidente Dilma Rousseff. Não precisava; não devia (e avançar na tequila num ato político é claramente inconveniente). Correu o risco de abafar a mais importante constatação dos festejos de Primeiro de Maio: a de que acabou a época em que acusações a líderes petistas não aderiam a eles. Dilma, ausente, foi vaiada; vaiados foram, presentes, os ministros Gilberto Carvalho e Ricardo Berzoini, o prefeito paulistano Fernando Haddad (ficou mui-to bra-vo!), o candidato ao Governo paulista, Alexandre Padilha. Não foram vaiados só na festa da Força Sindical, que montou um palanque oposicionista; foram vaiados também - e alvejados por latas e garrafas - na festa da CUT, o braço sindical do PT.

É importante lembrar, também, que a CUT, de longe a maior central sindical do país, reuniu muito menos gente em sua festa de Primeiro de Maio do que a Força Sindical. A Força reuniu mais de cem mil pessoas (e anunciou um milhão e meio). A CUT reuniu algo como três mil (e anunciou 80 mil). Até os números inflados por ambas as centrais mostram a diferença de público entre suas festas.

Pior ainda, a CUT festejava também o discurso como eu sou boazinha da presidente Dilma Rousseff em rede nacional de TV, com farta distribuição daquilo que o pessoal do Palácio chamou de "bondades". Não adiantou e as vaias dominaram a comemoração. A explicação oficial é que "houve infiltração".

OK. E tudo indica que a tal infiltração cada vez será mais visível e barulhenta.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Timothy Power sobre a politica externa brasileira

Política externa deve perder caráter 'presidencialista'

Leia entrevista com o brasilianista Timothy Power, professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra

Lucas de Abreu Maia/SÃO PAULO
O Estado de S.Paulo, 30 de outubro de 2010

O protagonismo brasileiro no cenário internacional está consolidado e não será muito afetado independentemente do pleito de hoje, opina Timothy Power, professor de estudos brasileiros na Universidade de Oxford e considerado um dos principais especialistas em política brasileira no exterior. "Na verdade, 90% da política externa é burocrática e a identidade do presidente não importa muito", afirma. Ele admite, porém, que falta carisma aos presidenciáveis Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) e que inevitavelmente haverá, nos próximos quatro anos, uma "despresidencialização" da diplomacia brasileira. Em um balanço dos últimos oito anos, Power avalia que o lulismo consolidou uma forte base de apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que, contudo, não se estende ao PT. "O partido cresceu pouco nos últimos oito anos", diz o pesquisador, acrescentando que há uma "esquizofrenia" no modelo partidário brasileiro. Leia abaixo a entrevista concedida ao Estado por telefone, na última terça-feira.
Na política externa - assunto mal mencionado durante a campanha - Dilma representa a continuidade da atual linha do governo, mais próxima de Hugo Chávez e do bolivarianismo continental. Serra deverá ter uma relação mais harmônica com os EUA e hostil a regimes autoritários, como Irã e Cuba. O que poderia haver de positivo e negativo em cada uma delas?
Tradicionalmente, a política externa tem pouco valor nas eleições brasileiras - não rende votos. Temos sinais muito frouxos, como você mencionou. Imagina-se que a Dilma vai continuar com uma orientação mais terceiro mundista, começada pelo Lula; e acredita-se que o Serra seguiria mais o molde de Fernando Henrique Cardoso, com relações mais estreitas com a Europa e principalmente com os Estados Unidos. Na verdade, 90% da política externa é burocrática, guiada pelo Itamaraty, e a identidade do presidente não importa muito. A gente vê o Lula abraçando o Ahmadinejad (Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã), ou falando com o Morales (Evo Morales, presidente da Bolívia), e isso mostra sinais de orientações abstratas. Mas as consequências diretas destas atitudes não são muito fortes para o eleitorado.
Lula intensificou uma diplomacia presidencialista, que Fernando Henrique praticava de modo mais discreto. No caso de Lula, porém, há quem diga que é mais pelo individualismo com que faz política que por um projeto nacional. O sr. concorda?
Não diria isso da mesma maneira. Acho que o Lula é um chefe de Estado e não se interessa tanto em ser um chefe de governo - ele delegava os detalhes da política doméstica para a Dilma e para outros ministros. O presidente gosta mais de cuidar da imagem do Brasil no exterior, mas não acho que seja personalista. O Lula sabe - como o Marco Aurélio Garcia, o Samuel Pinheiro Guimarães, o Celso Amorim também sabem - que ele encarna muito bem o tipo de poder intermediador do Brasil. Este poder deriva não só do tamanho do País, mas também da diversidade étnica, da inclusão social, da posição pacífica do Brasil nos conflitos internacionais Etc.. Mas sem dúvida o Lula faz uma diplomacia presidencialista, que começou com o Fernando Henrique. Foi o Fernando Henrique quem quebrou com a tradição brasileira de discrição presidencial. Mas o Lula intensificou muito esse processo, justamente porque gosta - como o Reagan (Ronald Reagan, ex-presidente americano) também gostava - do aspecto cerimonial do cargo. A bagagem pessoal do Lula é uma coisa bastante interessante, porque ele mostra uma nova cara do Brasil, por ser uma pessoa que veio de origem humilde - e isso contribui para vender a história do País no exterior. Principalmente na África. Os africanos realmente adoram o Lula, porque ele encarna a esperança de mudança social, que no Brasil está começando, mas que na África é mais distante.
O Brasil pode perder prestígio com a eleição de um presidente sem carisma - caso tanto de Dilma quanto de Serra?
Eu chamo o Lula de Bono (vocalista da banda U2) de barba. Ele é uma estrela de roque. Quando sair de cena, o Brasil perde um pouco dessa áurea de estrela que o Lula carrega. Nem Serra nem Dilma têm isso. Ganhe ele, ganhe ela, vai haver uma "despresidencialização" da política externa. Saindo o Lula, perde-se isso, mas sobram os aspectos de poder moderado do Brasil. As conquistas recentes da Olimpíada e da Copa representam essa estabilidade do Brasil no cenário internacional. Há vitórias - como a do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC)a respeito do algodão - que não têm nada a ver com o carisma ou o personalismo do Lula. Têm a ver com o suor e o trabalho dos diplomatas brasileiros, que são muito talentosos.
Como EUA, União Europeia e América Latina receberão a eleição de Serra ou Dilma?
Os observadores econômicos vêem poucas diferenças entre os dois candidatos, porque ambos são 100% comprometidos com as linhas gerais da política macroeconômica. É o que importa para os observadores estrangeiros. Obviamente que, se o Serra ganhasse, haveria pouco entusiasmo em Quito, Caracas ou La Paz. Mas acho que nos outros países não faz diferença. O Serra já morou na América Espânica por muito tempo, fala espanhol perfeitamente - tem outras vantagens para compensar a falta de afinidade ideológica. O Lula tem relações pessoais muito calorosas com os vizinhos mais controversos, tipo Morales , Chávez e Correa (Rafael Correa, do Equador). Ele pode até ser chamado pela Dilma para mediar essas relações com os vizinhos de vez em quando. Se a Dilma for eleita, ela precisaria do Lula mais com esses vizinhos que com Paris, Londres e Washington.
Parte do sucesso do Brasil no G20 durante a recente crise financeira se deveu aos bons fundamentos do País e a sua rápida recuperação econômica. É um sucesso fácil de ser preservado? Ou o Brasil, como os Brics, tende a perder espaço à medida que as grandes potências se recuperarem?
Naturalmente, o espaço do Brasil pode se contrair um pouco com a recuperação econômica (dos países ricos). Mas mesmo assim, as grandes potências vão ter aprendido com o Brasil. O País manteve, por exemplo, fortes bancos estatais durante a crise, que permitiram aumentar o investimento interno. o Brasil também não precisou de um plano de estímulo, porque as políticas sociais já exerciam a mesma função, de modo que durante a crise ainda havia crédito popular e gastos familiares muito fortes. O mundo descongelou um pouco com essa crise e não vai poder recongelar da mesma forma.
Muitos analistas entendem que os Brics são um grupo díspar e pouco coeso. Na opinião do sr., as relações do Brasil com China, Índia e Rússia avançarão ou sofrerão recuos?
Falando em descongelamento da ordem internacional, todos estes países têm esta agenda em comum. Então, existe uma aliança estratégica que pode durar no curto e médio prazo. Mas, ao longo do tempo, um desses países - a China - vai assumir um papel que deixará os outros à sombra.
Esta é a quinta eleição em que PT e PSDB se enfrentam diretamente. Muitos entendem que se consolida um modelo de bipartidarismo no Brasil. O sr. concorda?
Concordo que há uma esquizofrenia no sistema partidário brasileiro. PT e PSDB praticamente têm o duopólio dos votos presidenciais. É irônico que ao longo do ano a Marina Silva (PV) tenha prometido acabar com essa bipolaridade, mas seu próprio sucesso garantiu que o Brasil repita a mesma escolha binária. Se a disputa tivesse se encerrado no 1.o turno, as pessoas se lembrariam de que a Dilma teria vencido dois candidatos. Mas agora, se ela ganhar, a lembrança será de que enfrentou o PSDB. Contudo, o interessante é que no parlamento não se tem uma lógica bipartidária. Ao contrário: tem-se uma fragmentação muito forte. O que há são duas coalizões, uma capitaneada pelo PT e outra pelo PSDB. O PMDB é um partido promíscuo, ambivalente no sentido literal - as pessoas quase não se lembram de que a legenda ocupou a vice na chapa do Serra em 2002 e de que o Temer apoiou o Alckmin em 2006. Mas, tirando o PMDB, você pode enxergar facilmente essas duas coalizões, com aliados permanentes - o PT ligado aos pequenos partidos de esquerda e o PSDB junto ao DEM. Mas os partidos que oferecem as propostas e ideias são dois. O problema interno do DEM e do PMDB é que não têm presidenciáveis. Os grandes nomes destes dois partidos - Jader Barbalho, Renan Calheiros - têm peso político muito forte, mas não como candidatos a presidente.
É quase consenso de que haverá uma reorganização partidária em 2011. Diz-se que PSDB e DEM se unificariam e foi noticiado que o Lula estaria tentando fortalecer as pequenas legendas de esquerda. Como ficará o quadro partidário a partir do ano que vem?
Esta é uma conversa que se repete muito no Brasil depois de cada eleição - e nunca se concretiza. Dificilmente PSDB e DEM se tornarão um partido único, porque há máquinas estaduais e municipais nas duas legendas que irão resistir. Mas é muito provável que haja um declínio na importância dos paulistas dentro do PSDB. Todo o PSDB moderno vem da mesma experiência: o governo de Franco Montoro em São Paulo, nos anos 80. Este foi o ensaio geral do PSDB. Mário Covas, Fernando Henrique, Geraldo Alckmin e Serra, todos estavam nesse governo e depois formaram o PSDB. E este grupo pode perder três eleições consecutivas. Simultaneamente, surgiu outra máquina muito importante em Minas, com o Aécio Neves em 2002. O PSDB vai ter que se refundar a partir deste modelo. Acho que, ou o Aécio consegue levar adiante essa reformulação do PSDB, ou buscará outro caminho fora do partido.
O cientista político André Singer defende a tese de que o governo Lula teria funcionado no Brasil como o governo de Franklin Roosevelt nos EUA, na década de 30, com o New Deal, ao criar um novo consenso no eleitorado em torno da questão social. O sr. concorda?
Em parte. A tese ganhará força se o PT confirmar o favoritismo. Se a Dilma ganhar em 2010, a gente vai reinterpretar o resultado de 2002, porque este terá sido o grande ponto de inflexão. O New Deal construiu uma base partidária para os Democratas. Já o lulismo está consolidando uma base mais personalista do Lula, transferida para a Dilma, e não uma base partidária do PT. O partido não teve grandes ganhos nesses oito anos - elegeu mais ou menos a mesma quantidade de deputados nas três eleições. Mas houve uma expansão enorme da base pessoal de votos do Lula.
São apenas 25 anos de democracia no Brasil, num continente democraticamente ainda frágil e exposto a receitas autoritárias. Como a eleição deste ano se coloca, no que se refere ao fortalecimento das instituições brasileiras?
A consolidação da democracia ficou evidente muito antes desta eleição. A alternância entre Fernando Henrique e Lula foi muito importante, porque, a partir de 2002, é possível afirmar que todas as tendências políticas importantes tiveram chance de governar o Brasil. políticas importantes tiveram chance de governar o Brasil. Muita gente agora fala de alternância no poder. EU particularmente acho que, para que exista democracia, não é preciso alternância. É preciso que haja a possibilidade de alternância. Tem gente na oposição que fala em "mexicanização" do País, com a centralização do poder pelo PT. Não acho que o argumento tenha muito fundamento. Não existe um governo do PT no Brasil; existe um governo de coalizão, liderado pelo PT. E deve continuar assim em 2011, com dois partidos grandes e de oito a dez partidos médios e pequenos. Não há, hoje, nenhum forte ator antidemocrático no País. Se compararmos com 1989 - uma eleição muito apertada no 2.o turno entre Collor e Lula - dizia-se que, se o Lula ganhasse, talvez não tomasse posse, porque você tinha atores interferindo no jogo democrático de forma não muito democrática. Mas não se vê isso em 2010. Hoje as Forças Armadas não têm força praticamente nenhuma na política. E não tem nenhum eleitoreiro populista nessa campanha. Não se pode falar na erradicação do populismo na América Latina - não existe vacina contra o populismo. Sempre que houver uma brecha, um populista pode aparecer. Mas os países que têm menos espaço para isso são Chile, Uruguai e Brasil.
Mas o Lula poderia ter aproveitado uma dessas brecha, não?
Poderia, e não o fez. Não é correto chamar o Lula de populista. Populismo é uma postura intrinsecamente anti-institucional e o Lula não tem isso.
A campanha deste ano foi muito criticada por supostamente ter sido "despolitizada". Foi essa a sua impressão? Que grandes questões o Brasil devia estar discutindo e não discutiu?
Houve uma aproximação ideológica muito grande entre PT e PSDB na última década, e a população passou a perceber que as linhas gerais das políticas públicas não mudarão com a eleição. Toda a campanha do Serra foi uma aceitação da continuidade do Lula. O próprio slogan do Serra, "o Brasil pode mais", sinaliza que o País já está podendo. Ele simplesmente queria se posicionar como o melhor herdeiro do Lula - melhor que a Dilma. Quando as propostas são muito semelhantes, é natural que as campanhas comecem a focar em coisas irrelevantes. O aborto, por exemplo, nunca teve nenhuma importância nas eleições anteriores. Desta vez, o tema ganhou força porque tinha pouca coisa em jogo. Sei que os militantes tucanos e petistas discordariam fortemente de mim, mas acho que uma leitura mais fria mostrará que os candidatos não apresentam propostas muito diferentes. Acho, ainda, que a polarização na internet baixou um pouco o nível da campanha. Muitos dizem que isso ajuda a consolidar a democracia, porque as pessoas estariam opinando livremente. Mas a verdade é que não existe controle de qualidade.

sábado, 2 de outubro de 2010

Destruindo as contas publicas: uma heranca pesada...

Nunca antes neste país o Estado gastou tanto consigo mesmo e na distribuição demagógica de recursos para os votantes -- criando para si o curral eleitoral do Bolsa-Família -- e para os pagantes -- ou seja, os empresários e banqueiros, que repassam dinheiro para o partido no poder, em troca do Bolsa-Empresário do BNDES e do Bolsa-Banqueiro da dívida pública.
Nunca antes neste país se comprometeu tanto o equilíbrio das contas públicas com gastos irresponsáveis e políticas deformadas de investimentos pífios e despesas correntes exageradas.
Abaixo, sucessivamente, uma matéria informativa, um artigo de opinião e um editorial do Estadão sobre a herança maldita que vem sendo pacientemente criada ao longo dos últimos oito anos pelo governo popular.
Paulo Roberto de Almeida

Sucessor herda País com menor capacidade de fazer investimentos
Patrícia Campos Mello
O Estado de S.Paulo, 01 de outubro de 2010

Gastos do governo bateram recorde este ano, com alta de 11,8%, o que piora a situação fiscal na gestão do próximo presidente
Veja também:
Desindustrialização e aumento do déficit serão grandes desafios
Falta de poupança pública aumenta vulnerabilidade externa

Os gastos do governo bateram recorde de crescimento este ano - tiveram alta de 11,8%, o maior aumento dos últimos 12 anos. Segundo estudo elaborado pelo especialista em finanças públicas Raul Velloso, o ano de 2010 (contabilizando apenas os oito primeiros meses) só perde para 1998, último ano de descontrole fiscal da fase pré câmbio flexível.

Para Velloso e outros analistas, o cumprimento da meta de superávit primário de 3,3% este ano só não está ameaçado porque o governo vem recorrendo a manobras contábeis envolvendo empréstimos do Tesouro para o BNDES e, agora, o recursos da capitalização da Petrobrás. Mas especialistas são unânimes ao dizer que o próximo presidente terá um enorme abacaxi fiscal em mãos, que compromete sua capacidade de fazer investimentos necessários para a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016.

Para resolvê-lo, não será suficiente eliminar desperdício ou reduzir gasto de custeio, terá de ser revista a política de reajustes reais do salário mínimo. Mas esse assunto é radioativo na campanha eleitoral. Um bom exemplo é José Serra, candidato do PSDB, que prometeu 13. salário para o Bolsa Família, aumento do salário mínimo para R$ 600 e reajuste de 10% na aposentadoria.

Desde 1998, último ano para o qual o Tesouro fornece dados comparáveis, os gastos do governo não pararam de crescer, com exceção dos anos atípicos de 2003, que teve arrocho, e de 1999, após acordo com o FMI. Entre 1997 e 2010, os gastos terão crescido, em termos reais, 135,6%, e o PIB real, 49,3%, quase três vezes mais que o PIB.

“Este ano, a não ser que criem alguma solução mágica para encaixar os resultados na meta, ela não vai ser cumprida, o que abala a credibilidade fiscal”, diz Velloso. Para cumprir a meta de superávit primário de 3,3% do PIB este ano, o governo terá de dobrar seu atual superávit de 1,3% do PIB, considerando-se os últimos doze meses, pois desde o final do ano passado que o superávit total vem “rodando” ao redor de 2% do PIB. Para isso, o governo vai contar com uma contribuição de US$ 30 bilhões do processo de capitalização da Petrobrás para o superávit primário, manobra que vem sendo criticada.

Segundo Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que fez um estudo recente com Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, não há crise fiscal iminente. “Mas para conseguir investir o que será necessário, principalmente diante dos grandes eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas, o governo terá de ou aumentar a carga tributária, que já é sufocante em cerca de 36% do PIB, ou reduzir o superávit primário e elevar endividamento, ou aumentar ainda mais o que usa de poupança externa.”

Hoje em dia, como os gastos públicos não param de crescer, o governo “despoupa”, ou seja, contribui negativamente para a poupança do País. Dos cerca de 14% do PIB de poupança global do Brasil, a média do governo foi de -1%, e o resto vem do setor privado. Entre 70 e 74, a poupança pública era de 5,8% do PIB. Como a poupança interna não é suficiente, o País recorre à poupança de outros países para financiar seu crescimento, o que aparece no déficit em conta-corrente, que deve chegar a 2,5% do PIB este ano.

O grande problema é que não vai ser fácil cortar gastos. O candidato do PSDB, José Serra, fala em reduzir ineficiências e combater desperdícios para cortar os gastos do governo. “Muita gente acha que se pode economizar muito cortando gasto de custeio, mas essas despesas vêm até caindo em relação ao PIB”, diz Mansueto. “O que vem crescendo de forma muito forte é a Previdência e os gastos sociais, mais sensíveis ao salário mínimo.” Segundo estudo de Mansueto e Pessoa, mais de 70% do crescimento do gasto público de 1999 a 2009 vêm do INSS (ligado à valorização do salário mínimo) e expansão dos gastos sociais (incluindo a Bolsa Família). Portanto, quem for lidar com o problema fiscal terá de mexer em temas explosivos - como a política de valorização real do salário mínimo. “Se fosse gasto de custeio, era mais fácil, todo mundo é a favor de cortar”, diz o economista. “Mas cortar gasto social e Previdência é muito impopular.”

Segundo o economista, o governo deveria cortar gastos com pessoal para abrir espaço no orçamento para investimentos. Senão, vai acabar fazendo mais investimentos com maior endividamento - é o que está fazendo ao emprestar dinheiro para o BNDES repassar com juros baixos a empresas e infraestrutura.

O Tesouro faz emissões de dívida pública, empresta os recursos para o BNDES, que empresta para obras de infraestrutura. Isso não aumenta a dívida pública líquida no curto prazo, só a bruta. Mas, no longo prazo, terá de se refletir a diferença do custo - Tesouro capta à taxa Selic, atualmente em 10,75% ao ano, e o BNDES empresta a taxas muito mais baixas. Essa diferença é um custo para o governo que será refletido em algum momento. E há também subsídios orçamentários - o Tesouro cobre a diferença de juros em empréstimos preferenciais. Quatro anos atrás, o Tesouro não emprestava para os bancos públicos. Agora, tem R$ 250 bilhões em empréstimos.

A Fazenda diz que o aumento da formalização dos trabalhadores vai naturalmente aumentar a arrecadação, sem necessidade de aumentar a tributação, e com isso manterá a relação dívida-PIB em queda, apesar do aumento contínuo dos gastos públicos. “Mas não há garantia disso”, diz Mansueto. Para ele, a prioridade do governo é crescer a qualquer custo, com ou sem poupança. “A estratégia de menor risco seria aumentar a poupança pública para investir.”

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Uma candidatura movida a gasto público
Rogério L. Furquim Werneck
O Estado de S.Paulo, 1.10.2010

Terão as forças políticas que se opõem a Dilma Rousseff condições de assegurar que a eleição exija segundo turno? A folgada liderança da ex-ministra-chefe da Casa Civil nas pesquisas de intenção de voto não caiu do céu. Foi fruto de gigantesca mobilização de recursos a que recorreu o governo, ao longo de pelo menos dois anos, para transformar uma candidata sem qualquer experiência eleitoral prévia em concorrente viável à Presidência da República. É o momento de olhar para trás e perceber as reais proporções da mobilização fiscal levada à frente pelo governo para montar e nutrir a ampla coalizão política que hoje sustenta o bom desempenho eleitoral da candidata.

A parte menos dispendiosa dessa operação envolveu o Bolsa Família, que adveio da consolidação e da ampliação de programas de apoio à população de baixa renda criados no governo FHC. Bem mais custosa tem sido a política de reajuste sistemático do salário mínimo a taxas substancialmente mais altas que a inflação, que tem onerado em muito as contas da Previdência e de governos subnacionais. Tampouco tem sido fácil acomodar a conta da generosidade dos reajustes salariais com que foi agraciada parte substancial dos servidores públicos federais.

Incomparavelmente mais dispendiosa, contudo, tem sido a mobilização fiscal que permitiu a cooptação da outra extremidade do extenso arco de forças políticas que hoje apoia a candidatura governista. O que se revelou realmente caro não foi angariar o apoio dos mais pobres, mas, sim, dos mais ricos. Nessa linha, merece destaque o colossal programa montado no BNDES para concessão de crédito de longo prazo, a taxas de juros pesadamente subsidiadas, bancado com recursos do Tesouro provenientes da emissão de dívida pública. Desde meados de 2008, foram emprestados pelo Tesouro ao BNDES nada menos que R$208 bilhões. Cifra equivalente a mais de 16 vezes o dispêndio anual do governo com o programa Bolsa Família. Embora tais empréstimos venham sendo contabilizados de forma artificial, para que não apareçam nas cifras de dívida líquida do governo central, o Tesouro não teve como evitar que, em decorrência dessas operações, o estoque de dívida bruta federal mostrasse forte elevação no período.

Muito eficazes, também, para cooptar o empresariado, têm sido as expectativas de favores governamentais que deverão advir do avanço da exploração do pré-sal. Especialmente importantes vêm sendo os lucros esperados com a produção de bens de capital para a indústria petrolífera, sob o guarda-chuva protecionista da exigência de que os equipamentos supridos à Petrobras e outras empresas tenham pelo menos 65% de conteúdo nacional. É claro que a prodigalidade com que tais favores vêm sendo concedidos se faz às custas de brutal encarecimento dos investimentos no pré-sal, com consequente redução do excedente da exploração que poderá vir a ser apropriado pelo governo. O que significa dilapidação de recursos públicos que deveriam ter destinação muito mais nobre, em benefício da grande maioria da população.

É essa frente ampla que vem dando sustentação à candidatura de Dilma Rousseff. Vai dos beneficiários do Bolsa Família ao grande empresariado refestelado no Bolsa BNDES e no Bolsa Conteúdo Nacional. Sua manutenção vem exigindo doses maciças e crescentes de dinheiro público. Basta ter em mente as transferências adicionais de dezenas de bilhões de reais do Tesouro ao BNDES, agora anunciadas, que bem ilustram a desfaçatez com que as contas públicas passaram a ser tratadas no país.

O governo comporta-se como se acreditasse que, com a nova alquimia contábil que desenvolveu, já não tem restrição fiscal a respeitar. Alega ter descoberto a pedra filosofal das finanças públicas: uma fórmula mágica de gestão fiscal que permite transformar emissão de dívida bruta em melhora do superávit primário.

Não há como alimentar ilusões. Esse vale-tudo fiscal é só o prenúncio do que se verá no próximo mandato. A menos, claro, que o eleitorado decida dar um basta. A partir de domingo.

Rogério L. Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.

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Empulhação fiscal
Editorial - O Estado de S.Paulo
01 de outubro de 2010

Cada vez menos claras, as demonstrações contábeis e financeiras divulgadas regularmente pelo governo do PT procuram esconder os efeitos de um processo lento, mas sistemático, e deliberadamente desencadeado, de destruição de princípios da responsabilidade fiscal que, desde o governo Fernando Henrique, têm garantido a estabilidade das finanças públicas e o crescimento econômico sem sobressaltos. Essa prática, intensificada nos últimos meses do governo Lula para impulsionar a candidatura situacionista à Presidência - como apontamos outras vezes nesta página -, legará ao próximo governo uma situação fiscal delicadíssima, que poderá comprometer o crescimento futuro.

É o que mostra, com a autoridade de quem ocupou a presidência do Banco Central, o economista e diretor da Tendências Consultoria Integrada Gustavo Loyola, em artigo publicado sábado no Estado. "O governo Lula - diz ele - tem mostrado arrogância ímpar ao pretender enganar a sociedade por meio da manipulação dos resultados fiscais." E faz isso imaginando que "ninguém vai se dar conta da perda consistente de qualidade da gestão das finanças públicas, todos se deixando enganar pelos "maravilhosos" resultados divulgados pelo governo".

Há tempos, o governo Lula recorre a malabarismos contábeis para esconder o aumento das despesas e, assim, tentar mostrar ao público que, embora gaste cada vez mais e cada vez pior, não há ameaça ao cumprimento das metas fiscais previamente fixadas. Mas, afirma o ex-presidente do BC, "são várias as evidências do processo de gradual e lenta destruição do edifício de responsabilidade fiscal construído ao longo dos últimos anos".

Em resposta a essa onda governista de empulhação fiscal com objetivos essencialmente eleitorais, vale repetir aqui alguns dos exemplos mais expressivos do sistemático afrouxamento da política fiscal pelo governo do PT citados por Loyola.

Um deles é a Medida Provisória (MP) n.º 500, que abre grandes possibilidades para a União de negociar ações de empresas como Petrobrás e Eletrobrás. Essa MP, como mostra Gustavo Loyola, cria receitas primárias artificialmente, ao autorizar a União a vender receitas futuras - isto é, que ainda não existem - da Eletrobrás para o BNDES.

Mas quem está pagando - o BNDES - já recebeu tanto dinheiro de quem está vendendo - o próprio Tesouro - que, mesmo pagando por algo que ainda não existe, talvez esteja apenas agradecendo tanta generosidade. Como lembra o ex-presidente do BC, desde o ano passado o Tesouro vem fazendo "generosos aportes ao banco sob a forma de capital e de empréstimos, com recursos oriundos de emissão de dívida pública". De fato, desde 2009, a União já concedeu R$ 180 bilhões ao BNDES, tendo, para isso, de aumentar sua dívida.

A mesma MP 500, que cria receitas artificiais para o Tesouro, "embute outro mecanismo de criação artificial de receitas", mostra o artigo, ao permitir que, caso não utilize integralmente os recursos da cessão onerosa à Petrobrás dos direitos de exploração do petróleo do pré-sal na subscrição de ações da empresa, o Tesouro receba a diferença. Nem se sabe quando o petróleo começará a ser explorado nem a que preço, mas o Tesouro já tem direito de receber por ele.

Dois dias depois da publicação do artigo, o governo, repetindo as práticas ali denunciadas, divulgou a MP 505, que autoriza a União a conceder crédito adicional de até R$ 30 bilhões ao BNDES, nas mesmas condições dos créditos anteriores.

Essas MPs formalizam "a criação de um verdadeiro motoperpétuo de geração de resultados fiscais primários, a partir do aumento do endividamento, o que torna as contas públicas mais opacas", observa Loyola.

Há outras formas de empulhação, como a brecha aberta na Lei de Responsabilidade Fiscal para permitir o aumento da dívida dos municípios que sediarão jogos da Copa do Mundo e a exclusão de gastos do PAC do cálculo do superávit primário. Tudo isso vem acompanhado do aumento da participação do Estado na economia, com o fortalecimento ou recriação de estatais em fase de liquidação. A ameaça de uma crise fiscal é bem maior do que diz o governo.