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quarta-feira, 5 de abril de 2017

Exportadores contra banqueiros: guerra civil a vista? - Roberto Gianetti da Fonseca



Exportadores vão pedir indenização bilionária por perda com ‘cartel do câmbio’
Associação de exportadores calcula em cerca de R$ 70 bilhões os prejuízos por conta da atuação de instituições financeiras influenciando as cotações do câmbio
O prejuízo dos exportadores teria sido de R$ 10 bilhões por ano

O Estado de S. Paulo, 5/04/2017

BRASÍLIA - Os exportadores brasileiros vão pleitear na Justiça uma indenização de aproximadamente R$ 70 bilhões por alegadas perdas provocadas pelo “cartel do câmbio”, um grupo de bancos investigado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por suspeita de haverem atuado em conjunto para manipular a cotação do câmbio no período de 2007 a 2013.
“Os exportadores receberam menos real por dólar e alguns até ficaram no prejuízo”, disse ao Estado o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Roberto Giannetti da Fonseca.
O valor exato da indenização ainda está sendo calculado. A estimativa toma por base as vendas médias anuais dos associados, de US$ 50 bilhões, e supõe que a perda provocada pelo cartel no período foi de R$ 0,20 por cada dólar exportado. Considerando esses dados, o prejuízo dos exportadores teria sido de R$ 10 bilhões por ano. Estão em andamento no Cade dois processos para investigar cartelização no mercado de câmbio. Um, envolvendo bancos internacionais, é desdobramento de investigações que correm nos EUA e que já resultaram em acordos nos quais os bancos desembolsaram US$ 5,6 bilhões.
O segundo processo foi aberto em dezembro e apura especificamente a atuação de instituições financeiras na manipulação da taxa no Brasil. Segundo informou o Cade à época, há “fortes indícios de conduta anticompetitiva” em pelo menos cinco instituições: BBM, BNP Paribas Brasil, BTG Pactual, Citibank e HSBC Bank Brasil. E há indícios de participação, “possivelmente em menor grau”, de outros cinco: ABN AMRO Real, Fibra, Itaú BBA, Santander Brasil e Société Générale Brasil.
O Cade investiga se operadores de câmbio dessas instituições combinaram preços para o dólar por meio de salas de “chat” de um serviço de informação num período que foi “pelo menos” de 2008 a 2012. Eles teriam, em alguns momentos, atuado “como se fossem um só player no mercado”.
Os exportadores analisam o melhor momento de ingressar com a ação na Justiça, dado que o caso ainda não foi decidido no Cade. Mas Giannetti acredita que o mais difícil, comprovar que existiu o cartel, já está feito. Há acordos de leniência em curso nos dois processos, confirmando que os bancos se organizaram para combinar uma taxa de câmbio. “O processo está bem fundamentado”, disse o presidente da Abicalçados, Heitor Klein, a respeito da iniciativa.
Consultados, BNP e BTG disseram que não iriam comentar. A assessoria do BBM disse que não localizou os porta-vozes responsáveis pelo assunto. O Bradesco, que adquiriu o HSBC, não se manifesta sobre assuntos que estejam sob avaliação administrativa ou judicial. O ABN Amro informou que não tem nenhum vínculo com o ABN Amro Real, adquirido pelo Santander em 2007. Citibank, Itaú BBA, Santander, Fibra e Société Générale não se pronunciaram até o fechamento desta edição.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Mercosul: Brasil deveria seguir sozinho segundo Roberto Gianetti da Fonseca (Veja)

O Brasil deve seguir sozinho
Entrevista: Roberto Giannetti da Fonseca
Duda Teixeira
Veja, 5/07/2014

O economista e ex-diretor da área internacional da Fiesp diz que é hora de deixar a enrolada e endividada Argentina de lado e fazer um acordo de livre-comércio com a União Européia

Por nove anos, o economista Roberto Giannetti da Fonseca foi diretor de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entidade que representa 41% do setor industrial nacional. Até o ano passado, quando deixou o cargo, trabalhou dentro dessa instituição para que o Brasil se abrisse para o mercado internacional. Aos 64 anos, ele agora se dedica a sua consultoria econômica, a Kaduna. "Por causa da decisão de priorizar o Mercosul, o Brasil ficou muito dependente das exportações para a Argentina", diz o economista. Para Giannetti, com o país vizinho à beira de um novo calote na dívida externa, fica claro quanto o Brasil se arrisca em não reduzir essa dependência.

A Argentina tem até o fim deste mês para pagar uma dívida com credores estrangeiros. Qual é o risco de o país dar o calote?

É bastante alto. A Argentina caiu em uma armadilha jurídica. No contrato de reestruturação da dívida, feito alguns anos atrás, há uma cláusula muito importante. Ela determina que os credores que aceitaram receber o valor da dívida com desconto devem ter um tratamento igual ao dos demais credores. A questão é que uma parte menor dos credores, que ficou com 8% do montante, obteve na Justiça americana o direito de receber os títulos pelo seu valor de face, ou seja, 100%. Se os outros, que aceitaram receber menos, agora também entrarem na Justiça, a Argentina terá de pagar o valor integral. Isso representaria uma dívida total de 100 bilhões de dólares, muito mais do que os 28 bilhões de dólares de reserva internacional que o país tem.

O que pode ser feito, então?

A única saída é negociar com aqueles que aceitaram o desconto e tentar retirar a cláusula. Ao mesmo tempo, é necessário convencer os outros fundos, chamados de abutres, a aceitar o valor de face, mas em um prazo mais longo.

O que aconteceria se a Argentina desse o calote?

Se o calote for inevitável, os argentinos estarão diante de uma crise da maior gravidade. Eles ficarão isolados do resto do mundo. Será uma situação caótica. Qualquer propriedade do Estado argentino no exterior — imóveis, navios e contas bancárias — poderá ser penhorada para pagar aos fundos abutres. A comunidade internacional, porém, se esforçará para evitar esse cenário. Deve haver uma nova renegociação, com a ajuda do FMI (Fundo Monetário Internacional) e de outras instituições. Para isso, a Argentina tem de se sentar à mesa sem arrogância, com humildade.

A palavra "abutre" não é exagerada?

Pode ser, mas a analogia não deixa de fazer sentido. Esses fundos compram títulos de dívida de países ou empresas em dificuldades por uma fração da cifra original. Depois, entram na Justiça e tentam ganhar o valor integral do devedor, arrancando o seu fígado. Pode-se não gostar deles, mas a realidade é que não há nada de novo nisso. Fundos mais agressivos existem em qualquer mercado. O erro por parte da gestão dos presidentes Néstor e Cristina Kirchner foi acreditar que eles não seriam um problema no futuro. Houve um certo descaso. O governo argentino deveria ter negociado antes com os administradores desses fundos e minimizado as dificuldades. Era algo que podia ter sido evitado.

Qual seria a conseqüência, para o Brasil, de um calote argentino?

As conseqüências não seriam financeiras, já que os investidores sabem muito bem diferenciar um país do outro. Os efeitos negativos ocorreriam mais no âmbito comercial. O mercado interno argentino está em franco declínio e é o destino de mais de 20% das nossas exportações de manufaturados, como peças de automóveis, sapatos e eletrodomésticos. Sem reservas em dólar, ou seja, se der o calote, a Argentina não terá como pagar esses bens. O volume do nosso comércio com a Argentina então cairia bastante. A perda em exportação de manufaturados pode chegar a 5 bilhões de dólares por ano.

No mês passado, o Brasil alterou o acordo automotivo com a Argentina. Antes, podíamos exportar sem imposto 1,95 dólar em carros e peças para cada dólar importado. Agora, ficou em 1,5 dólar para cada dólar importado. Ou seja, ficou mais caro exportar. Foi uma decisão acertada?

Qualquer acordo é melhor do que nada. Mas, se a crise chegar, nem essa ajuda terá efeito. Eles não terão como pagar o que importam de qualquer jeito.

Dar ênfase demais ao comércio com a Argentina foi um erro?

Certamente. Preso ao Mercosul, o Brasil deixou de assinar acordos de livre-comércio com outros países. Exportar 20% dos manufaturados para um país instável como o dos nossos vizinhos é muito arriscado. Se nossa economia fosse mais aberta, estaríamos exportando esse valor para países como Japão, Estados Unidos, Canadá ou para a Europa.

O Mercosul negocia um tratado de livre-comércio com a União Européia há catorze anos, mas a Argentina sempre atrapalha as conversas. Qual é a probabilidade de esse país embolar o jogo novamente?

Os argentinos sempre surpreendem na última hora. Deixam a negociação seguir para avaliar até onde o Brasil é capaz de chegar. Então, quando tudo está bem adiantado, dizem que não aceitam o que foi colocado na mesa. Em 2004, o Brasil chegou muito perto de fechar com a União Européia, mas aí houve o boicote da indústria argentina, que reclamou do risco de ter tarifas reduzidas cm relação aos concorrentes europeus. Houve uma sabotagem em um momento decisivo. Foi uma pena porque, enquanto o Mercosul fracassou, o México já havia feito um acordo com a União Européia quatro anos antes. O Chile concluiu o seu em 2003. O tratado com a Colômbia e o Peru entrou em vigor no ano passado. O elevado desempenho da economia desses países atualmente é resultado direto desses tratados. O Mercosul, contudo, foi na contramão e preferiu ficar isolado.

Pelas regras do Mercosul, o bloco só pode decidir por consenso. O Brasil está de mãos amarradas, ou há alternativas?

Os negociadores brasileiros deveriam ter assinado o acordo com a União Européia sem a Argentina, dando cinco anos para os nossos vizinhos se adaptarem à nova situação. Para fazer isso, há uma saída técnica. Bastaria usar o waiver, como é chamada a possibilidade de abrir uma exceção quando os membros do bloco não chegam a um consenso. Isso permitiria ao Brasil sintonizar os ponteiros com a União Européia em condições privilegiadas. Paraguai e Uruguai têm interesses semelhantes aos nossos e certamente iriam aderir de imediato. Não podemos mais responsabilizar a Argentina porque as coisas não avançam. A culpa é toda nossa, porque temos realmente todos os argumentos técnicos e jurídicos para concretizar o acordo. Negociar tratados é uma atitude soberana de cada país. É verdade que a Argentina prejudica o andamento das conversas, mas isso não deve ser um impeditivo aos demais membros do Mercosul.

Qual é a conseqüência da decisão do Brasil de fazer tudo em bloco e se contentar com os tratados de livre-comércio que o Mercosul já assinou?

Uma das desvantagens competitivas das empresas brasileiras atualmente é que elas não têm acesso facilitado a vários mercados. Nossos produtos, por pagarem taxas de importação maiores, tornam-se caros e são preteridos por consumidores e indústrias de outros países. Nossos concorrentes mexicanos, chilenos, colombianos ou malaios, que fizeram tratados de livre-comércio, vendem seus produtos mais barato em todo o planeta. Em geral, as indústrias brasileiras perdem para esses rivais tanto em preço quanto em tecnologia. Antigamente, os carros produzidos no Brasil eram bastante competitivos. A Fiat, a Volkswagen e a General Motors vendiam automóveis à China, à Europa e à África.
Hoje é impossível imaginar isso. Na comparação com outros veículos, o nosso é muito caro, porque todos os insumos têm preço elevado e trazem uma tecnologia defasada.

Qual tem sido o impacto da perda de mercados internacionais dentro do Brasil?

Nossa dificuldade de exportar manufaturados está criando uma situação perigosa, que é a especialização da produção. Em vez de o Brasil ter uma indústria diversificada e ampla, passa a se concentrar em alguns nichos, no agronegócio e na produção de minérios. Eu não sou contra o desenvolvimento dessas áreas. O problema é que elas não são suficientes para um país do porte do Brasil.

Por que não são suficientes?

Um país com o tamanho do nosso pode e deve ousar muito mais. Até porque, nos anos 1970 e 1980, o Brasil foi um dos líderes mundiais na exportação de manufaturados, de baixo e médio nível tecnológico, e também de bens de consumo. O pais se saía muito bem na competição com a Coreia do Sul, com a China ou com a Malásia. A indústria nesse tempo era pujante e gerava bons empregos, com bons salários. Alguns especialistas têm dito que não há evidência empírica de que a indústria tenha melhorado o padrão de vida das sociedades. Essa afirmação é absurda. Na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Alemanha, foi a revolução da indústria que alçou esses países aos patamares elevados que desfrutam hoje em termos de hegemonia econômica e bem-estar. Existe uma ou outra exceção à regra, como Singapura, mas trata-se de uma ilhota com 5 milhões de habitantes. Singapura pode viver de serviços porque nem sequer há onde instalar uma zona manufatureira. Em uma nação da dimensão do Brasil, com 200 milhões de habitantes, isso seria inviável. Os empregos fornecidos pela indústria são fundamentais para o desenvolvimento do nosso país.

O desemprego no Brasil está em um nível considerado baixo, de cerca de 7%. Como isso é possível se a indústria enfrenta problemas?

Mais do que olhar esse número, é preciso observar a qualidade dessas vagas. Os melhores empregos são os industriais, que exigem uma formação profissional. Anualmente, o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) forma 3,5 milhões de técnicos no pais. A questão agora é: por que investir neles se depois não haverá emprego na indústria? Nosso setor de eletroeletrônicos, por exemplo, sumiu. Em 2006. o Brasil exportou 2,6 bilhões de dólares em celulares. No ano passado foram apenas 147 milhões de dólares, segundo a consultoria Teleco. Milhares de bons empregos desapareceram. As vagas que estão em ascensão são aquelas de meio período, de baixa qualidade, sem produtividade. O brasileiro que pensa que isso não tem nada a ver com sua qualidade de vida no futuro está enganado. O salário que ele conseguirá e o valor dos produtos que terá condições de comprar dependem diretamente da solução ou não desse problema. Esse é o ponto.

É justo concluir que os empresários brasileiros apoiam o protecionismo estatal por medo de competir?

Alguns setores certamente não estão preparados para concorrer com importados mais baratos. Outras políticas devem ser postas em prática, como a desoneração plena e permanente de tributos na exportação. Também seria necessário melhorar a qualidade dos portos, ferrovias e estradas. Essas medidas, em conjunto com a abertura da economia, proporcionariam crescimento econômico e gerariam empregos de qualidade. A curto prazo, a exposição maior ao mundo traria competição forte. Mas essa dificuldade inicial depois seria recompensada. Achar que políticas isolacionistas podem funcionar para sempre é uma ilusão. Os empresários brasileiros sabem que, se ficarem limitados ao Mercosul, seus produtos se tornarão velhos e suas empresas não terão perspectivas a médio e longo prazo.

Quanto tempo os empresários brasileiros levariam para se adaptar, se um tratado com a União Européia fosse assinado?


Se tudo for benfeito, três ou quatro anos. Um mandato presidencial seria suficiente.