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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Brasil, isolado e sem liderança regional - William Waack (Estadão)

No canto da foto

Potências dos Brics estão no pesado jogo mundial de poder, e o Brasil?

William Waack, O Estado de S.Paulo 
14 de novembro de 2019 | 05h00 

Quando apareceu a sigla Brics, em 2006, pensava-se na redistribuição do poder global para além das potências como Estados Unidos e o bloco europeu. Avaliava-se o novo peso e importância dos “mercados emergentes” ali representados, mas dentro da ordem vigente. De fato, a redistribuição de poder ocorreu e está avançando, mas não pelo que os Brics fizeram como “bloco” de atuação, e não da forma benigna como se imaginava. 
É interessante notar que a ênfase recente nos encontros dos líderes do Brics tem sido na cooperação tecnológica e comercial entre eles mesmos, e menos nas fascinantes questões geopolíticas. Nem poderia ser diferente: no retrato dos cinco reunidos em Brasília estão três países (China, Índia e Rússia) centrais na luta atual pela redistribuição de poder global, cada vez mais conflituosa, e dois (África do Sul e Brasil) que jogam na periferia. 
Cada um por si, China e Rússia são as grandes forças revisionistas que contribuíram decisivamente para liquidar a “paz profunda” internacional do período de 25 anos que começou em 1989 com a queda do Muro de Berlin e terminou em 2014 com a anexação da Crimeia por Moscou. As posturas agressivas dos “revisionistas”, com forte conteúdo nacionalista, sugerem uma continuidade entre o mundo da Guerra Fria (de 1946 a 1989) e o mundo que ressurge depois desses 25 anos de “paz profunda”, período já batizado de “pós-Guerra Fria”. 
Assim como no mundo da Guerra Fria, no atual predomina a acirrada competição entre as principais potências por aumentar sua segurança. No período que se inicia em 2014 as potências voltam a conduzir as relações entre si sob a perspectiva de eventual conflito armado. Ou seja, após um período de pouca competição por segurança as relações internacionais se parecem de novo com o que sempre aconteceu. 
Os “revisionistas” enxergam os Estados Unidos como bem menos formidável, sobretudo depois da grave crise financeira de 2008. Na Europa e na Ásia (e, recentemente, no Oriente Médio), Rússia e China foram testando os limites e a solidez das alianças até aqui conduzidas pelos americanos, cada vez mais desafiados abertamente (de certa maneira, Trump os ajudou). Não que a relação entre China e Rússia seja tranquila – ou entre Índia e China –, mas eles convergem na contestação de dois pilares da ordem americana dos últimos 70 anos: um conjunto de regras internacionais e a defesa da democracia como valor universal. 
É nesse mundo multipolar muito mais perigoso, instável e imprevisível que África do Sul e Brasil têm de encontrar como fincar o pé. A África do Sul enfrenta competição da China por influência na sua própria área de atuação mais próxima. Além dessa, divide com o Brasil outra característica: o grau da crise doméstica, que parece fazer com que esses dois gigantes do Hemisfério Sul olhem apenas para dentro de si mesmos. 
No caso do Brasil, a perda de importância e liderança regional registrada sobretudo a partir do segundo mandato de Dilma – agravando a estapafúrdia ideia do confronto “Norte-Sul” – ficou clara em todos os episódios recentes de turbulência e confusão entre os vizinhos, sobre os quais a antiga influência brasileira praticamente deixou de existir. Putin parece ter mais peso sobre o que acontece na Venezuela do que o Brasil. 
Na foto do jogo do qual participam os integrantes do Brics o Brasil aparece no cantinho. Não é palco, parte ou tem atuação decisiva em qualquer dos principais conflitos que estão redistribuindo o poder global. Frases de efeito em redes sociais ou “alinhamento automático” que o próprio governo sugere em relação a Washington não são pilares de política externa. O Brasil não só corre atrás da liderança perdida: diante da velocidade das mudanças lá fora, parece ainda perdido na busca de seu papel.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Camex: o novo protagonismo - Rubens Barbosa

FORTALECIMENTO DA CAMEX
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 22/10/2019

Depois de longa discussão dentro do governo, foi divulgado, no último dia 4, decreto que regulamenta a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) do Ministério da Economia. Trata-se da mais profunda modificação desde sua criação.
 A Camex tem por competência formular a adoção, a implementação e a coordenação de políticas e de atividades relativas ao comércio exterior de bens e serviços, além do financiamento das exportações, com vistas a promover o aumento da produtividade e da competitividade do país. Também competem a CAMEX questões relacionadas aos investimentos estrangeiros diretos e aos investimentos brasileiros no exterior,
Passam a integrar a CAMEX o Conselho de Estratégia Comercial, o Comitê-Executivo de Gestão, a Secretaria-Executiva, o Conselho Consultivo do Setor Privado, o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações, o de Alterações Tarifárias, o de Defesa Comercial além do Comitê Nacional de Facilitação de Comércio.
Todos os compromissos internacionais firmados pelo país devem ser submetidos ao colegiado, respeitadas as competências atribuídas ao Itamaraty, ao ministério da Defesa e à APEX no âmbito da promoção comercial e da condução de negociações comerciais de natureza bilateral, regional e multilateral, bem assim como os atos de outros órgãos e entidades da administração pública federal.
O principal órgão da CAMEX é o Conselho de Estratégia Comercial. Presidido pelo presidente da República, é integrado pelos ministros Chefe da Casa Civil, da Defesa, das Relações Exteriores, da Economia e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O Conselho se reunirá, semestralmente ou sempre que convocado pelo Presidente. São atribuições do Conselho: pensar a estratégia e propor as diretrizes da política de comércio exterior; conceder mandato negociador e oferecer as prioridades para as negociações de acordos e convênios relativos ao comércio exterior de natureza bilateral, regional ou multilateral, acompanhando o andamento e monitorando os resultados dessas negociações. Pronunciar-se sobre propostas relativas a contenciosos e à aplicação de contramedidas para proteger os interesses brasileiros. Propor as diretrizes e coordenar as políticas de promoção de mercadorias e de serviços no exterior e de informação comercial, estabelecer as diretrizes para a política de financiamento das exportações de bens e de serviços e para a cobertura dos riscos de operações a prazo, inclusive aquelas relativas ao Seguro de Crédito à Exportação.
O Comitê de Gestão é o órgão executivo da Camex. Presidido pelo Ministro da Economia, que tem o voto de minerva, o comitê é integrado por um representante da Presidência da República; dois do Ministério das Relações Exteriores; dois do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e ainda dos Secretários Especiais de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, da Receita Federal do Brasil, da Fazenda e Secretário-Executivo da Camex. As decisões são tomadas por maioria e dos dez votos, o Ministério da Economia dispõe de cinco. Dentre outros atos, o Comitê tem atribuição de orientar a política aduaneira; formular diretrizes da política tarifária na importação e na exportação; estabelecer as alíquotas do imposto sobre a exportação e de importação; alterar a Nomenclatura Comum do Mercosul; fixar direitos antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas; decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios; estabelecer diretrizes e medidas destinadas à simplificação e à racionalização de procedimentos do comércio exterior; estabelecer as diretrizes para investigações de defesa comercial; alterar regras de origem de natureza preferencial; formular diretrizes para a funcionalidade do Sistema Tributário no âmbito das atividades de exportação e importação; estabelecer as diretrizes para a política de financiamento das exportações de bens e de serviços e para a cobertura dos riscos de operações a prazo, inclusive aquelas relativas ao Seguro de Crédito à Exportação.
Compete à Secretaria-Executiva: assessorar e preparar as reuniões de todos os órgãos da CAMEX; avaliar e consolidar demandas a serem submetidas ao Comitê-Executivo de Gestão e aos demais órgãos colegiados da Camex; acompanhar e avaliar, quanto a prazos e metas, a implementação e o cumprimento das deliberações e das diretrizes estabelecidas pelos órgãos colegiados da Camex; coordenar grupos técnicos intragovernamentais, elaborar estudos e publicações, promover atividades conjuntas e propor medidas relacionadas com comércio exterior e investimentos, em parceria com a Apex-Brasil ou com outras entidades; apoiar e acompanhar as negociações internacionais relacionadas com matérias relevantes à Camex.
O Conselho Consultivo do Setor Privado, presidido pelo Secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, é integrado pelo Secretário-Geral das Relações Exteriores e até vinte representantes da sociedade civil (empresas do setor manufatureiro, do agronegócio e de serviços; entidades de defesa dos consumidores e comunidade acadêmica). Compete ao Conselho Consultivo do Setor Privado colaborar com a Camex, por meio da discussão de estudos e da recomendação de propostas específicas, com vistas ao aperfeiçoamento das políticas de comércio exterior, de investimentos e de financiamento e garantias às exportações.
A grande novidade é que, pela primeira vez, o comércio exterior passa a ser articulado com a política econômica e o Ministério da Economia com isso ganha poderes absolutos para liderar o processo decisório nessa área. Como tenho ressaltado nos últimos anos, o fortalecimento da CAMEX com comando único, coordenação e competências definidas claramente se faz necessário para que, nas relações com o governo, o setor privado possa contar com um ponto focal ágil e eficaz.
  

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Filho inepto do presidente ainda carece dos votos para embaixada em Washington

Resistência à indicação de Eduardo persiste

Levantamento do ‘Estado’ aponta que 15 senadores declaram voto a favor de indicação de deputado para embaixada dos Estados Unidos, mesmo número de agosto

Fernanda Boldrin e Isaac de Oliveira, ESPECIAL PARA O ESTADO, O Estado de S.Paulo
06 de outubro de 2019 | 21h23
Eduardo Bolsonaro
O deputado Eduardo Bolsoanro (PSL-SP), no Plenario da Câmara Foto: GABRIELA BILÓ/ESTADÃO
Quase três meses depois de ter sido anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro, a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para assumir a embaixada brasileira nos Estados Unidos, ainda não oficializada pelo Executivo, está longe de ter os votos necessários para ser aprovada no Senado. Uma atualização de levantamento do Estado mostra que, mesmo depois de fazer “campanha” na Casa, o filho “03” do presidente tem apenas 15 dos 41 votos necessários – mesmo número registrado em agosto. 
Um terço (27) dos 81 senadores consultados pelo Estado disse que vai votar contra a indicação. Além destes, oito afirmaram estar indecisos e 31 optaram por não responder. Foi o caso do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A assessoria do senador – que tem trabalhado pela aprovação do deputado – afirmou que ele aguardará o resultado da sabatina para tomar sua decisão. 
Na primeira edição do placar, no início do agosto, Alcolumbre informou que não iria votar, ainda que o regimento permita. Naquele momento, o levantamento do Estado apontava que havia 15 votos declarados a favor da indicação e 29 contra. Outros 36 senadores não revelaram como votariam – 29 não quiseram responder e 7 se declararam indecisos.
Os números dos dois levantamentos são semelhantes – além da posição de Alcolumbre, a única mudança foi a migração de dois senadores declaradamente contrários para o grupo dos que não revelam o voto. 
Caso seja oficializada a indicação, Eduardo terá de ser sabatinado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado. Os membros da comissão então decidem, em votação secreta, se aprovam ou não a indicação. Uma vez aprovado, o nome do indicado é encaminhado para apreciação do plenário da Casa, também em votação secreta. São necessários ao menos 41 votos favoráveis. 
O presidente Jair Bolsonaro disse, em entrevista ao Estado publicada neste domingo, que a indicação de Eduardo ainda não tem data para ser oficializada. “Deixa passar a votação da reforma da Previdência. Não tem pressa não”, disse. Em agosto, após a divulgação do levantamento do EstadoBolsonaro afirmou que aguardaria o “momento certo” para oficializar a indicação.    
Na entrevista desse domingo, ele minimizou o fato de, hoje, não ter os votos suficientes. “Ele se prepara melhor para enfrentar a sabatina, caso ele mantenha a ideia de ir para lá. Pra mim seria interessante.”
Desde que foi anunciada, em 11 de julho – dois dias depois de Eduardo completar 35 anos, a idade mínima para um brasileiro assumir uma representação diplomática no exterior –, a indicação do filho do presidente para o cargo mais importante da diplomacia brasileira foi alvo de críticas de adversários, que a classificaram de nepotismo e questionaram a qualificação técnica do deputado.
“A questão que deve ser posta é se ele está à altura de um posto que já foi ocupado por Joaquim Nabuco”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Eu acho que não está. Se ele não fosse filho do presidente, quem cogitaria nomeá-lo?”, questionou. 

Hambúrguer.

Policial federal licenciado, Eduardo está em seu segundo mandato na Câmara. Quando questionado, ainda em julho, sobre seus atributos para o cargo, ele destacou sua atuação na presidência da Comissão de Relações Exteriores da Casa e o fato de ter feito intercâmbio. “Não sou um filho de deputado que está do nada vindo a ser alçado a essa condição, tem muito trabalho sendo feito, sou presidente da Comissão de Relações Exteriores, tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos”, disse ele na ocasião. 
No fim de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou considerar Eduardo “um jovem brilhante” e disse que está “muito feliz pela indicação”, o que foi visto por aliados como trunfo. Em agosto, a consultoria legislativa do Senado elaborou parecer afirmando que a indicação configuraria nepotismo. A Advocacia do Senado, no entanto, emitiu um parecer técnico contrário. 
Em busca de votos, Eduardo está em “campanha”. Ele tem atravessado o Congresso para fazer um corpo a corpo em conversas privadas com os senadores e já viajou duas vezes aos Estados Unidos – em uma delas, para uma “reunião simbólica” com Trump. 
O tema, entretanto, ainda é controverso. O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), da base aliada, critica a ausência de uma articulação na Casa para aprovar a indicação. Segundo ele, Eduardo “vai com uma vontade indomável de fazer um grande trabalho para se projetar, inclusive, politicamente”. “É um posto de visibilidade muito forte.”
Já o senador Humberto Costa (PT-PE) critica o que chama de militância política em cargo institucional. “A alegação de que ele é amigo de Trump mostra uma visão completamente equivocada, até porque boa parte do que diz respeito à política externa norte americana passa pelo Congresso, que tem maioria democrata”, afirma. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Militância financiada na defesa do capitão? - Ricardo Galhardo (O Estado de S.Paulo)

Militância pró-Bolsonaro quer criar cadastro nas redes para evitar racha

Ação é resposta à convocação feita na véspera pelo escritor Olavo de Carvalho, que publicou um vídeo no qual pede a criação de uma militância bolsonarista

Diante da ameaça de racha na base em função do movimento contra a agenda de combate à corrupção, alguns dos principais influenciadores bolsonaristas nas redes sociais propuseram a criação de um cadastro para militantes em defesa de Jair Bolsonaro. 
Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro  Foto: Isac Nóbrega/PR
A iniciativa partiu de Allan Santos, responsável pelo site Terça Livre, que na manhã desta segunda-feira, 16, divulgou um formulário pelo qual os militantes devem fornecer dados como e-mail, nome completo, código de área e número do telefone celular. A hashtag #EstouComBolsonaro ficou entre os assuntos mais comentados do Twitter, o que levou usuários das redes a apontarem uma ação coordenada em defesa do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados mais próximos. 
A ação é uma resposta à convocação feita na véspera pelo escritor Olavo de Carvalho, guru do presidente, que publicou um vídeo no qual pede a criação de uma militância pró-bolsonaro. 
“A coisa mais urgente no Brasil é uma militância bolsonarista organizada. Notem bem, não disse militância conservadora nem militância liberal. A política não é uma luta de ideias, é uma luta de pessoas e grupos”, disse Olavo. “Tem que parar com essas concepções ideológicas gerais que não levam a parte alguma. Você saber que é conservador não quer dizer que saiba o que fazer no momento decisivo. O que você tem que saber é exatamente de que ação se trata, o que temos que fazer”, completou o guru do presidente. 
Leandro Ruschel, seguidor de Olavo e um dos principais influenciadores bolsonaristas no Twitter, sugeriu que a disputa política deve ser feita diariamente, por militantes organizados e “financiados”, e não a cada dois anos. 

“Nos EUA, há uma militância conservadora super organizada e financiada defendendo Donald Trump diariamente, enquanto do outro lado, há uma militância ainda mais organizada e financiada, o atacando. Ou vocês acham que política é votar a cada dois anos e deu?”, escreveu ele. 
A reação ocorre no momento em que setores e personalidades importantes que apoiaram a eleição de Jair Bolsonaro mas agora se afastam do governo por enxergar nas ações do presidente e de seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), tentativas de interferir em órgãos de combate à corrupção como a Polícia Federal, Ministério Público Federal e Receita Federal. 
Na semana passada o Estado revelou que grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua e personalidades como o cantor Lobão e o humorista Marcelo Madureira, que lideraram a defesa da Lava Jato nas ruas,atribuem a interferência de Bolsonaro nos órgãos de controle a uma tentativa de barrar as investigações contra Flávio e seu ex-assessor Fabrício Queiroz, investigados por movimentações financeiras atípicas. 
No final de semana essa percepção se espalhou para setores da base de Bolsonaro no Congresso, inclusive no PSL, partido do presidente. Em entrevista ao Estado, a senadora Selma Arruda (PSL-MT) disse que vai sair do partido até quarta-feira para se filiar ao Podemos. Ela disse ter sido pressionada por Flávio a retirar sua assinatura do pedido de instalação da CPI da Lava Toga, cujo objetivo é investigar o Judiciário. 
Os lavajatistas apontam a existência de um acordo entre os Bolsonaros e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, um dos principais alvos dos defensores da CPI. 
Hoje a temperatura aumentou com a declaração do líder do PSL no Senado, Major Olímpio (PSL-SP), à Coluna do Estadão, na qual ele disse que Flávio é quem deveria sair do partido em vez de Selma. 
A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) saiu em defesa da CPI e também virou alvo de ataques nas redes. Hoje de manhã, ela publicou no Twitter que “Olavo de Carvalho acabou ontem” e acusou o guru de tentar criar “o imbecil coletivo bolsonarista”, em referência ao livro “O Imbecil Coletivo”, publicado por Olavo em 1996. 
“O filósofo que se consagrou por denunciar o Imbecil Coletivo do PT, quase criou um Imbecil Coletivo em torno de si mesmo e agora, pasmem, prega um Imbecil Coletivo Bolsonarista. Não vou criticar, quero apenas externar o meu profundo pesar”, escreveu Janaína. 
A reação do escritor também veio pelas redes. “Do meu livro 'O Imbecil Coletivo', a Janaína Paschoal não entendeu nem o título”, tuitou Carvalho.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

O Senado e a diplomacia - Paulo Roberto de Almeida (OESP)

O Senado e a diplomacia

Governo Bolsonaro cogita nomear embaixador nos EUA alguém sem experiência

Paulo Roberto de Almeida
O Estado de S. Paulo, 14 de agosto de 2019

Historicamente, durante mais de um século, chanceleres brasileiros foram recrutados dentre os parlamentares, no Império e na maior parte da República, bem mais na Assembleia-Geral do que no Senado. Mas os senadores prestaram grandes serviços quando no Conselho de Estado, cuja área diplomática teve papel decisivo, ainda que consultivo, na tomada de decisões que marcaram época nos anais de nossa diplomacia, com ênfase nos assuntos do Prata e nas relações com as grandes potências. 
O Parlamento preservava inteira autonomia e controlava de perto os atos do ministro, como na recusa do acordo que o primeiro chanceler republicano, Quintino Bocaiuva, fez com a Argentina, pelo qual ela abocanharia boa parte do atual território de Santa Catarina. Ruy Barbosa, antigo membro do Conselho de Estado, primeiro ministro da Fazenda da República, senador, não foi chanceler, mas desempenhou funções diplomáticas, a mais famosa delas como delegado na segunda Conferência da Paz de Haia, em 1907. 
O sucessor do barão do Rio Branco, Lauro Muller, era parlamentar, assim como Nilo Peçanha e também Epitácio Pessoa, senador, designado chefe da delegação às negociações de paz de 1919, aliás, eleito presidente mesmo estando em Paris. Oswaldo Aranha (embaixador em Washington antes), Afonso Arinos de Mello Franco, San Tiago Dantas foram brilhantes parlamentares que serviram como chanceleres, assim como, mais recentemente, os senadores Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aloysio Nunes. 
Chefes de missões diplomáticas, embora mais raramente, podiam ser designados dentre notáveis nomes da política ou da magistratura. No Império e na República Velha, os diplomatas no exterior formavam uma carreira distinta da dos funcionários da Secretaria de Estado, e ambas da dos cônsules, que eram considerados simples negociantes de “secos e molhados”. As carreiras foram unificadas nos anos 1930 e desde então missões permanentes no exterior foram tradicionalmente ocupadas por funcionários de carreira. Ainda assim, tivemos um “barão” da imprensa, Assis Chateaubriand, em Londres, e um banqueiro, Walter Moreira Salles, duas vezes embaixador em Washington. Mas sempre sob o rigoroso escrutínio da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Esta chegou a recusar uma ou outra designação – nem sequer chamou para sabatina um preferido do general Ernesto Geisel – e, mais recentemente, recusou aprovação a um outro nome, justamente por considerar que havia abuso de parentesco (era irmão do ministro da vez, diplomata). 
A tendência de designar diplomatas de carreira como chanceleres – limitada nos regimes anteriores – se ampliou durante o período militar, com uma sobrevida temporária nos governos do PT; no período de transição voltaram os senadores, e outros haveria para o exercício do cargo. O governo Bolsonaro, contudo, preferiu um diplomata de carreira, aliás, um que jamais foi embaixador – ou seja, chefe de missão permanente – nem havia prestado relevantes serviços à diplomacia. Agora cogita de nomear alguém totalmente sem experiência nas lides internacionais embaixador na mais importante representação do Brasil no exterior. 
A Comissão de Relações Exteriores jamais se defrontou com um caso desse tipo, tanto mais inédito por se tratar de nepotismo explícito. Não há precedentes na carreira, ou fora dela, embora filhos de presidentes ou de ministros tenham exercido chefias de postos: o primeiro, Rodrigues Alves Filho, foi admitido depois da morte do pai; e o segundo, Afonso Arinos, filho, o foi sem conexão com as funções eletivas do pai e a despeito delas: como é a norma desde 1946, ele e todos os outros têm de passar no concurso do Instituto Rio Branco. Alguns, educados no exterior, nunca lograram êxito nos exames, notoriamente difíceis, talvez por deficiências no Português. Seria de presumir que o atual indicado seja um exímio conhecedor das relações internacionais, tenha domínio perfeito do inglês e de várias outras matérias, além de boa familiaridade com a agenda diplomática brasileira e mundial, que é o que se exige nos concursos de admissão. Ele já tentou alguma vez? 
Não considerando o aspecto moral da indicação (a senadora Simone Tebet disse que foi um “erro estratégico” do presidente), resta a questão, a ser examinada pelos senadores, da capacidade do indicado para a função. Registra-se o visível apreço pelo atual presidente americano, o que já é um impedimento substantivo a um exame isento, independentemente das políticas daquele país. Não se trata só da hipótese de um opositor ser eleito em 2020, mas do diálogo que ele deveria manter com amplos setores da sociedade americana, cuja maioria urbana e mais educada esmagou com milhões de votos o vencedor contábil no colégio eleitoral. 
Que tipo de informação objetiva – que é o mínimo que se espera de um embaixador – poderá oferecer à Chancelaria brasileira, contendo uma análise equilibrada das políticas de um governo com o qual está empaticamente identificado? Como seria ele visto na Câmara, hoje dominada por uma maioria de oposição ao presidente? Como vai ser com os diplomatas profissionais, dotados de maior experiência em assuntos internacionais do que ele mesmo? E o que farão os ministros, conselheiros, secretários mais antigos, ao se defrontarem com um chefe de posto notoriamente despreparado para tratar dos mais diversos assuntos da agenda bilateral, hemisférica e internacional, financeira, política e cultural, como é o caso dessa embaixada, que sozinha vale quase que por uma Chancelaria inteira? 
A comissão do Senado tem um imenso desafio à frente, já que o que está em causa é a própria credibilidade da diplomacia brasileira no país com que já tínhamos relações desde antes da independência e laços formais desde 1824. O primeiro embaixador do Brasil, designado por Rio Branco, em 1905, chamava-se Joaquim Nabuco, elevado a essa categoria sem precedentes na diplomacia brasileira justamente para servir em Washington. 
*DIPLOMATA, LOTADO NA DIVISÃO DO ARQUIVO, É PROFESSOR NO UNICEUB, BRASÍLIA