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segunda-feira, 17 de maio de 2021

Por ideologia, Ernesto mobilizou diplomacia e minou combate contra pandemia - Jamil Chade (UOL)

Por ideologia, Ernesto mobilizou diplomacia e minou combate contra pandemia

Jamil Chade 
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/


Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.

Colunista do UOL

17/05/2021 04h00 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/17/por-ideologia-ernesto-mobilizou-diplomacia-e-minou-combate-contra-pandemia.htm?

 

Resumo da notícia

· Ex-chanceler é o próximo convocado na CPI da pandemia, na terça-feira

· Durante sua gestão, ele hesitou em fazer parte de mecanismos internacionais de vacina e tentou impedir fortalecimento da OMS

·  Araújo não aceitou convite para reunião no qual Pequim ofereceu crédito de US$ 1 bi para América Latina comprar suas vacinas

·  Sob seu comando, o Brasil não fez parte de compromisso de 130 países para lutar contra a desinformação na pandemia 

 

 

Durante a pior pandemia em cem anos, a diplomacia brasileira foi usada como instrumento para promover uma ideologia, deixando em segundo plano os esforços nacionais e internacionais para combater o vírus da covid-19. 

Nesta terça-feira, o ex-chanceler Ernesto Araújo terá de responder diante da CPI sobre suas ações no comando do Itamaraty, durante a pandemia. Desde a eclosão da crise, porém, sua atuação na esfera internacional teve como meta enfraquecer uma resposta global à pandemia. 

Desde a hesitação em fazer parte da coalizão internacional por vacinas, a ausência do Brasil em esforços internacionais e medidas deliberadas para colocar a política e a ideologia acima da questão de saúde, a diplomacia nacional foi uma peça fundamental no fracasso da resposta nacional à crise sanitária. 

 

OMS e o "comunavírus" 

Com o desembarque da pandemia, quase imediatamente a OMS foi colocada no centro das atenções. Se havia um local onde a coordenação internacional poderia ocorrer, muitos acreditavam que era a agência que deveria pilotar a resposta à crise. 

Mas, para Araújo, um dos focos deveria ser o de impedir que agências internacionais ganhassem força. Ao longo de meses, torpedeou iniciativas, exigiu uma investigação sobre a OMS e fez questão de esvaziar a representação brasileira em cúpulas e reuniões. 

Ainda em abril de 2020, Araújo postou em plena madrugada um texto em suas redes sociais. Não se tratava de uma orientação para lutar contra a pior crise sanitária em quase cem anos. Nem um plano sobre como conseguir respiradores, testes ou máscaras. Tampouco se trata de uma estratégia para costurar novas alianças para garantir a recuperação da economia. 

Tratava-se de um alerta sobre a necessidade de que se combata o comunismo que, segundo ele, iria se aproveitar do momento de crise e de apelos por solidariedade para implementar sua ideologia por meio do fortalecimento de entidades internacionais, como a OMS. 

Desde sua chegada ao poder, Araújo deixou claro que o estado-nação não deve se submeter a um poder internacional e vinha implementando tal visão durante a pandemia. 

"O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista", advertia o título do texto do chanceler. "Chegou o Comunavírus", escreveu o então ministro, conhecido por suas posições próximas ao governo dos EUA... - 

Segundo ele, a ideia de transferir poderes para a OMS seria o primeiro passo de um plano comunista. 

Araújo insiste que tal ameaça fica esclarecida em uma obra de Slavoj Zizek, "um dos principais teóricos marxistas da atualidade, em seu livreto "Virus", recém-publicado na Itália". "Zizek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade", disse o brasileiro, que indica a influência do autor em diversos meios. 

No primeiro trecho da obra escolhida, Araújo deixa claro sua recusa por recomendações, como o lockdown. "Tomara que se propague um vírus ideológico diferente e muito mais benéfico, e só temos a torcer para que ele nos infecte: um vírus que faça imaginar uma sociedade alternativa, uma sociedade que vá além do Estado-nação e se realize na forma da solidariedade global e da cooperação."... - 

"O vírus aparece, de fato, como imensa oportunidade para acelerar o projeto globalista. Este já se vinha executando por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do cientificismo. São instrumentos eficientes, mas a pandemia, colocando indivíduos e sociedades diante do pânico da morte iminente, representa a exponencialização de todos eles", disse o brasileiro. 

"A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de "solidariedade" encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração", alertou o então chefe da diplomacia nacional. 

"Diante disso precisamos lutar pela saúde do corpo e pela saúde do espírito humano, contra o Coronavírus mas também contra o Comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo primeiro, um parasita do parasita", completou o chanceler. 

"Uma coisa é certa: novos muros e outras quarentenas não resolverão o problema. O que funciona são a solidariedade e uma resposta coordenada em escala global, uma nova forma daquilo que em outro momento se chamava comunismo", disse. 

Em outro trecho, o ataque do ministro brasileiro se refere ao plano relativo à coordenação da OMS. 

"Um primeiro e vago modelo de uma tal coordenação na escala global é representado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (...) Serão conferidos maiores poderes a outras organizações desse tipo", diz o texto do autor europeu. "Transferir poderes nacionais à OMS, sob o pretexto (jamais comprovado!) de que um organismo internacional centralizado é mais eficiente para lidar com os problemas do que os países agindo individualmente, é apenas o primeiro passo na construção da solidariedade comunista planetária" alertaria. 

Meses depois, durante a abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, já em 2021, Araújo voltaria a atacar a ideia de lockdown. "Sociedades inteiras estão se habituando à ideia de que é preciso sacrificar a liberdade em nome da saúde", disse. "Não critico as medidas de lockdown ou semelhantes, que tantos países aplicam. Mas não se pode aceitar o lockdown no espírito humano, o qual dependente da liberdade e dos direitos humanos", afirmou. ... - 

Uma primeira reunião entre um chanceler brasileiro e a OMS apenas ocorreu em abril de 2021, mais de um ano depois da declaração de uma emergência internacional. Também em abril, a agência se aproximaria ao novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e faria um pedido: que o Brasil voltasse a exercer sua "liderança tradicional" em temas de saúde pública global. 

 

Vacinas

Também por motivos ideológicos, o Itamaraty ficou de fora do lançamento da Covax, a aliança mundial de vacinas. Em abril de 2020, o primeiro encontro contou com chefes de estado de vários países do mundo. Mas a ausência do Brasil chamou a atenção. Naquele momento, procurado pela coluna, o governo explicou que mantinha "outros projetos de alianças", sem jamais explicar quais seriam. 

Pressionado inclusive por senadores, o Itamaraty optou por aderir ao projeto. Mas com várias ressaltas. A primeira delas é de que pediria o menor volume permitido de vacinas dentro do esquema criado: doses que poderiam cobrir apenas 10% da população nacional. Pelas regras do mecanismo, o país poderia ter pedido o dobro. 

A decisão de aderir ao projeto, que foi tomada nas últimas horas do prazo dado pela OMS, ainda estabeleceu mais flexibilidades. O Brasil conseguiu o direito de entrar no mecanismo, reservando-se o direito de não comprar o primeiro lote da vacina, caso fosse da mesma empresa que já estava fornecendo doses ao país. Mas isso significaria que, para a segunda entrega de doses, o Brasil seria colocado para o final da fila entre os recipientes. 

 

Patentes

Um outro elemento chave na política externa brasileira foi a decisão de romper a postura tradicional do país, se distanciar de outros países emergentes e se negar a apoiar a ideia de uma suspensão de patentes de vacinas. O projeto foi apresentado pela Índia e África do Sul, na OMC em outubro, e previa que qualquer país poderia produzir versões genéricas da vacina, sem que fosse punido pela quebra da patente. 

Negociadores consideraram que a falta do apoio brasileiro foi central para que proposta não tivesse a força necessária e que o projeto se arrastasse por meses, sem uma definição. Ao tomar essa postura, o Itamaraty rompia com mais de 20 anos de uma política de defesa da saúde como sendo prioridade sobre questões comerciais ou econômicas. 

De um líder incontestável nessa questão, o Brasil passou a ser um dos maiores obstáculos para que houvesse um acordo para a produção em massa de vacinas. 

Como um terremoto no mundo diplomático, o governo de Joe Biden decidiu recentemente apoiar a suspensão de patentes, dias depois de o Itamaraty voltar a afirmar que não mudaria de postura e que a proteção das patentes era fundamental. 

 

Anti-China e aliança com Trump

Um dos aspectos que marcou sua gestão foi ainda as repetidas críticas contra o governo da China, o que, para ex-ministros do governo de Jair Bolsonaro e para o governador João Doria, afetou a capacidade de o Brasil ter acesso privilegiado a insumos chineses fundamentais para a vacinação no país. 

O ex-chefe da pasta da Saúde Luiz Henrique Mandetta revelou à coluna que, ainda no início da crise, foi buscar contato com a embaixada da China em Brasília e aproximar posições. Mas suas tentativas eram minadas pelo Itamaraty. 

Ainda em abril de 2020, em um texto publicado, o ex-chanceler criticou Pequim. "Não surpreende que, ao menos até agora, a China - que já empregava largamente sistemas de controle social digitalizado - se tenha demonstrado a mais bem equipada para enfrentar a epidemia catastrófica. Deveremos talvez deduzir daí que, ao menos sob alguns aspectos, a China represente o nosso futuro? Não nos estamos aproximando de um estado de exceção global?", questionou. 

"Mas se não é esse [o modelo chinês] o comunismo que tenho em mente, que entendo por comunismo? Para entendê-lo, basta ler as declarações da OMS." Para ele, o lockdown em Wuhan naquele momento veio "à custa da destruição dos empregos que permitem a sobrevivência digna e minimamente autônoma de milhões e milhões de pessoas, ao preço do desmantelamento de sua liberdade e de seu sustento, se atinge um mundo "em paz consigo mesmo". 

Não houve apenas ataques em redes sociais. Ainda no início da crise, o governo da China promoveu um encontro com chanceleres da América Latina para debater a proposta de dar um crédito de US$ 1 bilhão para que a região comprasse vacinas chinesas. Araújo foi um dos poucos ministros da região que recusou o convite. 

A recusa em permitir qualquer aproximação com a China vinha de uma percepção clara e alinhada com o governo de Donald Trump que a pandemia seria um momento decisivo para o poder de Pequim no mundo. A ordem, portanto, era de impedir uma maior influência dos chineses, mesmo que isso representasse custos para o país. 

Além de apoiar ataques dos filhos de Bolsonaro e outros membros do governo contra a China, seminários foram promovidos dentro do Instituto Rio Branco com supostos especialistas que usaram a entidade para difundir críticas contra Pequim. 

"Eu tô cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial", disse o então ministro, naquele encontro com a presença de Bolsonaro. 

“É, outro dia a...na conversa do presidente com o primeiro-ministro da Índia, o indiano disse que vai ser tão diferente o pós-coronavírus do pré quanto pós segunda guerra do pré", explicou. 

"Eu acho que é verdade e assim como houve um conselho de segurança que definiu a ordem mundial, cinco países depois da... da segunda guerra, vai haver uma espécie de novo é... conselho de segurança e nós temos, dessa vez, a oportunidade de tá nele e acreditar na possibilidade de o Brasil influenciar e forma... ajudar a formatar um novo é... cenário", afirmou. 

Um trecho, porém, revelou um ataque velado contra a China. "Que que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente tá vendo agora, criou é... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., né?", disse, numa referência aos chineses e sem citar o nome do país. 

 

ONU: Itamaraty opta por ficar de fora de combate contra desinformação

Ao longo de seu mandato, porém, o governo brasileiro se distanciou de iniciativas internacionais, não apoiou resoluções na ONU, não criticou o corte de dinheiro dos EUA para a OMS, não enviou ministros para reuniões, não adotou uma postura de protagonismo no cenário internacional e não foi a uma reunião entre ministros para fortalecer o multilateralismo. 

Em dezembro de 2020, por exemplo, Araújo, usou um evento extraordinário da ONU para tratar da crise da covid-19 para criticar a OMS, questionar o multilateralismo e para defender alguns de seus mantras da diplomacia do atual governo, principalmente a soberania nacional. 

O evento virtual contou com mais de 90 presidentes e primeiros-ministros. A meta era a de garantir um compromisso amplo sobre como dar uma resposta global à crise. Mas o presidente Jair Bolsonaro optou por não participar. Araújo, pelo protocolo, ficou para o final da fila, sendo um dos últimos a discursar e quando já era o início da noite em Nova York. 

Em seu discurso, o chanceler fez questão de romper um tom de apoio ao multilateralismo adotado pelos demais governos e deixar claro que foram governos nacionais quem deram uma resposta à crise. Segundo o ministro, a crise não poderia ser usada como "pretexto" para ampliar a agenda ou o mandato da ONU e, em sua visão, o organismo é apenas uma "plataforma para compartilhar experiências".

Sua defesa era de que a resposta contra a covid-19 é de responsabilidade de governos nacionais, e não de organismos estrangeiros. Para ele, não deve haver uma transferência de competências do nível nacional para o internacional e criticou "clichês bonitos como "o mundo precisa de mais multilateralismo" ou "problemas globais exigem respostas globais". 

O governo brasileiro ainda optou por não aderiu a um compromisso assinado por 130 países de todo o mundo na ONU contra a desinformação em meio à pandemia. Em junho de 2020, uma ofensiva na ONU por parte de governos estabeleceu um compromisso global para lutar contra a desinformação durante a pandemia... - 

Aliados do governo de Jair Bolsonaro como Israel, Índia, Hungria e Japão assinaram a declaração. Até mesmo o governo dos EUA de Donald Trump aderiu, assim como o Reino Unido de Boris Johnson. Também aderiram ao projeto Alemanha, França e Itália, entre muitos outros países. 

O texto da iniciativa alertava que "à medida que a COVID-19 se espalha, um tsunami de desinformação, ódio, bode expiatório e assustador foi desencadeado". Segundo os governos, em tempos de crise de saúde, "a propagação da "infodemia" pode ser tão perigosa para a saúde e segurança humana quanto a própria pandemia". 

"Entre outras consequências negativas, a COVID-19 criou condições que permitem a disseminação de desinformação, notícias falsas e vídeos para fomentar a violência e dividir as comunidades", alertaram os governos. "Por estas razões, pedimos a todos que parem imediatamente de difundir informações errôneas e observem as recomendações da ONU para enfrentar este problema", sugeriram os governos. 

 

domingo, 22 de novembro de 2020

1ª juíza brasileira a presidir tribunal da ONU diz desejar ‘abrir caminhos

 

1ª juíza brasileira a presidir tribunal da ONU diz desejar ‘abrir caminhos’

No final de 2015, a juíza Martha Halfeld de Mendonça Schmidt, da 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, em Minas, sofreu o que ela própria gosta de chamar de um ‘golpe de sorte’. Navegando pelo Facebook, se deparou com o anúncio de quatro vagas abertas no Tribunal de Apelações da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU).
“Foi pelo perfil de um juiz colega meu que, na época, era diretor de assuntos internacionais da Associação dos Magistrados Brasileiros. Eu vi aquela notícia: ‘ONU seleciona juízes para seus tribunais internos’ e fui conferir no site”, contou em entrevista por vídeo à reportagem. “Era aquilo mesmo, só que as inscrições fechavam três dias depois. Então foi uma loucura”, completou.
Com uma bagagem de mais de quase duas décadas na magistratura e experiências de mestrado e doutorado na França, Martha passou na seleção como a candidata mais votada na Assembleia Geral da ONU em novembro daquele ano e se tornou a primeira brasileira a ocupar uma das sete cadeiras na Corte. Para isso, além das provas e entrevistas, costurou uma articulação política com apoio do Itamaraty, do então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, e de outros nomes de tribunais superiores e do Executivo. Associações nacionais de magistrados e personalidades do mundo Jurídico, nacional e internacional, também apoiaram sua candidatura.
Depois de quatro anos como juíza do Tribunal de Apelação, a juiz-forana está prestes a assumir a presidência da Corte. O mandado começa em 1º de janeiro de 2021 e vai até o final do mesmo ano.
“Na presidência, eu quero tentar honrar essa tradição brasileira de boa diplomacia, com gentileza, com respeitabilidade, com honestidade, com boa-fé, que é a marca de diplomacia brasileira”, planeja a magistrada.
O Tribunal de Apelação da ONU tem como atribuição julgar, em segunda instância, causas trabalhistas e administrativas envolvendo funcionários e colaboradores da entidade. O sistema foi concebido para tornar mais transparente, independente e profissional o sistema de administração de justiça da ONU e para atender aos quadros da organização, que tem imunidade de jurisdição, ou seja, não se submete à Justiça de nenhum país.
“Eu sempre fui servidora e depois juíza da Justiça do Trabalho e na ONU eu tive que dar uma virada para o Direito Administrativo, isso foi um desafio muito grande”, conta Martha sobre os primeiros anos no tribunal.
O colegiado se reúne em três sessões anuais, de duas semanas cada, na sede da ONU, em Nova Iorque, ou em outras jurisdições, como nas filiais em Genebra, na Suíça, e Nairobi, no Quênia. Como não existe uma ‘Constituição da ONU’, cada julgamento envolve horas de discussão, dentro e às vezes fora do plenário, entre os juízes que compõem a Corte – atualmente, além da brasileira, um sul-africano, uma alemã, um grego, uma neozelandesa, uma canadense e um belga.
“É um aprendizado de um ‘Direito novo’ que a gente compreende no cotidiano, porque cada agência das Nações Unidas tem um Direito específico. A gente não tem uma faculdade para estudar esse ‘Direito novo’. Então a gente tem que estudar dentro do caso concreto qual a legislação aplicável. Isso supõe uma pesquisa e uma preparação prévia”, diz sobre a rotina. “As formações jurídicas são diferentes. A gente tem que associar os diversos sistemas jurídicos com as culturas próprias dos juízes. Sem falar que a gente julga, às vezes na mesma sessão, o caso de servidor altamente qualidade de Nova Iorque e um capacete azul da África. É como um caldeirão de diversidade e a gente tem que tentar solucionar aquele caso de uma forma adequada e aceita por todos como viável. Tem participação coletiva o tempo inteiro”, explica.
Ao revisitar as memórias dos julgamentos em busca de uma história que traduza o choque cultural de compor um tribunal internacional, Martha lembra de uma de suas primeiras sessões.
“Eu era relatora do caso. Estudei bastante e levei a minha sugestão de decisão para apreciação pelos membros da turma”, contextualiza. “Eles não concordaram e chegaram a uma conclusão totalmente contrária. Eu fui vencida, digamos assim, mas não convencida. De tal forma que eu resolvi escrever um voto divergente, mas como eu era relatora, também tive que escrever o voto majoritário. Foi um exercício dentro de mim, porque na jurisdição nacional, normalmente, quem vence escreve o voto. Mas lá eu tive que defender o ponto de vista contrário. Foi um exercício de humildade e me deu uma propulsão para melhorar a minha capacidade de comunicação e persuasão em outra língua”, lembra.
Outra diferença marcante para a jurisdição brasileira é a confidencialidade dos julgamentos. As sessões são feitas a portas fechadas, embora os fundamentos sejam publicados quando os juízes chegam a uma decisão. “É bem diferente dos julgamentos nacionais que são televisionados”, conta.
Martha diz que encara a experiência como ‘uma aventura com responsabilidade’. “Traz um tipo de motivação extra, é um desafio diferente”, avalia. “A carreira de magistratura no Brasil é apaixonante, eu amo o que eu faço aqui, mas eu comecei a trabalhar muito cedo e eu não considero realísticas as minhas chances de promoção. Então, é uma oportunidade de, ao mesmo tempo, viver outros ares, ter uma outra experiência, uma aventura com responsabilidade, mas ao mesmo tempo enriquecer a profissão daqui e enriquecer a ONU com a nossa contribuição”, diz.
Como o trabalho no tribunal da ONU não demanda dedicação exclusiva, Martha segue como juíza na 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. Como magistrada, adota uma linha de defesa da resolução consensual de litígios.
“Muitas vezes os conflitos têm origem não no que está ali perante o juiz, mas em alguma coisa que está ali subjacente. Eu percebi com a prática, isso depois de muitos anos de magistratura, que se a gente tiver uma ocasião, uma oportunidade de restabelecer o diálogo entre as partes conflitantes, muitas vezes elas próprias chegam a uma solução que às vezes é melhor que o julgamento. Porque o julgamento resolve o caso, põe fim estatisticamente ao processo, mas muitas vezes não resolve o conflito, não atende à necessidade humana de respeitabilidade”, defende.
No tribunal internacional, Martha tem mandato até 2023, sem possibilidade de renovação. Segundo a juíza, seu maior desejo é inspirar outros brasileiros que tenham vontade de construir uma carreira internacional.
“Eu espero que a minha atuação lá sirva para abrir caminho para outros brasileiros, latinoamericanos e, de modo geral, de países em desenvolvimento. Claro que tem toda uma trajetória, toda uma carreira pretérita que embasa e dá legitimidade para a candidatura. Mas se o meu percurso puder servir de inspiração para outras candidaturas eu vou ficar bem feliz. Esse é o meu objetivo: abrir caminhos”, conclui.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Política externa bolsolavista: a vergonha se amplia a cada dia - Jamil Chade

 Só pode ser por ideologia, e não por perversidade natural, pois não acredito que eles queiram provocar sofrimento ou mortes de mulheres e crianças (mas é o que acaba acontecendo). Sendo ideologia, é do tipo fundamentalista, ou seja, a mais estúpida que existe.

Eu me pergunto, por exemplo, como uma chefe de posto mulher pode defender de coração tais posições, ao ter de cumprir instruções de Brasília.

Eu me pergunto...

Paulo Roberto de Almeida

Brasil se alinha a islâmicos e ignora projeto na ONU para proteger mulheres



JAMIL CHADE

Colunista do UOL, 6/10/2020



O governo brasileiro não patrocinou uma resolução que será colocada à votação na ONU (Organização das Nações Unidas) para a proteção de mulheres e meninas em áreas de conflito ou crise humanitária. O Itamaraty ainda avalia se aliar a países islâmicos num esforço para esvaziar o texto.

O projeto de resolução deve ir à votação no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas entre terça-feira e quarta-feira e foi proposto por governos como o do Canadá, Uruguai e Suécia. Mas antes mesmo da votação, um total de 51 países se somaram aos autores da proposta.

Nos bastidores, governos tentam superar diferenças para permitir que o texto seja aprovado por consenso. As negociações devem se prolongar até o momento do voto. Mas o Brasil acenou que não irá se apresentar como um co-patrocinador.

As crises, aponta o texto, minam o acesso à Justiça para a população feminina. A resolução, portanto, insiste na necessidade de que governos assumam responsabilidades e indica que cabe aos países garantir o direito a uma resposta diante desses abusos.

O documento ainda aponta que governos precisam reconhecer que é de sua alçada assegurar que mulheres que tenham seus direitos violados possam também ter acesso aos mecanismos para remediá-los. Isso, na avaliação do texto, é uma "obrigação".

A resolução ainda pede que a ONU monitore a situação e faça uma avaliação sobre como governos podem proteger o pleno direito de mulheres e meninas em situações humanitárias.

Procurado, o Itamaraty não explicou o motivo pelo qual não patrocinou o texto. Diplomatas em Brasília, na condição de anonimato, indicaram que o Brasil tende a se abster se o texto for colocado sob votação e não houver um acordo.

Brasil não estaria satisfeito por responsabilidade recair sobre países que recebem imigrantes

Um dos motivos da resistência brasileira, segundo negociadores, é o peso que a resolução coloca sobre países receptores de imigrantes e refugiados. Para Brasília, tais obrigações criariam um desequilíbrio entre os países.

Apoiam o texto governos latino-americanos como o de Uruguai, Chile, República Dominicana e Equador, além de aliados conservadores do Brasil, como Hungria — que tem histórico inclusive de hostilização de imigrantes - ou Polônia.

O texto também destaca ainda que, em 2020, 168 milhões de pessoas precisam de proteção e ajuda humanitária e que, desse grupo, as mulheres e meninas são as mais vulneráveis.

O Brasil não está sozinho na hesitação. Em nome dos países da Organização de Cooperação Islâmica, o Paquistão apresentou 15 emendas para barrar alguns dos termos citados no texto e, assim, esvaziar trechos do documento que possam se referir às obrigações legais sobre os governos.

Governo vem boicotando discussões de saúde sexual e gênero

De acordo com diplomatas estrangeiros, o número elevado de emendas não é comum e foi interpretado como um sinal de protesto aos autores do texto.

A coluna apurou que o Itamaraty deve apoiar ou pelo menos se abster na votação de algumas dessas emendas. Instruções em Brasília ainda estavam sendo finalizadas na noite de ontem, deixando a sociedade civil apreensiva sobre o caminho adotado pelo governo.

A ausência do apoio do Itamaraty ao texto se soma a uma série de posturas polêmicas do governo que, ao longo dos últimos meses, tem vetado qualquer tentativa de textos oficiais citarem referências à saúde reprodutiva ou sexual, alegando que os termos abrem brechas para uma suposta legalização do aborto.

O governo também tem adotado uma postura de barrar termos como "igualdade de gênero" nos projetos, além de hesitar em dar seu apoio em debates sobre pessoas intersexo.

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domingo, 27 de setembro de 2020

Odorico, Severino e Bolsonaro na ONU - Vera Magalhães (OESP)

 Odorico, Severino e Bolsonaro

Vera Magalhães

O Estado de S.Paulo, 23/09/2020

 Brasil se destaca na ONU pela caricatura, e não pela diplomacia


Desde 1947 cabe ao Brasil abrir a Assembleia-Geral das Nações Unidas, na sede da ONU, em Nova York. O primeiro a fazer uso da prerrogativa foi OswaldoAranha. De lá para cá, nossa representação só deteriora. Com Jair Bolsonaro já são dois anos de negacionismo, mentiras e blablablá ideológico. Em 2019, presencial; ontem, em vídeo. Não importa, a vergonha é a mesma.

Infrutífero comparar as falas de Bolsonaro com outras igualmente infelizes de presidentes que o antecederam. De jaquetão e bigode engomado, José Sarney exibiu um inglês macarrônico. Mas não mentiu nem criou fantasias persecutórias aos olhos do mundo, nem tampouco exibiu desconexão completa da realidade.

Dilma Rousseff discursou várias vezes e sua fala recebeu merecidas críticas, por edulcorar os escândalos de corrupção que ajudaram a pavimentar seu impeachment, logo depois, por tergiversar com ataques à democracia em países de esquerda. Mas ela se conteve, por exemplo, e não falou em golpe ao discursar em abril, já às vésperas de ser afastada, para não levar assuntos domésticos e, mais, uma interpretação dos fatos, a um palco internacional.

Com Bolsonaro não há paralelo possível. Quando se pensava que nada poderia superar a fala do ano passado, na deste ano o presidente brasileiro disse cinicamente que o Brasil tem um dos melhores resultados no enfrentamento da covid-19, isso com mais de 137 mil mortos nas costas, enalteceu nossa política ambiental mesmo com a Amazônia e o Pantanal queimando aos olhos do mundo, converteu o auxílio emergencial em dólar e somou todas as parcelas para vender uma bonança dos mais pobres que é falsa e ainda inventou um conceito, a “cristofobia”, que, se bem explorado pelos seus ideólogos reacionários, pode fornecer mais empulhação para as eleições de 2022.


Diante de tal acervo de sandices, os paralelos possíveis com Bolsonaro na ONU se situam na ficção e no baixo clero, de onde o nosso presidente veio e de onde nunca teria saído em condições políticas normais.

A primeira referência é a antológica passagem de Odorico Paraguaçu, personagem do genial Dias Gomes, pelas Nações Unidas. Cercado de um séquito que incluía beatas fervorosas (também há as Cajazeiras do bolsonarismo), um puxa-saco caricato (candidatos a Dirceu Borboleta não faltam no Ministério) e o “capitão” Zeca Diabo (versão anos 80 de miliciano), o prefeito de Sucupira queria oferecer um terreno na cidade para que fosse construída a nova sede da ONU. Megalomania, ridículo e nacional-populismo na veia. Em 1983, pelo menos, era dramaturgia.

Outra passagem que lembra nos contornos patéticos as participações de Bolsonaro no fórum global foi a de Severino Cavalcanti em 2005, como presidente da Câmara, que cobri in loco. Então alvo do escândalo do “mensalinho”, em que era acusado de recolher propina de permissionários da Casa, o deputado pernambucano viajou com direito a séquito e limusine a Nova York e foi alvo de sistemática cobertura de imprensa.

O cerco a Severino, que se escondeu até no banheiro da ONU para fugir da imprensa, levou jornalistas de outros países a nos perguntarem quem era aquele homem para receber tanta atenção. Nos questionavam se ele estava envolvido no escândalo “Petróleo por Comida”. Mal sabiam que era comida por mensalinho mesmo, algo bem mais rastaquera.

Bolsonaro, com suas mentiras cínicas e deliberadas no momento mais grave da vida nacional neste século, rebaixa a Presidência a uma versão digital da Sucupira de Odorico. 

As agências de checagem já trataram de desmontar o discurso fake que ele fez. A mim restaram essas reminiscências envergonhadas. Levaremos anos para suplantar esse momento de rebaixamento do Brasil.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Sob pressão ambiental pela segunda vez, Bolsonaro dirá na ONU que foi bem na pandemia e que Brasil alimenta o mundo (BBC Brasil)

 Sob pressão ambiental pela segunda vez, Bolsonaro dirá na ONU que foi bem na pandemia e que Brasil alimenta o mundo

Mariana Sanches, BBC Brasil (de Washington), 21/09/2020

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/09/21/sob-pressao-ambiental-pela-segunda-vez-bolsonaro-dira-na-onu-que-foi-bem-na-pandemia-e-que-brasil-alimenta-o-mundo.htm

Bolsonaro grava vídeo em foto de 2019; discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU também será gravado, por conta da pandemia de coronavírus - Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro grava vídeo em foto de 2019; discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU também será gravado, por conta da pandemia de coronavírus Imagem: Marcos Corrêa/PR

Presidente brasileiro enviou discurso gravado para a abertura da Assembleia Geral da ONU, na próxima terça-feira.

Sob intenso escrutínio mundial por seu desempenho na condução do Brasil durante a pandemia de coronavírus e pelas queimadas na Amazônia e no Pantanal, ainda mais intensas do que em 2019, o presidente Jair Bolsonaroabrirá na próxima terça-feira (22/09), a 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

Em um discurso gravado ainda na semana passada, ele deve defender que o país não só teve um bom desempenho doméstico na crise sanitária como garantiu a segurança alimentar de um bilhão de pessoas ao redor do mundo graças ao agronegócio nacional, alvo real daqueles que criticam a atual gestão ambiental brasileira, segundo a interpretação do governo.

Condução da pandemia

Com mais de 4,5 milhões de infectados e 135 mil mortos por covid-19, o governo brasileiro adotou postura contrária a medidas de isolamento social e ao uso de máscara, recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e advogou por tratamentos à doença sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina.

Mas a recente tendência de queda no número de novos contágios e mortes no país deve dar a Bolsonaro subsídios para argumentar que a situação do Brasil parece sob controle.

Ele também deve dizer que graças à sua resistência em determinar a paralisação das atividades econômicas e ao auxílio-emergencial de R$ 600 mensais recebido por mais de 60 milhões de brasileiros, o chamado "coronavoucher", a economia brasileira seguiu em funcionamento e as perspectivas de recessão do país não são tão severas quanto as de outras nações emergentes, como a Índia.

O impacto do auxílio no bolso de parcela relevante da população é apontado por especialistas como uma das explicações para as taxas de popularidade atuais do presidente, que chegou a estudar meios para tornar permanente ao menos parte do programa.

"Bolsonaro vai defender sua atuação na pandemia e sugerir que as críticas a ela eram mera perseguição política", afirma a professora de relações internacionais Elaini da Silva, da PUC-SP.

Meio ambiente, indígenas e agronegócio

O presidente deve lembrar ainda que, mesmo diante da crise, o Brasil cumpriu um papel pelo qual merece respeito internacional: forneceu alimentos para uma série de países no mundo. O presidente tem dito que se tivesse continuado a fazer demarcações de terra indígena, essa produção não seria possível.

"A ONU queria que nós passássemos de 14% para 20% de território demarcado. Falei-lhes: 'Não'. Nós não podemos sufocar aquilo que nós temos aqui que tem nos garantido a nossa segurança alimentar bem como a de mais de um bilhão de habitantes do mundo", afirmou Bolsonaro em discurso na sexta-feira, 18, em Sinop (MT).

No ano passado, para contrapor acusações de que desrespeitava os direitos dos povos indígenas, Bolsonaro levou ao plenário da Assembleia Geral a jovem liderança indígena Ysani Kalapalo, que hoje se diz decepcionada com o presidente. E em seu discurso, atacou o líder indígena caiapó Raoni Metuktire, a quem acusou de ser manipulado por ONGs e governos estrangeiros com interesses escusos na Amazônia.

Durante a pandemia, a tensão entre governo e os indígenas se intensificou. A Organização Panamericana de Saúde (OPAS), braço da OMS nas Américas, afirmou que as populações nativas têm sido cinco vezes mais atingidas do que a média da população brasileira. E em relatório lançado em agosto, o relator especial da ONU sobre direitos humanos e substâncias e resíduos tóxicos, Baskut Tuncak, afirmou que "no Brasil, as comunidades Yanomami encaram uma crise existencial e sanitária pelo contato com mineradores ilegais".

Bolsonaro deve ainda dizer que as queimadas são processos naturais e que tem acontecido não só no Brasil, como nos Estados Unidos e na África. E que o agronegócio brasileiro é eficiente e não têm responsabilidade pela devastação. Como já fez no discurso na ONU no ano passado, Bolsonaro acusará os críticos de ter motivação protecionista. A pauta ambiental seria apenas uma desculpa para que países europeus fechassem seus mercados para produtos brasileiros.

Há cinco dias, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Dinamarca, Noruega, Países Baixos e Bélgica assinaram uma carta aberta endereçada ao vice presidente Hamilton Mourão em que se dizem "profundamente preocupados" com o desmatamento da Amazônia que "tem crescido em níveis alarmantes".

Quase 20% do Pantanal já foi destruído por incêndios. Já na Amazônia, as queimadas cresceram 12% esse ano. Mourão tem dito que o Brasil reconhece que há um problema, mas que não aceita interpretações "simplistas" do fato. Membros do alto escalão do Itamaraty que conversaram com a BBC News Brasil anteveem ao menos um momento de constrangimento brasileiro no evento.

Os diplomatas esperam ataques diretos ao país durante uma sessão da cúpula de líderes em biodiversidade. O chanceler Ernesto Araújo foi o escalado para rebater, em vídeo de 3 minutos, às possíveis críticas.

Líderes online

Pela primeira vez em seus 75 anos, a ONU não verá os discursos dos chefes de Estado ao vivo e presencialmente em sua sede em Nova York (EUA). Primeiro grande epicentro da pandemia em território americano, Nova York enfrentou um extenso período de quarentena que tem sido relaxado gradualmente.

Ainda assim, a ONU tem mantido boa parte de suas atividades diplomáticas em modo remoto. Apenas votações de resoluções em que não há consenso têm sido feitas por um integrante de cada delegação em plenário — a organização chegou a cogitar a possibilidade de votação online, mas países como a Rússia se opuseram por considerar haver risco de hackeamento.

E embora o presidente americano Donald Trump e ao menos uma dezena de outros líderes estrangeiros tenham expressado interesse de ir pessoalmente fazer o discurso, a organização da Assembleia Geral deixou claro que nenhuma autoridade seria dispensada de cumprir um rígido isolamento de 14 dias antes de poder se apresentar no púlpito, o que desencorajou os mandatários.

Normalmente apinhado de representantes, dessa vez o plenário da ONU terá apenas um representante da delegação fixa de cada país, responsável por apresentar o discurso de seu chefe de Estado antes da entrada do vídeo.

Menos agressividade

Integrantes do Itamaraty acreditam que o discurso do presidente será menos agressivo dessa vez do que no ano passado, quando ele quebrou o protocolo para afrontar nominalmente cidadãos de seu próprio país, como Raoni, e afirmou que sua eleição salvará o Brasil do socialismo. Alguns motivos explicam essa leitura. Naquele momento, poucos meses após a posse, argumentam os diplomatas, Bolsonaro precisava "marcar uma posição", "reposicionar o Brasil".

Agora é diferente. Nos últimos dois meses, o presidente tem adotado uma estratégia de comunicação mais moderada e menos verborrágica em suas falas públicas. Além disso, o próprio fato de o discurso ter sido gravado pressupõe a possibilidade de ensaio e de edição e evita mudanças de tom de último minuto, como aconteceu em 2019.

"Eu apostaria em uma atitude mais defensiva e menos virulenta. Digamos que um repeteco com menos brilho até porque ninguém deve dar muita importância ao discurso dele", afirmou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

Para a professora de relações internacionais Elaini da Silva, as ações de política internacional do governo no último ano, quando o Brasil passou a mostrar um alinhamento ideológico consistente com os Estados Unidos, acabaram por levar a um certo isolamento do país que devem tirar relevância do discurso de Bolsonaro.

"Pode haver até uma certa curiosidade antropológica das outras delegações. Mas tanto pela pandemia quanto pelas queimadas, o Brasil erodiu a autoridade que teria para falar aos outros países a partir de sua experiência, queimou muito 'soft power'", afirma Silva, mencionando um conceito da diplomacia que se refere à capacidade de influência cultural e ideológica de um país sobre os demais.

Trump

O discurso de Bolsonaro pode ser ainda eclipsado pelo de Donald Trump. Concorrendo à reeleição em menos de 50 dias, o republicano não deve desperdiçar a oportunidade de se dirigir diretamente ao eleitorado americano em seu discurso na Assembleia Geral da ONU.

Crítico ao multilateralismo, Trump tem atuado para fragilizar organismos internacionais como a própria ONU e, com mais intensidade, a OMS e a Organização Mundial do Comércio (OMC). No caso da OMS, o governo americano iniciou a retirada formal do país dos quadros da organização e não participa do consórcio de mais de 70 países para o desenvolvimento de uma vacina contra covid-19.

Trump acusa a OMS, a OMC e a própria ONU de terem sido ao menos parcialmente sequestradas pelos interesses chineses. No caso da OMS, o governo americano afirma que a organização foi "leniente"e "corrupta" na maneira como conduziu a crise do coronavírus, protegendo a China, que teria escondido a gravidade do vírus.

Entre diferentes delegações em Nova York existe a tensão de que em seu discurso na Assembleia, Trump possa ameaçar cortar fundos da ONU ou até algum tipo de retirada americana da organização. Essa poderia ser uma jogada política com ressonância em seu eleitorado. Trump afirma ser defensor dos Estados Unidos em primeiro lugar e explora uma certa confusão no público em geral sobre o que são organismos multilaterais e como eles lidam com a China, cuja aversão é hoje prevalente tanto entre republicanos quanto entre democratas.

O presidente americano ainda não definiu se fará seu discurso de forma gravada ou em transmissão online ao vivo.

"Se for ao vivo, as pessoas podem tratar como algo dito no improviso e não levar tão a sério. Mas se ele disser isso em um vídeo gravado, com um roteiro, é muito mais difícil retroceder ou ignorar ", disse Richard Gowan, Diretor do Grupo de Crises Internacionais da ONU ao site americano Político.

É também incerto se em seu próprio discurso Bolsonaro fará alguma menção à tentativa de reeleição de Trump, a qual apoia. Reservadamente, um embaixador brasileiro afirmou que qualquer menção seria totalmente não recomendada, especialmente porque Trump aparece em desvantagem nas pesquisas eleitorais e pode vir a perder para o democrata Joe Biden.

Um comentário sobre preferência por Trump em um evento de alto nível como a Assembleia Geral deixaria o Brasil marcado para estabelecer relacionamento com um novo governo americano, caso Biden vença.

"Mas a gente sabe como o Bolsonaro é. No apoio com o Macri, ele foi até o fim, mesmo quando já estava claro que ele ia perder a presidência argentina", diz o embaixador.


terça-feira, 18 de agosto de 2020

O sistema das Nações Unidas: notas sobre sua evolução - YouTube Paulo Roberto de Almeida

O sistema das Nações Unidas:
notas sobre sua evolução

Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: Notas para alocução oral, na abertura de um Simulado sobre as Nações Unidos para alunos do Colégio Sartre, de Salvador; finalidade: mensagem de vídeo; incluído no YouTube]

Sumário: 
1. A ONU é a melhor promessa, atualmente, de tentativa de substituir a força do direito pelo direito da força, que prevaleceu nas relações internacionais durante largo tempo.
2. A primeira tentativa, a Liga das Nações, ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1920, não conseguiu evitar guerras e invasões imperialistas de um país por outro, como por exemplo a invasão da Manchúria chinesa pelo Japão, em 1931, a da antiga Etiópia, chamada Abissínia, pela Itália em 1936, e, sobretudo, a anexação da Áustria e de partes da antiga República Tchecoslováquia, pela Alemanha nazista, em 1939, que precedeu à própria invasão da Polônia por Hitler em 1939, que inaugurou a Segunda Guerra Mundial, a mais terrível na história da humanidade, sobretudo pelo Holocausto.
3. A ONU foi organizada pelas nações vencedoras ao cabo dessa guerra, principalmente pelos Estados Unidos, pela União Soviética e pela Grã-Bretanha, com a agregação da França e da China no curso do processo, o que resultou na configuração do seu Conselho de Segurança, o seu órgão máximo, com esses cinco membros permanentes, e agora mais 10.
4. Estrutura da ONU: CSNU. AGNU, Ecosoc, comissões e agências especializadas, com alguma herança da Liga das Nações, como a OIT, e a formação de órgãos subsidiários ao longo dos anos; Bretton Woods é uma categoria especial, independente da ONU, em 1944.
5. Os países em desenvolvimento lutaram pelo princípio do tratamento especial e mais favorável, com uma interpretação mais flexível do princípio da reciprocidade; foi assim que se constitui a Unctad, em 1964, e a reforma do Gatt, agora integrado à OMC (que poderia existir desde 1948, ao final da conferência de Havana).
5. Missões de paz: de imposição e de manutenção de paz: exemplos
6. Conferências diplomáticas: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Direito do Mar (1996); Meio Ambiente e Desenvolvimento (1972, 1992); Habitação, Mulher. Raça...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3735, 17 de agosto de 2020
Incluído no YouTube (link: https://youtu.be/fzWo0GafCO8).