Difícil que o novo chanceler se livre dos aloprados que controlam a diplomacia, porque simplesmente controlam o poder central. Ou seja, pisando em ovos...
Paulo Roberto de Almeida
Sob novo chanceler, política externa manterá conservadorismo e alinhamento a EUA e Israel
Sairão de cena, porém, combate a 'globalismo' e a 'narcossocialismo' e atritos públicos com China
Folha de S. Paulo | 30/3/2021, 20h16
O Itamaraty sob nova direção não vai dar nenhum cavalo de pau. Com o chanceler Carlos Alberto França em substituição a Ernesto Araújo, as mudanças serão mais de tom do que substância.
A Folha conversou com diplomatas próximos ao novo chanceler. Segundo eles, o Brasil não irá abandonar a aproximação com Israel, o posicionamento conservador em foros multilaterais, de oposição ao aborto e a políticas identitárias, alinhamento a países de direita como Hungria e Polônia, aposta na acessão à OCDE e em reformas na Organização Mundial do Comércio.
Mas sairão de cena o combate ao “globalismo” e ao “narcossocialismo”, fantasmas frequentemente invocados por Ernesto Araújo, a ojeriza às instituições multilaterais, e os atritos públicos com a China. Não haverá mais rompantes ideológicos, tuítes belicosos e brigas pueris.
França é, por natureza, um sujeito conciliador, boa praça, segundo diplomatas próximos a ele. Ele tende a diminuir a agressividade da política externa em questões nevrálgicas como China, Estados Unidos e meio ambiente. Resta saber qual será o grau de autonomia do novo ministro na condução do Itamaraty.
Sabe-se que o ministério continuará a ser comandado por um triunvirato. Na gestão Ernesto havia um comando compartilhado com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins. Os três se falavam frequentemente e coordenavam as ações. Com França, Eduardo e Martins, que chancelaram a indicação do novo ministro, continuarão na formulação de políticas.
A grande pergunta é: França, que não tem experiência em formulação de política externa, irá simplesmente seguir direcionamento de Eduardo e Martins, ou terá alguma latitude na condução do ministério?
O presidente Jair Bolsonaro escolheu França porque sua primeira opção, o embaixador do Brasil em Paris, Luis Fernando Serra, seria gongado pelas lideranças do Congresso, e porque tem uma “boa química” com o novo chanceler, que trabalhava no cerimonial da Presidência. França é também católico praticante, o que agradou a Bolsonaro.
Tradicionalmente, os diplomatas do cerimonial se aproximam do presidente. Foi assim com Paulo César de Oliveira Campos, o POC, que foi chefe de cerimonial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante seis anos, e com Frederico Araújo, que desempenhou a mesma função com Fernando Henrique Cardoso.
França está na chefia do cerimonial da Presidência desde o final do governo Temer. Ele atuou no planejamento da posse de Bolsonaro e também em viagens do presidente ao exterior.
Bolsonaro é inseguro socialmente e desconfiado. Com o convívio diário, França, tido como um tipo simpático e cativante, caiu nas graças do presidente. O fato de o diplomata ser inexperiente em formulação de política externa e não ter chefiado nenhuma missão no exterior é visto como uma vantagem, e não um problema. Nem Bolsonaro nem Eduardo querem alguém muito independente.
Uma das primeiras missões do novo chanceler será mostrar que, com a saída de Ernesto, as brigas públicas com a China são página virada. Interlocutores do ministro acreditam ser preciso fazer gestos nessa direção para o país.
Não significa fechar os olhos para a ameaça estratégica representada pela China, nem para as violações de direitos humanos no país, mas, sim, de ter uma relação pragmática.
Também prioritária será a recomposição da relação com o governo Joe Biden nos EUA. Ernesto havia sido criticado nominalmente pelo senador democrata Bob Menendez, líder do comitê de Relações Exteriores do Senado americano, por chamar os invasores do Capitólio de “cidadãos de bem”.
Uma ligação para o secretário de Estado, Antony Blinken, um meio de campo com o Congresso dos EUA e uma proposta minimamente ambiciosa na Cúpula do Clima que Biden vai realizar nos dias 22 e 23 de abril seriam algumas das medidas mais urgentes.
Diplomatas no Itamaraty estão comemorando a troca e esperam que a calma e a normalidade voltem ao ministério.
Mas o mesmo jeito conciliador que tranquiliza diplomatas pode colocar França em choque direto com o núcleo duro bolsonarista, que preferia Serra ou Nestor Forster, embaixador em Washington, para o cargo.
Segundo um dos integrantes da ala ideológica, “essa coisa de pacificador e discreto é exatamente o que a base bolsonarista não quer”. “Sabemos que ele [França] vai cumprir ordens no dia a dia, mas ninguém sabe as posições dele sobre ONU, Mercosul, globalismo, China, religião, os temas que realmente interessam à base bolsonarista.”