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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Lênin ainda vive? Assim parece - Astier Basílio

 100 anos depois, um fantasma ronda a Rússia: o camarada Lênin ainda vive 


Astier Basílio 


 

Quem entrar na Praça Vermelha pela direção do Jardim de Alexandre, onde está o Túmulo do Soldado Desconhecido e a famosa chama eterna, dará com uma das entradas de acesso ao principal cartão postal da Rússia. É ali que se localiza a única entrada do mausoléu construído em 1924 para guardar o corpo mumificado de Vladimir Ilyich Ulianov, universalmente conhecido como Lênin, o fundador da União Soviética. Não é cobrado ingresso. A pirâmide, cujo formato em granito veio a ser erguido em 1930, suplantando versões anteriores de madeira, distribui-se por 12 metros de altura e 2.400 metros cúbicos de área interna. Seu acesso é permitido após uma segunda vistoria realizada pelos guardas, e o visitante precisa seguir outra vez por um detector de metais. Não se pode entrar com mochila, qualquer tipo de líquido, nem fazer imagens de nenhuma natureza lá dentro. O mausoléu abre todos os dias, menos sexta e segunda-feira, e o horário de visitação é restrito: das 10h às 13h. Mergulha-se em total escuridão nos degraus que se seguem à entrada, e mal se consegue ver o primeiro dos cinco guardas que se postam nas dependências do recinto. Do topo da pirâmide incide uma iluminação que, de súbito, encadeia a visão. É como se estivéssemos num teatro. Uma espécie de ilusão ótica faz com que o corpo morto há 100 anos seja banhado por uma luminosidade que sonega os detalhes de sua decadência: não é possível ter uma percepção nítida dos traços fisionômicos de Lenin devido ao jogo de luz e sombra que é construído. No último 21 de janeiro, em celebração à data que marcou o centenário da morte de Lênin, as bandeiras vermelhas voltaram a ser predominantes no Kremlin. A Rússia hoje tem 21 partidos políticos em funcionamento, mas apenas 5 possuem representação na Duma Federal, o equivalente à nossa Câmara dos Deputados. Os comunistas são o segundo maior partido. Nas últimas eleições, obtiveram pouco mais de 18% dos votos e elegeram 57 representantes, mas nem se comparam com a performance obtida pela Rússia Unida, a agremiação de Vladimir Putin, que arrebanhou 49% do eleitorado e elegeu 324 parlamentares. Por 70 anos, o Partido Comunista deteve o monopólio da existência política. A decisão foi tomada quando Lênin ainda era vivo, em 1921, um ano antes da criação da União Soviética. No X Congresso do Partido Comunista, passaram uma resolução pelo fim das facções internas, o que na prática redundou na existência de um partido único. Tal situação se manteve inalterada até a implantação das reformas no governo Gorbachev, a “perestroika” e a “glasnost”, que acabaram por acelerar a queda do regime. Desde 1993, a liderança do partido comunista está nas mãos de Guennadi Ziugánov, 78 anos, um deputado em seu oitavo mandato na Duma. Seu rosto estampou os cartazes de campanhas presidenciais derrotadas em 1996, 2008 e 2012. Como acontece todos os anos, foi um Ziugánov paz e amor, segurando rosas, quem conduziu a pequena multidão ao mausoléu. Desde o final da União Soviética, em 1991, os russos discutem sobre a permanência ou não da múmia de Lênin na Praça Vermelha. Como não poderia deixar de ser, o centenário de morte do líder máximo do Partido Comunista não só trouxe este tema à baila como foi marcado por polêmica. Mais da metade da população russa hoje deseja que a múmia do líder proletário saia da Praça Vermelha e seja enterrada. Conforme números divulgados pelo VCIOM (Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Rússia), 33% da população acreditam que o corpo deve se manter onde está, enquanto que 30% desejam que seja “enterrado rapidamente” e 27% apoiam a ideia, mas desejam que o enterro seja realizado “mais tarde”, o que perfaz um total de 57% de pessoas favoráveis à retirada do corpo do mausoléu. Os números da pesquisa foram divulgados poucos dias antes do centenário da morte de Lênin. O deputado Leonid Slutsky, 56 anos, do Partido Liberal Democrata da Rússia, escreveu em seu canal no Telegram: “Minimamente, o descanso do falecido é muito importante para os cristãos e as pessoas civilizadas como ritual de manifestação de respeito à memória. Ao passo que o próprio Lênin gostaria de ser enterrado ao lado de sua mãe. Acho que chegou o tempo de realizarmos o desejo do revolucionário.” Quem não gostou nem um pouco da declaração foi o presidente do comitê do Partido Comunista, Sergei Malinkovich, 48 anos. Ele anunciou que vai pedir à Duma a cassação do mandato de Slutsky, argumentando que sua proposta “incita a discórdia” e está em contradição com o “curso da consolidação da sociedade”, no período da operação militar na Ucrânia. Quando a União Soviética entrou em colapso, a Rússia era a república que liderava o ranking com a maior quantidade de monumentos em homenagem à memória de Lênin (7 mil), seguida pela Ucrânia (5.500). Os dados foram disponibilizados pelo projeto especial “Lenin statues”. Desde 2013, a Ucrânia vem passando por um processo de “descomunização” que consiste na derrubada de estátuas relacionadas à União Soviética e, após a guerra, à Rússia como um todo. Os dados mais atualizados da página, que vão até janeiro de 2021, dão conta de que na Rússia o número de monumentos a Lênin caiu para 6 mil; na Ucrânia, como era de se esperar, a queda foi bem mais significativa: sobraram apenas 350 monumentos. Embora Putin tenha se referido criticamente a Lênin em várias ocasiões, tem acontecido um fenômeno curioso desde o início da guerra com a Ucrânia. Se a derrubada das estátuas do líder bolchevique tornou-se uma espécie de símbolo da libertação, a restauração desses mesmos monumentos tem se constituído em uma marca comum às cidades ucranianas que passaram ao controle russo, como em Mariupol e no distrito municipal de Belokurakinski, na república popular de Lugansk, entre outros. Apesar disto, na página oficial da presidência da República não houve qualquer menção à efeméride. Por ironia do destino, na entrevista coletiva que concede tradicionalmente no final do ano, Putin respondeu à última pergunta – o que o Putin de 2022 diria ao de 2000 – com uma citação de Lênin: “Siga pela estrada certa, camarada!” A relação de Putin com o legado de Lênin é conflituosa. No mesmo encontro anual com a imprensa, em 2019, ao ser instado a avaliá-lo, disse: “Com relação à figura de Lênin na nossa história e, especialmente falando, como eu o avalio, posso dizer que ele não foi um estadista, mas um revolucionário, na minha opinião.” Por sua vez, uma das figuras públicas de maior prestígio que defende ardorosamente o legado de Lênin é o escritor Zakhar Prilepin, 48 anos, um aliado de primeira hora de Putin – tendo sofrido inclusive um atentado terrorista por suas posições pró-Rússia na guerra anti-Ucrânia. Em uma das últimas edições de seu programa de televisão, Lição russa, Zakhar Prilepin destacou a importância de Lênin não apenas na história de seu país como no cenário mundial. “Ele é o russo mais conhecido em todo o mundo.” Ao enumerar sua importância na geopolítica nos dias de hoje, Prilepin falou da citação a Lênin na Constituição da China, de sua influência na Índia, no Vietnam, Cuba e América Latina: “Brasil e Venezuela são governados por socialistas,” avaliou. O Canal 1, a emissora de maior audiência na Rússia, mostrou Lenin, o homem que mudou tudo. O programa foi uma espécie de debate entre, de um lado, o líder comunista Guennadi Ziugánov e, do outro, o deputado pela Rússia Unida, Vyacheslav Nikonov, 67, neto de um quadro histórico do Partido Comunista, Molotov (1890-1986), o mesmo que dá nome ao pacto de não-agressão com o ministro da Alemanha nazista, Ribbentrop, assinado em 1939. Durante o programa, que teve uma hora de duração, Ziugánov e Nikonov manifestaram pontos de vista bem opostos. Um dos momentos de maior tensão foi quando Nikonov fez menção ao ateísmo de Lenin. “O senhor vai negar que ele era ateu?” Ziugánov, por sua vez, como se estivesse esperando por aquela pergunta, leu trechos do discurso do patriarca da igreja ortodoxa por ocasião da morte de Lênin. No programa de notícias da emissora, apresentado na sequência, foi exibida uma reportagem de 13 minutos na qual Lênin foi comparado a um Prometeu que, ao invés de trazer o fogo, levou a eletricidade aos rincões da Rússia agrária. O programa ouviu historiadores que mostraram manuscritos com ordem expressa de Lênin para a execução pública de inimigos. Praticamente todos os veículos da imprensa russa trouxeram reportagens, matérias e artigos relacionados aos 100 anos da morte de Lênin. O tom, como se pode ver pelas manchetes abaixo, foi o mais diversificado possível: Izvestia: “Segredo da preservação do corpo” Argumenty i Fakty: “Por que os bolcheviques mataram parentes de Lênin nos Urais?” e “No mausoléu: um boneco e Lênin em Petersburgo? Mitos e verdade sobre o corpo de Lenin”. Komsomolskaia Pravda: “Familiares queriam congelar o corpo.” Ainda de acordo com a pesquisa do VCIOM, 88% da população russa sabem ou já ouviram falar em Lênin, e 36% avaliam que as ações do líder foram “úteis” para o país. Outros 19% as acharam “ruins”, e 30% acham que houve uma “metade boa e outra ruim.” Será que os jovens na Rússia de hoje dão alguma importância ao legado de Lênin? Na rádio Sputnik, Dmítri Juravlióv, diretor do Instituto de problemas regionais e professor universitário, ao ser perguntado como Lênin é visto pelos jovens estudantes, respondeu que, entre os que defendem as ideias esquerdistas, “os jovens politizados, que gostam de resoluções fáceis, estão mais próximos de Lênin”. E acrescentou: “Para a juventude que procura justiça, mas não sabe onde encontrá-la, Lênin é muito popular.” No andar em que moro reside um destes jovens. Faz alguns meses, ele nomeou sua rede de internet, assim: “Lenin > capitalism”. Mas não era uma rede livre. O acesso estava fechado por senha. 

Astier Basílio é jornalista, escritor e tradutor, mestre em literatura russa pelo Instituto Púchkin e autor de mais de dez livros. 

Leia mais em https://braziljournal.com/100-anos-depois-um-fantasma-ronda-a-russia-o-camarada-lenin-ainda-vive/?utm_source=Brazil+Journal&utm_campaign=87bf697c8a-weekendjournal-0402024-1-_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_850f0f7afd-87bf697c8a-427950289 .

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Lula e Lênin: dois gênios em política, ignorantes crassos em economia: Lula e Paulo Roberto de Almeida

 Primeiro, os argumentos de Lula contra os mercados, depois a minha contra-argumentação:

Lula em café da manhã com jornalistas progressistas:

Coluna de Tereza Cruvinel - 247

"Eu nunca vi ninguém do mercado elogiar minhas políticas sociais. Eu sinceramente acho que quando falo de responsabilidade fiscal e responsabilidade social, estou chamando a atenção do mercado para o fato de que este país não pode continuar passando fome, as pessoas não podem continuar sofrendo, dormindo nas ruas das grandes cidades brasileiras, as pessoas não podem continuar pedindo esmolas como estamos vendo. Aqui em Brasília vemos o tempo todo pessoas na rua com cartaz na mão pedindo comida. Este país não tem o direito de permitir que isso aconteça. E portanto o mercado precisa ter sensibilidade, não só para ganhar dinheiro mas também para permitir que os outros possam ganhar alguma coisa". 

Sobre as ameaças do mercado

"O mercado às vezes parece ficar esperando que a gente se faça confiar. Muitas vezes parecem esperar que a gente peça: por favor goste de mim, me deixe governar, me deixe fazer as coisas para as quais eu fui eleito. Eu acho que a gente não tem que pedir, tem que fazer. E temos que construir uma narrativa contrária à do mercado. Eu poderia dar como exemplo a privatização da Eletrobrás. Vocês viram. Os diretores aumentaram seus salários de R$ 60 mil para para R$ 360 mil. Sabem quanto ganha um membro do Conselho da empresa? R$ 200 mil para ir a uma reunião por mês. E estamos vendendo estatais para empresa chinesa, para empresa espanhola, para empresas públicas de outros países, numa total irresponsabilidade. Eu não abro mão daquilo em que acredito, não abro mão daquilo pelo qual fui eleito. Fui eleito para tentar melhorar a vida deste povo trabalhador. Para tentar gerar empregos, para tentar acabar com a fome neste país. Fui eleito para tentar melhorar o ensino fundamental, para fazer escolas de tempo integral.  E não quero que ninguém diga que isso é gasto. Isso é investimento. Gasto é quando se vende um gasoduto por R$ 36 bilhões e depois fica pagado R$ 3 bilhões de aluguel por ano para usar o gasoduto que era seu. Isso é gasto. Gasto é privatizar uma empresa como a Eletrobrás e pega o dinheiro para fazer o quê? Para pagar juros da dívida? Isso é gasto. Agora, quando você investe na comida para o povo, na educação do povo, isso não é gasto. Chama-se investimento. É este tipo de investimento que eu quero fazer para que o povo viva mais decentemente neste país."

Sobre o papel do Estado

"Eu sinceramente não acredito, e também não faço questão de que eles me entendam...Se uma pessoa sob um viaduto, e vê um monte de gente, adultos e crianças dormindo junto com os cachorros, e não tem sensibilidade para isso? Se vêm pessoas morando novamente em palafitas no Nordeste e não se incomodam com isso? Vamos ter que voltar a fazer cisternas, vamos ter que o PNAE outra vez, vamos ter que recolocar dinheiro no FIES, vamos ter que refazer o que havíamos feito e foi desmanchado.

Às vezes fico chateado por ter que fazer estes discursos como presidente da República,  porque o mercado fica nervoso. Mas o  mercado ficou nervoso quando o Lehman e sócios quebraram a Americanas, com um desfalque de R$ 40 bilhões? Eu não vi. Agora quando se fala em aumentar R$ 2 no salário mínimo o mercado fica nervoso? Sabe, precisamos construir as nossas narrativas para não termos que abrir mão daquilo que foi a razão pela qual fomos eleitos. Acho que o mercado precisaria perceber que será muito bom para o mercado quando o povo estiver vivendo dignamente, trabalhando e vivendo às custas de seu suor. Isso já foi bom para o mercado de 2003 a 2010, foi muito com a presidenta Dilma Roussef. As pessoas são gananciosas, querem só para eles...Eu nunca vi esta gente falar em política social, falar em acabar com a fome ou preocupada com a educação do povo. Nunca vi. Isso deve ser preocupação só do governo.

Quando houve a pandemia, quem é que resolveu cuidar das pessoas? O Estado. O SUS que era criticado todo dia virou heroi nacional. Na hora da necessidade foi o SUS que enfrentou o problema. Quando houve uma crise econômica como a de 2008, quem foi resolver o problema,  aqui e nos Estados Unidos? Foi o Estado. Se o Estado não tivesse colocado o BNDES para ajudar o setor produtivo, a economia teria afundado naquela crise. Então, se o mercado não tem a mesma sensibilidade que eu, paciência. Não estou pedindo que concordem comigo, mas também não me peçam para concordar com eles. Porque meu objetivo é fazer com que o povo brasileiro volte a trabahar, volte a comer, a estudar, volte a ser feliz. Este é meu objetivo e vou persegui-lo, independentemente das críticas, do mau humor de algumas pessoas. Foi para isso que vim, e já se passaram um mês e oito dias. Estou angustiado porque quero ver as coisas acontecerem logo. Ontem fui lançar um programa de saúde, um centro de imagens no Rio de Janeiro, para pessoas mais pobres que nunca têm direito a fazer uma ressonância, um pet sacan. Pet scan é algo tão sofisticado a que pobre jamais vai ter acesso. Agora o SUS vai financiar Pet Scan. E também já cuida dos dentes das crianças. Fui ver ontem no Rio de Janeiro um centro de tratamento odontológico em que os filhos de pobres poderão fazer ortodondia, corrigir problemas dentários com aqueles aparelhos de metal que só filhos de ricos usavam. Até junho vamos zerar uma filha de 8 mil pessoas que precisam de tratamento de olhos no Rio.  Tudo isso pelo SUS. Então se preparem porque vocês terão que escrever sobre estas coisas que vamos continuar fazendo."

Por que os juros precisam baixar

"Quando criamos o Bolsa Família, lá no começo, em 2003, muita gente escreveu que eu devia fazer estradas em vez de dar dinheiro para os pobres. Demorou muito para reconhecerem que o Bolsa Família era um programa de transferência de renda eficiente, copiado por muitos países. E agora voltará aprimorado, com uma assistência de R$ 150 para crianças de até 6 anos de idade. Logicamente há pessoas que gostariam que não houvesse isso. Que o dinheiro fosse emprestado ou usado para pagar taxa de juros. Mas no meu governo não será assim. Vamos pagar os juros da dívida porque somos responsáveis e vamos cuidar do povo pobre. Por isso os juros não podem ser tão altos. Precisam baixar."

https://www.facebook.com/100084735064383/posts/pfbid0yMeTqz3JvS4h2uNwdfhVNuLq9jxxDHe3zT1u6Sxu8ojA4bcjnxDgkWL8YubfWCrEl/?sfnsn=wiwspwa&mibextid=2Rb1fB 

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Agora eu (Paulo Roberto de Almeida):

Lula se parece muito com Lênin: este era um grande estrategista político, mas uma nulidade em economia, pela sua total incompreensão do que fossem mercados, o que herdou do Marx político, embora fosse mais sofisticado em economia. Lênin criou um sistema que seria o equivalente o de fazer um elefante voar, o que era impossível obviamente, e o equívoco monumental foi denunciado imediatamente por Mises, no panfleto O Cálculo Econômico na Comunidade Socialista (de 1920).

 Lênin quis se corrigir e criou a NEP, em 1921 (talvez aconselhado por Bukharin e Preobajenski, dois bolcheviques que foram eliminados por Stalin), voltando parcialmente à economia de mercado. Mas Lênin morreu em 1924, e Stalin fez o elefante voar à custa de um nefando sistema moderno de economia escravocrata. Não voou, mas sobreviveu 70 anos à custa de repressão e desperdícios.

Lula tem as mesmas concepções erradas de Lênin (pré-1920) sobre os mercados. Não vai tornar o Brasil socialista, mas vai atrasar a economia e continuar alimentando a pobreza.

Fica contente de ser convidado pelo G7, por razões evidentes de megalomania política, mas continua a se opor ao ingresso do Brasil na OCDE, o que é um testemunho de sua ignorância econômica e de sua miopia ideológica.

Paulo Roberto de Almeida 


terça-feira, 28 de novembro de 2017

Revolucao bolchevique: na verdade, um golpe autoritario e ilegitimo - Victor Sebestyen

Today's selection -- from Lenin by Victor Sebestyen. When the Communist Party, led by Vladimir Ilyich Ulyanov (better known by the alias Lenin), took over Russia in 1917, not a shot was fired:

"Lenin was desperate to get to the [center of the takeover attempt in] Smolny. The leader should be lead­ing, not hiding away. ...

"Lenin then put on his disguise -- the old clothes of a labourer, a pair of spectacles and the wig that refused to stay in place even when he donned the workman's peaked cap that would become familiar in coming years.
"He had shaved off his trademark reddish beard earlier in the summer. He wrapped a dirty handkerchief around his face. If anyone stopped him the plan was to say that he was suffering from toothache. ...


Boris Kustodiev's 1920 painting "Bolshevik"

"[Lenin and his bodyguard, Eino Rakhia] walked down Liteiny Prospekt -- close to the Smolny -- but ran into two army cadets, young officers, who asked for their identification papers. Rakhia was armed with two revolvers and reckoned that if nec­essary he was prepared to fight it out with them. Then he had a better idea. He whispered to Lenin, 'I can deal with those soldiers, you go on,' and Lenin moved off. Rakhia began to distract the guards by arguing with them, swaying unsteadily on his feet and slurring his words. The cadets reached for their pistols but decided to do nothing. They let them through thinking they were merely two harmless old drunks. Marxists are not supposed to believe in luck, accident or happenstance, but rather explain life through broad historical forces. Yet the second most influ­ential Bolshevik leader in 1917, Leon Trotsky, said simply that if Lenin had been arrested, or shot, or had not been in Petrograd, 'there would have been no October Revolution'.

"They reached 'great Smolny', a huge ochre-coloured Palladian build­ing with a colonnaded facade spanning more than 150 metres. ... Lenin was ushered into Room 10, where the Military Revolution­ary Committee had been in permanent session for days. 'We found ourselves in the presence of a little grey-haired old man, wearing a pince­nez,' recalled Vladimir Antonov-Ovseyenko, soon to become one of the Bolsheviks' most ruthless hatchet men. 'You could have taken him for a schoolmaster or a second-hand book dealer. He took off his wig ... and then we recognised his eyes, sparkling as usual with a glint of humour. "Any news?" he asked.'

"In hiding Lenin had known little about the precise details of the coup. The artist of the insurrection dealt in broad brush strokes. Now he saw maps of the city spread out on tables and he was told how the main strongpoints of Petrograd would be in Bolshevik hands by the morning. There were about 25,000 armed Red Guards available, but only a frac­tion of them would be needed, said Trotsky. The revolutionaries would take power without firing a shot. ...

"It has been an enduring myth that the Revolution was an impeccably organised operation by a group of highly disciplined conspirators who knew exactly what they were doing throughout. It is a version of events that suited both sides. Soviet historians in the following decades pre­sented 'glorious October' as a rising of the masses, brilliantly led by the master of timing and tactics, V. I. Lenin, and his skilful, heroic lieuten­ants in the Bolshevik Party, who kept to a strict timetable of insurrection.

"The defeated 'Whites', as they would soon be called, also held to a comforting myth: that they lost power in a precisely calibrated military takeover masterminded by an evil genius whose plans, diabolical though they were, cleverly took account of chaos on the streets of Petrograd. It would not have impressed the loyalists' supporters -- or soothed their own amour propre -- if it was put about that they were beaten by a group of plotters who very nearly botched their revolution. The Bolsheviks might easily have failed if at certain key moments they had met some slight resistance.

"In reality the 'plot' was the worst-kept secret in history. Everyone in Petrograd had heard that the Bolsheviks were preparing an imminent coup. It had been discussed in the press for the past ten days. The main right-wing newspaper Rech (Speech) had even revealed the date, 25 October, and the leftist Novaya Zhizn (New Life), run by the writer Maxim Gorky, had warned the Bolsheviks against using violence and 'shedding more blood in Russia'. The supposedly perfect clockwork timekeeping of the insurrection was so vague that nobody could tell for certain exactly when it began. At one stage the Mayor of Petrograd sent a delegation to the participants of both sides wondering if the uprising had started. He could not get an accurate answer. The Bolsheviks had little military experience. Alexander Genevsky, one of their main commanders on the ground, had been a temporary lieutenant in the Tsarist army, declared unfit after he was gassed early in the First World War. He had been asked to become a 'general' in the rebel forces. His orders were to keep the military planners at the Smolny up to date with events by ring­ing a number that he was told would always be available, 148-11. The few times it wasn't out of order, it was engaged. The Bolsheviks failed to master the Petrograd telephone system and had to send runners through­out the city streets. The key force of sailors from the Kronstadt naval base -- reliable Bolshevik supporters -- arrived in Petrograd a day late.

"They won because the other side, the Provisional Government and its backers -- a coalition of the centre-right, liberals and moderate so­cialists -- were even more incompetent and divided, and because they didn't take the Bolsheviks seriously until it was too late. But mainly it was because most of the people didn't care which side won. In fact, few people realised anything significant had happened until it was all over."
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Lenin: The Man, the Dictator, and the Master of Terror
Publisher: Pantheon Books
Copyright 2017 by Victor Sebestyen
Pages: 9-15

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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Solzenitsin nas pegadas de Lenin; resenha de livro de Alexandre Solzenitsyn - Paulo Roberto de Almeida

Uma resenha feita em 1976, no exílio, falando de outro exilado:


Solzenitsin nas pegadas de Lênin

Alexandre Soljènitsyne:
Lénine à Zurich
(Paris: Editions du Seuil, 1975, 223 pp.; trad do russo: J.-P. Semon)

Um exilado político revisitado por um outro exilado, tal poderia ser o subtítulo da mais recente obra do emigrado político Alexandre Solzenitsin. Desta vez entretanto o escritor russo não sobrevoa os campos de seu Gulag habitual, desvendando aos olhos do mundo o universo concentracionário versão soviética. A empresa é mais árdua, pois trata-se agora de ir às origens do nefando sistema. Solzenitsin se dirige desta vez ao coração da Europa, à Suíça mais exatamente, onde, alguns anos antes do estabelecimento do poder soviético, aquele que iria ser seu primeiro dirigente estava condenado à emigração forçada.
Uma visita não de todo inocente, pois Solzenitsin não se contenta simplesmente em marchar sobre as pegadas de Lênin em seu refúgio suíço: mais que isso, o novo exilado de Zurich instala Lênin sobre seu divã psicanalítico na intenção de penetrar o pensamento do líder bolchevique e descobrir as “motivações profundas” que guiariam suas atividades políticas, aos tempos da Primeira Guerra Mundial. De uma maneira geral, poder-se-ia dizer desta obra que ela é mais uma tentativa de reconstituição histórica de uma fase do movimento bolchevique, visto a partir da condição pessoal de seu chefe mais distinguido, com esta diferença essencial, entretanto, que Solzenitsin não é exatamente aquilo que poderíamos chamar de um “observador imparcial”.
Evidentemente, a estrita imparcialidade de um historiador político é algo tão pouco seguro quanto a questão da infalibilidade papal, isto é, não existe nenhuma garantia a priori de que tal ou qual escritor assuma uma postura de absoluta objetividade na apresentação de um determinado problema histórico. A questão da “objetividade” do escritor é ainda mais problemática quando ele tem a “julgar” situações sociais especialmente controversas, como por exemplo os caminhos contraditórios do marxismo russo no começo deste século. Isaac Deutscher e Edward Carr, os dois maiores especialistas no estudo do processo revolucionário russo, ainda que vindo de horizontes políticos e sociais diversos, souberam traçar um imenso painel da Rússia pré- e pós-leninista onde a riqueza de dados não encobre a preocupação em selecionar e ordenar os fatos mais significativos segundo uma compreensão determinada deste mesmo processo.
A crítica relevante que se poderia fazer a Solzenitsin não é exatamente a que se refere à sua visão definida do movimento leninista e de suas consequências práticas – o que aliás é seu direito –, mas o fato dele reconsiderar o movimento histórico real segundo “sua” visão peculiar da História. Não que, em Lénine à Zurich, Solzenitsin proceda a uma revisão histórica fundamental dos dados do problema – que já são por demais conhecidos para serem “reinterpretados” – mas as concepções políticas do escritor estão sobremaneira implícitas em cada página desta “biografia” para que não as percebamos. Para aqueles todavia que não conheçam suficientemente a “visão do mundo” de Solzenitsin, recomenda-se a leitura de sua Carta aberta aos dirigentes da União Soviética (1972), onde o escritor “dissidente” prega um retorno às raízes culturais e religiosas da Santa Rússia do séculos anteriores. Em suma, o pensador ideal para os nossos medievais caboclos da TFP ou, como diria Millor Fernandes, uma jóia do pensamento liberal.
Lénine à Zurich compõe-se de alguns capítulos da grande obra que Solzenitsin empreendeu, visando reconstituir, numa espécie de fresco histórico (que traz evidentemente sua patente ideológica), os anos de transformação revolucionária que agitaram o gigantesco Império tzarista russo e determinaram sua queda. Originalmente, a obra em questão deveria fazer parte de um material mais importante e que apenas a pressa das editoras ocidentais determinou que fosse publicada prematuramente, rompendo a divisão em “laços” que Solzenitsin havia estabelecido, segundo cada período histórico estudado. Assim, o primeiro capítulo de Lénine à Zurich constituía na verdade o capítulo 22 (inédito até então) do primeiro “laço”, isto é a obra Agosto 14, já publicada desde 1972 pela maior parte dos editores ocidentais. Os restantes capítulos constituem partes dos segundo e terceiro “laços”, intitulados Outubro 16 e Março 17 respectivamente e cujo término para publicação estes mesmos editores esperam impacientemente, já que o nome Solzenitsin é garantia de sucesso. Já se publicaram no Ocidente nada menos do que quatorze obras de Solzenitsin e se espera, para dentro em breve, o aparecimento do terceiro tomo do Arquipélago de Gulag, assim como de seus Discursos Americanos, coletânea das principais declarações públicas que fez o escritor durante sua cruzada anticomunista em terras americanas, gentilmente convidado que foi pela AFL-CIO.
Esta obra sobre Lênin cobre o período da Primeira Guerra Mundial, que o líder bolchevique passa em seu refúgio de Zurich, dividindo seu tempo entre as leituras na biblioteca pública, as discussões políticas no Kegelklub – o clube político do restaurante Stüssihoff, onde se reuniam sociais-democratas suíços e emigrados políticos estrangeiros – e as poucas horas de privacidade com Nadezda Krupskaia, no modesto apartamento que eles ocupavam numa das ruelas da cidade. Seguindo os passos de Lênin (mas não o fio de sua contribuição teórica, é claro) Solzenitsin consegue reproduzir os diferentes aspectos de uma vida toda ela dedicada ao objetivo maior que era a revolução.
Seria preciso esclarecer contudo que a “reconstituição” de Solzenitsin tem muito pouco de uma obra política propriamente dita, pelo menos no sentido que habitualmente se dá ao conceito de “abordagem política de um fenômeno revolucionário”. Trata-se mais exatamente de uma espécie de mergulho nas reflexões pessoais de Lênin, ou naquilo que supostamente seriam suas preocupações mais profundas, algo enfim como uma análise psicológica do velho Lênin passando pela mediação de Solzenitsin. A primeira vista, nada de errado com este tipo da démarche: mais uma tentativa de abordar um movimento político através da biografia de um de seus protagonistas principais. O problema está, contudo, em que Solzenitsin não consegue, por razões óbvias, traduzir toda a riqueza e complexidade do pensamento de Lênin sem cair em interpretações apressadas de suas presumidas motivações. As decisões políticas de Lênin, enquanto chefe de Partido, são um tanto quanto rapidamente mergulhadas num clima de grandes contradições pessoais e transformadas, em fim de conta, em meras decisões pessoais nas quais estaria uma boa dose de impetuosidade momentânea. Daí a dificuldade aparente de uma crítica essencialmente política à obra de Solzenitsin uma vez que o bisturi do escritor não se dirige tanto ao pensador revolucionário, ao “animal político” que era Lênin, mas ao homem propriamente dito, ao indivíduo concreto tomado em sua dimensão quotidiana.
Se é em parte verdade que os “revolucionários profissionais” cultivam muito pouco aquilo que se chama vida pessoal e privada, a de Lênin confunde-se inteiramente e de uma maneira absoluta com a do partido que ele ajudou a criar e dirigiu durante o longo caminho em direção do poder. O ritmo da vida do Partido Operário Social-Democrata Russo pulsa nas veias de Lênin e impregna suas mínimas ações diárias, numa simbiose que Solzenitsin consegue captar razoavelmente bem. O interesse da obra está precisamente em que as atitudes propriamente políticas do revolucionário emigrado, se bem que somente vislumbradas, são situadas em seu ambiente de origem, recolocadas num contexto mais geral que é a vida mesma de um ativista incansável em condições de exílio político. Dois problemas estão constantemente presentes na atividade de Lênin, em Zurich: por um lado, manter a ligação política e orgânica com o interior, o que significa estar a altura das responsabilidades de um membro da direção de um partido perseguido, e por outro, encontrar as condições materiais mínimas de funcionamento de um aparelho clandestino, mas não menos atuante.
O vínculo político e orgânico com a realidade concreta da Rússia tzarista não era tarefa fácil, em virtude das enormes dificuldades de comunicação entre os países europeus colocados em situação de guerra e em campos opostos. Um pequeno exército de espiões e agentes pululavam de parte e outra das linhas de combate, como nos próprios países neutros, e é nesse cenário que se moviam certas espécies particulares desse exército das sombras: uma pequena mas eficaz rede de “correspondentes” e elementos móveis assegurava a transmissão das diretivas mais importantes, pelos meios os mais diversos. A vinda, por outro lado, de quadros partidários do interior do Império tzarista permitia a Lênin completar sua informação sobre a situação e o estado de ânimo respectivo de cada uma das classes sociais de seu país. Nada de muito perfeito, porém, e Lênin não conservou, em todas as ocasiões, uma percepção real da catástrofe iminente que estava para se abater em fevereiro de 1917: a ponto que, em princípios desse ano, ele já admitia, amargurado, que talvez sua geração não visse a revolução chegar. Não é sem surpresa, portanto, e com alguma incredulidade que o futuro dirigente soviético recebe as primeiras noticias de que o proletariado e os soldados de Petrogrado se haviam revoltado contra o governo do Tzar. A Revolução de Fevereiro viria tirar Lênin de sua modorra zuriquesa para precipitá-lo no primeiro plano da história mundial.
Não sem poucas dificuldades aliás, pois toda a questão era saber como, nas condições do momento, alcançar o território russo, uma questão em íntima relação com as possibilidades reais do aparelho partidário que dirigia Lênin. Durante toda a sua história, o POSDR se havia dividido (entre outras coisas) sobre a questão de como deveria ser seu suporte material, mais bem dito sua base financeira. Depois que o V Congresso do partido, em 1907, condenou as expropriações a bancos e agÍncias postais – das quais a mais célebre foi seguramente a de Tiflis, organizada e comandada por um obscuro georgiano que respondia pelo nome de Koba e que mais tarde iria se tornar famoso como Stalin – o grupo de Lênin passou a sobreviver com os parcos recursos que lhe procuravam alguns de seus militantes mais bem instalados na vida. Enquanto isso, os membros da minoria, os mencheviques, contavam com gordas contribuições de seus aliados burgueses e com partes dos salários de seus deputados na Duma (enquanto esta existiu pelo menos).
Sem capitais, nenhuma possibilidade de tomar o poder, tal parecia ser a questão crucial nesses anos de dificuldades; o gênio político de Lênin, contudo, não se prolongava ao terreno dos negócios. Um curioso social-democrata, e ao mesmo tempo genial estrategista político, soube perceber bem cedo a importância dessa força material que é o dinheiro para uma organização que pretenda sobreviver política e materialmente. Isolado durante muitos anos por todas as correntes socialistas européias, criticado pela sua “corrupção financeira”, Alexandre Helphand, aliás Parvus, adotou para si a consigna: “se você quiser abater os capitalistas, torne-se um deles”. Nos anos de refluxo revolucionário, Parvus se dedicou a acumular fortuna pelos mais diversos meios, pensando colocá-la a serviço da revolução proletária: negócios comerciais rendosos e alguns tráficos escusos junto aos sultões da Turquia, conselheiro financeiro dos governos turco e búlgaro durante a guerra, casas de import-export em alguns pontos da Europa, enfim, todos os métodos eram bons para esse homme d'affaires da revolução.
Mas, o golpe mais genial de Parvus, o big business de sua vida será, sem dúvida, suas conversações secretas com o governo alemão em vistas de realizar um negócio “interessante” para ambas as partes: dentro de seu grandioso plano, ele incitava o governo alemão a sustentar financeiramente os grupos políticos de oposição ao tzarismo (sobretudo os da corrente radical que se opunham de maneira absoluta à guerra imperialista) e a fazer passar para a Rússia os elementos capazes de derrubar o império tzarista, carcomido mas ainda potente na frente da guerra com a Alemanha. De sua parte tratava-se de encontrar “armas e bagagens” para alimentar os grupos revolucionários russos, em sua luta de morte contra o absolutismo. Lênin, colocado ao par desse plano mirabólico, nunca aceitara as proposições de Parvus, que já dispunha de alguns milhões de marcos colocados à disposição dos revolucionários russos pelos próprios conselheiros do Kaiser. Ademais, Parvus exigia – e isto já era impossível aos olhos de Lênin – a unidade no seio da esquerda russa, seriamente dividida em vários grupusculos ao cabo dos anos de refluxo que se seguiram ao grande ensaio geral de 1905. No final de tudo, será graças à intervenção de Parvus e a ajuda do governo alemão que Lênin e seu grupo poderão finalmente alcançar Petrogrado, em abril de 1977, depois de atravessarem a Alemanha no famoso “trem blindado”.
Data desta época, aliás a acusação de “Lênin, agente alemão”, tão frequente na imprensa mundial durante os meses de revolução. Sem cair nesse erro grosseiro, Solzenitsin não deixa passar a ocasião de reproduzir em seu livro vários documentos oficiais (desconhecidos até recentemente) que atestam que as autoridades alemãs fizeram não poucos esforços para neutralizar a potência russa via injeção de revolucionários no coração mesmo do confuso “Governo Provisório”. A intenção de Solzenitsin seria insidiosa se ela já não fosse irrelevante historicamente: nunca houve nenhum tipo de compromisso entre o governo alemão e o futuro dirigente bolchevique. Na guerra, como na luta política, certas alianças indesejadas se impõem inevitavelmente, e as alusões indiretas de Solzenitsin apenas confirmam sua “alta qualidade” de historiador.
Contudo, esta aparente deformação do real não é o mais importante na obra de Solzenitsin, nem traduz o estilo geral desta curiosa “biografia”: o que o atual emigrado de Zurich faz, de uma maneira geral, é julgar o emigrado de sessenta anos atrás por meio de suas lentes desfocadas e previamente orientadas. Na base da concepção de Solzenitsin está a preocupação em provar como a inflexibilidade doutrinária e o rigor na aplicação dos princípios, tão típicos do pensamento e da ação leninista, constituem na verdade os primeiros sintomas de um sistema e de uma prática totalitárias, que iriam alcançar seu paroxismo durante o período stalinista. Preocupação que não está ausente, tampouco, de uma recente obra sobre o problema publicada em França, e que faz revelações surpreendentes para os espíritos incautos, acostumados a ver na “brutalidade natural” de Stalin a raiz de todos os males do socialismo soviético .
O debate sobre o fenômeno totalitário sob o socialismo, e sua modalidade concentracionária, está lançado e, como se as autoridades soviéticas não quisessem estar ausentes, elas acabam de dar sua contribuição a ele, através da publicação de um livro sobre Lênin e a Tcheka. A obra reúne documentos em grande parte inéditos desta fase jacobina da revolução russa, em especial sobre o papel de Lênin na criação e supervisão da primeira polícia política do Estado Soviético. Com efeito, a Tcheka – surgida apenas dois meses depois da instalação no poder dos bolcheviques – iria desempenhar um papel de primeiro plano na “defesa” e consolidação da jovem República Socialista, acossada pelos inimigos internos e pelas intervenções estrangeiras; os excessos de zelo cometidos pelos mais ardorosos defensores da ordem soviética são, na obra soviética, parcialmente justificados pela necessidade do momento.  Está claro que a legalidade socialista não se contenta de um estrito ponto de vista jurídico tradicional, sobretudo em períodos de transformação revolucionária; mas de lá a atribuir a uma espécie de “pecado original do socialismo” a inevitabilidade da repressão política em condições de construção do socialismo, como o faz Solzenitsin, vai uma grande distância.
Aliás, Solzenitsin vai muito mais além na atribuição de responsabilidades pelo Termidor soviético: não apenas Lênin, Dzerjinski, Stalin e outros são diretamente responsáveis pelo “terror gulaguiano”, mas os “mentores intelectuais” do sistema também teriam sua quota parte. A doutrina “implacavelmente violenta” de Marx e Engels, assim como a inflexibilidade de Lênin em certas questões de princípio são, para Solzenitsin, as provas mesmo de que o pensamento socialista é intrinsecamente mau e traz em si os germes de sua deformação totalitária quando erigido em sistema de poder. A banalidade do raciocínio não encobre sua intencionalidade, no plano teórico: trata-se de negar em bloco a contribuição imensa que, desde Hegel, a “filosofia negativa” – isto é, a dialética da negação  - deu à lenta constituição de uma teoria social suscetível de transformar o curso da História.
A tentativa de ligar o fenômeno totalitário a uma determinada corrente filosófica não é, contudo, prerrogativa de Solzenitsin unicamente: um outro “batalhador do mundo ocidental”, o filósofo Karl Popper faz ascender as primeiras manifestações do totalitarianism não apenas a Marx e a Hegel, mas ao próprio Platão!  Como se vê, a lista começa a ser longa e, em sua tentativa de conjurar a “crise espiritual do Ocidente”, Solzenitsin não hesitará seguramente em acrescentar mais alguns nomes para ver se o mal ainda pode ser exorcizado. A próxima lista poderá fazer remontar as acusações não apenas a Marx e Hegel, mas talvez a Kant, Galileu, Epicuro e quiçás mais longe ainda. A pretender trazê-los aos banco dos acusados, Solzenitsin promete-nos um grande processo, sem dúvida alguma. A nós, simples mortais, resta-nos o consolo de saber que a maior parte desses senhores, longe de se dedicarem à elaboração de filosofias exóticas (de tão má influência em nossas escolas de pensamento desde que a escolástica deixou de existir), participaram da formação mesma da cultura ocidental e a ela estão indissoluvelmente ligados.

[Antuérpia, fevereiro de 1976]
[Publicado [PR] no jornal semanal Opinião
(São Paulo, nº 181, 23 abril 1976)]
[Relação de Trabalhos nº 016]
[Relação de Publicados nº 006]

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O que de melhor os companheiros tem para oferecer: uma imagem, um programa...

Não preciso acrescentar mais nada: meu amigo Mario Machado, do blog Coisas Internacionais, já disse tudo, sinteticamente, comme il faut...
Paulo Roberto de Almeida

Coisas Internacionais, 30 Nov 2013 09:26 AM PST
Havia preparado um texto, mas a imagem diz tudo.