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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sem filigranas diplomaticas - continuidade de um caso confuso (Brasil-Iran)

Cada vez que o assunto é abordado, nos meios oficiais ou pela imprensa, tem-se a impressão que se trata de um diálogo de surdos, ou melhor, de pessoas que não querem ouvir.
De vez em quando alguém que não sabe falar também mete a sua colher no assunto.
E assim vai se aprofundando a confusão, até o desenlace fatal...
Paulo R. de Almeida

Ministro de Lula chama líder do Irã de ditador e diz que Brasil segue negociando asilo a Sakineh
De São Paulo
Folha.com, 16.08.2010

O governo brasileiro continua "pressionando diplomaticamente" o "ditador" do Irã para que enviar ao Brasil a iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, 43, condenada por adultério e sentenciada à morte por apedrejamento, afirmou o ministro brasileiro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, nesta segunda-feira em São Bernardo do Campo (SP).

"O governo Lula está pressionando diplomaticamente o governo iraniano para que permita que ela venha para o Brasil. E se esse ditador [o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad] tiver um mínimo de bom senso, deveria permitir que ela venha morar no Brasil e seja salva", disse Vannuchi.

Para Vannuchi, o Brasil é o único país que pode negociar com o Irã, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, junto com o governo turco, ter mediado as negociações entre o Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica pelo programa nuclear iraniano.

Brasil e Irã trocaram várias mensagens nas últimas semanas pelo caso de Sakineh Mohamadi Ashtiani, 43 anos, mãe de dois filhos, condenada à morte por apedrejamento no Irã por adultério e também acusada de homicídio.

A sentença de apedrejamento contra Sakineh levou à condenação internacional e a grande pressão contra Teerã. O país adiou a execução da condenação, mas acrescentou ao processo uma acusação de participação no assassinato de seu marido, em 2005. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mantém um diálogo aberto com o Irã, ofereceu asilo a Sakineh no Brasil.

OFERTA DE ASILO
No dia 31 de julho, o presidente Lula disse que iria usar sua "amizade" com Ahmadinejad para propor que a iraniana tivesse asilo do Brasil. Três dias depois, Ramin Mehmanparast, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, disse que Lula fizera a oferta, provavelmente, com base em informações erradas.

No último dia 9, o embaixador brasileiro no Irã, Antônio Salgado, se reuniu com o governo local para apresentar aos canais oficiais, formalmente, a oferta de asilo à iraniana. A visita é um recurso conhecido diplomaticamente como gestão, quando o ministro das Relações Exteriores ou mesmo o presidente de um país manda o embaixador procurar a chancelaria da capital onde atua para estabelecer relações formais.

Dias depois, diplomatas disseram que não faz sentido Teerã aceitar a oferta brasileira, já que Sakineh é uma iraniana criminosa condenada.

ABRIGO A CRIMINOSOS
O governo do Irã questionou nesta segunda-feira as "consequências" da oferta brasileira de asilar uma iraniana condenada à morte por apedrejamento, e perguntou se o "Brasil precisará ter um local para criminosos de outros países", em uma nota emitida por sua embaixada em Brasília.

"Em relação à presença ou ao exílio [da condenada] Sakineh Mohamadi no Brasil, é necessário considerar alguns pontos e questões significativas. Quais são as consequências desse tipo de tratamento aos criminosos e assassinos?", questiona o governo do Irã em seu comunicado.

"Esse ato não promoverá e não incitará criminosos a praticar crimes?", completou.

"Será que a sociedade brasileira e o Brasil precisarão ter, no futuro, um lugar para os criminosos de outros países em seu território?", questionou.

Segundo a nota divulgada nesta segunda-feira, o Irã "considera as declarações e o chamado" de Lula "um pedido de um país amigo", que atribuiu a "sentimentos puramente humanitários" do presidente brasileiro.

OFERTA RECUSADA
O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, afirmou nesta segunda-feira que não vai enviar Sakineh ao Brasil. "Eu acho que não há necessidade de criar problema para o presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva] e levá-la ao Brasil", disse Ahmadinejad.

Em entrevista divulgada na televisão iraniana de língua inglesa Press TV, Ahmadinejad disse acreditar que não há necessidade de enviar Sakineh ao Brasil e afirmou esperar que o assunto "seja resolvido". Ele não deu mais detalhes.

"Há um juiz no fim do dia e os juízes são independentes. Mas eu falei com o chefe do judiciário e o judiciário também não concorda com a proposta do Brasil", disse Ahmadinejad.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Apedrejamentos politicos (vai faltar pedra...)

QUEM ATIRARÁ A PRIMEIRA PEDRA?
Mario Guerreiro (9.08.2010)

Como tem sido noticiado pela mídia, Sakineh Mohammadi Ashtiani, tendo sido surpreendida num ato de adultério, já recebeu 99 chibatadas na prisão e foi condenada pela lei islâmica do Irã ao apedrejamento público. É a lei do cão! E por falar em cão, o “piedoso” Ahmadinejad está cogitando em mudar essa sentença de morte por outra sem derramamento de sangue: a forca.
A notícia deixou os países civilizados de todo mundo simplesmente estupefatos e altamente indignados com a retrógrada e draconiana lei islâmica. E este não é o primeiro caso de lapidação pública de mulheres nem será o último!
Essa mesma lei não só pune o adultério – como punia até recentemente nosso Código Penal – mas também prevê essa forma bárbara de execução – coisa que a legislação em nosso país jamais acolheu, mesmo quando ainda éramos regidos pelas Ordenações Manuelinas e Filipinas nos tempos coloniais.
Como se sabe, tanto israelitas como islâmicos são descendentes do patriarca Abraão e, assim sendo, não é de surpreender que, nos tempos bíblicos, compartilhassem costumes e leis semelhantes..
Desse modo, o apedrejamento público de adúlteras - mas não o de adúlteros! - era comum a ambos os povos, o que mostra que a referida lei, além de crudelíssima, não respeitava a isonomia dos sexos. Todos os homens eram iguais perante a lei, mas as mulheres eram “menos iguais” do que eles.
Sabemos disso, porque no Novo Testamento há uma passagem em que Maria Madalena, tendo sido apanhada em adultério – coisa que não diferia da prostituição – estava para ser apedrejada quando Cristo intercedeu a seu favor mostrando a multidão uma pedra e dizendo: “Aquele que, entre vós, que estiver isento de pecado que atire a primeira pedra”.
Seguindo a tradição, hoje em dia no Irã quem atira a primeira pedra é o juiz que condenou a adúltera, acumulando assim as funções de magistrado e carrasco, exatamente como fazia Che Guevara nos tribunais do povo logo após a vitória de Fidel Castro. Com a diferença de que esse “herói” revolucionário nunca atirou a primeira pedra em adúlteras; disparou as balas de sua pistola na cabeça dos “inimigos do povo”, entenda-se: desafetos políticos da revolução comunista.
É claro que Cristo não aprovava o adultério, mas não aprovava também o caráter extremamente cruel da pena, assim como muitos séculos mais tarde o grande reformador do direito penal, Cesare Beccaria (1738-1794), procurou depurar a legislação de penalidades com requintes de crueldade, mesmo para homicídios com a mesma qualificação. Daí para diante, a Lei de Talião não teve mais lugar na legislação de países civilizados.
Tanto israelitas como cristãos parecem ter acolhido o ensinamento de Cristo, pois tanto em países cristãos como em Israel essa forma bárbara de execução não faz parte das legislações nem dos costumes de ambos.
Assim como ambos fizeram uma separação da legislação em relação à religião, embora tenham mantido como disposição geral algumas normas estabelecidas pelos Dez Mandamentos tais como: Não matar, não roubar, não prestar falso testemunho, etc – normas razoáveis provenientes do direito natural.
Como se sabe, a legislação da maior parte dos países ocidentais tem suas raízes no direito romano onde vigiam essas mesmas normas da lei mosaica, mas a legislação dos países muçulmanos tem suas raízes no Corão, à exceção da Turquia onde o Estado é laico graças ao grande líder Mustafá Kemal, Atatürk (Pai dos Turcos) (1881-1938) até hoje amado por seu povo.
Será que o apedrejamento de adúlteras e prostitutas é um mandamento religioso do Corão ou coisa proveniente dos mais bárbaros costumes islâmicos xiitas? Isto é algo que confessamos ignorar, mas é também algo que se encaixa como a mão e a luva com uma visão da história comparada do Ocidente e do Oriente Médio.
Na Idade Média, em que se batiam nas Cruzadas mouros e cristãos, não havia muita diferença em relação a alguns traços marcantes da mentalidade de ambos. Um queria converter o outro pela espada e ambos diziam se tratar de uma Guerra Santa ou Jihad. Aos olhos de Javeh e/ou de Allah, é impossível que ambos estivessem certos, mas perfeitamente possível que ambos estivessem errados.
Apesar de os Estados nacionais europeus serem confessionais, havia uma independência dos direitos nacionais em relação à religião. Um exemplo disto pode ser encontrado na figura jurídica da legítima defesa, coisa que nenhuma hermenêutica escabrosa poderia extrair da Bíblia, uma vez que é proveniente do direito romano.
Apesar disso, os Estados nacionais não só a adotaram como também os teólogos católicos estenderam seu âmbito de aplicação da esfera individual à coletiva, pela sustentação do direito dos povos se defenderem quando atacados por outros.
Com o advento da Idade Moderna, os Estados foram deixando de ser confessionais, coisa que só ocorreu, no mundo islâmico, no caso da Turquia quando ruiu o Império Otomano na Primeira Guerra e ela se transformou numa república sob o regime parlamentarista.
A passagem do sistema feudal para o mercantilismo e, posteriormente, a dos regimes absolutistas para monarquias constitucionais, o surgimento da ciência moderna no século XVI, etc. modificaram significativamente a mentalidade européia e posteriormente a da sua caudatária no Novo Mundo.
No entanto, temos a impressão de que os países islâmicos não acompanharam essas grandes transformações.
Não só permaneceram Estados confessionais - tendo como única fonte de direito o Corão e os Haddith (episódios edificantes da vida de Maomé) - como também continuaram mantendo costumes retrógrados e cruéis - como o apedrejamento de mulheres adúlteras. Além disso, perpetuaram monarquias absolutistas sob a égide do direito divino dos soberanos. “Califa” em árabe quer dizer “sucessor”. No caso, sucessor de Maomé...
Com o final da bipolaridade entre o mundo capitalista capitaneado pelos Estados Unidos e pelo mundo comunista capitaneado pela União Soviética, alguns autores começaram a falar de uma nova bipolaridade: a existente entre os países ricos do hemisfério norte e os pobres do hemisfério sul.
No entanto, Samuel Huntington procurou mostrar que a nova bipolaridade era outra: um conflito de civilizações, a hebraico-cristã e a islâmica. Embora seja controversa a idéia de que essa seja a principal forma de tensão mundial, não há dúvida de que esse conflito de mentalidades não só existe como também tem se mostrado crescente, principalmente em países da Europa onde para cada membro da civilização ocidental que nasce há seis muçulmanos vindo ao mundo!
Supondo que esse ritmo de crescimento populacional se mantenha por uns quinze ou vinte anos – e por enquanto tudo leva a crer que se manterá – a população de muitos países europeus contará com uma maioria de muçulmanos elegendo como seus representantes políticos candidatos muçulmanos e/ou simpáticos à causa do Islã. Surgirá, então, a Eurábia com sua capital: Parislã. Não será o fim do mundo, mas certamente o fim da picada!
Mas voltemos ao caso de Sakineh. Como sempre – e desta vez com toda a razão! – entidades protetoras dos direitos humanos, em todo mundo civilizado, protestaram veementemente contra essa inominável crueldade.
Entre nós, Lula deixou momentaneamente de lado seu frenético ativismo como cabo eleitoral de Dilma – coisa que já lhe rendeu de 8 multas do STF! - e imbuído do “mais nobre espírito de caridade cristã” - coisa que sempre rendeu bons dividendos eleitorais em Terra Brasilis – fez um candente apelo ao aliado político e amigo pessoal Ahmadinejad.
Disse que o Brasil receberia de braços abertos Sakineh, caso o líder iraniano resolvesse comutar sua pena por uma extradição. Afinal de contas, o adultério, embora não tenha deixado de fazer parte dos costumes, já não é mais crime no Brasil.
No entanto, numa entrevista em que revelou seu pedido a Ahmadinejad, Lula foi imediatamente indagado sobre o que pensava sobre os direitos humanos no Irã. Disse que respeitava a soberania das nações, coisa que acarretava não se imiscuir nos seus direitos nacionais.
De onde se pode inferir que se amanhã o Irã decidisse fazer uma lei arrancando a língua dos dissidentes e amputando as pernas dos que fizessem movimentos de protesto pacífico contra o status quo, estaria tudo bem e nenhum país estrangeiro teria nada a ver com isso. Teria que ficar de biquinho fechado, não podendo exercer nem mesmo o famoso “jus esperniandi” universal.
Todavia, embora se mostrasse respeitador da soberania das nações no caso do Irã, Lula não se mostrou do mesmo modo no caso de Honduras em que o golpista Manuel Zelaya tentou se perpetuar no poder, foi defenestrado do mesmo por um contragolpe, mas foi recebido na embaixada brasileira em Tegucigalpa, não com um pedido de asilo – coisa que este mesmo poderia ter feito, mas se recusou a fazer – porém na condição de hóspede, como se uma embaixada brasileira fosse um hotel internacional para golpistas patrocinados por Hugorila Chávez, contrariando assim os mais elementares princípios do direito internacional e da diplomacia!
Todavia, esse mesmo espírito piedoso que apelou para a clemência de um tirano muçulmano se omitiu vergonhosamente, em sua recente visita a Cuba, no caso das vítimas da ditadura de Fidel Castro. E ao saber que uma delas acabava de morrer em virtude de uma greve de fome, declarou que essa não era uma forma válida de protesto político, embora ele mesmo já tivesse feito greve semelhante quando da sua prisão durante o regime de exceção. Mas, como declarou indignado um companheiro de cela, não sem levar umas balinhas no bolso para tapear a fome...
Numa entrevista por e-mail para a Folha de São Paulo, Mahnaz Afkami – diretora-executiva da Foundation for Iranian Studies dos Estados Unidos – declarou: “A oferta do presidente Lula sem dúvida tem efeitos muito positivos para Sakineh. Isso terá um impacto na decisão deles [governo iraniano]. [Independentemente] se Sekineh poderá deixar ou não o Irã, o mais importante é que a oferta brasileira fez o máximo possível para salvar sua vida”
E também para aumentar o prestígio internacional fabricado pela propaganda de Lula, tendo como “conseqüência não-pretendida” de tal gesto magnânimo angariar votos para sua candidata: Dilma Roussef. A desfaçatez, a hipocrisia e a arrogância de nosso maladroit et gauche presidente parecem desconhecer limites...

sábado, 31 de julho de 2010

Diplomacia da avacalhacao; ops, perdao, da nao-intervencao...

Para não virar avacalhação, atitude se converte em participação conivente...

O presidente que exige uma mulher no Planalto nega socorro à mulher condenada à morte por apedrejamento
Augusto Nunes, Direto ao Ponto
30/07/2010 - às 19:20

Até na morte por apedrejamento o Irã dos aiatolás consegue ser mais brutal com as mulheres. Os homens, enterrados até a cintura, ficam com os braços livres para proteger o rosto. Nem isso será permitido a Sakineh Mohammadi Ashtiani, viúva de 43 anos, já punida com 99 chibatadas e agora à espera do ritual instituído em 1983. O Código Penal determina que as mulheres sejam enterradas até a altura do busto, com as mãos amarradas por cordas e o corpo envolvido por um tecido. Não podem sequer defender-se das pedras atiradas a curta distância sob o olhar da multidão reunida na praça.

O grupo de executores, liderado pelo juiz que assinou a sentença, inclui os jurados que ordenaram a condenação, parentes da vítima, figurões da comunidade e voluntários anônimos. Todos são homens: no Irã, mulheres não apedrejam; só podem ser apedrejadas. Para que a plateia não se sinta frustrada pela morte rápida, as pedras que circundam o alvo são pequenas. O juiz atira a primeira. A agonia que se encerra com o traumatismo craniano não dura menos que uma hora.

Tanto pelo espetáculo da perversidade primitiva quanto pela ausência de motivos para a condenação, o caso de Sakineh provocou uma intensa mobilização na internet. Como em quase todos os países, multidões de brasileiros decidiram lutar pelo cancelamento do espetáculo da barbárie. E alguém teve a ideia de lançar a campanha “Liga, Lula”, inspirada na convicção de que Mahmoud Ahmadinejad não se negaria a atender a um pedido de clemência formulado pelo amigo brasileiro.

Lula também acha que ouviria um sim. Mas não vai ligar. Caso ligasse, não iria além de observações sobre o método escolhido para o assassinato. “Eu, sinceramente, não acho que nenhuma mulher deveria ser apedrejada por conta de… ter, sabe, traição”, gaguejou nesta quarta-feira. Adultério – ou “traição”, prefere Lula – não chega a ser um crime hediondo, certo? Se é assim, estariam am de bom tamanho a cadeira elétrica, uma injeção letal, a câmara de gás, até mesmo a forca. Matar a pedradas pode parecer um exagero aos olhos dos ocidentais, talvez ponderasse na conversa telefônica.

Mas a conversa não haverá, sublinhou a continuação da discurseira. “Um presidente da República não pode ficar na internet atendendo tudo que alguém pede de outro país”, justificou-se. “Veja, eu pedi pela francesa e pelos americanos que estão lá, pedi para a Indonésia por um brasileiro, pedi para a Síria por quatro. É preciso cuidado, porque as pessoas têm leis, as pessoas têm regras, as pessoas, sabe… Se começam a desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes, vira uma avacalhação”.

Avacalhar quer dizer desmoralizar, ridicularizar, tratar desleixadamente, não levar a sério. Não combina com a história de Sakineh. Mas a expressão usada pelo campeão da vulgaridade se ajusta admiravelmente ao próprio governo: a Era Lula é uma avacalhação. Há sete anos e meio, em seus vários significados, o verbo é conjugado o tempo todo pelo governo em geral e pelos condutores da política externa em particular.

Lula se desmoraliza ao tratar como problema político uma causa humanitária. Para defender o parceiro, virou ajudante de carrasco. Não pode ser levado a sério alguém incapaz de compreender que os direitos humanos prevalecem sobre todas as leis ou regras. Lula encara dramas com desleixo e participa de chanchadas com muita aplicação. É ridícula, enfim, a argumentação invocada para mascarar a verdade escancarada. Para recusar ou endossar pedidos, para estuprar ou tratar respeitosamente normas legais, Lula não se orienta por princípios. Segue a partitura do hino à avacalhação.

O que importa é a conveniência eleitoreira, o parentesco ideológico, a cumplicidade mafiosa. Fidel Castro, por exemplo, emplacou três pedidos em três anos. Foi para atender ao ditador-de-adidas que o presidente autorizou a deportação dos pugilistas Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, fez que não leu a carta da blogueira Yoani Sanchez e acusou o preso político Orlando Zapata de se se deixar morrer no 85° dia da greve de fome. Hugo Chávez emplaca todos, até os que declamados ao som da lira do delírio. Foi para agradar ao bolívar-de-hospício que Lula violentou as leis de Honduras e transformou em pensão a embaixada brasileira. É para ajudar o comparsa venezuelano que hostiliza o governo colombiano e afaga as FARC.

Para eleger Dilma Rousseff, tornou-se um colecionador de delinquências eleitorais. Para fechar negócio com José Sarney, promoveu-o a homem incomum. Para chegar à presidência, exigiu que os corruptos fossem justiçados. Para consolidar-se no poder, tratou de nomeá-los amigos de infância. No momento em que se recusou a estender a mão a Sakineh em respeito às leis do Irã, estava ajudando Hugo Chávez a desrespeitar as leis da Colômbia. Enquanto o chefe adulava os narcoterroristas das FARC, o ministro Celso Amorim tentava estuprar a legislação israelense que proíbe a entrada na Faixa de Gaza de autoridades estrangeiras que podem ser utilizadas pelo Hamas como peças de propaganda.

Lula acha que uma brasileira merece a Presidência sobretudo por ser mulher. Mas acha que não merece misericórdia uma iraniana que só foi condenada à morte por apedrejamento porque é mulher. Anda chorando quando lembra que a longa temporada no poder está acabando. Não se comove com a prisioneira angustiada com a aproximação do fim macabro. Pune brasileiros que dão palmadas nos filhos. Absolve iranianos que matam a pedradas.

O candidato sem chances ao Nobel da Paz nem imagina o que é um humanista. Desde sempre fez a opção preferencial pelos pastores da violência. Dilma Rousseff acha que todas as mulheres devem apoiá-la porque é mulher. Não deu um pio sobre a saga da iraniana que vai morrer por ser mulher. Lula só pensa em Lula. Dilma não consegue pensar.

Como Sakineh, o Brasil merece e precisa ser salvo. Ela depende da solidariedade internacional para livrar-se do horror. O país só depende da sensatez dos brasileiros.

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O que é avacalhação
Coluna Carlos Brickmann
Coluna de domingo, 1º de agosto de 2010

Avacalhação, conforme nos ensina aquele a quem o chanceler Celso Amorim chama de "Nosso Guia", o presidente Lula, é apelar para que seu aliado, o presidente do Irã, suspenda a pena de morte por apedrejamento contra uma mulher iraniana, Sakineh Ashtiani. Qual foi o horrível crime cometido por ela? Depois de levar 99 chibatadas, ela confessou ter cometido adultério (depois de 99 chibatadas, quem não confessaria?). "As pessoas têm leis, as pessoas têm regras, as pessoas, sabe, se começarem a desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação", ensina nosso presidente.

Já considerar que um amplo movimento popular contra a fraude eleitoral no Irã é chororô de torcedor que perdeu o jogo, isso não é avacalhação.

Também não era avacalhação apelar pelo líder sindical Lula e por tantos de seus companheiros (hoje no Governo), que foram presos de acordo com as leis vigentes na época da ditadura militar brasileira.

Também não é avacalhação, de acordo com o presidente Lula (e assessores como Top Top Garcia), considerar que as denúncias da Colômbia sobre a presença de narcoguerrilheiros colombianos na Venezuela, sob a proteção e com apoio do presidente Hugo Chávez, são apenas um problema pessoal entre dois presidentes. As denúncias colombianas podem ser falsas, podem ser verdadeiras, é preciso analisá-las, verificá-las. Mas não podem ser tratadas com leviandade.

A avacalhação, como a define Lula, pode também chamar-se seriedade.