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quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Política externa universalista? - Sergio Couri (FSP)

 TENDÊNCIAS / DEBATES

Sergio Couri

Política externa universalista?

A partir de agora, fecham-se os espaços para casuísmos e improvisações

FSP, 8.nov.2022 às 21h00

A política externa brasileira dita "universalista" teve seu berço em 1960, quando Jânio Quadros rompeu relações com os "bálticos" —como eram conhecidos os governos dos países do Leste Europeu no exílio— e enviou à região a missão Dantas.

Assentou-se em um olhar igual para o Ocidente, para aquele conjunto de países da Europa Oriental e para o terceiro mundo. Após 1990, com o fim do conflito leste-oeste, saem de cena os segundos como bloco político e entram em cena os emergentes asiáticos.

De uma ótica de longo prazo, o universalismo tem sido o parâmetro maior da política externa brasileira. Seus movimentos básicos são a política externa independente, quando a política interna se desloca da direita para a esquerda, e o pragmatismo responsável, se no sentido inverso.

Está sujeito, não obstante, a oscilações, como a participação do Brasil, em 1965, na Força Interamericana de Paz da OEA que interveio na República Dominicana —um recuo aos anos 1946-60, quando a Guerra Fria impunha ao Brasil estratégia de alta coesão com os Estados Unidos. "Não culpe o Itamaraty pelo que faz o Laranjeiras", diria o chanceler Vasco Leitão da Cunha ao receber do embaixador do país caribenho uma nota de protesto pela ocupação.

A partir de 2003, a política universalista seria alvo de interpelação por parte de segmentos conservadores da sociedade brasileira ante a disposição do Brasil de intensificar relações com países do terceiro mundo de modelo socializante. O clima se anuviaria com a visita, em 2007, do presidente George W. Bush.

Mais recentemente, o biênio 2019-20 também projetaria sombras sobre esse universalismo em face de uma política externa de declaradas preferências e preterições, o que começaria a mudar a partir de 2021.

O universalismo brasileiro é, contudo, de sustentabilidade real, porquanto suas raízes mais profundas são a estruturação do Brasil no cenário internacional, marcada por sua condição de país ocidental, pan-americano, sul-americano, sul-atlântico, multirracial e sem revisionismos ativos ou passivos, além de aberto para a cooperação internacional polidirecionada por sua própria amplidão geográfica e mercadológica.

Regida, assim, por uma mecânica que, qual na física newtoniana, a traz de volta ao universalismo como seu próprio ponto de equilíbrio, a política externa brasileira não tem como desafio maior mantê-lo, mas definir, a cada etapa das relações internacionais, o que pretende fazer com ele, que é seu ponto de partida, não de chegada.

Nestes tempos, o processo internacional estaria a indicar ao Brasil elaborar e executar estratégias sofisticadas de inserção global, com novas concepções, fórmulas, métodos, técnicas e instrumentos, que passam pela reorganização administrativa interna e delineamento de novas identidades e posturas profissionais dos atores brasileiros nas relações internacionais.

Trata-se não só de buscar "mais do mesmo", mas de lançar vetores novos de ação externa, com integração do conhecimento, da experiência, da imaginação e de uma lógica futurista, o que significa renovação ampla do fazer externo, ainda que sem abandono de hígidas tradições.

Num mundo cada vez mais interdependente na economia e tecnologia, que arrastam consigo a política, a ação externa não deve prescindir de metas de desempenho em medições como fluxo de comércio, de investimentos, cadeias de valor globais, termos de intercâmbio, "risco Brasil" e emissão de gás carbono, entre tantas outras relevantes.

Fecham-se os espaços para casuísmos e improvisações. Relações exteriores como que passaram a compor uma equação única de múltiplas variáveis, pedindo soluções compatíveis entre si e modelos sistêmicos e executivos, tão técnicos quanto políticos.

Esse é o desafio que o próximo quadriênio trará no campo das relações internacionais, ante a necessidade inadiável de o Brasil aprimorá-las como caudal de retomada do crescimento.


https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/11/politica-externa-universalista.shtm

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Terceira via e desenvolvimento econômico - Sergio Couri (FSP)

 Terceira via e desenvolvimento econômico 

Não bastam nomes, mas também ideias alternativas de gestão política, econômica e social.

TENDÊNCIAS / DEBATES

FSP, 9.ago.2022 às 10h00 

Sergio Couri

Embaixador, economista, advogado e escritor


Inquieta-me a expressã"terceira via", usada na Inglaterra a partir de Giddens, ou a "terceira posição" de Perón, na Argentina. Terceira via requer primeira e segunda, ao passo que o liberalismo e o socialismo são falsas dicotomias entre si. Nessa linha, só existe uma única via, a ser aperfeiçoada. Da mesma forma, desconforta-me a denominação "centro", por inautêntica. Alberga fisiologismos, permitindo a atores sociais e políticos defenderem-se de inconsistência e indefinição ideológicas e das práticas compatíveis. Fala-se demasiado de um "centro" indefinido.

O "centro" não está construído. É zona inexplorada. A maioria dos atores foge a identificar-se com "esquerda" ou "direita", para melhor resultado eleitoral. Também se diz de "centro-esquerda", quando se tem base eleitoral mais próxima ao salário mínimo, ou de "centro-direita", quando mais próxima às classes médias.

Centro não existe aprioristicamente. Precisa ser construído. Por isso costuma ser associado a um "ficar em cima do muro".

Parafraseando Clausewitz, acaba sendo o adiamento da "guerra" por outros meios. Por isso, é tema por demais abrangente para ser deixado apenas aos agentes políticos. Deve ser também tratado pelos pensadores e cientistas sociais, como engenharia social, que não prescinde de arquitetura. Não pode haver "centro" sem consistente ideário e programática de "centro".

"Centro", ou "terceira via", é contínua elaboração, porque o liberalismo puro ou histórico, herança dos séculos 17 e 18, nem sempre contribuiu à realização da liberdade. Quando o liberalismo existiu sem limites e controle, operou a favor dos mais fortes, e disso surgiram o capitalismo dito "selvagem" e os regimes autoritários, pois, para manter o liberalismo econômico, em certos momentos a ideologia liberal canibaliza suas faces política e civil, que têm de renascer das próprias cinzas.

De modo análogo, o socialismo puro, marxista ou utópico, nem sempre contribuiu para o avanço da igualdade e muito menos da liberdade, porque não foi feito para tanto.

Por outro lado, algumas "terceiras vias" ao longo da história, confrontadas por um de dois polos, enveredaram pelo nacionalismo extremo e pelo autoritarismo. Autoproclamavam-se "terceiras vias", mas cometeram o erro de pretender que o Estado fosse o juiz do conflito social, o que produziu resultados perversos, porque o mesmo é instrumento do poder; logo, nãé juiz imparcial, nãé o estágio mais alto da racionalidade, como quis Hegel. Ou se tornaram simples gangorras de benesses, como no caso dos diversos populismos.

Com miras àvindouras eleições, uma "terceira via" procura articular-se no Brasil como alternativa àradicalização e intolerância que se instalaram na sociedade brasileira.

Contudo, uma genuína terceira via não se fará tão somente com o lançamento de nomes alternativos, mas, sobretudo, com ideias alternativas de gestão política, econômica e social e de uma plataforma de ação que ponha o Brasil no rumo certo, ao ritmo desejável.

Não se construirá terceira via com a soma dos índices de rejeição aos nomes que a esquerda e a direita trazem ao ringue eleitoral, ou que não elabore e desenvolva certas interfaces, de modo a identificar com lucidez os problemas brasileiros e conceber estratégia pertinente de "fazer" público.

De assim não ser, estar-se-á desperdiçando rara oportunidade de sensibilizar a cidadania para a descoberta de fórmulas que permitam o compromisso e a conciliação.

O ponto de partida de um discurso e práxis de terceira via, e de seu "bloco histórico", outro não pode ser que o crescimento econômico, mola mestra do desenvolvimento. Concentração de esforços em um crescimento sustentável, como fonte de recursos para o desenvolvimento, para a maior setorialização e do Estado e do mercado na sociedade. Mas crescimento sustentável é também aquele que evite concentração de renda que possa levar a um capitalismo sem mercado, ou a critérios de dispersão de renda que findem por inibir um crescimento expressivo.

Desde os anos 1980, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro situa-se em torno de 2%, o que, descontada do crescimento demográfico, não inferior a 1%, aponta taxa de desenvolvimento econômico menor que 1% ao ano, na linha de Harrod-Domar. Isso sem mencionar as margens de erro e os fakes. São as quatro décadas perdidas, sem arranque para um verdadeiro desenvolvimento.

Mais ainda, o crescimento está fortemente atrelado a fatores externos, como variações no preço das commodities e alguns outros produtos que disfarçam a falta de aparelhamento da economia para o crescimento autopropulsionado. Quando a maré internacional baixa, deixa à mostra esse iceberg, e o clamor aumenta pelas "reformas", medidas polêmicas que não renderão os resultados de curto prazo esperados por um país onde jánão existe espaço para o não crescimento.

 

Trata-se, portanto, de estratégia de crescimento a ser concebida e implementada com rigor merkeliano, protegida de ações desviáticas. A dramaticidade do tema não permite muitas digressões sobre prioridades, apenas sobre técnicas e instrumentos. O receituário se simplifica.

O primeiro item da receita é o redimensionamento do papel do Estado, ora inchado, ora desidratado. Ele deve ter por objetivo básico, além de suas funções clássicas, o de criar "externalidades" (benefícios diretos e transversos) para todos os demais atores econômicos, incluindo ele próprio. Ademais, a qualidade da gestão estatal no Brasil não recomenda excessiva confiança no papel do Estado como agente do desenvolvimento, a não ser pela via intrínseca das externalidades.

O segundo item é a definição do papel do mercado. Aos setores diretamente produtivos deve ser deixada a tarefa de capitanear o crescimento, pois são os que reúnem condições de fazê-lo com maior eficiência, cabendo ao Estado priorizar em sua política econômica o aumento seletivo da produção.

Postos os atores em seus devidos lugares, o Estado brasileiro partirá em busca do maior volume possível de capital de risco e financeiro com que promover a implementação de externalidades pelo Estado e a expansão produtiva pelo mercado. "Nessun dorma"!

Atratividade para investimentos diretos e indiretos, financiamentos externos e internos, venda de ativos não monetários, de títulos e obrigações do Tesouro; política de juros, câmbio e inflação em patamares compatíveis com a competição no mercado externo etc. merecem ação incansável, mormente considerando-se o baixo grau de poupança e liquidez de uma economia exaurida por um crescimento inexpressivo.

Esforço intimamente ligado ao crescimento será o de aumentar a fatia do Brasil como "parceiro global" ("global partner" e "global trader"), condizente com ser uma das 15 maiores economias do mundo, preferivelmente sem reprimarização da pauta de exportações. A participação do Brasil no comércio internacional desceu do já pífio 1% dos anos 1970, o que pode marginalizá-lo no mercado globalizado.

Finalmente, não há como fugir a prioridades na definição de metas e projetos para a ação direta ou indutiva do Estado, com rígido controle do desempenho, dos mais diversos prismas, num país onde a máquina pública não dispõe de "esteiras de transmissão" eficientes.

Propósitos de terceira via que puderem percorrer essa distância entre o presente e o futuro no mais breve tempo possível serão os únicos dignos no Brasil de hoje e não deixariam de ser acessíveis às atuais "primeira" e "segunda" vias.

 

sábado, 21 de agosto de 2021

Memória de uma jornada a Kabul - poema de Sergio Couri (Islamabade, agosto de 2008; Brasília, junho de 2019)

 Memória de uma jornada a Kabul

Sergio Couri

 

Se vens a Islamabad

Rumo a Kabul, viajeiro,

Ouve aquele que lá foi,

E assim traça o teu roteiro:

 

Assesta o Noroeste 

Deste agreste Paquistão,

Com sua gente do campo

Na simples cultivação.

 

Verás Taxila, do Reino

Gandhara a sede. É cênico

Memorial alexandrino,

Que exalta o mundo helênico.

 

Em Peshawar visita

A Mesquita de Wazir Khan.

É qual arte certosina.

Da mais fina do Islã.

 

Ao ar livre ali traficam

Amas, e de precisão,

Fabricadas em oficina

De armeiro artesão.

 

Segue para o Poente

Das Províncias Irredentas,

Dos aguerridos Patãs,

Heróis de lutas sangrentas.

 

Torrentoso e cristalino,

Vindo do lado afegão,

O belo Rio Kabul

Correrá na contramão.

 

Cruza então o Passo Khyber,

Que não passaram os ingleses,

Contidos por afegãos

Em cada uma das vezes.

 

Só o cruzou Alexandre

Magno, grego genial, 

Após romper o nó górdio,

Em mais um feito imortal.

 

Apenas transposto o Passo,

Jallahlabad verás,

Onde as casas tem ameias

E os  homens armas a mais.

 

Esse povo tem sua têmpera

Contra invasores forjada.

Nem os russos lá ficaram,

Voltaram em debandada.

 

Vê em Kabul o museu

Dos Budas ditos  Gandhara,

É o buda helenizado,

Da arte jóia mais rara.

 

Vê a Tumba de Babur,

O Imperador Moghul

Herdeiro de Tamerlão

Que quis jazer em Kabul.

 

Senta ao jardim de Babur,

Onde repousa o Monarca.

Depois te refresca ao Qargha,

Faz um bom cruzeiro a barca.

 

De volta, galga o Swat,

Que o Himalaia dessegue

Com o degelo das neves,

Fluindo em raso talvegue.

 

Retorna a tua morada

Nas rotas convencionais.

Tem as benções do Profeta,

E com ele esteja a Paz.

 


Islamabade, agosto de 2008/ Brasília, junho de 2019.