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domingo, 10 de março de 2024

Presidente do Chile condena violações dos DH e da democracia na Venezuela - O Globo

POR QUE LULA NÃO É BORIC!

Na  contramão de Lula, presidente do Chile volta a denunciar violações dos  direitos humanos na Venezuela: 'é um regime autoritário'

Gabriel  Boric diz que postura de seu país é 'coerente', e afirma que busca  colaborar para que 'um rumo democrático' seja recuperado em Caracas

O Globo, 09/03/2024

Poucos dias depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter expressado confiança em que a Venezuela terá eleições presidenciais democráticas este ano e, na mesma fala, ter afirmado que a oposição ao governo de Nicolás Maduro deveria deixar de "chorar", o presidente do Chile, Gabriel Boric, reiterou sua denúncia sobre violações dos direitos humanos e políticos na Venezuela.

Após reunir-se com o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, na  última sexta-feira, o chefe de Estado chileno foi enfático ao falar  sobre a Venezuela de Maduro, abordando temas que Lula evita mencionar,  especialmente a repressão a opositores do governo. Boric iniciou suas  declarações comentando o assassinato do ex-militar venezuelano Ronald Ojeda em  Santiago, recentemente, caso que causou enorme preocupação no Palácio  de la Moneda. Ojeda, que fugiu da Venezuela após ter estado preso e ter  sido acusado de traição à Pátria pelo governo Maduro, foi sequestrado no  apartamento onde morava na capital chilena e apareceu morto alguns dias  depois.

— Fui muito crítico, e não apenas crítico, denunciei em foros  internacionais as violações dos direitos humanos de um regime que, sem  dúvidas, tornou-se autoritário, como é o regime venezuelano — disse  Boric. — Nós, como governo, buscamos colaborar para que seja recuperado  um rumo democrático, e para que as eleições que devem ser realizadas  este ano cumpram com todas as garantias para todos os setores políticos  na Venezuela — continuou.

O presidente do Chile defendeu sua posição, que se contrapõe abertamente a de Lula:

— A posição do Estado chileno é coerente, tanto sobre o que acontece na  Venezuela, o que acontece na Ucrânia, ou o que acontece hoje em dia em  Gaza. Não tenho nenhum problema em continuar reafirmando isso, mesmo que  cause moléstia, mas a coerência é um valor fundamental nesses aspectos.

Na quarta-feira, Lula fez um paralelo entre a oposição venezuelana e as  eleições presidenciais brasileiras de 2018, quando foi impedido de  concorrer porque estava preso em decorrência da Operação Lava Jato. O  petista afirmou que, ao ter a candidatura vetada, “ao invés de ficar  chorando”, indicou outro candidato para a disputa (o atual ministro da  Fazenda, Fernando Haddad, que foi derrotado por Jair Bolsonaro).  Questionado se é possível ter uma eleição justa no contexto atual do  país, Lula ainda afirmou que olheiros do mundo inteiro foram convidados a  acompanhar o pleito, embora tenha ressaltado que, se a oposição na  Venezuela tiver o mesmo comportamento da brasileira, “nada vale”.

— Sabe que eu fiquei feliz que foi marcada eleição na Venezuela. O que disseram na reunião que tive na Guiana é que vão convidar olheiros do mundo inteiro. Mas se o candidato da  oposição tiver o mesmo comportamento da oposição daqui, nada vale —  afirmou Lula.

Principal opositora do presidente venezuelano e impedida de concorrer às eleições de julho, María Corina Machado rebateu as declarações de Lula e disse que o presidente brasileiro estava “validando os abusos de um autocrata que viola a Constituição”.

“Eu chorando, presidente Lula? Você está dizendo isso porque sou  mulher? Você não me conhece. Luto para fazer valer o direito de milhões  de venezuelanos que votaram em mim nas primárias e dos milhões que têm o direito de fazê-lo numa eleição presidencial  livre em que derrotarei Maduro”, respondeu María Corina no X (antigo  Twitter). “O senhor está validando os abusos de um autocrata que viola a  Constituição e o Acordo de Barbados, que o senhor afirma apoiar. A  única verdade é que Maduro tem medo de me confrontar porque sabe que o  povo venezuelano está hoje na rua comigo”.

A realização de eleições livres, justas e transparentes ainda este ano  fazia parte do acordo firmado em Barbados, no fim do ano passado, entre  governo e oposição venezuelana, com a presença de observadores  internacionais. Uma das cláusulas previstas no documento exigia que os  candidatos contrários a Maduro tivessem permissão para recorrer de  decisões judiciais que os desqualificassem para o cargo.

Em janeiro, no entanto, o Tribunal Supremo da Venezuela ratificou a  inabilitação da líder opositora por 15 anos, na prática impedindo que  ela concorra contra Maduro, que busca mais uma reeleição. Além de María  Corina, vencedora de primárias — que posteriormente foram anuladas — em  outubro, Henrique Capriles, que concorreu duas vezes à Presidência, também teve sua inabilitação confirmada.

Sequestro de ex-militar venezuelano no Chile é 'gravíssimo', diz Boric

No mesmo discurso feito nesta sexta-feira, Boric comentou pela primeira vez a morte de Ronald Ojeda,  ex-militar venezuelano e opositor de Maduro que vivia exilado no Chile,  afirmando que este era um caso “gravíssimo”. Na segunda-feira, o  Ministério Público chileno concluiu que a facção criminosa Trem de  Aragua, a maior da Venezuela, esteve por trás do assassinato.  Boric foi questionado sobre as declarações do presidente do Partido  Comunista do Chile, Lautaro Carmona, que evitou qualificar o governo de  Maduro como uma “ditadura”.

— A voz do governo e quem decide a política externa sou eu. E eu  estabeleci publicamente uma condenação clara às violações dos direitos  humanos e às restrições à liberdade de expressão que, do nosso ponto de  vista, existiram nos últimos anos na Venezuela — declarou.

Também nesta sexta-feira, María Corina recebeu o reconhecimento da  Comunidade de Madri, na Espanha, pelo Dia Internacional da Mulher. Após  receber a condecoração, entregue à sua filha na cidade espanhola, ela  pediu que o mundo fosse “a voz dos venezuelanos que nunca desistirão da  busca pela liberdade”, apontando que a Venezuela precisa “mais do que  nunca” das “vozes de todos os democratas do mundo”.

PRA: Grato a Augusto de Franco pela transcrição:

sábado, 25 de dezembro de 2021

Chile: escolheu a esquerda para lutar contra as desigualdades - Editorial Le Monde

 O Chile realmente melhorou enormemente a qualidade de suas políticas econômicas a partir da Concertación, nos anos 1990, ou seja, pós-Pinochet. Mas tinha, sempre teve, uma enorme concentração de renda, pois desde sempre foi um país elitista, no sentido mais mesquinho da palavra, e a maior parte dessa desigualdade tinha origem num sistema educacional deficiente. 

Os chilenos votaram bem para a Constituinte e acabam de votar melhor ainda, não tanto ao eleger um “jovem esquerdista” — como a mídia conservadora considera Borič —, mas ao recusar aderir a um fascista-pinochetista declarado, como é o Kast. Esperamos que o “esquerdismo” de Borič não comprometa a qualidade das políticas econômicas.

Paulo Roberto de Almeida 

Le Chili choisit la gauche pour lutter contre les inégalités

ÉDITORIAL
Le Monde, 21 décembre 2021
L’élection à la présidence chilienne de Gabriel Boric, au terme d’un scrutin marqué par une forte participation à l’aune du pays, est avant tout la répudiation d’un modèle économique néolibéral décomplexé. 

Le Chili a tourné une page de son histoire le 19 décembre. En portant Gabriel Boric à sa présidence, à une large majorité qu’un premier tour serré remporté par le candidat d’extrême droite José Antonio Kast ne laissait pas deviner, les Chiliens ont choisi de tourner le dos à une politique jugée responsable de profondes inégalités, épousée avec seulement quelques nuances par les majorités de droite comme de gauche qui se sont succédé au pouvoir depuis la fin de la dictature d’Augusto Pinochet.

L’élection de l’ancien dirigeant étudiant venu de l’extrême gauche, qui sera à 36 ans, en mars, le plus jeune président de l’histoire du pays, ne marque donc pas seulement un saut de génération. Sa victoire alimente en Amérique du Sud, à gauche, l’espoir d’un regain qui dépasserait en 2022 les frontières du Chili. Des élections cruciales sont prévues en mai en Colombie et plus tard au Brésil. Elles pourraient entraîner le reflux de la droite dure incarnée par Ivan Duque comme celle encore plus extrême de Jair Bolsonaro, quelles que soient les contorsions politiques de ce dernier.

Les élections législatives partielles en Argentine, en novembre, ont cependant mis en évidence les difficultés du président péroniste de centre gauche Alberto Fernandez, dont le parti a été devancé par l’opposition de centre droit. L’Amérique latine compte aussi des bastions d’une autre gauche, autoritaire, dictatoriale, au Nicaragua, à Cuba et au Venezuela, qui reste assez peu compatible avec la première.

L’élection de Gabriel Boric, au terme d’un scrutin marqué par une forte participation à l’aune du Chili, constitue avant tout la répudiation d’un modèle économique néolibéral décomplexé, incarné jusqu’à la caricature par le président sortant Sebastian Piñera, dont le mandat a été entaché par des accusations d’affairisme. Ce « modèle » chilien a fait la part belle au privé dans les secteurs de l’éducation et de la santé, générant une société à deux vitesses qu’un système de retraite par capitalisation a figée un peu plus.

Fracture sociale

Il a produit des résultats incontestables en matière de croissance du produit intérieur brut, mais au prix d’une fracture sociale mise à nu en 2019 par une lame de fond protestataire. Celle-ci a fourni le socle populaire de la victoire du 19 décembre, balayant les mots d’ordre ultraconservateurs, sécuritaires et anti-immigration de José Antonio Kast.

Gabriel Boric, dont la famille a des racines croates, s’est montré capable de rassembler derrière lui les différentes composantes de la gauche chilienne en promettant que son pays serait le « tombeau » de ce néolibéralisme. Il va s’efforcer de revenir sur les inégalités qui affligent le pays par une fiscalité plus équitable, redistributive, et le retour assumé de l’Etat, en un mot par un programme qui s’inspire, volontairement ou non, de ce qui est déjà en vigueur, et de longue date, au sein de l’Union européenne.

Il lui faudra cependant compter avec une solide opposition de droite au Parlement. Elle pourrait le contraindre aux ajustements dont l’exercice du pouvoir est souvent synonyme. Le nouveau président a déjà promis le dialogue, une nécessité autant qu’un signal encourageant pour le Chili. C’est d’autant plus le cas que le début de son mandat va également coïncider avec une révision constitutionnelle majeure qui pourrait permettre à la fois d’enterrer définitivement les années de plomb subies par le pays et de mieux prendre en compte l’ensemble des minorités chiliennes.


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O Chile e o Brasil: consequências políticas da vitória de Boric para o Brasil (matérias de imprensa)

 Bolsonaro perde aliados na América e sofre prejuízos do isolamento


Brasileiro colhe outro revés com a eleição do esquerdista Boric, no Chile, e inicia o último ano de sua gestão mais isolado do que nunca

Raphael Veleda
Metrópoles, 21/12/2021 

A vitória do esquerdista Gabriel Boric nas eleições presidenciais chilenas no último domingo (19/12) foi mais uma na série de más notícias para o presidente Jair Bolsonaro (PL) no cenário internacional.

Por escolha e falta de sorte, o governo brasileiro trilhou um caminho rumo ao isolamento diplomático ao longo dos primeiros três anos de mandato, segundo especialistas e diplomatas ouvidos pelo Metrópoles, e agora colhe os amargos frutos desse ostracismo.

A gestão Bolsonaro teve início em meio a uma conjuntura externa positiva. A diplomacia apostou suas fichas numa aproximação sem precedentes com os Estados Unidos, então governados pelo direitista Donald Trump, e o Brasil ainda contava com aliados ideológicos no poder na maioria dos vizinhos estratégicos: Maurício Macri, na Argentina; Iván Duque, na Colômbia; Martín Vizcarra, no Peru; Enrique Peña Nieto, no México; e Sebastián Piñera, no Chile. Três anos depois, quase todos eles foram tirados do poder pela oposição e, assim como no Brasil, na Colômbia haverá eleição em 2022 e o favorito nas pesquisas é de esquerda: o senador Gustavo Petro.

O crescente isolamento diplomático incomoda Bolsonaro e seu entorno. Enquanto esta reportagem era produzida, o presidente brasileiro era o único líder sul-americano que ainda não havia cumprimentado Boric por sua vitória. Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), principal antagonista político de Bolsonaro no Brasil, já havia feito isso no domingo, além de ter previsto uma aliança com o chileno e com o argentino Alberto Fernández, caso também vença a eleição do ano que vem.

A proximidade com a esquerda brasileira também fez com que Bolsonaro ignorasse a vitória de Fernández, em 2019, quando não só não o parabenizou, mas lamentou sua vitória, inaugurando uma relação fria com um dos maiores parceiros históricos do Brasil na região.

Os prejuízos
A escolha por uma política externa de enfrentamento aos organismos multilaterais e o fracasso de aliados nos quais o Brasil apostou estão causando prejuízos reais ao Brasil de acordo com o cientista político Guilherme Casarões, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisador da extrema-direita no mundo. “Portas foram fechadas e nossa margem de manobra em temas comerciais ficou bem estreita”, afirmou ele, em entrevista ao Metrópoles.

Um dos exemplos desse prejuízo foi dado pelo próprio Bolsonaro em seu discurso na última reunião de chefes de Estado do Mercosul, na semana passada, quando ele admitiu não ter conseguido avançar no objetivo de reduzir a Tarifa Externa Comum do bloco durante a presidência temporária do Brasil. “Lamentamos que não tenhamos podido lograr acordo neste semestre sobre esse tema, a despeito dos esforços realizados pelo Brasil e de nossa disposição de aceitar redução inferior àquela que planejávamos inicialmente”, disse o brasileiro.

Outros reveses
O insucesso em flexibilizar a tarifa comum no Mercosul se junta a outros problemas recentes que têm relação com o isolamento diplomático. Também na última semana, o país foi surpreendido pela notícia de que cinco redes europeias de supermercados não vão mais vender carne brasileira devido ao problema do desmatamento na cadeia de produção. Esse revés veio logo após o Brasil conseguir reverter outro boicote à sua carne, esse da China, que durou mais de três meses e causou prejuízo próximo a R$ 10 bilhões, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).

Num cenário de longo prazo, o governo Bolsonaro viu supostas vitórias diplomáticas se transformarem em problemas. Em 2019, primeiro ano da atual gestão, o então presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou apoio à ambição brasileira de integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é uma espécie de clube dos países ricos.

Com a derrocada de Trump, porém, o processo pouco andou desde então. O mesmo acontece com o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, fechado em junho de 2019, mas que não foi ratificado pelos parlamentos de países do Velho Continente, como a França. As nações que resistem usam o comportamento errático de Bolsonaro como motivo para não fecharem de vez um acordo que pode pressionar suas próprias economias.

Saída de Ernesto Araújo fez pouca diferença
A política externa brasileira tenta voltar a um comportamento mais pragmático desde março deste ano, quando um dos auxiliares mais ideológicos de Bolsonaro, o diplomata Ernesto Araújo, foi trocado pelo discreto Carlos França. Para Guilherme Casarões, no entanto, a mudança foi mais na forma do que no conteúdo.

“Claro que é positivo a gente não ter um chanceler tuitando absurdos o tempo todo, mas França não tem muito espaço para mudanças mais profundas porque é funcionário de Bolsonaro e também precisa lidar com as bravatas e maluquices do presidente”, afirmou ele, lembrando que Bolsonaro usou seu discurso na Assembleia Geral da ONU neste ano para defender a política brasileira para o meio ambiente e insistir em tratamentos ineficazes contra a Covid-19.

Para o cientista político, o prejuízo da política bolsonarista para a diplomacia brasileira ainda deverá durar algum tempo. “Quem assumir o próximo governo vai ter de lidar com um passivo diplomático muito grande e vai precisar arrumar os rumos da política externa. Se Bolsonaro for o vencedor das eleições, a dificuldade será maior ainda, pois ele está carente de aliados e necessitará inventar um jeito de lidar com um isolamento que atrapalha”.

Diplomatas do Itamaraty ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato concordam com essa avaliação e lamentam a perda de influência do Brasil em debates globais nos quais havíamos conquistado relevância, como em relação ao meio ambiente, aos direitos humanos e à saúde pública em nível global.

Para eles, a saída de Ernesto Araújo foi positiva, mas seu legado é forte e pode ser resumido num discurso do ex-chanceler feito em outubro de 2020, quando disse a novos diplomatas que estavam se formando no Instituto Rio Branco: “Se a nova política externa do Brasil faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

https://www.metropoles.com/brasil/bolsonaro-perde-aliados-na-america-e-sofre-prejuizos-do-isolamento


Bolsonaro silencia, e aliados lamentam vitória de Boric no Chile


Presidente é praticamente o único na América do Sul que ainda não se manifestou

Marianna Holanda
Folha de S. Paulo, 20.dez.2021

Um dia depois de o Chile eleger o esquerdista Gabriel Boric, Jair Bolsonaro (PL) ainda não o havia parabenizado pela vitória até as 18h desta segunda-feira (20). Aliados do presidente, por sua vez, lamentaram o resultado nas redes sociais.

Dentre os principais mandatários da América do Sul, só Bolsonaro não havia se pronunciado. Ele está, desde a sexta-feira passada (17), em Guarujá (SP).

O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benitez, por exemplo, felicitou Boric e disse que os países trabalharão juntos para seguir fortalecendo as relações entre os países.

Já Alberto Fernandez, da Argentina, disse: "Devemos assumir o compromisso de fortalecer os laços de irmandade que unem nossos países, e trabalhar unidos na região para pôr fim à desigualdade na América Latina".

Reservadamente, embaixadores relataram mal-estar com a demora do Brasil em se manifestar. O processo deve partir do presidente, em nome do governo, e depois o Itamaraty também costuma divulgar uma nota.

Na época em que Fernández foi eleito na Argentina, em 2019, Bolsonaro não só não o parabenizou como lamentou sua vitória. O líder argentino é próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Líder dos protestos estudantis de 2011, Boric foi eleito no domingo (19) ao derrotar o ultradireitista José Antonio Kast. Venceu por 55,8% contra 44,1%.

Com 4,6 milhões de eleitores, o candidato da Frente Ampla se tornou mais votado da história chilena. O voto não é obrigatório no país, mas mais da metade da população compareceu às urnas (55,65%).

Ainda assim, aliados do presidente Bolsonaro ressaltavam a alta abstenção e faziam relação com a disputa em 2022 no Brasil.

"Bater no peito dizendo que não votou em político nenhum só fará a história [no Brasil] se repetir", disse Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal e filho do presidente.

"Se não percebermos a estratégia da esquerda acabaremos governados por um deles".

Já o vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente, Carlos Bolsonaro, disse que, "enquanto isso no Brasil", cresce o possível voto na "terceira via", que chamou de "LULO", dando a entender que pode beneficiar Lula.

O tom nas redes bolsonaristas, que levantaram a hashtag #JairOuJáEra, foi de alarmismo com a eleição chilena. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles disse: "O Chile caiu".

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alvesa publicou no Twitter um mapa da América do Sul com o símbolo comunista da foice e do martelo.

"Como ainda tem gente que não entendeu, me pediram para desenhar! Não é de Bolsonaro que falo, é de esperança, é de democracia! Sim, a mais importante eleição do mundo no ano de 2022 acontecerá no Brasil!", afirmou.

A imagem foi compartilhada por apoiadores do presidente.

Ainda que Boric seja diametralmente oposto no espectro ideológico a Bolsonaro, experientes diplomatas no Itamaraty veem-no como diferente de outras lideranças esquerdistas mais tradicionais da região.

A avaliação é de que ele não terá uma postura tão nacionalista na economia como Fernández, por exemplo. O Chile é um importante parceiro comercial do Brasil.

A expectativa é de que ele terá de fazer alianças com demais partidos, de forma a caminhar mais ao centro. Sua agenda à esquerda, apostam, se dará mais quanto à pauta dos "costumes", como questões de gênero.

Para conseguir se eleger, Boric teve de adotar um tom mais moderado em seu discurso e se reconciliou com a Concertação, aliança de centro-esquerda que governou o Chile por 20 anos. Ele representa a nova geração de políticos de esquerda que emergiram das revoltas estudantis de 2011.

O resultado da eleição chilena marca também a derrota de Kast, que sustenta bandeiras consideradas conservadoras do ponto de vista social e é admirador do ditador Augusto Pinochet (cujo regime matou mais de 3.000 pessoas, segundo estimativas oficiais).

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/12/bolsonaro-silencia-e-aliados-lamentam-vitoria-de-boric-no-chile.shtml?utm_source=twitter&origin=folha


Chile mostra que refluxo da direita pode chegar ao Brasil

Vitória de Boric marca virada na América Latina para governos de esquerda voltados ao diálogo e a causas sociais

Guilherme Boulos
Folha de S. Paulo, 20.dez.2021 

Enfim, abriram-se as grandes alamedas chilenas por onde passarão o homem e a mulher livres. Essa foi a previsão de Salvador Allende em seu último e corajoso discurso, antes de ter o Palácio de La Moneda bombardeado e ser morto pelas forças golpistas de Pinochet. Demorou 48 anos, mas as alamedas se abriram neste domingo.

A vitória de Gabriel Boric sobre José Antonio Kast representa uma espécie de segunda morte do pinochetismo, o mais cruel regime latino-americano. Foi a expectativa de presenciar esse acerto de contas histórico que me levou, com a delegação do PSOL, a Santiago para acompanhar as eleições.

O resultado tem dois significados diretos para a América Latina. Simboliza, primeiro, o refluxo da ofensiva direitista. No último período, a esquerda venceu na Bolívia, no Peru, em Honduras e, agora, no Chile. Já havia vencido antes no México e na Argentina. No Brasil, Bolsonaro está enfraquecido, e pesquisas indicam amplo favoritismo de Lula para 2022. Ao que parece, a onda de governos autoritários e antipopulares se desfaz antes do que muitos imaginavam.

E Boric venceu apesar de todo o jogo baixo da extrema direita. Tantas foram as fake news que ele teve que mostrar um exame toxicológico para comprovar que não usava drogas. No dia do pleito, empresas de ônibus reduziram a frota para dificultar a locomoção de eleitores, afetando mais a base de Boric. Ainda assim o comparecimento foi recorde, e a vitória foi por margem maior do que a esperada, 55% a 45%.

O segundo ponto que merece destaque é a chegada de nova geração de esquerda ao poder. Boric tem 35 anos. É produto das grandes mobilizações estudantis de 2011, que também formaram lideranças como Giorgio Jackson e Camila Valejos, com papel de destaque na coalizão vitoriosa e provavelmente no futuro governo. Foram ainda os jovens chilenos que protagonizaram as grandes mobilizações de 2019, sem as quais a vitória de Boric seria impensável.

Pude conversar com várias dessas lideranças e com o próprio Boric nesses dias em Santiago e é muito bom ver como não carregam velhos vícios políticos, têm abertura para novas pautas —com destaque para a ambiental e a feminista— e são capazes de uma comunicação mais direta com a juventude, sem chavões tradicionais.

Mas o governo de Boric terá grandes dificuldades, a começar pelo boicote anunciado de setores econômicos e por não ter maioria parlamentar. Além disso, a contraofensiva da direita se concentrará na Constituinte, formada como resposta à revolta popular. A próxima batalha será o plebiscito sobre as alterações constitucionais progressistas. E não será fácil. Na verdade, nunca foi. Mas os ventos que vem do Chile nos enchem de esperança. O próximo acerto de contas será no Brasil.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2021/12/chile-mostra-que-refluxo-da-direita-pode-chegar-ao-brasil.shtml