Emissão de gases pela pecuária é menor que o divulgado, diz estudo
Folha de S. Paulo, 5/12/2023
Há problemas, mas os diversos sistemas devem ser avaliados de formas diferentes
É o que mostram estudos de cientistas e de universidades que se debruçam sobre o tema. Esses relatórios influenciaram a elaboração de políticas, principalmente na União Europeia, tiveram ampla divulgação e moldam o comportamento de parte dos consumidores.
Como essas ações afetam diretamente os pecuaristas das Américas, o IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura) desenvolveu uma agenda para avaliar problemas sensíveis entre pecuária e meio ambiente.
Nem tudo está resolvido e ainda há muito para ser feito, mas os métodos de aferição da emissão provocada pela pecuária estão equivocados, segundo estudo do cientista Ernesto Viglizzo.
Denominado "Pecuária Bovina e Mudanças Climáticas nas Américas", o estudo foi apresentado no domingo (3) na Casa da Agricultura Sustentável, espaço montado pelo IICA na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Para Viglizzo, pesquisador sobre pecuária e mudanças climáticas, os estudos que definem a participação da pecuária na emissão de gás carbônico estão, na verdade, atribuindo ao setor emissões de outras atividades que vêm no pós-porteira, como transporte, processo industrial e distribuição.
Na avaliação dele, apenas as emissões relacionadas às atividades de produção da pecuária deveriam ser computadas para ela.
Manuel Otero, diretor-geral do IICA e que participou da apresentação do estudo, afirmou que a pecuária vem passando por importantes avanços na busca de redução dos impactos no solo, na conservação de água e na queda das emissões de carbono. "Temos que demonstrar isso nos foros internacionais, e é o que estamos fazendo", afirmou.
Para Viglizzo, se fossem computadas ao gado apenas as suas emissões biogênicas (o metano e o óxido nitroso, produtos da fermentação entérica), a emissão global de carbono ficaria abaixo de 5%.
O cientista afirma que os métodos de avaliação atuais permitem determinar os produtores que geram créditos de carbono, os que são neutros e os que emitem. É preciso valorizar os primeiros, que são parte da solução, afirma. Ele propõe que o crédito capturado na pecuária se transforme em uma commodity comercial.
A aferição da pecuária não deveria ser por tonelada de carne produzida por hectare, mas por balanço de carbono gerado na terra utilizada, segundo o cientista.
Renata Miranda, secretária de Inovação do Ministério da Agricultura brasileiro, que também participou das discussões na apresentação do estudo em Dubai, diz que não se pode fazer uma comparação da produção pecuária intensiva, como a da Europa, de onde surgem os estudos, com a extensiva, como a do Brasil.
Na pecuária intensiva do hemisfério Norte, há uma concentração de animais e, consequentemente, uma emissão maior de gás carbônico por hectare.
Na extensiva, há vários fatores que vão equilibrando o sistema e capturando carbono por meio da própria pastagem e da integração de culturas como lavoura, floresta e pecuária. Não faz sentido contabilizar o sistema de pecuária europeu com o nosso, afirma a secretária.
Para Viglizzo, não se trata de isentar a pecuária de seus efeitos negativos, mas outros setores sociais e econômicos geram impactos negativos ainda maiores sem uma compensação produtiva. A pecuária é chave para regiões pouco desenvolvidas, gera renda para os produtores e é uma fonte de alimentação.
Mas nem tudo está resolvido. Miranda diz que ainda há muito para ser feito para que a pecuária reduza o efeito estufa. É necessária uma eficiência produtiva. O Brasil, maior exportador mundial de carne bovina, tem poucos animais por hectare.
É preciso melhorar a pastagem e aprimorar a genética dos animais. Com isso, haverá uma redução de animais e uma produção maior de carne. Essa eficiência produtiva gera uma maior eficiência climática, afirma.
É preciso acelerar o processo de engorda e de diminuição do gado no pasto. Ganham os produtores, que terão menos gastos, e o clima, devido à emissão menor de carbono.
A União Europeia faz ameaças de restrições e penalização comercial, mas as Américas são um conjunto heterogêneo de países, os quais implementam sistemas diferentes de produção de carne bovina.
O estudo de Viglizzo mostra que a pecuária extensiva pode capturar de 0,25 a 0,63 tonelada de carbono por hectare por ano. Já a pecuária intensiva, um método muito utilizado no hemisfério Norte, tem um balanço negativo de até 6,5 toneladas de carbono por hectare. Segundo o estudo, cada sistema deve ser olhado de uma maneira.
Essas diferenças de sistemas devem ser levadas em consideração no momento da aplicação de penalizações ou restrições comerciais. Nas duas últimas décadas, vários estudos acadêmicos e científicos se tornaram eco do impacto supostamente negativo da pecuária, mas essa visão omite seletivamente a consideração de outros papéis e funções sociais que os sistemas de produção bovina desempenham no meio ambiente e nos ecossistemas, afirma o pesquisador.
Quanto ao desmatamento de florestas nativas, existe uma correlação entre pecuária e desmatamento no Brasil, no Paraguai e na Colômbia. Em alguns países, porém, o desmatamento está associado a outras atividades, inclusive à produção de soja, aponta o estudo.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/vaivem/2023/12/emissao-de-gases-pela-pecuaria-e-menor-que-o-divulgado-diz-estudo.shtml