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sábado, 26 de julho de 2014

A economia da Copa e a Copa (fracassada) da economia - Mario Mesquita

Sete lições da Copa para a economia
Por Mário Mesquita
Valor Econômico, 24/07/2014 
 
A derrota da seleção brasileira em Belo Horizonte vai demorar a ser esquecida, se é que será um dia, em especial por aqueles que lá estavam. Perder da Alemanha não foi uma vergonha, nem totalmente inesperado, mas a forma como isso ocorreu foi tão surpreendente quanto, sim, vergonhosa. Para não desperdiçar a experiência, cabe tentar extrair lições que, se não aliviam a frustração e tristeza, podem pelo menos conduzir a resultados melhores no futuro. No que segue vou tentar extrair sete (se me permitir a alusão ao algarismo) lições dessa derrota e aplicá-las ao tema que me cabe, a economia.
 
A primeira lição é que, assim como a tática e treinamento do time no período do torneio não compensam a má qualidade da safra de jogadores, não se deve esperar que a política econômica de curto prazo (fiscal, cambial e monetária) resolva problemas estruturais da economia, como a desaceleração da oferta de mão de obra, a redução do investimento e queda da produtividade total dos fatores de produção. Não devemos esperar demais dos "professores" no futebol, nem de ministros ou soluções milagreiras na economia.
 
A segunda é que, se não resolve, a política macroeconômica pode atrapalhar. Assim como a escolha de uma tática desastrosa, que deixou o meio de campo livre para a máquina alemã, atrapalhou, erros sequenciais no curto prazo, como vimos frequentemente na história brasileira, em especial no campo fiscal, atrapalharam, pois aumentaram a incerteza macroeconômica, reduziram a previsibilidade e inibiram o investimento.
 
 
A terceira lição é que o que talvez tenha funcionado no passado não necessariamente funciona no presente, seja porque a estrutura da economia é diferente ou porque o ambiente internacional mudou. A tentativa de incentivar setores industriais por meio da surrada combinação de protecionismo com crédito subsidiado, que remete aos anos 70 do século passado, hoje em dia se mostra tão anacrônica quanto algumas das táticas do selecionado nacional.
 
A quarta lição é que, assim como no futebol, em economia querer não é poder. Não foi por falta de vontade da equipe que levamos aquela surra, mas por um abismo entre essa vontade e as condições objetivas para alcançar a vitória. Da mesma forma, não foi por falta da chamada vontade política que não atingimos uma das metas-chave desse governo, qual seja a redução permanente das taxas de juros, mas por falta de condições para tal, sejam institucionais (falta de autonomia formal do BC, meta de inflação alta), conjunturais (políticas fiscais e parafiscais expansionistas), ou estruturais (uma complexa estrutura de crédito subsidiado que reduz a eficácia da política monetária), que levaram a Selic de volta ao território de dois dígitos que se queria abandonar.
 
A quinta lição é que estudar o exemplo bem sucedido dos outros países ajuda. Pode-se argumentar que a última boa partida da seleção em Copas do Mundo foi contra a Alemanha, na final de 2002, mesmo assim desde então nos recusamos a emular as melhores práticas do futebol. Da mesma forma, quando defrontados com os exemplos dos países da costa oeste, Colômbia, Peru e Chile, que têm conseguido crescer mais com inflação muito menor que a nossa, com políticas econômicas que ajudam o investimento, certas autoridades invariavelmente recorrem a argumentos depreciativos sobre as mesmas, ou ao tradicional "o Brasil é diferente".
 
A sexta lição é que o protecionismo gera complacência e inibe, em vez de ajudar, a competitividade. Vitórias sobre adversários fracos ou que eram fortes mas entraram em decadência, que caracterizaram a trajetória da seleção nos últimos anos, dizem muito pouco sobre a capacidade de se competir contra os melhores oponentes. O mesmo ocorre com as indústrias que florescem apenas enquanto estão sob o abrigo de um confortável escudo tarifário.
 
A sétima lição é que o primeiro passo para melhorar o desempenho, seja da economia brasileira ou da seleção, é reconhecer que houve problemas de diagnóstico ou implementação. Atribuir o aumento da inflação (mesmo com controles de preços), o aumento das taxas de juros (a primeira vez desde o início do regime de metas que um governo termina com a Selic acima do que recebeu), a desaceleração do crescimento, o aumento do deficit em conta corrente, a piora fiscal e o rebaixamento do crédito soberano exclusivamente à crise internacional ou a uma suposta má vontade do mercado, que por sinal tem índole governista, parece muito similar à atitude de atribuir a derrota de BH a uma pane temporária de uma equipe bem preparada.
 
Mas o saldo da Copa não é só negativo, em que pese o virtual rebaixamento da nossa seleção. Talvez as consequências mais positivas tenham sido a comprovação, para quem tinha dúvida, que mediante incentivos adequados o investimento privado em infraestrutura pode acontecer em ritmo e volume adequados - obviamente, se tivéssemos acertado o modelo mais cedo, teríamos tido menos obras inacabadas.
 
O segundo, mais intangível mas não menos importante, foi a provável melhora da imagem do país, e de suas principais cidades, perante o público e os investidores estrangeiros. Em particular Rio (que ofereceu na final da Copa uma bela propaganda do que podem vir a ser as Olimpíadas) e São Paulo ficaram mais cosmopolitas no últimos trinta dias e poderiam explorar essa dinâmica para alavancar o setor de hospitalidade e lazer, com alto potencial de geração de postos de trabalho.
 
Mário Mesquita, economista, é sócio do banco Brasil Plural. Foi diretor de Estudos Especiais e depois diretor de Política Econômica do Banco Central. Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras.
  
 
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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Choque de capitalismo, 25 anos depois - Mário Mesquita

Choque de capitalismo, 25 anos depois
Por Mário Mesquita
Valor Econômico, 14/11/2013

O ano de 2014 marcará 25 anos da queda do muro de Berlim, que foi o prelúdio do colapso do que então se chamava de socialismo real (em contraposição ao ideal, que nunca teria sido implementado). 1989 também foi um ano importante na história brasileira, pois marcou o retorno das eleições presidenciais diretas, consolidando a redemocratização do país.

Uma eleição sem favoritos, bastante competitiva, reuniu número elevado de candidatos. Havia propostas de extrema esquerda à direita, embora, felizmente, sem tendência a uma recaída autoritária. Ao final, como sabemos, a disputa foi a um segundo turno entre Fernando Collor e Lula, vencida pelo primeiro.

Um candidato que não esteve no segundo turno, mas cujos discursos se mostraram prescientes, foi Mário Covas, que teve 11% dos votos. De fato, a agenda delineada por Covas na campanha de 1989, no discurso que veio a ser conhecido como "choque de capitalismo", não só adiantou vários dos aspectos principais da política econômica brasileira nas décadas que se seguiram, mas, tendo em vista desenvolvimentos dos últimos anos, voltou, com uma exceção, a ser atual.

Capitalismo requer competição e um campo de jogo nivelado, sem que o Estado arbitre entre empresas

A exceção refere-se ao problema da dívida externa. Os anos oitenta do século passado, chamados, com certa razão, de década perdida, foram marcados pelas crônicas dificuldades do balanço de pagamentos, a questão da dívida externa, que condicionou a política econômica brasileira até o início da década seguinte. Hoje, graças a ter sabido acumular reservas durante o boom de commodities, desalavancando a economia (em forte contraste com períodos anteriores de melhora dos termos de troca), o país tornou-se credor líquido, mesmo que, dada a parca poupança doméstica, ainda precise importar capital para investir.

Os outros problemas listados no discurso de Covas, da inflação à inserção internacional da economia, bem como as relações entre o Estado e o setor privado, continuam atuais.

Obviamente, a inflação de que tratava Covas era hiper, a atual é apenas elevada (para o padrão internacional) e persistente. Não se trata de um patamar de inflação que desorganize a vida econômica ou promova grande concentração de renda, mas já suscita alguma reindexação, leva ao encurtamento de horizontes de planejamento e impede que as taxas de juros domésticas se alinhem aos padrões internacionais. Pior, a tentativa de controlar a inflação por mecanismos heterodoxos, como controles seletivos de preços e tabelamento de tarifas, gerou diversas distorções e um sério problema de repressão inflacionária, que dificulta em muito o trabalho do Banco Central de coordenar expectativas.

O receituário para lidar com esse problema passa por ações de política, como o aperto monetário, a redução da meta para a inflação, de 4,5% para 3%, que é o padrão nas economias emergentes com melhor desempenho (com concomitante redução do intervalo de tolerância), bem como melhorias institucionais. Nesse caso, o mais importante é, como vem sendo discutido no Senado, a autonomia formal do Banco Central - nesse debate, diga-se de passagem, certos representantes do Legislativo têm se mostrado bem mais atualizados e esclarecidos do que as visões atribuídas ao poder Executivo.

Outro ponto destacado por Covas era a necessidade de importar mais, para ter acesso às melhores tecnologias. O discurso rechaçava a busca por políticas autárquicas e notava que o Brasil era o 3º maior superávit comercial do planeta (perdendo apenas para Alemanha e Japão), mas apenas o 25º maior exportador - quem se lembra do inferno econômico vivido pelo país em 1989 não pode deixar de reagir com espanto aos lobbies que, até hoje, associam superávits comerciais a sinal de pujança econômica. Nesse campo temos muito a caminhar, as importações eram apenas 4% do PIB em 1989, cresceram para 10%, mas são bem inferiores aos patamares observados no México (30%), no Chile (28%) e mesmo na China (22%). Note-se adicionalmente, que o protecionismo tem aumentado nos últimos anos, haja vista o crescente número de iniciativas contra o Brasil no âmbito da OMC, bem como nossa total inércia no que se refere a acordos comerciais.

O discurso defendia um reposicionamento do Estado, afirmando o objetivo de privatizar "com seriedade e não apenas na retórica". Desde então, muito foi privatizado (telecomunicações, siderurgia, bancos estaduais, a Vale, a Embraer etc). Dado o desempenho da grande maioria das empresas privatizadas e os claros benefícios para os consumidores, fica difícil negar o sucesso de tal agenda. No entanto, talvez por anacronismo ideológico, boa parte da opinião pública (ou publicada) parece ter visão negativa da privatização, a tal ponto que as autoridades são constrangidas a lançar mão de eufemismos quando, acertadamente, oferecem parte dos ativos do Estado a investidores privados.

Capitalismo requer competição e um campo de jogo nivelado, sem que o Estado arbitre, como vem fazendo nos últimos anos, entre um seleto grupo de eleitos, e o resto das empresas. Nesse contexto, as palavras de Covas soam bastante atuais, merecendo citação direta "Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas... Basta de cartórios. Basta de tanta proteção a atividades econômicas já amadurecidas". Vale lembrar que alguns setores hiperprotegidos em 1989 desfrutam de tratamento especial até hoje.

Não se trata de defender o Estado mínimo ou o regresso social, mas de constatar que, se há preocupação em despertar os "espíritos animais" dos empresários, então palavras como capitalismo, privatização e importação deveriam perder sua conotação negativa.


Mário Mesquita é economista e sócio do banco Brasil Plural. Anteriormente foi diretor de Estudos Especiais e depois diretor de Política Econômica do Banco Central, 2006-2010. Escreve mensalmente às quintas-feiras.