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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Autógrafo de Souza Dantas: documento negociado

Negociado no mercado de autógrafos por quase 10 mil reais, apenas por causa do recente filme de Luiz Fernando Goulart. A tradução da nota está errada: ele não disse que todas as guerras são ruins, e sim que elas são más. O texto abaixo, para vender o documento, é do leiloeiro.
Paulo Roberto de Almeida

Pensamento emocionante do "Schindler brasileiro", Luís Martins de Souza Dantas, que salvou centenas de judeus da perseguição nazista.

Dedicatória original de Luís Martins De Souza Dantas para o livro "Pax Mundi, livro de ouro da paz". Uma folha. Em francês. Paris, março de 1928. Escrito nitidamente e em excelentes condições. Peça única.
Não podemos tolerar o crime que representa a guerra. Não existe guerra boa. Todas as guerras são ruins.
L. M. De Souza Dantas.
Paris, março de 1928.
Luis Martins De Souza Dantas (1876 - 1954) atuou como embaixador brasileiro na França antes e durante a Segunda Guerra Mundial. A ocupação nazista impunha a execução de ordens contra os judeus, incluindo o registro obrigatório, a segregação, o toque de recolher e a deportação para os campos de concentração.  Agindo contra o processo, Dantas emitiu vistos brasileiros para salvar cerca de 800 judeus, comunistas e outros perseguidos, incluindo o influente banqueiro de investimento e consultor financeiro Felix G. Rohatyn e, ainda com 12 anos de idade, o lendário negociador de arte, Leo Castelli. Dantas tornou-se o equivalente brasileiro do industrial alemão Oskar Schindler.
Posteriormente, Luís Martins De Souza Dantas foi investigado pelas autoridades brasileiras e mandaram-no de volta à sua casa para responder acusações de violação à política de imigração do país. Ele foi salvo da acusação por um mecanismo legal. Após o término da Guerra, Dantas retornou à França, onde passou o resto de sua vida e, em 2003, Israel o homenageou com o prêmio "Justos entre as Nações".
Após a devastação da Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações surgiu com o discurso do presidente americano Wilson.  Sob a liderança de George Dejean, a organização elaborou uma antologia que incluía comentários escritos sobre a paz por pessoas notáveis de todo o mundo. Entre 1925 e 1932, inscrições foram recebidas pela realeza, políticos, artistas, músicos e escritores, incluindo Dantas, a Rainha Elizabeth da Bélgica, Marie Curie, Einstein, Baden-Powell, King Faisal, Maginot, Colette, Sir Arthur Conan Doyle, Pirandello, Unamuno, Le Corbusier, Foujita, etc. A colaboração resultou em uma publicação de edição limitada denominada "Pax Mundi : livro de ouvro da paz". 

Por que esse documento é raro ?

O pensamento de Dantas, uma década antes de arriscar a vida por seus princípios durante o Holocausto, constitui por consequência um documento único e excepcional.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Dois diplomatas que foram contra suas respectivas chancelarias

Ser digno significa, de vez em quando (ou sempre quando necessário), contrariar ordens superiores, quando estas são manifestamente mesquinhas e singularmente desumanas, e sobretudo atentatórias à dignidade humana.
Minha homenagem a dois diplomatas exemplares...
Paulo Roberto Almeida

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As listas dos Souza
Christine Lages

Diplomatas brasileiro e português salvaram mais de 30 mil perseguidos do Holocausto durante a Segunda Guerra e hoje são lembrados pelo feito

RIO - Eles tinham a mesma profissão, morreram com um intervalo de duas semanas, e falavam a mesma língua, principalmente quando se tratava dos direitos humanos. Embaixadores na França em tempos de Segunda Guerra Mundial, o brasileiro Luiz Martins de Souza Dantas e o português Aristides de Sousa Mendes não eram próximos, mas suas trajetórias os uniram após a morte, e deram chance a milhares de pessoas de viver sem a perseguição. Responsáveis pela emissão de vistos no momento em que a Alemanha de Adolf Hitler invadia o país onde representavam Brasil e Portugal, eles criaram uma espécie de Lista dos Souza com a qual permitiram a entrada de mais de 30 mil estrangeiros em seus países. Nesta quinta-feira, o ato dos dois diplomatas será lembrado em cerimônias católicas e judaicas em diversas partes do mundo, incluindo Vaticano, Brasil e Estados Unidos.

Não há registro de que Dantas soubesse do feito de Mendes, e vice-versa. Embora os dois tenham trabalhado na mesma época na França, as emissões eram feitas de forma secreta e sem qualquer tipo de cobrança por parte dos diplomatas. Não havia discriminação: brancos, negros, católicos, judeus, ricos, pobres, intelectuais, homossexuais. A maioria dos perseguidos que conseguiu chegar aos embaixadores no momento certo obteve visto para o Brasil, para Portugal, ou para os dois, já que para chegar ao Rio de Janeiro muitos precisavam de uma permissão de trânsito para Portugal, de onde saíam navios para a América do Sul.

Embaixadores caíram no esquecimento
Nascido no Rio em 1876, Souza Dantas teve uma trajetória brilhante como diplomata: aos 21 anos ingressou no Ministério das Relações Exteriores e percorreu todos os postos da carreira diplomática, serviu em diversas capitais do mundo, foi nomeado durante a Primeira Guerra Mundial ministro interino das Relações Exteriores, e representou o Brasil em Roma em 1919, três anos antes de assumir o posto na capital francesa. Seu jeito sociável de ser - era um famoso solteirão, frequentador assíduo do teatro da "Comédie-Française", e grande promotor de jantares políticos - o tornou conhecido em Paris e Vichy. Mas seu nome caiu no esquecimento após enfrentar inquérito administrativo do governo de Getúlio Vargas pela concessão de alguns vistos diplomáticos a estrangeiros entre junho de 1940 e janeiro de 1941.

- Ele emitiu centenas de vistos (cerca de mil), mas quando soube que estava sendo processado, achou que fosse pelas centenas. Na verdade, eram só uns 12 vistos. Então, escreveu: "Fiz o que teria feito com a nobreza d'alma dos brasileiros, movidos pelos mais elementares sentimentos de piedade cristã" - lembra Fábio Koifman, historiador e professor de Relações Internacionais na UFRRJ, que dedicou três anos ao livro "Quixote nas trevas", no qual conta a história de Souza Dantas.

Embaixador português em Bordeaux entre 1938 a 1940, Sousa Mendes teve seu destino ligado ao de outras cerca de 30 mil pessoas. Responsável pela emissão de vistos na cidade francesa, ele salvou os milhares de refugiados, entre eles 10 mil judeus, num período de dez dias. Filho de uma família católica, conservadora e monárquica, o português foi obrigado a deixar o corpo diplomático de seu país e terminou a vida na miséria.

- Quando falo de um, falo sempre do outro. Os dois foram grandes humanistas e sofreram consequências sérias por isso. Tiveram muito em comum na vida: honestidade e coragem de tomar decisões difíceis, mesmo que não fosse exatamente de acordo com a lei. Quando a guerra começou, os dois estavam na França e os dois fizeram algo de especial, tentando ajudar os refugiados, especialmente os judeus - diz João Crisóstomo, um português residente em Nova York que abraçou a causa dos embaixadores e há mais de dez anos vem lutando para reavivar seus nomes.

Refugiados lembram embaixador brasileiro
Nas listas dos Souza, refugiados de diversas origens. Alguns ficaram conhecidos, como o economista e ex-embaixador dos Estados Unidos na França Felix Rohatyn, de 82 anos, famoso por ajudar a recuperar a cidade de Nova York da crise dos anos 1970. A viagem de Rohatyn até a estabilização de sua família levou dois anos. Aos 12 anos, em 1940, ele conseguiu - ao lado dos pais - o visto dado por Dantas.

- Eu tinha 13 anos quando finalmente consegui chegar ao Brasil. Viajamos da França para o Marrocos, depois para Lisboa e só depois para o Brasil. Em junho de 1942, após viver no Brasil por um ano, finalmente chegamos a Nova York, para o nosso alívio. Esses dois anos foram cansativos e, muitas vezes, difíceis - conta o investidor, acrescentando que, do Rio, lembra da escola e dos jogos de futebol que assistia com o pai.

Rohatyn lembra que só aos 76 anos descobriu que Souza Dantas foi o responsável por seu visto. E quem contou a novidade para o economista foi Crisóstomo, que, ao ler o livro de Fábio Koifman, descobriu que o Rohatyn - também residente em Nova York - estava entre os refugiados salvos pelo brasileiro.

- Ele achava que havia sido salvo por outro embaixador. Ficou emocionado e muito surpreso com a história. Aos 76 anos, descobriu quem havia sido o salvador da vida dele - conta Crisóstomo.

- Sou extremamente grato pela memória do embaixador Souza Dantas, bem como dos outros embaixadores que ajudaram refugiados judeus - acrescenta Felix Rohatyn.

Hoje com 103 anos, a belga Hanna Strozemberg chegou ao Brasil com o marido e o cunhado, com a ajuda do embaixador brasileiro. Ela lembra que Souza Dantas, que emitiu muitos dos vistos diplomáticos sentado em restaurantes ou hotéis franceses, não aceitava nada em troca.

-- O Souza Dantas nos falou que nos deu um visto pré-datado porque havia recebido um telegrama (do Itamaraty) para não dar vistos para judeus. Meu marido chegou com os irmãos e falou para o Souza Dantas que queria oferecer um presente para ele. E ele disse: "Não, se você quer oferecer, ofereça para a Cruz Vermelha. Eu não aceito."

Saiba mais sobre as homenagens:
* Serão realizadas missas em Roma, na Itália, pelos cardeais Renato Martino, William Levada e Claudio Hummes; em Bordeau, na França, pelo cardeal Jean-Pierre Ricard; em Lisboa, Portugal, pelo bispo Dom Tomas Nunes da Silva; em Montreal, no Canadá, pelo Monsenhor André Desroches; em Neark, nos Estados Unidos, pelo bispo Edgar Moreira da Cunha; em Buenos Aires, Argentina, pelo Monsenhor Oscar D. Sarlinga. outras missas também serão realizadas na França, em Portugal, EUA (em São Francisco, Califórnia; e Brookly, em Nova York); e no Brasil (São Paulo, Salvador e Fortaleza)

* Haverá homenagens também em sinagogas de Paris, na França, com o Grande Rabino René-Samuel Sirat; em Buenos Aires, Argentina, com o Rabino Simon Moguilevsky; em São Paulo, Brasil, com o Rabino Michel Schlesinger; no Rio de Janeiro, com o Rabino Dario Bialer; em Bordeaux, na França, com o Rabino Alain David Nacache.